A Bella Madame Vargas/II: diferenças entre revisões

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''No dia seguinte, às 2 horas da tarde''
 
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D. Maria - Uma leve indisposição. Desde ontem, veio-lhe a migraine.
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Fiorelli - Com este lindo dia de primavera?
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D. Maria - Eu? Como Deus é servido. Cuidando da vida dos outros desde que a minha já vai no epílogo.
 
Fiorelli (distraído) - Seriamente!
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Seriamente!
 
D. Maria - Este Fiorelli! Sempre distraído! Sim, seriamente - séria e tristemente. Mas fale-me de si. Que fez ontem à noite?
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D. Maria - Mando-lhe amanhã.
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Fiorelli - Veramente!
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Madame Vargas - Outros devem mais. Também tu! Lembrar-me tal coisa, na situação em que estou!
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D. Maria - Situação que não é de hoje...
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Madame Vargas - E ainda brincas?
 
D. Maria - Para que desanimar? Tenha fé em ti. A nossa situação é desesperadora. Tu mesmo não sabes quanto deves. Devemos a todos os fornecedores, aos criados e ainda por cima fazemos mais dívidas, com o mesmo louco trem de vida. É delicado. Mas seria possível
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parar agora, fazer leilão, ir morar para uma casa qualquer? Que prazer teriam os teus inimigos, isto é, a sociedade inteira! A bela Hortência Vargas, a viúva do diplomata, a orgulhosa Hortência que rejeita as melhores propostas, descendo do seu pedestal.
 
Madame Vargas - Nem todos pensam assim.
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Madame Vargas - Tia!
 
D. Maria - Ele é tão delicado, que é impossível recusar. E há um ano vivemos nesta
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despesa de grão-duque sem rendimento! Mas tenho fé Resolves agora tudo.
 
Madame Vargas - Resolvo?
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D. Maria - Como? Então não aceitaste?
 
Madame Vargas - Aceitei sim, aceitei. Não foi só pela
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questão de dinheiro. Desde que José tão humildemente me ofereceu a sua mão de esposo, uma imensa e submissa gratidão me foi enchendo a alma. Aceitei. Mas querer-me ele e desejar eu esse enlace já, é o mesmo.
 
D. Maria - Não pode deixar de ser já. A demora é o desastre.
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Madame Vargas - Não se convence. Ao contrário. Ameaça fazer um escândalo, ameaça contar tudo.
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D. Maria - Mas é infame.
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D. Maria - Realizarás, estou certa. Mas que vais fazer?
 
Madame Vargas - Imagina o que é preciso fazer! Que esforço, que contenção de nervos. Há oito dias, Carlos desconfiou; sentiu que José era mais do que um partido. O seu ciúme as suas cenas! Aumentam
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hora a hora! Tia, se Carlos tiver a certeza do pedido de casamento, estou perdida. E ele desconfia.
 
D. Maria - Não.
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D. Maria - Não vi, mas tinha a certeza. Não fosse eu mulher! A mulher só tem um recurso contra o ciúme: entregar-se. Esquece que ainda complica a vida.
 
Madame Vargas - Sim, sim. Foi pior. Não imaginas que noite, que pavorosa noite de sofrimento. A insistência sua, a terrível
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insistência, o nome do outro nos seus lábios que me beijavam com brutalidade! Tinha ímpetos de escorraçá-lo e estreitava-o mais. É preciso o ocultar, ocultar. No dia que souber, conta tudo ao José Não dormi. Só há um recurso, fugir, casar fora daqui, ver-me livre dele. Depois José defender-me-á!
 
D. Maria - Minha pobre Hortência!
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Madame Vargas - Ele vem hoje. Prometeu-me ontem. Só ele que sabe de tudo e é bom e poderá ajudar-me. (Aparece o criado).
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Antônio - O Dr. José Ferreira.
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Madame Vargas - (vai por as flores no vaso sobre o piano) - Merci. Mas sabe que é escandaloso? Quem o vir chegar todo dia com um ramo de rosas o que não dirá?
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José - Que importa, se é para bom fim!
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Madame Vargas - Fez bem. Que disse ela?
 
José - Ficou contente. Tudo que parece ser a minha felicidade é de resto sempre a vontade de mamã. Sou _filho único e ela é só. Imagine que pensa em netos! Mas conhecia-a de
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vista e acha-a linda. Sabe que causa uma impressão de rainha?
 
