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{{navegar
|obra=[[A Intrusa]]
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O trem dos subúrbios ia partir, quando Adolfo e Argemiro entraram na gare da Central. Adiante deles corria uma multidão pressurosa e atrapalhada, sobraçando embrulhos e arrastando crianças.
Nesse instante sentiram-se empurrados. Eram umas senhoras que lhes tomavam a dianteira no assalto, muito nervosas, olhando para trás, a contar-se, com medo que não ficasse alguma extraviada.
Caldas rogou uma praga.
Entraram ambos para um carro.
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Argemiro continuou, depois de sentado:
Argemiro reparou que ainda tinha nas mãos distraídas um lequezinho de papel apanhado à entrada do vagão. Revirou-o entre os dedos: tinha uma vareta quebrada, unida às outras por um fio de linha.
Era dela. Argemiro, ao entregar-lhe o leque, notou-lhe um movimento de alegria mal disfarçada. Voltou a sentar-se e Caldas instou:
Argemiro sorriu, lembrando-se do lequezinho quebrado, e do gesto de contentamento que fizera a dona ao reavê-lo. Pobrezinha...
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Caldas, por ter confiança no amigo, entrou a falar-lhe baixo da sua cooperação nos relatórios do Vieirinha, ainda maior trabalho do que tivera com os relatórios do Teobaldo, quando ministro da fazenda...
Argemiro riu-se; Caldas retomou o fio das suas confidências interrompidas.
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Lá fora a paisagem estendia-se larga, banhada de sol escaldante. Um véu fino de pó dourava a atmosfera. Laranjeiras pequenas, de grandes frutos dourados, alegravam aqui e acolá um ou outro ponto dos campos mal tratados, onde em gramados secos trilhas barrentas descreviam linhas tortuosas.
Adiante, o grupo de rapazes aumentara com outros sujeitos, que, abandonando os seus lugares, tinham vindo discutir a eleição do clube. Um dos moços, no calor da discussão, sentara-se no braço do banco em que viajava a senhora de cabelos grisalhos. Ela encolheu-se, com ar constrangido. O rapaz gritava aos outros:
Um outro advertiu-o de que ele estava incomodando a viajante; ele levantou-se com uma desculpa e foi nesse instante que o trem parou em Madureira.
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Caldas e Argemiro encontraram na estação a vitória do barão, que os esperava.
A chácara do barão ficava a um quilômetro da estação. O carrinho partiu ao galope de um cavalo ligeiro, e dez minutos depois transpunha o largo portão da chácara, seguindo até à porta da habitação, por uma extensa rua de mangueiras belíssimas.
Antes que o carro chegasse à casa, Maria da Glória atravessou aos gritos um grande relvado lateral da rua e, irrompendo de entre as mangueiras, atirou-se para o carro alegremente:
O cocheiro mal teve tempo de diminuir a marcha do animal e ela trepou para o estribo, enfiando no carro a cara afogueada e risonha. O pai segurou-a, puxando-a para dentro, sem coragem de ralhar com ela por aquela imprudência. Tentou falar, ela cobriu-lhe as barbas de beijos.
Chegavam à porta do velho palacete dos barões do Cerro Alegre.
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No patamar da escada, o sogro do Argemiro, barbeado de fresco, com o seu corpo franzino dentro de brins bem alvejados e o boné de seda preta seguro na mão fina e nervosa, sorria à espera dos hóspedes, a quem abraçou.
Argemiro aprendera com a mulher a chamar a baronesa de mamãe; percebendo agora quanto aquele título comovia o coração da velha, continuava a dispensá-lo de bom grado. Era como se a alma da morta lhe passasse pelos lábios todas as vezes que dizia essas duas sílabas amadas.
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Tinha as faces flácidas, a carne do pescoço descaída, a boca larga, a testa curta e ainda roubada pela espessura das sobrancelhas escuras. Cosia sentada em uma cadeira de balanço, ao lado de uma mesa redonda, coberta de um pano escuro e onde floria em um vaso um ramo de crisântemos pálidos.
Argemiro beijou-lhe a mão e sentou-se a seu lado. Caldas entreteve-se a conversar com o barão, que, pedida a vênia, cobrira com o boné de seda os seus cabelos brancos e encaracolados.
Pelos olhos da baronesa passou a sombra de um desgosto e ela disse:
O barão protestou:
Glória amuou.
Argemiro olhava para a filha com desgosto. A baronesa interveio:
Glória aproveitou o ensejo e correu para o interior, onde daí a instantes soavam as suas gargalhadas fortes, muito barulhentas.
