A Carne/III: diferenças entre revisões

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Realizou-se o prognóstico do médico.
 
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O apetite foi voltando aos poucos, e suas refeições foram sendo tomadas com prazer, a horas regulares.
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Podia-se dizer que entrara em convalescença do cataclismo orgânico produzido pela morte do pai.
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Tinha uma vontade esquisita de dedicar-se a quem quer que fosse, de sofrer por um doente, por um inválido. Por vezes lembrou-lhe que, se casasse, teria filhos, criancinhas que dependessem de seus carinhos, de sua solicitude, de seu leite. E achava possível o casamento.
 
A imagem do pai ia-se esbatendo em uma penumbra de saudade que ainda
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era dolorosa, mas que já tinha encanto.
 
Passava horas e horas junto da entrevada, conversava com o coronel, por vezes ria.
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Em frente, sobre um console, entre outros bronzes que trouxera, estava uma das reduções célebres de Barbedienne, a da estátua de Agasias, conhecida pelo nome de Gladiador Borghese.
 
Um raio mortiço de sol poente, entrando
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por uma frincha da janela, dava de chapa na estátua, afogueava-a, como que fazia correr sangue e vida no bronze mate.
 
Lenita abriu os olhos. Atraiu-lhe as vistas o brilho suave do metal ferido pela luz.
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Dezenas de vezes tinha ela estudado e admirado esse primor anatômico em todas as suas minudências cruas, em todos os nadas que constituem a perfeição artística, e nunca experimentara o que então experimentava.
 
A cerviz taurina, os bíceps encaroçados, o tórax largo, a pélvis estreita,
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os pontos retraídos das inserções musculares da estátua, tudo parecia corresponder a um ideal plástico que lhe vivera sempre latente no intelecto, e que despertava naquele momento, revelando brutalmente a sua presença.
 
Lenita não se podia arredar, estava presa, estava fascinada.
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E tinha ímpetos de comer de beijos as formas masculinas estereotipadas no bronze. Queria abraçar-se, queria confundir-se com elas. De repente corou até à raiz dos cabelos.
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Em um momento, por uma como intussuscepção súbita, aprendera mais sobre si própria do que em todos os seus longos estudos de fisiologia. Conhecera que ela, a mulher superior, apesar de sua poderosa mentalidade, com toda a sua ciência, não passava, na espécie, de uma simples fêmea, e que o que sentia era o desejo, era a necessidade orgânica do macho.
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Invadiu-a um desalento imenso, um nojo invencível de si própria.
 
Robustecer o intelecto desde o desabrochar da razão, perscrutar com paciência, aturadamente, de dia, de noite, a todas as horas, quase todos departamentos do saber humano, habituar o cérebro a demorar-se sem fadiga na análise sutil dos mais abstrusos problemas da matemática transcendental, e cair de repente, com os arcanjos de
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Milton, do alto do céu no lodo da terra, sentir-se ferida pelo aguilhão da carne, espolinhar-se nas concupiscências do cio, como uma negra boçal, como uma cabra, como um animal qualquer... era a suprema humilhação.
 
Fez um esforço enorme, arrancou-se do feitiço que a dementava, e, vacilante, encostando-se aos móveis e às paredes, recolheu-se ao seu quarto, fechou com dificuldade as janelas, atirou-se vesti sobre a cama.
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Com movimentos sacudidos, nervosos, atirou o xale, desabotoou rápida o corpete, arrebentou os coses da saia preta e das anáguas, ficou em camisa.
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Uma larga mancha vermelha, rútila, viva, maculava a alvura da cambraia.
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Quando aos quatorze anos, após um dia de quebramento e cansaço, se mostrara o fenômeno pela primeira vez ela ficara louca de terror, acreditara-se ferida de morte, e, com a impudícia da inocência, correra em gritos para o pai, contara-lhe tudo.
 
Lopes Matoso procurara sossegá-la - que não era nada; que isso se dava com todas as mulheres; que evitasse molhadelas, sol, sereno, que dentro de três
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dias, ou de cinco ao mais tardar, havia de estar boa, que se não assustasse da repetição todos os meses.
 
Com o tempo, os livros fisiologia acabaram de a edificar. em Püss aprendera que a menstruação é uma muda epitelial do útero, conjunta por simpatia com a ovulação, e que o terrível e caluniado corrimento é apenas uma consequência natural dessa muda.
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Anoiteceu.
 
A mulata a veio chamar para a ceia. Encontrou-a deitada, encolhida, aconchegando-se nas roupas.
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nas roupas.
 
Perguntou-lhe se estava doente, ao saber que efetivamente o estava, saiu, avisou o senhor, trouxe as suas cobertas e travesseiros, arranjou uma cama no tapete, ao pé do leito, quedou-se solícita para o que fosse preciso.
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— Menina, você sabe que agora seu pai sou eu. Se precisar de alguma coisa, franquezinha, mande-me chamar a qualquer hora, não receie me incomodar. A pobre da velha lá está aflita, amaldiçoando o tolhimento que a faz não prestar para nada. Não quererá você um chá de salva, um pouco de vinho quente?
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— Obrigada, não quero coisa nenhuma.
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E Lenita rolava com delícias no eflúvio magnético do seu olhar, como na água deliciosa de um banho tépido.
 
Tremores súbitos percorriam os
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membros da moça; seus pêlos todos hispidavam-se em uma irritação mordente e lasciva, dolorosa e cheia de gozo.
 
O gladiador estendeu o braço esquerdo, apoiou-se na cama, sentou-se a meio, ergueu as cobertas, e sempre a fitá-la, risonho, fascinador, foi-se recostando suave até que se deitou de todo, tocando-lhe o corpo com a nudez provocadora de suas formas viris.
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E a esse contato apoderou-se de Lenita um sentimento indefinível; era receio e desejo, temor e volúpia a um tempo. Queria, mas tinha medo.
 
Colaram-se-lhe nos lábios os lábios do gladiador, seus braços fortes enlaçaram-na,
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seu amplo peito cobriu-lhe o seio delicado.
 
Lenita ofegava em estremeções de prazer, mas de prazer incompleto, falho, torturante. Abraçando o fantasma de sua alucinação, ela revolvia-se como uma besta-fera no ardor do cio. A tonicidade nervosa o erotismo, o orgasmo, manifestava-se em tudo, no palpitar dos lábios túmidos, nos bicos dos seios cupidamente retesados. Em uma convulsão desmaiou.