Madame Vargas - Lisonjeiro!
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Madame Vargas - Senhor Dr. José Ferreira, se viesse sentar-se em vez de dizer isso?
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José - É a verdade. Quando há dois meses a vi no teatro tive uma tão esmagadora impressão! O coração se fez pequeno, pequeno. Já me disseram que só se fica assim diante das pessoas que nos vão dar um grande bem ou mal irremediável. Lembra-se? Ao entrar no seu camarote pelo braço do Guedes, não sabia o que dizer. O coração adivinhava e fazia-se pequeno com medo.
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José - Porque logo se fez amor. Mas nem calcula como esse seu ar tão superior, esse seu ar de imperatriz faz os outros se julgarem menores. Eu tremo sempre de a perder...
 
Madame Vargas - Ilusão! A imperatriz já o vira na platéia e indagava: quem será aquele rapaz
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diverso dos outros que me olha na quinta fila?
 
José - Hortência!
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José - Amo-a tanto! Hortência, que bem o sinto, o meu amor há de fazê-la feliz.
 
Madame Vargas - José! Conhece-me. Deve-lhe ter dito tanto mal de mim! A fria Hortência, é que despreza todos os pretendentes! Sim! é uma pouco verdade. Nunca amei. Entretanto, não sei porque nesta minha vida, neste inferno de festas, de alegrias que são amargores e amargores que não são alegrias, só uma pessoa dá-me uma impressão de sossego, de paz d'alma, de apoio, de satisfação completa - você. Quando você está, sinto­me tão calma, tão descansada, tão bem! É fé - a fé de
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que encontrei enfim o meu amigo, o meu protetor, o meu verdadeiro esposo. E o meu coração sente-se então muito largo, muito largo, e eu tenho uma grande vontade de chorar.
 
José - É bom falar-me assim, Hortência. Se eu quisesse dizer-lhe o que é o meu amor, dir­lhe-ia que desejava fazê-lo forte e macio como de aço coberto de veludo, para defender sem a magoar. Porque é superior ás outras, porque tem a alma tão alta e a beleza tão altiva, é que precisa de quem lhe abra o caminho, de quem limpe a estrada da pedra e da erva daninha, de quem sob os seus passos estenda o arminho e as rosas. Eu amo-a assim, Hortência. Muito, muito. Se não me desse atenção, se não me quisesse ver, teria desaparecido sem a criminar. Levaria comigo apenas a mágoa da minha inferioridade, e não teria uma queixa e não diria nada. Sabendo que me aceita, que me agasalha, sinto que
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a vida se completa e que a sorte, trazendo-me a felicidade e fazendo-me bom, completou que a série dos seus bens, dando-me para conduzir a estrela que de longe eu seguia...
 
Madame Vargas - José! José! Eu nunca tive me falasse assim. Eu nunca tive. Se tudo entre nós tivesse de acabar, poderia levar a certeza de uma recordação indelével, a certeza da revelação. É tão delicado e tão bom! Dá-me flores e o seu amor. Quantos me ofereceram isso antes, eu recusei. Ofereciam? Sei lá! Queriam. É você o único que oferta, e tão bem que o perfume da sua alma entontece, e que uma grande vontade de ser boa faz da pobre Hortência alguém que só no mundo o quer. Mas é sonho. Tudo quanto é muito bom não pode ser verdade.
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José - Por que?
 
Madame Vargas -
Madame Vargas - Tenho medo daqui, tenho medo de tudo. Enquanto não o conhecia, José, enquanto a minha vida era lutar e resistir nesta sociedade de invejas, de intrigantes e
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Madame Vargas - Tenho medo daqui, tenho medo de tudo. Enquanto não o conhecia, José, enquanto a minha vida era lutar e resistir nesta sociedade de invejas, de intrigantes e
 
de egoístas, era forte e queria. Tinha de ser. Diante de mim o horizonte se definia sempre igual e pardacento. Agora não. Agora tenho medo, tenho medo de tudo. A cada passo penso que vão destruir a minha felicidade.
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Madame Vargas - O meu desejo era um só - partir. Partir consigo.
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José - Já agora está assentado o nosso casamento.
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Madame Vargas - O meu desejo era que o mundo o ignorasse, que fosse depois como uma surpresa irrevogável.
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José - Eu, ao contrário desejaria que todos soubessem.
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José - Que importa a opinião dos outros?
 
