Viagens de Gulliver/Parte III/VIII: diferenças entre revisões

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''[Mais histórias sobre Glubbdubdrib. Correção das histórias antiga e moderna.]''
 
Desejando conhecer aquelas personagens antigas que haviam se notabilizado pela inteligência e pela erudição, dediquei um dia inteiro para essa finalidade. Propus então que [[:w:Homero|Homero]] <ref><font color=green>'''Homero: ''':</font>viveu por volta do ano 850 a.C, foi poeta épico da Grécia Antiga, ao qual tradicionalmente se atribui a autoria dos poemas épicos Ilíada e Odisseia.</ref> e [[:w:Aristóteles|Aristóteles]] <ref><font color=green>'''Aristóteles: ''':</font>(em grego antigo: Ἀριστοτέλης, transl. Aristotélēs; Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande.</ref> aparecessem diante de todos os seus comentadores, estes, porém, eram em número tão elevado, que centenas deles foram obrigados a esperar na corte, e nas salas externas do palácio. Logo de vista conheci e pude distinguir estes dois heróis, não só dentre a multidão, mas também um do outro.
 
Homero era o mais alto e a pessoa mais simpática dentre os dois, caminhava de forma bastante correta para uma pessoa da sua idade, e o seus olhos eram os mais vivos e penetrantes dentre os que já havia visto. Aristóteles andava muito curvado, e usava uma bengala. Seu rosto era magro, seus cabelos eram lisos e finos, e sua voz cavernosa. Logo notei que os dois eram verdadeiros estranhos em relação aos demais que ali compareciam, e que nunca tinham visto ou ouvido falar deles; e um fantasma de cujo nome declinarei, me sussurrou: "que estes comentadores sempre se mantinham nos lugares mais afastados dos seus comentados, no mundo inferior, devido ao sentimento de vergonha e culpa, porque haviam representado de forma tão adulterada o pensamento dos autores para a posteridade."
 
Eu apresentei '''[[:w:Dídimo Calcenteros|'''Dídimo]]''']]<ref><font color=green>'''Dídimo Calcenteros'''</font color=green> ou '''Dídimo de Alexandria''' (em grego: '''Δίδυμος χαλκέντερος'''; ca. 63 a.C. — 10) foi gramático grego que viveu em Alexandria. Junto a outros quatro gramáticos de Alexandria, nomeadamente Aristônicos, Seleucos e Filoxenos, dedicou-se Dídimo ao estudo dos textos de Homero.</ref> e <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/Eustátio_de_Antioquia |'''Eustácio''']]</font color=green> à Homero, e os convenci para que fossem tratados melhor talvez do que merecessem, pois ele logo notou que eles queriam que um gênio assumisse o comando do espírito do poeta. Aristóteles, porém, perdeu toda sua paciência devido ao relato que lhe fiz de <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/João_Duns_Escoto |'''Escoto''']]</font color=green> e de <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_de_la_Ramée |'''Ramus''']]</font color=green>, quando lhes apresentei a ele, e perguntou-lhes, "se os outros membros daquela tribo eram tão ignorantes como eles próprios?"
 
Em seguida, solicitei ao governador para que evocasse <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/René_Descartes |'''Descartes''']]</font color=green> e <font color=green>[http[://pt.wikipedia.org/wiki/w:Pierre Gassendi |'''Gassendi''']]</font color=green>, com quem insisti para que explicassem seus sistemas a Aristóteles. Este grande filósofo espontâneamente reconheceu seus próprios equívocos com relação à filosofia natural, alegando que muitas vezes fizera uso da imaginação, como fazem todas as pessoas, e ele achou que Gassendi, que havia tornado a doutrina de <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/Epicuro |'''Epicuro''']]</font color=green> tão aceitável quanto possível, bem como os vórtices de Descartes, haveriam de ser desmascarados. Ele prognosticou a tão conhecida teoria da atração, de quem os sábios em questão são seus zelosos divulgadores. Disse ele, "que os novos sistemas da natureza eram apenas novos modismos, que poderiam variar em todas as épocas, e mesmo aqueles, que fingem demonstrar essas teorias a partir de princípios matemáticos, teriam seus momentos de glória somente por um curto período de tempo, perderiam o seu brilho quando isso fosse determinado."
 
