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{{navegar
|obra=[[São Cristóvão]]
|autor=Eça de
|seção=Capítulo XVIII
|anterior=[[São Cristóvão/XVII|Capítulo XVII]]
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Voltou, e abrindo os braços para os mercadores espantados, gritou:
Um mais novo logo se ofereceu. Cristóvão tomou-o sobre os seus largos ombros, em cada braço carregou um fardo, enquanto os outros ansiosos, rezavam à Virgem. Cristóvão passou
Logo nesta tarde Cristóvão, examinando aquele lugar agreste, recolheu troncos quebrados, ramarias secas, e calando a madeira na fenda das rochas, arranjou com a corda um longo, estreito telheiro, onde o seu corpo se abrigasse das chuvas e das neves. Depois, tendo desembaraçado dos pedregulhos o caminho, esperou, sentado na grande solidão, que aparecessem viandantes. Não tardaram a aparecer na outra margem um grupo de frades, que viajavam com o abade, montado numa mula. Apenas os viu, Cristóvão atravessou
Começou então para Cristóvão uma vida estável, quieta, junto daquele rio. Nas horas em que não havia gente, esperava sentado numa pedra, olhando correr a água, ou então alargava o caminho e construía à beira da água, com pedras, como um cais onde a gente lhe subia para as costas. A cada instante, porém, havia alguém a passar
Se lhe não pagavam, baixava a cabeça, saudando com humildade. Se lhe pagavam, beijava a escassa moeda de cobre:
Assim vivia desde longos anos. A sua cabeça já se vergava, os seus braços já não eram tão fortes. Por vezes, sob os grandes fardos, gemia lamentavelmente. Todos os seus membros estavam como troncos nodosos, inchados pela umidade constante. De todo ele saía um cheiro a vasa e a limo. E as suas pernas, sempre na água, tinham um tom verde, como as estacas de uma levada.
O seu leito de folhas secas era-lhe doce, e quando sentia vozes que o chamavam, era com um gemido que se erguia. Já lhe levava o dobro do tempo a cortar a corrente
Agora, apenas passava os viajantes, logo se vinha deitar. E chegou mesmo a pedir, por caridade, que lhe deixassem um pouco de vinho, para tomar nas noites mais duras, como um cordial que o amparasse. Oh! muito pouco, um pichel somente... Ele, cautelosamente, o pouparia.
Ora uma noite de grande Inverno, em que ventava, nevava, e o rio muito cheio mugia furiosamente, Cristóvão, já muito velho, trôpego, com feridas nas pernas, dormia no seu chão molhado
Com um gemido, logo se ergueu aquele bom gigante. Abriu o loquete da sua choça. E viu diante de si uma criancinha, pisando descalça a relva, com os cabelos a esvoaçar no vento e na chuva, e apertando sobre o peito, com as mãozinhas, a camisa muito branca que o cobria. Espantado, com lágrimas, Cristóvão abriu os braços.
E tremendo toda, no frio e na neve, a criancinha murmurou:
Já Cristóvão arrancara dos ombros a pele em que se agasalhava, e envolvia nela o corpinho tenro que tremia.
A criancinha estendeu o braço para o outro lado, onde os montes negros se erguiam. E murmurou muito baixo:
Mas um espanto tomava Cristóvão. Porque debaixo da pele negra de cabra, de novo a camisinha da criança aparecia rebrilhando na noite negra, toda branca de linho. Muito humilde, baixando para ele a face, o bom gigante disse, muito humilde:
A criança estendeu os braços pequeninos. Cristóvão com cuidado e docemente a foi pondo ao ombro. Mas, bruscamente, os seus joelhos vergaram, tocaram a rocha, sob o imenso peso que o esmagava, Ah! quanto pesava o menino! Com custo, se firmou nas suas velhas pernas doridas. Desceu, arrimado ao seu bastão, o caminho escorregadio, mergulhou na água os pés
Mas, naquele esforço supremo toda sua vida se fora. Não podia mais. E já se sentava, exausto, numa rocha, quando o menino lhe murmurou que não parasse, que marchasse ainda, o conduzisse à casa de seu pai. E Cristóvão, arquejando, começou a trepar o íngreme caminho da serra. Uma vaga claridade errava nos altos. E as rochas, os abetos, emergiam da treva densa, que os afogara. Uma frialdade trespassava o ar
Cada vez mais escarpado, entre rochas, se empinava o caminho da serra. E Cristóvão todo curvado, com os seus cabelos caídos sobe a face e pingando, arquejava a cada passo. Subiria ele jamais até a morada do menino? E uma grande dor batia-lhe o coração, no terror de cair sem força, e a criancinha ficar ali, naquele ermo rude, entre as feras, sob a tormenta. A cada instante tinha de arrimar a mão a uma rocha, desfalecido, de se pender à ramagem de um abeto. E a claridade crescia; já, no alto dos montes, ele via palidamente alvejar a neve.
E aquele bom gigante, agasalhando os pés do menino na dobra da pele de cabra, que o vento desmanchava, seguia com longos gemidos no caminho infindável, que mais apertava entre rochas, eriçadas de silvas enormes. Por fim, mal podia passar: as pontas das rochas rasgavam-lhe os braços, os longos espinhos atravessados, levavam-lhe a pele rude da face. E seguia! Já das feridas lhe pingava o sangue, e os olhos embaciados mal distinguiam o caminho, que parecia oscilar todo como abalado num tremor de terra. Uma luz, no entanto, mais viva, cor-de-rosa, já subia por trás das linhas dos cerros.
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Mas Cristóvão parou, sem poder mais. Com o menino agarrado nos braços, ficou encostado a uma pedra, arquejando.
Então o bom gigante fez um prodigiosos esforço, e a cada passo, meio desfalecido, os olhos turvos, a cada instante lançando a mão para se arrimar, tropeçando, com grossas gotas de suor que se misturavam a grossa gotas de sangue, rompeu a caminhar, sempre para cima, sempre para cima. Os seus pés iam ao acaso, no desfalecimento que o tomava. Uma grande frialdade invadia todos os seus membros. Já se sentia tão fraco como a criança que levava aos ombros. E parou, sem poder, no topo do monte. Era o fim: um grande Sol nascia, banhava toda a Terra em luz. Cristóvão pousou o menino no chão, e caiu ao lado, estendendo as mãos. Ia morrer. Mas sentiu as suas grossas mãos presas nas do menino
[[Categoria:São Cristóvão|Capítulo 18]]
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