Madame Vargas -
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Essa gente vive conosco na mais cordial simpatia, mas ao perceber a felicidade, é uma raiva que lhes dá de despeito e de inveja.
 
José - Dizendo-o a todos, ninguém se atreverá. O mistério dá-me a impressão de que vamos cometer um crime.
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Madame Vargas (de súbito, rindo) - Tu partes num dia, eu parto no outro. Chegamos no mesmo dia. E depois de lá chegar, eu rirei, eu rirei...
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José - Como está nervosa, Hortência. Nunca a vi tão nervosa como hoje.
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Madame Vargas - Palavra?
 
José - Palavra. Desde que lhe declarei o meu amor, imagina inimigos por todos os cantos. Não é tanto assim! Levei um mês a ouvir o-~ falar de si. E o que diziam? Que era insensível, que era má,
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que seria incapaz de amar? Vivem a verdade de tudo isso! De mim o que poderão dizer? Nada ou tudo. Que importa se não acredita? Mas é vontade sua.
 
Para que contrariar? Acabemos. Amo-a. Quer partir? Que seja já. Mais depressa casaremos.
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José - Como?
 
Madame Vargas - Sim, embarcando amanhã, eu seguiria depois de amanhã noutro paquete, só com a criada. tia ficaria. Ninguém saberá senão depois de estarmos longe. tudo se esclarecerá quando dois dias depois os telegramas disserem o nosso casamento.
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disserem o nosso casamento.
 
José - Mas é uma-fugida.
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José - Mas,_3ortência, é um estado de nervos...
 
Madame Vargas - Não, é medo. Medo de ver desfeita a única ilusão da minha vida. Sou só no mundo. Só agora comecei a amar a um ente, quando o sofrimento já me fizera medrosa. Esta sociedade dilacera-me. Enquanto não o conheci - não pensava. Agora cada vez penso mais, cada vez desejo mais. Terá que anunciar uma
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felicidade a realizar-se. Realizamo-la antes para fazê-la depois conhecida. Para que demorar?
 
José - Não me incomoda a opinião alheia. Mas neste caso a maledicência será contra si. Hortência.
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José - É uma viagem de núpcias inteiramente nova!
 
Madame Vargas -
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Cada um no seu vapor e antes do casamento! Como vou rir! Como vou rir!
 
José - Mas é preciso não ficar assim nervosa... porque então não vou nem mesmo à cidade...
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José - Volto à noite. Tranqüilize-se. Já lho disse. E juro que parto.
 
Madame Vargas - Meu
Madame Vargas - Meu querido! (Acompanha-o até a porta. Fica a dizer-lhe adeus porque José passa pela varanda. Depois tem um grande suspiro, distende os braços. Infinita tristeza na face. Instante. Silêncio. C,ái numa cadeira junto à janela, meditando. Entra Belfort).
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Madame Vargas - Meu querido! (Acompanha-o até a porta. Fica a dizer-lhe adeus porque José passa pela varanda. Depois tem um grande suspiro, distende os braços. Infinita tristeza na face. Instante. Silêncio. C,ái numa cadeira junto à janela, meditando. Entra Belfort).
 
Belfort - Muito bom dia, Hortência.
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Belfort - Vim do landaulet. Não o vi. Trata-se dele?
 
Madame Vargas -
Madame Vargas - Trata-se do drama da minha vida, desta minha desgraçada vida. Não tenho ninguém para desabafar, para me aconselhar num grave momento, a não ser a tia, que é boa e não tem inteligência, e o senhor que é inteligente...
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Madame Vargas - Trata-se do drama da minha vida, desta minha desgraçada vida. Não tenho ninguém para desabafar, para me aconselhar num grave momento, a não ser a tia, que é boa e não tem inteligência, e o senhor que é inteligente...
 
Belfort - Mas não sou bom.
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Belfort - Não diga isso. Sabe bem que só pode ser bom para uns o que é mau para outros. (Desce a ela) Mas como está nervosa! Pobre Hortência! Que coração o seu! Sabe a que a comparo? A uma flor cujo viço depende de muito cuidado e que jaz para aí sem esse cuidado à mercê da intempérie. Diga-me. Vai casar sempre?
 