Passei cinco dias conversando com muitos outros dos antigos que conheci. Vi a maioria dos primeiros imperadores romanos. Insisti para que o governador evocasse os cozinheiro de <font color=green>[http[://pt.wikipedia.org/wiki w:Heliogábalo|'''Heliogabalus''']]</font> para que nos preparasse um jantar, mas não lhe foi possível demonstrar muitas das suas habilidades, por falta de material. Um escravo de <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/Agesilau_I |'''Agesilaus''']]</font color=green> preparou para nós um prato de sopa espartana, mas não consegui dar uma segunda colherada.
 
Os dois cavalheiros, que haviam me levado até a ilha, tinham pressa para decidir seus assuntos particulares pois deviam retornar em três dias, tempo esse que utilizei para ver alguns dos mortos modernos, que haviam sido uma das maiores figuras, durante duzentos ou trezentos anos no passado, em nosso próprio e em outros países da Europa, e tendo sido sempre um grande admirador das antigas famílias ilustres, pedi ao governador que evocasse uma ou duas dúzias de reis, acompanhados de seus ancestrais em ordem de suas oito ou nove gerações.
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Porém o meu desapontamento foi doloroso e inesperado. Porque, no lugar de uma imensa comitiva desfilando diademas reais, vi em uma família dois violinistas, três elegantes cortesãos, e um prelado italiano. Numa outra, um barbeiro, um abade, e dois cardeais. Eu sentia uma veneração muito grande por cabeças coroadas, para permanecer muito tempo com um tema tão fascinante. Porém, com relação aos condes, marqueses, duques, e outras dignidades honoríficas, não tive tantos escrúpulos. E devo confessar, que não foi sem alguns resquícios de prazer, que eu pude rastrear os aspectos particulares, com os quais se notabilizaram determinadas famílias, desde suas origens.
 
Pude descobrir claramente de onde provêm numa família um queixo pronunciado, porque uma outra era repleta de patifes durante duas gerações, e de tolos por mais duas; porque uma terceira família era constituída por pessoas fracas de cabeça, e uma quarta de criaturas mais perspicazes; sendo decorrente desse fato, o que <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/Virgílio |'''Polidoro Virgílio''']]</font color=green> dizia a respeito de uma certa casa de renome, <font color=blue>NEC VIR FORTIS, NEC FŒMINA CASTA</font color=blue><ref><font color=green>'''NEC VIR FORTIS, NEC FŒMINA CASTA:'''</font>Expressão em latim que significa: [Esta casa não possui]] nem um homem forte, nem uma mulher virtuosa.</font></ref>; o modo como a crueldade, a falsidade, e a covardia, começaram a se tornar as características pelas quais determinadas famílias se distinguiam, bem como pelos seus brasões de armas; quem pela primeira vez trouxe a varíola para uma casa nobre, o que acabou se transformando em tumores escrofulosos para a posteridade. Nem poderia eu ficar surpreso diante de tudo isso, quando eu conheci uma certa interrupção de linhagem de constituída por escudeiros, lacaios, valetes, cocheiros, jogadores, violinistas, atores, capitães e ladrões de carteira.
 
