A Bella Madame Vargas/III: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
mSem resumo de edição
m 555: match
Linha 7:
|notas=
}}[[Categoria:A Bela Madame Vargas|A 03]]
 
==__MATCH__:[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/163]]==
''O mesmo cenário do segundo ato, seis horas depois. E o salão de música à noite. Há um extraordinário luar que inunda os espaços e se alastra fora pelo terraço. Das janelas e da porta vê-se bem o luar. A varanda está toda cheia de luz da noite.''
 
Linha 21 ⟶ 22:
 
Carlota - É a alma de Chopin.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/164]]==
 
Belfort - Eu ficaria reconciliado com os pianos, se todos os amadores fossem como Mme. Azambuja.
Linha 37 ⟶ 39:
 
Baby - Um noturno de Chopin com este luar!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/165]]==
 
Carlota (indo à janela) - Está realmente um luar deslumbrante.
Linha 55 ⟶ 58:
 
Julieta - Verona...
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/166]]==
 
D. Maria - Urna escada de seda.
Linha 70 ⟶ 74:
Belfort - Que idéia triste. Vai partir e tudo será pelo melhor, ao contrário.
 
Madame Vargas - É
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/167]]==
que não pode imaginar o que se passou com Carlos. A sua presença exarcebou-o.
 
Belfort (vinco na testa) - Hein?
Linha 77 ⟶ 83:
 
Belfort - Minha cara Hortência, pode ter a certeza de que são raros os capazes de tudo. Os capazes de tudo são os excepcionais. O mundo é uma grande repartição pública. Nessas repartições há sempre um ministro para centenas de funcionários. No mundo há um ser d'exceções para milhares de outros que não passam de amanuenses da vida. Madame Vargas - Amanuense o Carlos!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/168]]==
 
Belfort - Há amanuense e amanuense. Há os que trabalham, casam, pagam a lavadeira, tem filhos e cometem regularmente outras coisas insignificantes; e há os que indo à repartição pretendem cometer ações de maior importância e não fazem nada. O Carlos pertence aos que não fazem nada é amanuense da vida com a proteção do diretor e o medo dos credores.
Linha 88 ⟶ 95:
Belfort - Só se dão as catástrofes pelas quais não esperamos.
 
Madame Vargas -
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/169]]==
Eu é que não posse mais. Se ele vem, se faz o escândalo público!...
 
Belfort - Esquece que estou aqui!
Linha 101 ⟶ 110:
 
Julieta - Por que é?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/170]]==
 
D. Maria - É para ter tempo de fazer algumas somas entre as perguntas e as respostas. Carlota (ao fundo) - Hortência, venha ver os efeitos do luar. Parece ouro líquido.
Linha 116 ⟶ 126:
José - Psiu, quem lho disse?
 
Belfort - Hortência estava a pedir-me que tratasse da passagem dela.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/171]]==
estava a pedir-me que tratasse da passagem dela.
 
Gastão (descendo) - É esquisito. Todos nós falamos do luar. Só o barão parece não o ver.
Linha 127 ⟶ 139:
 
Guedes - Mas já lhe tenho dito uma porção de vezes que não sou reconhecido...
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/172]]==
 
Baby -Não é?
Linha 143 ⟶ 156:
 
Guedes - Sim. Capacidade, energia, tino...
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/173]]==
 
Belfort - Tudo isso é de mais.
Linha 158 ⟶ 172:
Belfort - É sempre assim que os presidentes começam.
 
Madame Vargas - E se saíssemos um pouco?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/174]]==
E se saíssemos um pouco?
 
D. Maria - Com este sereno!
Linha 172 ⟶ 188:
Belfort - Eu não_ Prefiro fumar um cigarro no terraço.
 
Madame Azambuja - Não. Estou cansadíssima.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/175]]==
Não. Estou cansadíssima.
 
Movimento de saída, saem todos: ficam apenas Mme. Azambuja e o deputado Guedes.
Linha 186 ⟶ 204:
Guedes - Má língua.
 
Madame Azambuja -
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/176]]==
Eu? Ao contrário. Falo a verdade. Só não vê quem não quer. Não lhe parece muito terno o Dr. Ferreira?
 
