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{{navegar
|obra=[[São Cristóvão]]
|autor=Eça de
|seção=Capítulo XIII
|anterior=[[São Cristóvão/XII|Capítulo XII]]
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Assim pensando, caminhava Cristóvão. Todo o dia caminhou. Desde a véspera não tivera pão, nem água:
Cristóvão ia seguir, marchar, quando o rumor de uma cavalgada ressoou ao longe, e uma comitiva apareceu, caminhando com lentidão. Dois besteiros a pé, marchavam na frente. Um servo trazia molhos de archotes, para a primeira escuridão da noite. E logo atrás caminhava uma vasta liteira, com cortinas de couro vermelho e topes de plumas aos cantos. Duas damas, ao lado, montavam mulas brancas. Em roda vinham cavaleiros com lanças. E as arcas das bagagens carregavam duas fortes mulas, emplumadas de vermelho.
Cristóvão, logo de pé, tirou humildemente o seu barrete. E vendo aquela forma enorme, esguedelhada, negra, na claridade da tarde, os dois arqueiros, estacando, retesavam o arco, uma das damas deu um grito. A liteira parara, e de entre as cortinas uma dama muito velha, envolta em peles, espreitou, pondo ante os olhos a mão, coberta com um guante de caça. Mas Cristóvão, humildemente, caíra de joelhos. Então a dama deu uma ordem:
Bem depressa, no alto de uma colina, entre os grandes bosques que desciam para o vale, surgiram as altas torres. Na mais alta ardia uma chama, que se torcia ao vento. Longas buzinas soaram. E à entrada da ponte levadiça, apareceram tochas inumeráveis, que os escudeiros erguiam alto.
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Mas, no entanto, todos os criados cercaram Cristóvão, com espanto. Ele torcia o seu barrete nas mãos, humildemente. Os pajens riam da sua grenha hirsuta, da imensidade dos seus pés cheios de terra. Os mesmos cozinheiros tinham corrido, para o admirar. Os cães, assustados, latiam.
Mas um pajem veio correndo chamar Cristóvão à sala de armas:
O pequeno Senhor do castelo (porque seu pai morrera, havia dois anos, na guerra do rei da Ocitânia) tinha feito seis anos pelo Natal, e era tão delicado e louro, que pareceu a Cristóvão o Menino Jesus que havia no altar da capela. Mas, desde criança, fora educado para ser um cavaleiro forte: todas as manhãs lhe esfregavam os lábios com um pedaço de ouro bento, para que suas falas fossem honestas e brilhantes; a sua roupa era secada ao lume sobre o fio de uma grande espada, para que crescesse forte e amigo das armas; e trazia ao pescoço uma pedaço do Santo Lenho, para que o seu coração se enchesse de amor do Céu. O seu encanto fora sempre ouvir as histórias dos Paladinos. De noite sonhava com Roldão, e estendia os braços para empunhar a grande trompa que soara em Roncesvales. E desejava libertar damas presas em torres, domar dragões e ser servido por um gigante armado de uma clava.
E ali o tinha, o seu gigante, maior de que todos aqueles de que ouvira falar, nos serões de Inverno, aos trovadores de passavam esmolando, ou aos peregrinos que tinham visto as maravilhas da Terra Santa. Direito, a mãozinha assente na cinta, o olhar rebrilhante, estava diante de Cristóvão
O seu aio ergueu-o nos braços, mas não chegava àquela altura. As damas riam; os cavaleiros também, metendo os dedos entre os fios das barbas. Então Cristóvão agarrou delicadamente na criança, e pousou-a no seu grande ombro. Lá no alto, a criança sorria, vendo todos embaixo, tão pequenos, junto dos joelhos do gigante. Espicaçou o ombro de Cristóvão, gritou:
Então a dama velha deu suas ordens ao senescal. Cristóvão foi levado às cozinhas
Deitado, nessa noite, numa velha cavalariça abandonada, Cristóvão sentiu uma grande paz, e como um calor que o envolvia, vindo menos da palha fresca em que jazia do que do sentimento vago de que alguém o estimava, o queria, necessitava dele. Era aquela criança tão linda, tão nobre, com os seus longos cabelos de ouro. E toda a noite sonhou que uma criança assim, cujos cabelos louros caindo sobre a camisa branca o envolviam num brilho de ouro, vinha desde a ponta dos seus pés, caminhava ao comprido do seu corpo, como por uma estrada desigual que galga montes e vales: os seus pezinhos mal pousavam; e chegada junto da sua face, a criança parava, e debruçada sobre os seus grandes olhos, parecia contemplar dois lagos tranqüilos e claros como espelhos. Depois no mesmo silêncio, e caminhando sobre o seu corpo, recuava até a ponta dos seus pés, de onde se elevava para o ar, resvalando num raio oblíquo da Lua, que entrava por uma fenda.
