A Alma do Lázaro/I/III: diferenças entre revisões

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}}[[Categoria:A Alma do Lázaro|Primeira Parte, Capítulo 03]]
 
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Começou o velho:
 
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:''"Já então costumava o pai na volta da pescaria descansar aqui. Punha a canoa em seco; deixava passar o resto da noite, e lá pela madrugada íamos vender o peixe ao Recife, porque em Olinda, afora a clerezia, tudo o mais era miuçalha.''
 
:''"Havia ali assim no fundo do convento, bem na praia, uma casa velha, tão velha que estava cai, não cai. Também
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os donos, ninguém mais sabia deles. Nem viva alma ali morava.''
 
:''"Uma noite, lá do largo, a gente viu uma luz acesa na janela da banda do mar. Eram que horas! Não tardava um instantinho que amanhecesse.''
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:''"— Quem andará ali?... Há que tempos a casa velha está abandonada!... Não seja...''
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:''"O pai fez o pelo sinal Eu rezava baixinho uma Ave-Maria.''
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— Lázaro?...
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— Senhor, sim. Agora quantos andam por aí como ele? Mas naquele tempo não era assim: a gente pensava que aquilo era uma praga.
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:''"— Não fujo, não. Precisa de alguma cousa? Diga!...''
 
:''"— Não preciso de nada!... Saí porque este vento
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me faz bem!... Estou queimando! Não o tinha visto, senão... Sei que não devo chegar-me para os outros.''
 
:''"— A moléstia é para a gente ter medo; mas também falar só de longe, não faz mal, disse o pai.''
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:''"— Não precisa! Ai tem o peixe. Quanto ao dinheiro há de carecer.''
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:''"Meu dito, meu feito. O moço foi, e deixou na pedra uma moeda de tostão. O pai, quem viu! Nem lhe quis tocar. Mas o menino bem se importa com doença! Tirante das almas d'outro mundo, não tinha medo de nada.''
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— Talvez estie ao amanhecer.
 
— Se o vento rondar...''"Mas naquela noite, que eu dizia, quando o moço saiu, já o pai estava dormindo. Vou eu, dou-lhe. o peixe como da véspera, e ele deixou o dinheiro na pedra. A gente naquela
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idade gosta de saber tudo. Eu quis ver o que ele estava fazendo acordado até tão tarde, e pus-me a espiar pela fresta da porta. Jesus! O corpo me tremia que nem linha d'anzol quando o peixe fisga!''
 
:''"Ele... o moço, estava assando o peixe. Depois comeu sem farinha, sem nada. Bebeu água, só. Vai por fim, lava as mãos e começa de escrever num livro que. estava na caixinha..."''
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:''"Tive tanto dó... Apanhei o dinheiro, lavei como na outra noite, mas foi para comprar farinha. Trouxe ás escondidas do pai, que ralhava-me se soubesse.''
 
:''"Não sei como foi; mas no cabo duma semana eu estava tão amigo dele, que levávamos a conversar toda a noite de enfiada, e assim, perto um do outro. Tudo que precisava, era eu que
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comprava. A ele não vendiam: tinham medo do dinheiro. E o coitado, antes queria vela para estar escrevendo, que o bocado para comer.''
 
:''"Como são as cousas... Já entrava pela casa dentro, sem pinga de medo. Queria-lhe bem a ele; também ele me queria. Um dia perguntei como se chamava.''
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:''"E foi guardando os livros e desatou num pranto, num pranto... que. parecia um menino a chorar.''
 
:''"Por esse tempo a gente de Olinda já andava alvoroçada com a estada do moço na casa velha.
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Diziam, que falso testemunho! que ele andava empestando a cidade. O rebuliço foi crescendo, e um bando saiu a gritar pelas ruas, e foi e requereu ao juiz do povo que pusesse o leproso para fora, senão haviam de mandar procurador a El-Rei.''
 
:''"Dois dias, com tanto mar e vento que fez, o pai não saiu.''
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:''"Logo na outra noite, enquanto o pai descansava, corri ao quarto do moço; a porta estava cerrada; mas havia luz dentro.''
 
:''"Ele estava sentado junto da mesa com a testa encostada na caixa onde guardava os livros. A vela ia-se acabando. Pensei que estava chorando
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como às vezes costumava, e levantei a cabeça dele com pena.''
 
:''"Santo nome de Jesus! Soltei um grito! Estava morto! E tinha morrido de tome.''
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:''"Só de me alembrar, os cabelos espetavam, e corria-me pelas costas um suor tão frio.''
 
:''"Foi Deus, que as paredes de fora caíram; e então um domingo, depois da missa, com os outros rapazes que andavam brincando na praia,
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fomos e puxamos a caixa; com uma vara cavou-se um buraco e enterrou-se."''
 
:''— Aonde? perguntei eu com ansiedade.''