Guedes - Sempre pensei que fosse o outro, o Dr. Carlos.
Linha 201 ⟶ 221:
 
D. Maria - Que imprudência! Lá se foram!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/177]]==
 
Guedes - É um passeio extravagante.
Linha 213 ⟶ 234:
 
Madame Azambuja - Atacaram-no?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/178]]==
 
Guedes - Felizmente não. Escapei, porque estava na roda o senador Policarpo.
Linha 229 ⟶ 251:
 
Madame Azambuja - Já acabou o cigarro?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/179]]==
 
Belfort - A apostar que falavam mal da vida alheia?
Linha 243 ⟶ 266:
 
Baby (que já está na sala) - Não me faça corar!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/180]]==
 
Belfort - Impossível! Hoje tanto do rouge abusou, que está permanentemente ruborizada.
Linha 258 ⟶ 282:
Baby - Que Bias?
 
Belfort - Um sujeito muito antigo, que morreu
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/181]]==
antes de nós nascermos. Bias diz: A mulher que escolhermos será bela ou feia. Se for bela, não será só tua; se for feia, casarás com uma fúria.
 
Madame Azambuja - Oh! Barão!
Linha 269 ⟶ 295:
 
Madame Azambuja - Não. É que o luar me poe nervosa.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/182]]==
 
Belfort - O luar é o inventor de todas as loucuras, segundo alguns literatos Até o nosso Guedes, com um luar destes seria capaz de as realizar.
Linha 283 ⟶ 310:
 
Baby - Então respiremos.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/183]]==
 
D. Maria - É uma moléstia grave, Baby.
Linha 291 ⟶ 319:
 
Belfort - Não. Rio com sentimentos conservadores - com medo de perder a alegria. É tão raro encontrar alguém alegre! Vejam os transeuntes na rua. Cada fisionomia tem um vinco de preocupação. As mulheres olham-se com mal disfarçado rancor. Os homens não conseguem esconder a mágoa oculta. Já ninguém mais ri francamente. O riso dói a princípio o prazer de devorar. Foi depois o prazer de viver. Hoje é o desespero de não poder arrasar a geração. A Baby rir por prazer, ao menos.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/184]]==
 
Baby - Obrigada pela conferência. Vou colecionar anedotas.
Linha 309 ⟶ 338:
 
Madame Vargas - Queriam por força reconhecer-nos.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/185]]==
 
D. Maria - Como assim?
Linha 322 ⟶ 352:
Belfort - É surpreendente!
 
Baby - Que fez você? Julieta - Disse o nosso nome é claro.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/186]]==
Disse o nosso nome é claro.
 
Gastão - Juro que não. Foi tudo quanto há de mais simples. Disse que as senhoras eram outras.
Linha 338 ⟶ 370:
José - Não será coisa de gravidade?
 
Madame Vargas -
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/187]]==
Não. Quando tenho uma forte emoção a dor sempre vem.
 
José - Por que não toma uma pouco d'aspirina?
Linha 351 ⟶ 385:
 
Carlota - Aquela que dá agora recepções?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/188]]==
 
Gastão - Uma senhora tremendamente gorda?
Linha 359 ⟶ 394:
 
Madame Azambuja - A Braga estava decotada, com um colar que o marido disse ter dado 200 contos.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/189]]==
 
Carlota - É uma soma muito razoável. Não acha, D. Maria?
Linha 374 ⟶ 410:
Guedes - Mas o decote da senhora Braga é que lhe causou dor de cabeça?
 
Madame Azambuja -
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/190]]==
Não sei. Atribuo aos seringueiros, ao decote aquela gente toda e a uma salada, á moda do Pará, que serviram no fim. Era de matar.
 
Gastão - Não_ há nada pior do que uma salada quando faz mal.
Linha 381 ⟶ 419:
 
Belfort - Qual delas? Porque há muitas. Salada é o termo que se aplica admiravelmente a todas as coisas do Brasil. Há a.salada política, de que por exemplo agora o Guedes é o azeite. Há a salada filosófica, em que ninguém se entende. Há a salada social, uma dessas saladas panachés que dariam indigestão a um avestruz. A qual delas se refere?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/191]]==
 
Julieta - Às que se comem, está visto.
Linha 391 ⟶ 430:
 
D. Maria - Mas, pelo amor de Deus, não falemos mal da vida alheia!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/192]]==
 
Belfort - Que havemos de fazer então para sermos elegantes.
Linha 407 ⟶ 447:
 
Guedes - Mas há de dar licença. (Cumprimenta). Julieta - É isso mesmo. estamos insuportáveis.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/193]]==
 
Carlota - Vivemos quase na casa de Hortência.
Linha 427 ⟶ 468:
 
Julieta - Por que?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/194]]==
 
Belfort - Porque todas as óperas novas são sempre para os entendidos do Rio, borracheiras tremendas.
Linha 441 ⟶ 483:
 
Põem as capas. D. Maria ajuda-as. Cumprimentos, shake-hands.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/195]]==
 
Guedes - E uma imprudência vir à porta, senhora D. Hortência;
Linha 458 ⟶ 501:
Belfort - Que lhe disse eu? Não veio!
 