Madame Vargas - Barão, sabe toda a minha vida. Nunca
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lhe ocultei nada porque seria inútil. Sabe mesmo antes que lhe digam. Sim. Quero realizar esse casamento. Que pensa ele?
 
Belfort - É uma solução, a única mesmo.
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Madame Vargas - E pensa como eu desta gente!
 
Belfort - Engana-se. Não penso, classifico. No dia em que cada homem sério quiser organizar-
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se um pouco à maneira de um gabinete de identificação, a sociedade melhorará quase tanto como o desejam os socialistas. Será apenas o uso intensivo da precaução, - da ciência da precaução. Mas em tudo isso, minha querida Hortência, o essencial é não sofrer. Todos nós desejamos não sofrer. E parece que sofre pelo menos uma grande preocupação. Não é o José? Esse ama-a leal e sinceramente...
 
Madame Vargas - É a minha vida.
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Madame Vargas - Estou incapaz de continuar, estou sim, cansada de sofrer. Não posso mais. Conhece-me há muito, barão. Não me queixo nunca. Mas já não posso.
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Belfort - Não se trata mais de lutar. Trata-se de um sentimento.
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Madame Vargas - Barão, sou muito infeliz! Nunca fiz mal a ninguém por vontade. E entretanto parece que tudo se revolta contra mim. Sabe o que se passa?
 
Belfort - Q que não podia deixar de ser, minha boa Hortência.
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Acabou por amar deveras um homem digno que a pediu...
 
Madame Vargas - E de repente, quando tenho a felicidade, quando a sinto ao alcance da mão, após uma vida de esforço, de sacrificio, de tormento oculto, o único momento de loucura, o único instante de esquecimento desta vida exemplar, ergue-se como o desastre.
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Belfort - A velhice torna infalível a observação.
 
Madame Vargas -
Madame Vargas - Eu entretanto já antes o compreendera também. Abandonara-me a um desvario de momento, a um desejo mais forte, e estava à mercê de uma criatura egoísta, seca, brutal, um rapaz que tem a prática da maldade de um velho. Precisava dum consolo. Tive um aro de ferro que me cerra, que me cinge, que me aperta. Antes de poder escapar­lhe, veio José É tão diferente!
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Madame Vargas - Eu entretanto já antes o compreendera também. Abandonara-me a um desvario de momento, a um desejo mais forte, e estava à mercê de uma criatura egoísta, seca, brutal, um rapaz que tem a prática da maldade de um velho. Precisava dum consolo. Tive um aro de ferro que me cerra, que me cinge, que me aperta. Antes de poder escapar­lhe, veio José É tão diferente!
 
Belfort - É não pensar senão no José...
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Belfort - Fazia acena do ciúme insolente.
 
Madame Vargas - Desconfiou que há da minha parte mais do que simples interesse por José.
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Desconfiou e eu neguei. Neguei por medo, neguei por covardia. Quanto mais eu nego, porém, mais o seu ciúme quer, mais exige. Vivo num tormento. Não posso mais. Se confesso, sinto-o bastante capaz de, por vingança, ir dizer ao outro a minha falta. Se nego, tenho de fingir, de fingir amor por um ente, que não amo, que não amei nunca, que apenas me entonteceu. Como é fátuo, como é mau, como é cruel esse rapaz, meu amigo. Não! É preciso acabar com isso já. Mesmo que não case com o José, não poderei mais suportá-lo!
 
Belfort - Tenha calma.
 
Madame Vargas - Só a um homem como o senhor falo como a mim mesmo. Sou bem uma infeliz. Sabe o meu orgulho de menina, a minha vaidade. Recalquei o desejo, com a ambição de triunfar. Era bela, a intangível. Casaria
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com um grande nome. Há dez anos - em torno de mim amontoaram-se os desastres. Fugi do amor, e quando esse amor estava para chegar, ainda o desastre, o maior, o insuperável me fez ruir todas as esperanças. Não quero! Não quero, não! É de mais. Porque preciso vencer, porque quero ser digna - porque amo.
 
Belfort - Mas não se exalte.
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Madame Vargas - Jurou-me. E faz. Sei que faz, para muito mais. Conhece-o?
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Belfort - Vi-o menino.
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Belfort - Mais do que supõe. Quer ter confiança em mim?
 