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Bem depressa o Senhor apareceu montado num potro branco, com plumas brancas na gorra, sob a qual caíam os seus cabelos louros. Um aio, ao seu lado, levava o falcão no punho. E dois cavaleiros seguiam, de lança alta. Vendo Cristóvão, o menino gritou de alegria: e três vezes fez correr o potro, que se espantava, em torno de Cristóvão imóvel, com a sua maça no ombro. Depois, atravessando a ponte levadiça, correu pelo caminho largo, voltando-se na sela, airoso e vivo, para ver Cristóvão, que trotava com as suas vastas passadas, a longa guedelha ao vento. Pelas portas dos casebres, os vilões do castelo ajoelhavam à passagem do Senhor, que lhes atirava moedas de cobre, da sua escarcela; depois, em grupo, com os braços estendidos, ficavam a olhar o gigante que corria atrás.
Ao fim do passeio, tendo parado numa clareira onde se erguia uma torre, o menino não quis montar no potro, mas voltar ao castelo, cavalgando Cristóvão. Debalde o aio, com um joelho em terra, o potro pelas rédeas, lhe pediu para montar. Com o olhar vivo, ele disse só:
Então a sua alegria foi extrema. Era como se estivesse no alto de uma torre que caminhasse. Ora o fazia parar para apanhar as mais altas flores dos medronheiros, que atirava ao chão; ora queria espreitar os ninhos; ora, espicaçando o peito de Cristóvão, corria agarrado aos seus cabelos, como as rédeas de um ginete. E assim voltou ao castelo, onde a mãe e a avó, na grande varanda de pedra, apertavam as mãos, entre inquietas e agradadas, ao ver assim o menino cavalgar o gigante, como nos contos dos menestréis.
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E desde esse dia a melhor alegria do menino foi cavalgar Cristóvão. Eram então grandes correrias em torno às muralhas, ou em volta dos fossos, por vezes mais longe, até a floresta, Cristóvão sempre trotando, o menino sempre rindo. E assim pouco a pouco o menino se afeiçoara a Cristóvão, como um cavalo que o compreendia, o fazia rir, com corcovos violentos, ou passos largos e ondulados, como os de um vasto dromedário. Cristóvão também, pouco a pouco, se dera de todo o coração à criança. Quando o sentia sobre os ombros, toda a sua face se alumiava. Por mais fortemente que lhes puxasse os cabelos, só sentia a carícia das suas mãos. Para o fazer rir, relinchava como um corcel de guerra; ou fingia medo, não queria avançar, e as esporas do menino rasgavam o couro do seu tabardo. Nos dias em que chovia e o menino não saía do castelo, todo o dia Cristóvão rondava tristemente pelos pátios, com a melancolia da sua ociosidade: e de noite não recolhia à sua estrebaria, com os olhos na janela onde luzia a luz que alumiava o menino.