Madame Vargas - Mas onde estará, que fará ele?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/196]]==
Mas onde estará, que fará ele?
 
Belfort - Tranqüilamente em qualquer clube.
Linha 471 ⟶ 516:
 
Madame Vargas - Barão, salve-me! Mais algumas horas e eu terei evitado essa desgraçado empecilho. Já começaram a falar nele, já o notam. Ouviu a Renata?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/197]]==
 
Belfort - Tenha confiança. Eu quero e quando eu quero, raramente os outros deixam de querer o que eu quero. Estou vigilante. se o que lhe disse não bastar, agirei, e diante do que eu tenho, as veleidades desaparecerão.
Linha 484 ⟶ 530:
José - Está nervosa, Hortência. Continua nervosa. Não imagina como fico inquieto. Ainda há pouco quase comprometo o nosso segredo...
 
Belfort - Descanse,
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/198]]==
é a emoção da despedida. O único meio de ser feliz é não discutir os caprichos da dama dos nossos sonhos.
 
José - Eu estou também muito alegre, e muito triste!
Linha 499 ⟶ 547:
 
José - Claro. Arranjar as malas.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/199]]==
 
Belfort - Consente que o acompanhe? A noite está linda. Preciso dar um passeio. Leve-o no meu automóvel e conversaremos.
Linha 506 ⟶ 555:
Belfort - Não. Quero ver como se comporta. Já não o largo! Minha cara Hortência. Tenha fé! Está tudo acabado. Até amanhã. (A D. Maria que lhe dá o sobretudo e o chapéu). Não, sem sobretudo. Obrigado. (A José, saindo) Diga-me? Nunca teve medo de bandidos? Eu gosto imenso. O bandido é o covarde valente, sem a coragem de afirmar. Sempre tive vontade de encontrar um bandido face a face. Se fôssemos atacados?
 
José - Sempre o mesmo barão. Até amanhã, Hortência! Descanse.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/200]]==
Não fique mais nervosa. Adeus.
 
Madame Vargas - Até amanhã. (saem José e Belfort). Ah! Dia! Dia horrível que não acaba! Mas algumas horas e salvo-me!
Linha 516 ⟶ 567:
D. Maria - Não te excites assim, com as.próprias palavras. Tens um pouco de culpa...
 
Madame Vargas - Tia, não me censures.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/201]]==
Tia, não me censures.
 
D. Maria - Eu teria dito a esse pequeno cínico as coisas como elas são, desde o começo. Garanto que só ameaça vingar-se por despeito.
Linha 522 ⟶ 575:
Madame Vargas - A quem o dizes! E a cada gesto seu, mais sobe José no meu conceito, mais vejo quanto desci, mais sinto a minha ignomínia, mais amo o outro. Sim. Não é mais
 
interesse, não é mais, não_ Com esse que me ofereceu tudo e não pediu nada, com esse eu iria. Porque o amo! Porque o amo! E ter aquela criatura imaginando estragar a minha vida, perder-me no conceito de José, só porque me assaltou num _momento de _lassidão e de amargor! Oh! não sabe ele como me defenderei! Faltam apenas algumas horas. Depois já não poderá dizer nada, já não
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/202]]==
poderá. fazer nada, estará sem os dentes de veneno e peçonha...
 
D. Maria (indo apagar o lustre central) - Vem deitar-te. É melhor.
Linha 538 ⟶ 593:
D. Maria - Ainda bem. Tudo menos aquilo.
 
Madame Vargas - Oh! tia, não insistas. Até já; vai-te deitar.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/203]]==
Oh! tia, não insistas. Até já; vai-te deitar.
 