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O pai informou-se, voltando-se para o sogro:
O velho abanou a cabeça, sorrindo; mas a avó exclamou, dirigindo-se ao Caldas:
Os olhos da baronesa encheram-se de lágrimas; o velho pigarreou, advertindo o genro que avançara demais no caminho das hipóteses; mas a baronesa reagiu, sorrindo:
Riram-se e o riso abafou um suspiro em que o Argemiro murmurou:
Foi só à sobremesa que Argemiro declarou ter tomado uma governanta para casa, e querer daí em diante ter uma visita da filha todas as semanas. Era um sacrifício para ele, homem tão ocupado, ir ali amiúde. Assim dividiriam o trabalho.
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A sogra parecia aterrada.
A baronesa pulou na cadeira.
Houve um silêncio constrangido. O barão interrompeu-o:
A baronesa olhou para o genro com curiosidade.
Glória assistira a toda a cena com muita atenção. O avô só no final se lembrou da conveniência de a afastar. Caldas, um pouco constrangido, demorava-se a descascar a sua laranja, conservando um silêncio discreto, e foi só depois do jantar que ele pôde convencer o barão a vender as suas terras ao ministro para a formação da colônia suíça, exploradora dos laticínios.
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A baronesa retirou-se para o seu quarto, declarando uma enxaqueca súbita. Argemiro aproveitou um momento para conversar um bocado com a filha.
Ela abraçou-o com frenesi pelo pescoço.
▲— Eu não sei!...
▲— Gostas de ir jantar comigo todos os sábados?
▲— Se gosto! Havemos de ir ao teatro, sim, papai?
▲— Ainda é cedo... terás tempo...
▲— Eu tenho uma vontade doida de ir ao teatro!...
▲— Irás... irás, se fores boazinha e dócil a teus avós... teu avô queixa-se de que estudas pouco... não quero isso.
▲— Não gosto de estudar; não gosto e não quero.
▲— Não quero?! não quero! então isso é coisa que se diga?!
– Oh!
▲— É. Eu não quero mesmo! Se o papai soubesse como é aborrecido estudar! Outro dia fiquei com tanta raiva que até rasguei o livro!
▲— Que espanto! Olhe, foi assim: vovô lembrou-se de me chamar, exatamente quando eu ia para a horta ajudar a Emília a apanhar vagens...
▲— É muito divertido apanhar vagens?
▲— É mais divertido do que estar sentada ao pé de vovô, na sala, com a pena na mão ou o livro diante dos olhos! Eu estava lendo e estava pensando na horta, estava escrevendo e estava pensando na horta, estava fazendo contas e a maldita horta não me saía da cabeça!... Vovô ralhou comigo; eu não sei que disse e ele levantou a régua para me dar... vovó entrou, zangou-se com vovô... Saíram os dois, eu fiquei sozinha... um pouco arrependida... quis estudar... abri o livro, mas não sei o que é que tinha nos olhos, que não via bem... então, desesperada, rasguei o livro...
▲— O que tinhas nos olhos eram lágrimas, minha filha, lágrimas de remorso por teres respondido mal ao teu avô, que te ama tanto, e teres sido causa de outro desgosto ainda maior...
▲— Oh! papai! — exclamou Glória, atirando-se de encontro ao peito de Argemiro, lacrimejante.
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▲— O que me vale é que tens bom coração...
Durante a viagem de regresso, Argemiro e Caldas falaram pouco. Um pensava na família, o outro em negócios. Foi já quase no fim que Argemiro desabafou:
Argemiro chegou a casa muito fatigado e entrou para o seu quarto. Estranhou logo ao princípio qualquer coisa que não pôde determinar o que fosse, mas que o impressionou bem. Ao pendurar a roupa no cabide de pé, viu que o tinham aliviado do grande peso de ternos de casimira, que o Feliciano deixava acumulado ali semanas e semanas, por preguiça de os escovar e guardar. Enfiando o ''robe-de-chambre'', notou que lhe tinham pregado um botão que lhe faltava. E pensou:
Sentou-se ao lado de uma mesa a ler um jornal, mas a folha descaiu-lhe das mãos e ele pôs-se a olhar para um retrato da mulher, suspenso em um cavaletezinho de prata fosca. A saudade da sua morta revivia todas as vezes que vinha de ver a filha; sentia-lhe a falta então, poderosamente. Se ela vivesse! Ah, se ela vivesse correria tudo suavemente!
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