Encarnação (José de Alencar)/IV: diferenças entre revisões

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}}[[Categoria:Encarnação (José de Alencar)|Capítulo 04]]
 
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Era noite de partida em casa do Sr. Veiga.
 
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— Ah! é amigo do Sr. Hermano?
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— Amigo de infância.
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— Sei perfeitamente; mas tinham-me dito que ele não regula desde que ficou viúvo.
 
— Com efeito, Carlos sofreu um abalo terrível
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com esse golpe. A morte de D. Julieta, que ele ainda não esqueceu, nem esquecerá, causou-!he uma espécie de paralisia moral. Durante dois meses não pronunciou uma palavra; vivia mecanicamente; era um autômato movido por um velho criado, o Abreu, cuja dedicação por ele é a de um pai extremoso. —Tenho visto este criado; se não me engano é quem governa a casa.
 
—Estava eu resolvido a passar algum tempo em Paris para dedicar-me aos estudos de minha profissão.
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— Sem dúvida, mas não demência. O estado de Carlos era simplesmente uma insensibilidade moral: um desprendimento do mundo, que o tornava impassível ao movimento social. Vivia em si e de si, das recordações que enchiam sua alma. Nunca, porém, eu notei no seu espírito a menor vacilação, e muito menos um desvario. Quanto aos estranhos, viam nele um homem frio, concentrado, de poucas falas, mas de juízo seguro e talento refletido.
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— O senhor defende seu amigo com tanto calor que me faz desconfiar da justiça da causa, doutor, disse Amália a sorrir.
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— Em Paris? perguntou Borges com ar de dúvida, apenas de leve dissimulado pela cortesia.
 
— Em Paris, numa visita que fizemos ao Louvre. Carlos sempre teve gosto e inclinação para as artes; lembrei-me um dia de mostrar-lhe o museu de pintura e escultura. Deixei-o um instante para falar a alguém que encontrara na sala; quando o procurei fui achá-lo diante de um quadro, creio que a Ester ou a Suzana do Veronese. Voltou-se; já não era o homem absorto e sombrio que ali entrara: tinha no semblante e em toda a sua pessoa a expressão afável dos mais belos dias de sua vida. Vi em seu olhar uma interrogação e pensando que ela se referia à tela, improvisei admiração, que não sentia, pois, surpreso e contente daquela transfiguração, eu
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nenhuma atenção prestava ao quadro. Não obstante prodigalizei elogios ao desenho, ao colorido, à criação do grande pintor. —Não; não é isto!... disse-me ele. Mas tu não podes compreender a beleza que este quadro tem para mim?. Eu percebi que ele achara nessa imagem uma reminiscência de sua Julieta.
 
— Ora, descobriu-se afinal a fênix dos maridos! exclamou Amália com uma risada expansiva dirigindo-se à amiga. Nenhum poeta até hoje, que eu saiba, animou-se a inventar um Penélope masculino. Estava reservada esta glória ao Dr. Teixeira.
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— Não se lembra de seu desespero por encontrar a mulher unida a outro? É uma das cenas mais tocantes.
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— Esse amor caduco e de cabelos brancos, pois tinha mais de vinte anos...
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— Completamente. Daí em diante foi outro, ou antes, foi o mesmo homem que todos conheceram na época de seu casamento. Aquele painel tinha operado nele uma verdadeira ressurreição.
 
Amália, que tomara o seu lugar, interrompeu de novo o médico para insinuar uma observação maliciosa. —
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Foi o painel, ou alguma estátua?
 
— Nós estávamos na sala de pinturas, minha senhora.
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O Dr. Teixeira deixou passar a observação da Amália; e, para não acentuá-la com uma pausa, continuou a referir a Borges o episódio da viagem de Hermano.
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— Pode acreditar no que lhe digo. Carlos não tem o menor sintoma de perturbação mental. Nesse mesmo dia da nossa visita ao Louvre emancipou-se da minha solicitude e viveu sobre si. Depois que voltou ao Rio de Janeiro entretivemos uma correspondência seguida; e nas suas cartas respirava certo contentamento íntimo e sereno, que eu vim encontrar na sua vida habitual.