Outras Reliquias (Machado de Assis, 1910)/Poezia/O Almada/Canto I: diferenças entre revisões

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{{navegar
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<poem>
;I
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A magna causa e a temerosa guerra
Que viu desatinado um povo inteiro,
Homens do foro, almotacés, Senado, <ref>Senado chamo eu em todo este livro ao que naquele tempo tinha o simples título de Câmara. A mercê de se chamar Senado foi feita à Câmara do Rio de Janeiro por provisão de 11 de março de 1748, segundo monsenhor Pizarro (''Memórias Históricas'', tom. VII, pág. 159). Segundo o Dr. [[Autor:Haddock Lobo|Haddock Lobo]] (''Tombo das Terras Municipais'', tom. 1, pág. 39) foi essa provisão datada de 11 de março de 1757. Vê-se que os dois autores combinam no dia e no mês. Para o nosso caso, não vale a pena examinar se foi efetivamente em 1757, se em 1748.
Homens do foro, almotacés, Senado, [1]
Apesar de só ter obtido aquela mercê no meado do século XVIII, a Câmara do Rio de Janeiro já anteriormente recebera a denominação de Senado em provisão régia datada de 1712.
Mais. No século anterior, em 1667, num auto de mediação nas terras do conselho, por mandado do ouvidor-geral Manuel Dias Raposo, deu-se à Câmara do Rio de Janeiro o título de Senado. (Veja ''Tombo das Terras Municipais'', tom. 1, pág. 88).
Finalmente, Lisboa (''Anais'', tom. III, pág. 323) traz uma carta da Câmara ao prelado Almada, com a data de 1659, que é a mesma da ação do poema, e escrita anteriormente ao episódio da devassa, a qual carta começa assim:
"''Neste Senado se fez por parte do povo...''"
Usava pois a Câmara, ainda que não legalmente, do título que lhe dou. <nowiki>[N. do A.]</nowiki></ref>
Oficiais do exército e do fisco,
Provinciais, abades e priores,
E quantos mais, à uma, defendiam
O povo, a Igreja e a régia autoridade.
 
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;II
E tu, cidade minha, airosa e grata,
Que ufana miras o faceiro gesto <ref>Mais de uma vez tenho lido e ouvido que a cidade do Rio de Janeiro nada tem de airosa e garbosa, ao menos na parte primitiva, a muitos respeitos inferior aos arrabaldes.
Que ufana miras o faceiro gesto [2]
Não me oponho a esse juízo; mas eu não conheço as belas cidades estrangeiras, e depois, falo da minha terra natal, e a terra natal, mesmo que seja uma aldeia, é sempre o paraíso do mundo. Em compensação do que não lhe deram ainda os homens, possui ela o muito que lhe deu a natureza, a sua magnífica baía, as montanhas e colinas, que a cercam, e o seu céu de esplêndido azul. Acresce que nesta dedicatória comparo eu o que é hoje ao que era a cidade em 1569, diferença, na verdade, enorme. <nowiki>[N. do A.]</nowiki></ref>
Nessas águas tranqüilas, namorada
De remotos, magníficos destinos,
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Varia com a idade o gosto; és moça,
E moça do teu século.
 
;III
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Governava Alvarenga, incorruptível
No serviço do rei, astuto e manso,
Alcaide-mor e protetor das armas <ref>Tomé Correia de Alvarenga, alcaide-mor do Rio de Janeiro e natural desta cidade, exercia interinamente o cargo de governador por não ter ainda chegado da Bahia o governador efetivo Lourenço de Brito Correia, como tudo fora ordenado na carta régia de 27 de março de 1657. <nowiki>[N. do A.]</nowiki></ref>;
Alcaide-mor e protetor das armas [3];
No mais, amigo deste povo infante,
Em cujo seio plácido vivia,
Até que uma revolta misteriosa
Na cadeia o meteu. O douto Mustre <ref>Ocorreu esta revolta em novembro de 1660. Era então Governador Salvador Correia de Sá e Benevides; mas tendo partido para São Paulo, a fim de visitar as minas, ficara no governo Tomé de Alvarenga. A revolta foi muito séria, como se pode ver do citado Lisboa (''Anais'', tomo IV, no princ.). Tomé de Alvarenga refugiara-se no convento de São Bento; foi dali arrancado e metido na fortaleza de Santa Cruz. <nowiki>[N. do A.]</nowiki></ref>
Na cadeia o meteu. O douto Mustre [4]
A vara de ouvidor nas mãos sustinha. <ref>Ouvidor geral era o seu título; chamo-lhe simplesmente ouvidor por liberdade e conveniência poética. <nowiki>[5N. do A.]</nowiki></ref>
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Do forte e grande Almada que regia
A infante igreja. <ref>O Rev. Dr. Manuel de Sousa Almada, presbítero do hábito de São Pedro, foi nomeado prelado administrador por provisão de 12 de dezembro de 1658, e tomou posse no mesmo ano em que se passa a ação do poema, 1659. <nowiki>[N. do A.]</nowiki></ref>
A infante igreja. [6]
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As mesmas aves contemplou, que outrora,
Rasgando como então o azul espaço,
Iam do Ilisso às ribas africanas. <ref>Duas vezes alude [[Autor:François-René de Chateaubriand|Chateaubriand]] à emigração das cegonhas da Grécia para a África. Uma, no ''[[Itinerário]]'', parte I, e diz assim: “''Vi, quando estávamos no alto da colina do Museu, formarem-se em bando as cegonhas e abrirem vôo para a África. Fazem elas há dois mil anos esta mesma viagem; vivem livres e felizes na cidade de Sólon como na cidade dos eunucos gregos''”.
Iam do Ilisso às ribas africanas. [7]
Nos ''[[Mártires]]'', canto XV, põe na boca de Demódoco estas palavras (trad. de [[Autor:Filinto Elísio|F. Elísio]]):
 
:“''Cada ano erguem seu vôo, essas cegonhas,''
:''De abas do Ilisso e areias de Cirene,''
:''E aos campos de Ereteu cada ano voltam.''
:''Quantas vezes não acham erma a casa''
:''Que florente ficou, quando partiram!''
:''Quantas o mesmo teto em vão buscaram''
:''Onde não tinham de lavrar seus ninhos!''”
Nada há tão deveras melancólico como esse contraste do homem com toda a mais natureza. Muita vez, subindo a alguma das eminências da nossa cidade, e lançando os olhos do corpo a essa vasta aglomeração de obras que a civilização criou e perfez, volvo os da alma a quatro séculos antes, quando uma sociedade semibárbara dominava as margens do golfo e as terras interiores. Nenhum vestígio há já dela; nenhum vestígio há de haver da nossa, depois que volverem outros séculos; mas o sol que os aluminou e nos alumia é o mesmo; e toda a natureza parece indiferente às nossas obras caducas. <nowiki>[N. do A.]</nowiki></ref>
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== Notas ==
<references/>
 
[[Categoria:O Almada|Canto primeiro]]