Madame Vargas - É a única pessoa que me merece.
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pessoa que me merece.
 
Belfort - Que pretende fazer?
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Madame Vargas - Que fazer? Eu não sei! Já não penso.
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Belfort - É simples. Dizer-lhe tudo.
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Maria (à porta) - Hortência. (Os dois voltam-.se, D. Maria faz um sinal significativo).
 
Madame Vargas - Ei-lo aí.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/120]]==
Vê? Volta! Está continuadamente aqui. Volta a ameaçar-me.
 
Belfort (resolução.súbita) - Recebo-o eu.
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Madame Vargas - Não me perca! Não me perca!
 
Belfort - Nunca dou um passo sem a certeza do que vou fazer. Vá. (Leva-a com autoridade até a porta, fecha-a. Senta-se numa poltrona). Há quanto tempo não via um pequeno drama em
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pleno desenlace. Vai ser realmente delicioso! (Recosta-se com indiferença).
 
Carlos (entrando, surpreendido) - Oh! O senhor?
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Belfort - Ainda não a vi. Anda de certo nos arranjos da casa. Pobre D. Maria!
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Carlos - É uma boa senhora.
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Belfort - É que ambos temos uma preocupação forte.
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Carlos - 0 barão tem alguma?
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Carlos - Mas... Nada.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/124]]==
 
Belfort - Ainda bem. Há pouco, depois do almoço, vim ver Hortência e soube de coisas muito interessantes.
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Carlos - Ah!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/125]]==
 
Belfort - Claro que com a sua altivez e a sua intangível honestidade ela não aceitaria nem aceitará nunca auxílios de dinheiro estranho. Qual a solução que você apontaria à nossa pobre amiga, que não sabe ser senão bela e gastadora - para a salvar do cataclismo?
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Carlos - Compreende, esta confidência imprevista...
 
Belfort - Da minha parte, não há dúvida, deve espantá-lo. Mas nós conversamos muito. E há de fato uma solução providencial, a solução que noventa e nove vezes sobre cem acode as pessoas acostumadas ao
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luxo, quando o luxo vê que as vai perder. Hortência, no seu desastre financeiro, conserva a maior dignidade e a maior pureza. Dela até agora, nem suspeita. Quer um charuto?
 
Carlos - Obrigado, não fumo.
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Belfort - E a providência, como sempre providencial, arranjou a solução...
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/127]]==
 
Carlos (explodindo) - Barão, por que me tortura, há tanto tempo?
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Carlos - E mandou chamá-lo para me dizer isso?
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Belfort - Como amigo que a respeita e que deseja a sua felicidade.
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Carlos - Estima! A ironia dessa palavra! Estima! Dou-me a ela, hipoteco-me à sua vontade, vivo por ela, pensando, sonhando nela, num sentimento imenso de dedicação, de amor, escondendo-me, humilhando-me. E quando após três meses, ainda é maior o meu sacrifício, casa com outro e manda-me dizer que eu reflita. Há de convir que é cômico.
 
Belfort (impassível) - A vida é uma dor contínua que se finge
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não sentir - como medo de não mais a sentir. Que se há de fazer/
 
Carlos - mas para que fingir.
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Belfort - E esquece que eu o conheço muito bem.
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Carlos - Trata-se de um caso diverso, trata-se de outra coisa.
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Belfort - E esquece até mesmo a sua situação, que me abstenho de definir.
 
Carlos - Diga. Continue. A minha situação miserável, a situação que no primeiro momento envaidece, mas que só se compreende depois. Diga. Ela é a grande dama, que esqueceu alguns meses o seu dever. Eu sou o rapaz sem conseqüências. Bem vestido, filho de boa família, mas sem profissão e sem dinheiro. Quando vem o interesse, allons oust! Seja cavalheiro
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/131]]==
e passe muito bem. Simplesmente o inferior! Ah! Meu caro barão, você não compreenderá nunca a fúria de amar, quando a gente se sente inferior. É uma miséria, é um nojo, é um desespero. A maioria dos desclassificados vem do amor em que eram inferiores. Eu sou inferior. Eu não tenho dinheiro. Se ela fosse rica, eu seria apenas o preferido, o manteúdo! Oh! Sim. Havia de bater-lhe para mostrar que antes de ser dela, ela é minha. Há mais porém. Sou o preferido secreto que ela arreda para casar com outro. E então tudo quanto ainda tenho de nobre, que é um desesperado orgulho, me sobe à cabeça. Tenho ciúmes, ciúmes idiotas, sem razão de ser. Ë uma luta. Vou quase a ceder e de repente vem-me palpável a lembrança dela e dele, que é estúpido, que é rico. Estúpido, rico e forte... Penso que ele sabe, que ele me despreza. Penso que ela acabará desprezando-me também, satisfeita em tudo com um espírito que se deixe dominar, com o dinheiro para gastar e além
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disso, com um homem forte e moço! Meu Deus! Eu já sabia que ela ia casar. Ao ver esse pobre diabo, que só a leva pelo dinheiro e pela posição, adivinhei. Então agarrei-me aos últimos instantes de dúvida, desejei-a como quem rouba, violei-lhe a fraqueza como um salteador, entontecia de.medo, de susto, de pavor...
 
