Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Importação automática de artigos |
m Sobrescrição *** sobrescrever texto *** |
||
Linha 1:
{{navegar
|obra=[[São Cristóvão]]
|autor=Eça de
|seção=Capítulo V
|anterior=[[São Cristóvão/IV|Capítulo IV]]
Linha 11 ⟶ 10:
Os pajens que pela tarde vinham à fonte rir com as moças, tendo falado dele, nas veladas do castelo, o castelão quis vê-lo. E uma manhã, seguido do pai que pusera os seus melhores trajes, subiu à colina, que levava à ponte levadiça. Dois arqueiros, com saiões de couro, guardavam a porta; e os molossos no pátio puxavam furiosamente as correntes que os prendiam, ladrando, com as patas erguidas, contra o gigante que passava. A fachada do castelo erguia-se majestosamente, com um alto portão ogival sobre os degraus de mármore, duas torres aos cantos com telhados agudos, cobertos de lousas em escamas; e a cada janela havia um vaso de barro amarelo, onde crescia uma craveiro.
Um pajem levou-o pela escada, e tendo erguido uma tapeçaria, deixou-o numa sala, em abóbada, onde um tronco de árvore ardia sob uma alta chaminé, e lanças agudas brilhavam encostadas às paredes nuas e frias. Um galgo branco entrou correndo e pulando, e logo atrás o castelão e uma dama apareceram, com pajens que os seguiam. e um padre que trazia nas mãos um breviário. Uma túnica de veludo orlada de peles envolvia o corpo magro do Senhor, caindo sobre os sapatos pontiagudos, também orlado de peles. A barba ruiva avançava, dura e pontiaguda: o nariz era como o de um abutre: e sob o barrete de veludo, a grenha crespa, fugia para trás, como uma romeira hirta. O alto ''beguin'' da dama roçava quase o alto da porta; o seu vestido escuro arrastava nas lajes, e os olhos baixos pareciam contemplar as mãos caídas e cruzadas, mais pálidas que cera, de onde pendia um rosário. Um truão ao cada lado deles, anão e corcunda, pousava com um orgulho burlesco a mão nos grossos copos de uma espada de pau.
O pai de Cristóvão caíra de joelhos, e como Cristóvão permanecia de pé, com o seu barrete de pele debaixo do braço, ele puxava-o pelo saio para que ajoelhasse também. Os seus joelhos por fim vergaram, ressoaram nas lajes. E diante do Senhor, puxando entre os dedos os pêlos da barba dura, a dama com um sorriso tímido, e o capelão de mãos cruzadas no ventre, contemplavam os grossos membros de Cristóvão. A uma ordem do Senhor, ele ergueu-se, deu um passo. O senhor apalpou-lhe os músculos, puxou-lhe mesmo a carapinha: - depois, a nova ordem sua, três homens trouxeram uma enorme espada de ferro, enferrujada, que parecia a clava de Hércules. Com um movimento ligeiro, Cristóvão brandiu-a no ar. Então o truão, arrancando a sua espada de pau, avançou para Cristóvão com os ademanes de um espadachim: os guizos do seu barrete tilintavam; a sua corcunda torcia-se grotescamente; e com uma vozinha esguia, gritava:
Embaixo, na cozinha, sob a alta chaminé, grandes peças de carne, em espetos, assavam diante de uma fogueira enorme que estalava
Depois, apanhando o seu barrete de pele de coelho, saiu. As aias corriam às janelas para o ver. De sobre as ameias os homens de armas debruçavam-se: ele caminhava, confuso, coçando devagar a grenha.
Linha 21 ⟶ 20:
No entanto o Inverno sobreveio. Os caminhos estavam brancos de neve. E sobre os ramos descarnados e nus, os pássaros caíam mortos. Uma tarde o pai de Cristóvão voltou pálido da floresta, e sentou-se à porta a olhar o Sol que descia ao fundo do vale. Cristóvão estava adiante, sentado, encabando toscamente uma lâmina de foice. Quando o Sol se sumiu sentiu por trás um gemido: voltou-se: - o pai estava com a cabeça caída contra a parede da casa, a mão sobre o coração. De noite, os gritos de Cristóvão atroavam na aldeia. Vieram homens com forquilhas, mulheres encolhidas nos mantéus, erguendo, diante da face, uma lanterna. O cadáver estava estirado no chão sob um lençol. E à porta, que enchia com seu vasto corpo, Cristóvão chorava estridentemente.
Dois dias, duas noites, Cristóvão ficou estendido à porta com a face contra o chão: por vezes um soluço sacudia-o todo; depois a sua imensa forma era tão imóvel como os roncos em redor, derrubados e rígidos. O Inverno e a fome tinham espalhado pelos caminhos gente sinistra, que assaltava os casebres. Um bando veio sutilmente numa dessas noites: e, penetrando pela janela aberta, roubou tudo dentro, os vestidos, as ferramentas, o grão da arca, as roupas do catre
De manhã, vendo o casebre vazio, Cristóvão desarraigou um choupo novo, limpou-o de todos os ramos, e apoiando-se ao vasto tronco subiu pelo monte, desapareceu.
|