D. Maria - Até já, meu tesouro. Hás de ver. Não acontecerá nada de mau. Ele não cometerá as infâ mias que disse. Repousa. Está para chegar a felicidade. Não te apoquentes mais. (sai).
Linha 551 ⟶ 608:
 
Madame Vargas - Tu? Tu aqui?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/204]]==
 
Carlos - Do que te admiras? Não é a primeira vez.
Linha 563 ⟶ 621:
 
Madame Vargas - Mas não temos mais que dizer. Mais nada. Será o que tu quiseres. Tudo quanto quiseres.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/205]]==
 
Carlos - Finge calma! estás convencida de garantias. O barão encheu-te de confiança. Vê­se!
Linha 578 ⟶ 637:
Carlos - Seria isso uma vingança?
 
Madame Vargas - Mas que vingança? Vingança porquê?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/206]]==
Mas que vingança? Vingança porquê?
 
Carlos - Porque me deu na cabeça.
Linha 590 ⟶ 651:
Carlos - Tem tempo. depois de liquidarmos o nosso caso.
 
Madame Vargas - Mas afinal que queres tu? Não creio que me vás exigir uma noite, depois do que me disseste hoje. Que queres tu? Discutir o que estamos fartos de saber?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/207]]==
Ameaçar-me? Dize, fala. Que queres tu afinal?
 
Carlos - Não sei se recordas há três meses uma noite de luar assim?
Linha 603 ⟶ 666:
 
Madame Vargas - Não tragas a história do bilhete. sempre a mesma, sempre a mesma.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/208]]==
 
Carlos - Foi o único que me escrevestes. Beijei-o muito. Tenho-o de cor.
Linha 618 ⟶ 682:
Carlos - Mas porque, se o bilhete sem o meu nome não era para mim?
 
Madame Vargas - Hein?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/209]]==
Hein?
 
Carlos - Era um bilhete que transitava pelas minhas mãos. Só hoje compreendi, e ao sair daqui, meti-o num subscrito e mandei-o a quem de direito pertence agora. É um bilhete talismã. Serve de passe.
Linha 631 ⟶ 697:
 
Madame Vargas - Tu fizeste isso?
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/210]]==
 
Carlos - Honestamente, sem uma palavra minha. Sou um homem que se preza. E depois a cena é muito mais interessante como a imagino. A estas horas, o Dr. Ferreira deve estar doido de alegria, a olhar o relógio.
Linha 640 ⟶ 707:
Madame Vargas - Tu?
 
Carlos - Ah! minha dona, pensavas então que eu era qualquer trapo, a por de lado no
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/211]]==
melhor momento? Estavas crente que era possível enganar-me, arredar-me com cantigas e as ameaças do Belfort, esse velho ridículo que não sei bem o que e aqui? Pensavas mesmo que realizarias o negócio sem me prevenir, pondo-me no andar da rua? Não! Ah! não! Eu
 
sou alguém, sabes, eu sou alguém. Não sou homem que ponham a andar, não sou desses. Cá estou. Vamos esperá-lo juntos. Ou não tem vergonha, ou com ele não arranjas mais nada. Depois será o que for!
Linha 648 ⟶ 717:
Carlos - Isso. Chama-me nomes. Vamos ver depois. Com aquele ar de demoiselle de Sion o Dr. José vai receber um golpe em pleno.
 
Madame Vargas - Indigno! Covarde! Perder assim uma mulher, perder pelo prazer da infâmia,
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/212]]==
sem outro fim senão o de fazer mal! Por que, meu deus? Por que? Mas pensas mas se acreditas que eu não resista.
 
Carlos - Vamos a ver como.
Linha 662 ⟶ 733:
Madame Vargas - Ao contrário, gritarei. Vou chamar gente, chamo todos. Mando-te por fora, pelos criados.
 
Carlos - estou certo de que o não farás. é o escândalo já. Ficarão todos sabendo das
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/213]]==
nossas relações - porque eu também gritarei, contarei. Talvez cheguemos a ter a polícia. Hortência, venha cá.
 
Madame Vargas - Larga-me!
Linha 673 ⟶ 746:
 
Madame Vargas - Não é possível! Não é possível! Não farás isso!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/214]]==
 
Carlos - Vais ver.
Linha 680 ⟶ 754:
Carlos - Talvez. Como é homem, porém, terá pelo menos a curiosidade de vir ver. É escusado olhares as portas. (Dando volta à chave da porta da comunicação interna). Não sairás senão para o escândalo. E eu não desejo que ninguém nos perturbe. Dentro de 50 minutos: ele, tu.e eu. A apostar como vem?
 
