Iracema/VIII: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
m 555: match
m 555: split
Linha 8:
}}[[Categoria:Iracema]]
 
==[[Página:Iracema - lenda do Ceará.djvu/50]]==
A alvorada abriu o dia e os olhos do guerreiro branco. A luz da manhã dissipou os sonhos da noite, e arrancou de sua alma a lembrança do que sonhara. Ficou apenas um vago sentir, como fica na mouta o perfume da flor que o vento da serra desfolha na madrugada.
 
<pages index==[[Página:"Iracema - lenda do Ceará.djvu/" from=50]]= to=53 />
Não sabia onde estava.
 
A saída do bosque sagrado encontrou Iracema: a virgem reclinava num tronco áspero do arvoredo; tinha os olhos no chão; o sangue fugira das faces; o coração lhe tremia nos lábios, como gota de orvalho nas folhas do bambu.
 
Não tinha sorrisos, nem cores, a virgem indiana: não tem borbulhas, nem rosas, a acácia que o sol crestou; não tem azul, nem estrelas, a noite que enlutam os ventos.
 
&mdash; As flores da mata já abriram aos raios do sol;
==[[Página:Iracema - lenda do Ceará.djvu/51]]==
as aves já cantaram: disse o guerreiro. Por que só Iracema curva a fronte e emudece?
 
A filha do Pajé estremeceu. Assim estremece a verde palma, quando a haste frágil foi abalada; rorejam do espato as lágrimas da chuva, e os leques ciciam brandamente.
 
&mdash; O guerreiro Caubi vai chegar à taba de seus irmãos. O estrangeiro poderá partir com o sol que vem nascendo.
 
&mdash; Iracema quer ver o estrangeiro fora dos campos dos tabajaras; então a alegria voltará a seu seio.
 
&mdash; A juruti, quando a árvore seca, foge do ninho em que nasceu. Nunca mais a alegria voltará ao seio de Iracema: ela vai ficar, como o tronco nu, sem ramas, nem sombras.
 
Martim amparou o corpo trêmulo da virgem; ela reclinou lânguida sobre o peito do guerreiro, como o tenro pâmpano da baunilha que enlaça o rijo galho do angico.
 
O mancebo murmurou:
 
&mdash; Teu hóspede fica, virgem dos olhos negros: ele fica para ver abrir em tuas faces a flor da alegria, e para sorver, como o colibri, o mel de teus lábios.
==[[Página:Iracema - lenda do Ceará.djvu/52]]==
 
Iracema soltou-se dos braços do mancebo, e olhou-o com tristeza:
 
&mdash; Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé, e guarda o segredo da jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria.
 
&mdash; E Iracema?
 
&mdash; Pois que tu morrias!
 
Esta palavra foi como um sopro de tormenta. A cabeça do mancebo vergou e pendeu sobre o peito; mas logo se ergueu.
 
&mdash; Os guerreiros de meu sangue trazem a morte consigo, filha dos tabajaras. Não a temem para si, não a poupam para o inimigo. Mas nunca fora do combate eles deixarão aberto o camucim da virgem na taba de seu hóspede. A verdade falou pela boca de Iracema. O estrangeiro deve abandonar os campos dos tabajaras.
 
&mdash; Deve: respondeu a virgem como um eco.
 
Depois a sua voz suspirou:
 
&mdash; O mel dos lábios de Iracema é como o favo que a abelha fabrica no tronco da andiroba: tem na doçura o veneno. A virgem dos olhos azuis e dos cabelos do sol guarda para seu guerreiro na taba dos brancos o mel da açucena.
 
Martim afastou-
==[[Página:Iracema - lenda do Ceará.djvu/53]]==
se rápido; mas voltou lentamente. A palavra tremia em seu lábio:
 
&mdash; O estrangeiro partirá pata que o sossego volte ao seio da virgem.
 
&mdash; Tu levas a luz dos olhos de Iracema, e a flor de sua alma.
 
Reboa longe na selva um clamor estranho. Os olhos do mancebo alongam-se.
 
&mdash; É o grito de alegria do guerreiro Caubi: disse a virgem. O irmão de Iracema anuncia que é chegado aos campos dos tabajaras.
 
&mdash; Filha de Araquém, guia teu hóspede à cabana. É tempo de partir.
 
Eles caminharam par a par, como dois jovens cervos que ao pôr do sol atravessam a capoeira recolhendo ao aprisco de onde lhes traz a brisa um faro suspeito.
 
Quando chegavam perto dos juazeiros, viram que passava além o guerreiro Caubi, vergando os ombros robustos ao peso da caça. Iracema caminhou para ele.
 
O estrangeiro entrou só na cabana.