Ressurreição (Machado de Assis)/X: diferenças entre revisões

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}}[[Categoria:Ressurreição|Capítulo 10]]
 
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A doença de Raquel era grave; durante alguns dias chegaram a recear um desenlace funesto. Os velhos pais quase enlouqueceram, quando o médico os preparou para a terrível catástrofe. A menina percebeu o seu estado, mas nem o medo da morte, nem a saudade da terra lhe fez doer o coração. Morria como flor que era. A mágoa era toda para os que a viam assim condenada sem remédio.
 
O médico assistente dera à moléstia um nome tirado não sei se do grego, se do latim. Na opinião da mãe, havia alguma coisa mais do que o nome e a moléstia; havia uma inexplicável melancolia, anterior à doença, uma espécie de tédio precoce da vida,
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se não era antes alguma esperança malograda, — ou mais claramente, alguma afeição sem esperança.
 
Para obter dela a confissão que imaginava, tinha D. Matilde o necessário tato e doçura: era mulher e mãe. Mas, ou porque nada houvesse realmente, ou porque quisesse levar consigo o segredo da sua melancolia, Raquel nenhuma confissão lhe fez.
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— Mal, repetiu o coronel, definitivamente mal. A pouca esperança que tínhamos veio tirar-no-la o médico. O senhor não sabe o que é perder assim metade da alma.
 
Félix disse algumas palavras banais de consolação, e chegou até a falar de esperança; mais ainda que a esperança fala
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sempre ao coração dos desgraçados, o bom velho em outra coisa não acreditava mais que na morte.
 
Algum tempo estiveram calados; enfim o coronel rompeu o silêncio:
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Félix foi o primeiro que assomou à porta; parou alguns instantes, impressionado com o espetáculo que se lhe oferecia.
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Sentada à cabeceira da cama estava D. Matilde, descorada e abatida, com os olhos túmidos, e porventura cansados de chorar. Aos pés da cama via-se uma moça amiga da infância de Raquel, e sua dedicada enfermeira nesta ocasião. Ambas, triste e silenciosamente, contemplavam a doente.
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— Como se sente? perguntou Félix.
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— Melhor, disse ela com uma voz tão fraca que parecia um suspiro.
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— Por que não dá as suas consolações a mamãe?
 
A conferência não durou muito tempo. Félix
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começou opinando por uma modificação no tratamento até ali seguido, e declarou que não julgava todas as esperanças perdidas. O colega concordou facilmente na alteração pedida por Félix, tanto mais, disse ele, quanto as esperanças eram nenhumas.
 
Em sua opinião, Raquel estava irremediavelmente perdida. Não era opinião aérea e infundada; ele podia demonstrá-la com argumentos cabais e irrefutáveis. Demonstrou-o efetivamente, durante vinte minutos, com a justa apreciação dos fatos, os dados seguros da ciência, e uma dialética tão cerrada que era impossível fazer-lhe a menor objeção.
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No sentir dos pais, era Félix o salvador da filha. Fora ele quem lhes restituíra a esperança, e a realizara com os seus bons conselhos e diligente desvelo.
 
O colega de Félix, para quem o restabelecimento da moça era a destruição de todas as noções médicas recebidas, ficou profundamente surpreendido com esse resultado. Em todo caso, era impossível negá-lo; limitou-se a aplaudi-lo,
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e quando a moça entrou em convalescença aconselhou os pais que a mandassem para algum arrabalde da cidade, a fim de respirar ares melhores.
 
Não podia vir mais a propósito o conselho. Lívia mudara-se para as Laranjeiras. A idéia da mudança era de Viana, que um dia a propôs à irmã, e fora aprovado por ela. A casa ficava pouco acima da de Félix, do lado oposto.
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Era um prédio elegante, levantado no meio de uma chácara, não extensa nem esmeradamente tratada. Viana, entretanto, organizara um programa de reforma, que prometia executar pontualmente. Seu contentamento parecia não ter limites; além de preferir aquele bairro ao outro em que morava, havia a circunstância de ir ficar ao pé da casa de Félix, — o que era já meia felicidade, dizia ele.
 
Lívia aprovara a mudança sob a influência de igual idéia. Aqueles últimos dias tinham sido de plena e deliciosa paz. Seus projetos de futuro eram imensos; delineava uma vida independente de todas as escravidões sociais, vida exclusiva deles, cheia de
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todos os prestígios da poesia e do amor. Às vezes receava que esses sonhos fossem apenas sonhos. Ainda assim não os dera por nenhum preço deste mundo.
 
Estavam então nos primeiros dias de outubro; o casamento fora marcado para meados de janeiro. Marcado, entenda-se bem, apenas entre os dois, porque Félix conseguira da viúva a promessa de que a notícia seria dada nas vésperas do acontecimento.
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Estavam sós na chácara; Viana, fiel ao seu programa de não perturbar os dois namorados, foi meditar a alguma distância nas reformas que pretendia fazer. Caminhavam os dois calados e distraídos, ou melhor, concentrados em si mesmos. De repente, a viúva levantou a cabeça e disse como continuação das suas anteriores palavras:
 
— Há contudo ocasiões em que esta confiança
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parece abalar-se, não porque eu duvide de ti, mas porque duvido do destino. Já te disse que sou supersticiosa, — defeito das mulheres e das crianças. Estremeço algumas vezes, quando encaro o futuro, e, sem saber por que, pergunto a mim mesma qual será o fim de tudo isto. Desmaios apenas, e raros, de um coração que ambiciona, talvez, mais do que poderia obter.
 
— Não te parece que eu esteja emendado? disse Félix sorrindo. Há quantos dias não há sequer...
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Lívia suspirou.
 
— Que houve de mau no teu passado?
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continuou o médico fitando nela um olhar perscrutador.
 
— Tudo.