Madame Vargas - Que venha! Que venha! Devia vir, sim, deve vir, tem de vir! Há infâmias que a fatalidade ajuda. Vem mesmo, esta a chegar. E eu sei que vem, porque antes já
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/215]]==
lhe escrevera chamando-o. Pobre José! Receberá duas cartas minhas. Sim. Escrevi. estou a ouvirte apenas como lição só para sentir bem a tua baixeza, para ver quanto desci. Mas o José, está a chegar. Contei-lhe tudo, tudo. Ele sabe tudo. E vai-te expulsar, vai-te correr como um criado ordinário.
 
Carlos - Havemos de ver.
Linha 686 ⟶ 762:
Madame Vargas - Verás bem pago o teu cinismo. Um homem que tortura assim uma mulher é um covarde. Mas não és tu que o esperas, sou eu que te retenho para que ele te encontre. Que venha! Que venha! (Ruído fora, recua apavorada). Ah!
 
Carlos (dando um salto) - Silêncio! (Vai até a janela, espia o terraço. Hortência acompanha-o quase de rasto. Momento). Uf! Nada. Talvez o Braz, passando em baixo... (Olha Hortência). Muito menos desejo de que
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/216]]==
eu, hein? Dê-me o consolo ao menos de confessar que só escreveu a mim! Deixe-se de fingimentos, não delires. Sim. De fato. Há coisas pessoas na vida. Esta espera enerva. Tenha calma. _Ainda temos 40 minutos.
 
Madame Vargas (implorando)- Mas que vais fazer? Que vais fazer?
Linha 698 ⟶ 776:
Madame Vargas - Mas se não te fez mal algum?
 
Carlos - Por isso mesmo odeio-o. Odeio-o pelos seus ares superiores, pelo seu dinheiro,
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/217]]==
por essa honestidade palerma que ele exibe como um cartaz, pelas suas idéias, por tudo! Odeio-o visceralmente - odeio-o porque tu o amas! Honesto, rico, querendo casar! Pateta! Como se fosse dificil ser honesto e casar, quando -se tem dinheiro! Tivesse-o eu! Tivesse-o eu! E verias em vez deste "Capaz de tudo para viver" o teu honestíssimo esposo. Porque tu havias de amar-me. Oh! as mulheres! Havias de amar-me e enganar-me depois com outro. Aqui, porém, dá-se o inverso. Enganas-me para casar com ele! Veremos a gargalhada final quem a dá!
 
Madame Vargas - É a mim que tu perdes, só a mim... Desmoronas para sempre a minha vida...
 
Carlos - Que importa, se me abandonastes antes, se por todos os lados me dizem que eu não passo de um malandrim disfarçado? Que importa se devo ceder o lugar
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/218]]==
aos honestos, que são ricos? Eu te ajudaria a enganá-lo se mo tivesse dito. Não mo dissestes senão quando era impossível ocultar mais tempo. É porque só amas a ele. Eu vingo-me.
 
Madame Vargas - Ele é forte. Ele tem coragem.
 
Carlos - Não se trata de coragem. Trata-se de fatos. (
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/219]]==
Neste instante, batem à porta de dentro. Salto. Angústia. Carlos agarra o braço de Hortência). Baixinho! Baixinho! Se deixar entrar alguém aqui, o escândalo é amanhã de toda a cidade. estás perdida! (Batem de novo). Anda. pergunta quem é_ Com calma.
 
Madame Vargas - (Imenso esforço, vencida, olhando-o com ódio) - Quem está? ë a tia?
Linha 716 ⟶ 800:
Madame Vargas - Já vou. Não me aborreças. Deita-te. (Num ímpeto). Feche a... (Carlos tapa-lhe a boca).
 
Carlos - Cala-te. (Ela debate-se. Rolam ambos no divã. Silêncio angustioso). Tens que esperar. Quero
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/220]]==
que esperes. Ao menos hoje obedeces. Eu quero.
 
Madame Vargas - Odeio-te!
Linha 726 ⟶ 812:
Carlos - Pelo nosso amor, egoísta! Pelo nosso amor, traidora! Pelo nosso amor, vendida!
 
Madame Vargas - Vai-te! Vai-
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/221]]==
te! Não fiques! Não me tortures! Eu não quero que ele saiba! Não que não! Nunca! Nunca! Se tens ciúmes, mata-me! Mata-me! Anda, mata-me! Mas não lhe digas nada.
 