Belfort (frio) - E vai tranqüilamente deixá-la em paz!
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Belfort - Para que esse desespero? Você é moço. A juventude pensa que tudo acaba, quando tudo continua. Para que tanto drama? Raramente as mulheres valem uma loucura. Talvez por isso não há mulher que não tenha enlouquecido um homem. Ou dois. Ou mesmo três. Mas não importa. As mulheres são pequenos vasos de cristal transparente.
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Não tem cor. Nós é que lhes pomos a tinta da nossa ilusão. Vemo-las azuis, rosas, ou negras. retirada a tinta, meu rapaz, os vasos continuam sem cor. Você é um temperamento que eu conheço bem. Ela porém é um pouco diversa de você. Acabou. Acabou tudo. Retire a tinta. Outros amores virão. E o que fizer sofrer a outras mulheres compensá-lo-á do que não pode mais fazer a Hortência.
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Carlos - Exagero?
 
Belfort - Não quererá fazer-me crer numa paixão fatal por Hortência. Conheço-o muito bem. Uma paixão fatal é profundamente aborrecido_ Trata-se de uma conquista
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mundana, aquilo por que vocês todos almejam: a mulher bonita de sociedade, que se assalta uma noite de baile, que se envolve em luxúrias aprendidas nas pensões, e que se conserva mesmo às escondidas como um brasão, porque posa bem. Oh! não! Interromper-me para quê? É exatamente isso. depois a paixão ocupa. Entra uma Renée e uma Glória qualquer e sempre elegante, o luxo gratuito de uma senhora a quem se domina pela revelação libidinosa, pelo próprio terror do escândalo...
 
Carlos - Barão! Não me confunda com essa gente. O seu ceticismo aniquila a vontade que tenho de convencê-lo! Não! Eu não quero impedir a felicidade dela, eu sei que sou transitório, que não devo ser levado em conta.-Ela pode casar. Mas não com aquele, não com ele. Esse não! não!
 
Belfort - Por que?
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Carlos - Não sei! Já não sei o que digo! Mas não. É instintivo, é uma revolta furiosa.
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Belfort - Você vai deixar de pensar em fazer.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/136]]==
 
Carlos - Veremos.
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Carlos - É uma opinião de efeito para as mulheres.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/137]]==
 
Belfort - A melhor, Carlos, que, peço aceitar.
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Belfort - Por ser amigo de seu pai, encontrou-me você sempre...
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/138]]==
 
Carlos - Oh! barão. Creio que não vai trazer á coleção uns pedidos de rapaz para peitar a minha consciência.
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Carlos - O senhor alega-me coisas que de certo não fez com o fim de se fazer meu tutor em questões de mulheres?
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Belfort - É um caminho errado esse. Estás a mostrar a alma demais. E se eu quisesse alegar?
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Carlos - Barão, é pouco generosos o que faz. Não é de um homem como o senhor!
 
Belfort - Eu poderia dizer-lhe as minhas reflexões diante dessa pequena falta, em
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que se mostrou com lucro tão mau imitador...
 