Fiquei, principalmente, decepcionado com a história moderna. Pois, tendo examinado rigorosamente todas as pessoas de maior distinção nas cortes dos príncipes, durante cem anos no passado, descobri como o mundo havia sido mal conduzido por escritores corruptos, que atribuiram as maiores façanhas de guerra, a homens covardes; os conselhos mais sábios, a néscios; a sinceridade, a aduladores; a virtude romana, a traidores de suas pátrias; a piedade, a ateus, a castidade, a sodomitas; a verdade, a espiões: quantas pessoas inocentes e de grande mérito foram condenadas a morte ou ao exílio devido à influência de grandes ministros mediante a corrupção dos juízes, e a maldade de determinadas facções: quantos vilões foram exaltados aos píncaros da verdade, do poder, da dignidade e da vantagem: como era intensa a participação nos movimentos e nos acontecimentos das cortes, conselhos, e senados que foram desafiados por cafetinas, prostitutas, alcoviteiros, parasitas e bufões.
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Havia muitas vezes lido a respeito de grandes serviços prestados a príncipes e a estados, e desejei ver as pessoas para quem esses serviços foram oferecidos. Diante da pergunta eles me disseram "que os seus nomes não constavam de nenhum registro, com exceção de alguns deles, de quem a história tem apresentado como os malandros e traidores mais abjetos." Todos eles tinham o aspecto de depressivos, e estavam miseravelmente apresentados, e a maioria deles me dizia, "que haviam morrido na pobreza e na miséria, e os demais no patíbulo ou na forca."
 
Dentre outros, havia uma pessoa, cujo caso me pareceu um pouco incomum. Estava acompanhado de um jovem que estava do lado dele e que tinha aproximadamente dezoito anos de idade. Ele me contou que, "durante muitos anos tinha sido comandante de um navio, e que na <font color=green>[[:w:Batalha de Áccio|'''Batalha naval do Áccio''']]</font color=green><ref><font color=green>'''Batalha de Áccio'''<font color=black>: ocorrida em 2 de setembro do ano 31 a.C., perto de Actium, na Grécia. Vitória decisiva de Otaviano (futuro imperador Augusto) sobre Marco Antonio.</ref> ele tivera muita sorte de romper a grande linha de combate do inimigo, afundara três de seus navios mais importantes, e apreendera um quarto, o qual tinha sido a única razão para a fuga de <font color=green>[http[:w://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_Ant%C3%B3nio |'''Marco Antonio''']]</font color=green>, e da conquista da vitória; e que o jovem que estava ao seu lado, e que era seu único filho, havia sido morto em combate."
 
Acrescentou ele, "devido à confiança que depositava no caráter do filho, que a guerra havia acabado, e tendo ele tomado o caminho de Roma, solicitou à corte de Augusto para que um grande navio fosse colocado sob seu comando, cujo comandante havia sido morto, mas, com todo o desrespeito às suas pretensões, o posto foi oferecido a um garoto, o qual jamais havia visto o mar, era filho de '''Libertina''', que era dama de companhia de uma das amantes do imperador. Ao retornar para sua embarcação, foi acusado de negligência do dever, e o navio foi posto sob o comando do escudeiro favorito de '''Publicola''', o vice-almirante; diante disso, ele se retirou para um pequeno sítio que ficava a uma considerável distância de Roma, e ali viveu até o fim de seus dias." Eu estava tão curioso para conhecer a verdade sobre esta história, que eu pedi para que <font color=green>[http[://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_Vips%C3%A2nio_Agripa w:Marco_Vipsânio_Agripa|'''Agrippa''']]</font color=green> fosse evocado, porque ele havia sido almirante naquele combate. Ele compareceu, e confirmou toda a história: porém com detalhes muito mais vantajosos para o capitão, cuja modéstia havia atenuado ou ocultado grande parte de seu valor.
 
Eu fiquei surpreso de ver que a corrupção havia atingido voos tão altos e de maneira tão rápida naquele império, por culpa da imposição dos excessos que haviam sido introduzidos nos últimos tempos, o que me fez me surpreender menos ainda diante de muitos casos paralelos que ocorrem em outros países, onde vícios de toda espécie haviam se multiplicado durante tanto tempo, e onde todo louvor, assim como toda pilhagem, havia sido monopolizada pelo comandante chefe, que talvez não tivesse direito nem a uma coisa, nem a outra.
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== Notas do Tradutor ==
 
Todos os termos grifados em verde ou constantes desta referência não constam da obra original e foram colocadas pelo tradutor para melhor entendimento do texto.
 
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