Carlos - Dentro de alguns minutos.
Linha 739 ⟶ 827:
 
Madame Vargas (Cai na poltrona sentada, batendo o queixo no auge o pavor) - É ele! É ele! É ele!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/222]]==
 
Carlos - (tirando o revólver do bolso da calça e colocando-o no bolso do casaco) - Seja a Bela Mme. Vargas, sempre até o fim. Tenha ânimo!
Linha 749 ⟶ 838:
 
Belfort (entra, lívido, rápido, vozforte) - Afinal encontro-te! (Carlos ergue-se atônito. Mme. Vargas pende na cadeira. Belfort a Hortência). Mil perdões por entrar na sua casa tão tarde. Mas vi luz e tive a certeza de que Carlos estava cá. Chegou de certo depois dos outros, disse eu. E subi. (A Carlos). Vim buscá-lo.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/223]]==
 
Carlos (entra arrogante e atônito)- A mim?
Linha 762 ⟶ 852:
Belfort - Nada de rodeios. É tarde. Sai já! Carlos- Manda também cá?
 
Belfort - Mando onde devo mandar. É inútil a bravata comigo, menino. Poupe-me um pouco a sua petulância. cartas na mesa. _A
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/224]]==
senhora Hortência Vargas vai casar com o Dr. José Ferreira. Eu quero. Você é demais. Disse-lhe que se afastasse. Não quis. Repito-o. Compreendeu? Perdeu a partida.
 
Carlos - Talvez. Esperemos por esse Ferreira. Mais alguns minutos e ele chega. Veremos.
Linha 772 ⟶ 864:
Carlos - Não acredite que me aterroriza.
 
Belfort - Cale-se! Conheço-o bem. Ou você sai imediatamente, sem encontrar o Dr. José Ferreira ou está amanhã na prisão. Disse-lhe que pensasse. Quer
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/225]]==
brincar comigo. Engana­se. Tenho-o no bolso, e se fizer contra Hortência mais um gesto está em mau lugar. Madame Vargas (horrorizada)- Belfort!
 
Belfort - Nada como os grandes remédios.
Linha 779 ⟶ 873:
 
Belfort - Por que? Tenho a sua carta pedindo-me perdão, tenho a letra em que tão mal fingiu a minha e a firma de seu pai, e o denuncio com todas as provas como falsificador da minha firma.. Disse-lho já se sabe que o faço. Faço-o à primeira tentativa sua. A sua cena é bonita enquanto serve para contar nos clubes. É moda e dá amantes até, mas muda quando tem por fim um cubículo da detenção, mesmo arejado. Saia!
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/226]]==
 
Carlos - É indecente o que faz.
Linha 787 ⟶ 882:
 
Belfort - E gente como você que não deixa dúvidas. Mas saia. A situação é ridícula. Cheguei no momento em que ia cometer a sua maior torpeza. dessas torpezas que estragam vidas mas não levam à cadeia. Deixo-lhe o último insulto. Desabafe e fuja da cadeia que pela sua demora ameaça começar aqui. Mais um segundo e está preso.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/227]]==
 
Carlos - É capaz?
Linha 801 ⟶ 897:
 
Madame Vargas - Mas mandou ao José o único bilhete que ele tinha escrito. José vem aí.
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/228]]==
 
Belfort - Esperaremos juntos o José. O pobre rapaz ficará enternecido com a lembrança. Aí está um bilhete que o mau serviço dos correios levou três meses a entregar ao seu verdadeiro destinatário.
Linha 810 ⟶ 907:
Madame Vargas (num ímpeto beija-lhe a mão)- Meu amigo! Meu amigo! E perdoou, perdoou mesmo a minha falta, a minha loucura?
 
Belfort - Mas que
Belfort - Mas que é isto, Hortência? Ria, esteja alegre. Todos nós precisamos de perdão. E o mundo seria a maior sensaboria se as mulheres passassem por ele pensando em tudo quanto fazem...
==[[Página:A Bella Madame Vargas.djvu/229]]==
Belfort - Mas que é isto, Hortência? Ria, esteja alegre. Todos nós precisamos de perdão. E o mundo seria a maior sensaboria se as mulheres passassem por ele pensando em tudo quanto fazem...
 
E o pano cerra-se, enquanto a pobre e bela Mme. Vargas ri e chora, desfeita de emoções nos braços do seu velho amigo.