Carlos - Mas não é digno! Não é digno!
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Carlos (prostrado) - Barão! É o senhor o único homem que me pode falar assim. Não! Não continue. Eu não sei o que faço. Eu não sou mau, não, não sou! É a fatalidade. A fatalidade que me fez um gozador sem fortuna, um leviano, um pobre rapaz leviano. Tudo é contra mim. Até agora. Até agora. É o desespero que me leva a ameaçar Hortência. Eu aceitaria tudo menos o outro. E até aí a minha desgraça o faz ganhando a partida. Porque lembrar o que foi mau, por que lembrar o que passou há tanto tempo?
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Belfort - A nossa palestra termina.
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Carlos - Foi mau,.foi tão mau! _Disso só o senhor e eu sabemos. Nada mais resta... Não precisava lembrar tanta coisa. Eu sou eu. Não precisava fazer valer em defesa de uma criatura que eu amo, esse processo tão esquisito, tão policial...
 
Belfort - Diga a palavra. Essa chantagem. Graças aos deuses a chantagem não é só para as
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coisas ruins. Mas a nossa palestra findou. Levou-me a excessos de que me arrependo.
 
Pedia-lhe que refletisse. Ainda o peço. E tenho tanta confiança na sua prudência que o deixo só.
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Madame Vargas (abre a porta da direita de repente) - Belfort?
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Carlos (estacando) - Foi-se.
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Carios - Falou-me como um negociante. Convenceu-me.
 
Madame Vargas - De que?
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De que?
 
Carlos - De que somos todos do mesmo pano, assaz infames: ele, tu, o noivo e eu. Cedemos um pouco cada um de nós e as coisas irão da melhor maneira, no melhor dos mundos possíveis.
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Madame Vargas - Acho esquisito que tivesses ficado para dizer insolências.
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Carlos - Não as direi mais.
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Carlos - Convenceu-me. Mas por que chamá-lo? Que se deu? O que eu pensava? Bastava que me tivesse dito logo no primeiro dia. Sou um cavalheiro, sou ao menos teu amigo. Compreendo as necessidades. Compreendo muito bem. Para que fingiste? Tu é que andaste mal.
 
Madame Vargas -
Madame Vargas - Eu? Se não tivesse estabelecido um cerco angustioso em torno de mim, a espreitar, a entrar a todo o instante, a responderes quase com ódio, se não tivesse a cada passo uma cena terrível de ameaça, teria agido doutro modo. Mas tu viraste meu inimigo.
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Madame Vargas - Eu? Se não tivesse estabelecido um cerco angustioso em torno de mim, a espreitar, a entrar a todo o instante, a responderes quase com ódio, se não tivesse a cada passo uma cena terrível de ameaça, teria agido doutro modo. Mas tu viraste meu inimigo.
 
Carlos - O amor é cego.
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Madame Vargas - Devo lembrar-te que falas comigo.
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Carlos - Estou certo.
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Madame Vargas - Carlos!
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Carlos - E no momento em que lhe falamos como a iguais, ficam imensamente ofendidas.
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Carlos - Não se trata do que eu possa fazer.
 
Madame Vargas -
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É uma miséria! E dizer que me entreguei a um grosseirão da tua ordem!
 
Carlos - O papel de vítima vai-te mal.
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Carlos - Em troca eu tenho-te inveja!
 
Madame Vargas - Para que cavar entre nós o abismo das más palavras?
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Para que cavar entre nós o abismo das más palavras?
 
Carlos - Há um maior.
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Carlos - Hortência!
 
Madame Vargas -
Madame Vargas - Não vens nunca senão com a ameaça. O teu amor é a violência e a afronta. Que queres tu afinal? Dize, que eu faço. O barão falou-te. Estou arrependida de lho ter pedido. Era melhor, sem receio, desde que é esta a minha situação, arrostar com tudo. Vamos a saber. Queres casar comigo?
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Madame Vargas - Não vens nunca senão com a ameaça. O teu amor é a violência e a afronta. Que queres tu afinal? Dize, que eu faço. O barão falou-te. Estou arrependida de lho ter pedido. Era melhor, sem receio, desde que é esta a minha situação, arrostar com tudo. Vamos a saber. Queres casar comigo?
 
Carlos - Hortência.
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Carlos - Quando se ama não se reflete como tu refletes. O teu casamento é um pretexto para me afastar. Já não me queres`
 
Madame Vargas -
Madame Vargas - Não quero loucuras, não quero o meu sacrificio inútil - inútil porque não o compreenderias. Por enquanto eu sou a Bela Madame Vargas que requestas numa linda vila na melhor sociedade. Seria a mesma amanhã seguindo-te na miséria?
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Madame Vargas - Não quero loucuras, não quero o meu sacrificio inútil - inútil porque não o compreenderias. Por enquanto eu sou a Bela Madame Vargas que requestas numa linda vila na melhor sociedade. Seria a mesma amanhã seguindo-te na miséria?
 
