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{{navegar
|obra=[[São Cristóvão]]
|autor=Eça de
|seção=Capítulo XIV
|anterior=[[São Cristóvão/XIII|Capítulo XIII]]
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O castelo perdeu então para ele todo o seu encanto:
Todos o conheciam. Havia sempre para ele um pichel de vinho:- e Cristóvão brincava com as crianças ou ajudava a tosquiar os anhos. Pouco a pouco, tornou-se o serviçal de todos, e, como outrora na sua aldeia, era ele que acarretava os fardos, rachava a lenha, compunha os telhados, lavrava os chãos mais duros. Mesmo por vezes ia pastorear os rebanhos, ou guardava os moinhos. À noite ficava entre aquela pobre gente, sem pena do bom calor das cozinhas do castelo, do pão fresco, e da sua larga porção de carne salgada. Reunidos à lareira, num dos casebres, eles passavam o fim da tarde já escuro, olhando o lume, onde as raparigas assavam castanhas na cinza. E Cristóvão, no meio deles, escutava o seu falar lento e grave. Os mais velhos contavam histórias do velho conde, homem cruel, que nos campos impelia o seu corcel contra os lavradores, ou talava os vergéis. Diz-se que tinha pacto com o Demônio:- e muitos o tinham visto caçar de noite, à luz de tochas, guiado por um caçador todo escarlate , que tocava uma trompa de onde saíam chispas de lume. Outros tempos mais doces tinham vindo com o outro conde, o que morrera nas guerras, e com as damas, tão clementes, que as forcas patibulares estavam apodrecendo. Mas quanto lhes pesava ainda aquele alto castelo, de brasões e de flâmulas! Que dura era ainda a vida, sempre sujeita, toda de duro trabalho! E cada um contava a sua miséria, o labutar incessante, o pão escasso, os filhos rotos pelos grandes frios, a fome por vezes vindo com os seus dentes de loba... As vozes iam-se tornando mais tristes. O vento entrava pelas frestas dos casais. As mães, com um suspiro, embalavam os berços, onde dormiam inocentes, votados à mesma servidão e à mesma miséria. Cristóvão sentiu o seu coração doer, com uma compaixão infinita.
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Cristóvão recolhia ao castelo pensativo. E todas aquelas torres, aquelas muralhas lhe pareciam de um aspecto cruel e hostil ao pobre. Por que não haveria para todos a mesma lareira, o mesmo pão? Aqueles tesouros, que ele guardava na torre, seriam a abundância para criancinhas sobre toda a terra. Para que eram tantas armas? Os homens não se deviam combater, mas somente abraçar, em concórdia.
Um dia que ele assim pensava, sentado à beira dos fossos, um velho veio a passar, um dos servos do castelo, picando o seu burro carregado de erva. Parecia ter pressa, e no seu olhar havia como uma inquietação. Ao ver Cristóvão, parou dizendo:
Cristóvão escutara em silêncio. E em silêncio, também, recolheu ao castelo. Toda essa tarde rondou as muralhas, como para lhes estudar a solidez e a resistência. Depois, com os seus punhos fortes, palpou as portas. E como nesse momento o intendente passava, seguido do seu grande cão, perguntou:
Ele respondeu:
O intendente sorriu, encolheu os ombros
Bem depressa correu o grito que um bando armado avançava sobre o castelo. Os pajens correram, em confusão, à sala de armas, a tomar espadas, lanças. Os guardas trancavam as portas, desesperadamente. E o intendente, com os cabelos ao vento, gritava que se aquecesse o pez, o alcatrão, para despejar sobre o bando se ele quisesse escalar as muralhas, Mas ninguém escutava, na desordem. A longa paz desabituara os habitantes do castelo da disciplina, da prontidão. Não havia um cavaleiro para comandar. E as mulheres, correndo para a capela, e chorando, amoleciam os corações.
Subitamente um grande alarido ressoou sob os muros. Cristóvão subiu às ameias:
Cristóvão fora humildemente postar-se ao funda da sala abobadada. E tão grande era o seu terror, tão arraigado o desdém pelos servos que não era nele que os Senhores pensavam, nem no poderoso socorro de sua força indomável, mas nas espadas dos pajens, a quem elas gritavam que defendessem a porta.
Através dos pátios, no entanto, já os gritos dos feridos ressoavam por entre o clamor da turba de Jacques, que vinha como uma onda que arrebentou os diques. E mal a porta da torre fora fechada, que sobre ela caíram enormes machadadas, entre uivos de furor, o ruído dos vidros que se partiam, os gritos dos servos assassinados. Dentro ninguém falava, todos com olhos cravados naquela porta atacada
Sob os golpes desesperados a porta cedia! Pelas fendas da muralha entrava o fumo das fogueiras, que os Jacques acendiam no pátio para pegar o fogo ao castelo, com os móveis que arrastavam das salas, cadeiras brasonadas, arcas cheias de estofos. Já ninguém contava com a vida. Duas aias velhas, de rosário na mão, pediam a absolvição, ao padre, que as não escutava, de joelhos, batendo os queixos, entre os gritos de ''misereres.''
De repente a porta cedeu, tombou sob os seus grandes gonzos estalados
Foi como uma aparição
Para trás, para trás, sempre para trás, ia a turba, reatravessando os pátios, tropeçando nos servos que matara, caindo por sobre os lumes que acendera. Já estavam contra a muralha. Já as costas se voltavam para fugir. Então, com um último urro, que atroou toda a colina. carregou sobre a turba
Os Jacques mal compreendiam. Alguns, vendo descer Cristóvão, fugiam saltando os valados. Outros, furiosos, enristavam os chuços. Mas Cristóvão, brandindo a barra, gritou:
E num impulso irresistível, todo o bando o seguiu numa aclamação
[[Categoria:São Cristóvão|Capítulo 14]]
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