Por vezes, porém, o menino queria que Cristóvão viesse assistir ao seu jantar:
Mas, por vezes, o menino queria Cristóvão mais perto. Então a mãe, resignada, fazia um gesto seco:
Outras vezes, à noite, um pajem vinha buscar Cristóvão às cozinhas, e entrava na grande sala, onde ardia uma fogueira na chaminé. Sentada na sua cadeira, a avó tinha um livro de horas aberto nos joelhos, com o menino ao lado. Defronte a mãe fazia tapeçaria. E um trovador, ao pé, sentado num escabelo, contava um longo romance de cavalaria e de amor. Era sempre um paladino de armas negras, uma dama encerrada nalguma alta torre, um gigante guardando a porta de um castelo encantado. O menino exclamava:
E fazia então erguer Cristóvão, que parecia monstruoso, com os grossos joelhos vivamente alumiados pela chama dos trocos ardendo, a cabeça quase perdida na sombra das altas vigas. O frade erguia as pálpebras dormentes; a dama ficava com a longa agulha suspensa sobre a tapeçaria; e todos, olhando Cristóvão, sentiam mais real e viva a longa história de fadas e cavaleiros. Depois os escudeiros serviam bolos secos, e as grandes canecas do hipocraz.
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Ao meio dia dois trombeteiros anunciavam o jantar dos Senhores; ao portão do castelo iam-se juntando os pobres das terras senhoriais, pare receberem depois nos salões estendidos o resto dos pães, ou a carcaça das aves.
Às vezes, pela tarde, um repique de pandeiretas, de guizos, anunciava a chegada de uma companhia de menestréis e jograis: um deles, com o barrete na mão, pedia permissão para dar uma representação no pátio. As damas vinham ao balcão; todos os pajens corriam, o arquivista deitava a cabeça fora da janela da torre, os cozinheiros espreitavam de entre as reixas de feno:
Outras vezes era uma comitiva de fidalgos que chegava em visita. O pátio estava todo sonoro com o relinchar dos corcéis. Os pajens corriam azafamados. Nas janelas batiam-se as alcatifas:
Outras vezes, já por noite escura, ressoava às portas do castelo um trombeta de guerra. E um cavaleiro entrava, silencioso, coberto de ferro, seguido por seu escudeiro. Uma camareira corria com o gomil de água perfumada para lhe derramar nas mãos; um pajem desembaraçava-o de sua lança; outro marchava adiante, com uma tocha de cera;
Assim os anos passavam. O menino crescia
Mas Cristóvão não vivia ocioso. Os pajens davam-lhe as armas para limpar. O sacristão, velho e trôpego, pedia-lhe para varrer a capela
Depois, um dia, um parente chegou ao castelo, trazendo de presente ao menino um anão disforme, pouco mais alto que uma seta, com uma cabeça enorme de olhos maus, e um longa barbicha rala, que lhe fazia como o queixo de um bode. O menino teve então a paixão do seu anão. E nunca mais reparou em Cristóvão.
A dor de Cristóvão foi imensa. E o castelo tornou-se-lhe subitamente tão frio e deserto, como um cerro que as nortadas bate. Todo o dia seus olhos espreitavam os terraços onde o menino passeava, a porta por onde saía, a liça onde ele vinha jogar a seta. E quando ele aparecia, Cristóvão escondia-se por entre os ângulos das torres
Sentado à porta da torre, pensando naquela ingratidão, soltava grandes suspiros: e o arquivista debruçava a cabeça calva pelo postigo, aos ruídos daquela dor. Para ao menos estar misturado às coisas do menino, era ele quem limpava o seu potro favorito: mesmo por vezes lhe beijava o focinho; e a sela em que o menino montava, as rédeas cobertas de veludo, os seus estribos de prata, eram como coisas sagradas, em que tocava com devoção.
Por esse tempo, uma manhã, houve um grande rumor no castelo. O menino estava doente. Bem depressa dois pajens partiram galopando
Um dia, porém, o menino apareceu no terraço do castelo, apoiado às duas senhoras, pálido ainda, sorrindo ao sol de Inverno. Todos os criados, os servos, correram, saudando-o de longe com os barretes. A sineta da capela repicava alegremente. E Cristóvão, com as mãos postas, esperava ansiosamente que os olhos do menino se pousassem nele. O menino acercou-se da beira do terraço
[[Categoria:São Cristóvão|Capítulo 13]]
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