Carlos - Para que frases?
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Carlos - Ora!
 
Madame Vargas - Dize sempre. Dize... Ficaremos com a situação clara.
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Dize sempre. Dize... Ficaremos com a situação clara.
 
Carlos - O amor-é o sofrimento.
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Madame Vargas - Não divagues, Carlos. Fala a verdade.
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Carlos - Digo o que sinto.
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Carios - Hortência!
 
Madame Vargas - Não te incomodava
Madame Vargas - Não te incomodava eu ser de outro, não te aborrecia isso, o sangue não te enchia a cabeça nessa ocasião. Eu que te ouvia, tu que falavas como éramos iguais! Tem pois a coragem da verdade. Não te aborreceria que eu desposasse fulano ou sicrano, o deputado Guedes ou o banqueiro Praxedes. O que te incomoda, o que tu não queres é que seja o José.
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Madame Vargas - Não te incomodava eu ser de outro, não te aborrecia isso, o sangue não te enchia a cabeça nessa ocasião. Eu que te ouvia, tu que falavas como éramos iguais! Tem pois a coragem da verdade. Não te aborreceria que eu desposasse fulano ou sicrano, o deputado Guedes ou o banqueiro Praxedes. O que te incomoda, o que tu não queres é que seja o José.
 
Carlos - Pois si. Confesso. É verdade. Odeio-o, odeio-o. Não me revoltaria se casasse com outro. Mas com ele não! Com esse nunca! Com ele é que não quero.
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Carlos - Não quero! Não quero!
 
Madame Vargas - Porque é digno?
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Porque é digno?
 
Carlos - Como eu adivinhava! Antes de ser comerciante, es bem mulher. Sim, não quero que cases com ele, confesso-o, porque é rico, é moço, é digno, porque é estúpido, porque
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Madame Vargas - Estás louco. Fala baixo.
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Carlos - Não _negues, não mintas também. Acabemos com isso. Há um mês que lutamos eu e tu - eu querendo saber, tu a fugir. Vieste. É um bem. sabes o que eu penso. Mas eu sei o que tu sentes. Esse imbecil conquistou-te! Todos nós colaboramos para que ele ficasse em foco. E tu amaste-o ao vê-lo. E tu me abandonas por causa dele.
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Madame Vargas - Pela tua exasperação contínua. Com medo de ti.
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Carlos - Medo por ele! Só por ele! Ele é o alfenim a que tu vais pertencer e não deve ser incomodado. A sociedade! os teus credores! Mas continuarias comigo apesar da sociedade e dos credores, se não fosse ele. Tudo por ele, só por ele!
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Madame Vargas - Mas é indecente o que fazes_ Não estás no teu juízo. Tudo o que dizes é desvario.
 
Carlos - Porque eu sei que não será, compreendes?
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Eu sei. Ele adquiriu-te completa com a estupidez e o dinheiro. Já viste um imbecil enganado pela mulher? Nem que case com uma meretriz!
 
Madame Vargas - É demais! É demais! Carlos, vai-te. Tinha de acabar assim a nossa afeição. pensarás depois na grande dor que me dás! Vai-te. Não posso mais! Não posso mais! Está tudo acabado!
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Madame Vargas - É uma baixeza que não farás.
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Carlos - Nunca mulher nenhuma me abandonou. Vais ver.
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Madame Vargas - Carlos, não transformes o meu sentimento por ti em ódio.
 
Carlos (pegando no chapéu) - O teu sentimento por mim agora é
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medo. Mas não creias que me dominarás, que me vencerás. Ele não casará contigo.
 
Madame Vargas - Ele é um homem de bem. Não te ouvirá.
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Madame Vargas (precipitando-se) - Carlos! Carlos!
 
Carlos (no auge da fúria, agarrando-lhe os pulsos) - Fica sabendo. Fica sabendo bem. Havemos de contar-lhe tudo, ouviste? Havemos
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de ver-lhe a decepção de idiota. E ele não correrá ninguém, porque se der um passo - mato-o!
 
(Atira-a sobre as cadeiras, sai).