O Coruja/II/V: diferenças entre revisões

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Linha 14:
— Como este rapaz tem mudado!... exclamava ela a cada instante, sem atribuir sequer ao outro, ao feio, a alma da primitiva limpeza e do primitivo arranjo, que tanto a maravilharam.
 
Agora, Teobaldo já não tinha, como dantes, certo escrúpulo em conservar a casa decente. Os seus companheiros da pândega, que lhe pareciam com mais freqüênciafrequência, já não lhe ouviam dizer em certas ocasiões: "Não; não façam isso, para não afligir o Coruja! Ele não gosta destas brincadeiras!..."
 
Ernestina suportava-lhe as estouvices porque não tinha outro remédio: adorava-o cada vez mais; sofria em vê-lo tão extravagante, tão sem correção e sem ,juízo, mas sofreria ainda pior se não o pudesse ver absolutamente.
 
Enquanto a não abandonara a esperança de conquistá-lo, empregou para isso todos os recursos de sua ternura; depois, certa de que nada conseguiria, resignou-se às migalhas do amor que ele lhe atirava de vez em quando, como para a esfaimar ainda mais.
Linha 28:
— Procure-o na rua, se quiser!
 
Depo2sDepois, meteu-se no quarto e pôs-se a chorar, como uma desesperada.
 
Às três horas, quando Teobaldo chegou de fora, ela foi-lhe ao encontro e, mais branca do que a cal da parede, os beiços trêmulos, as feições estranguladas de ciúme, disse-lhe quase sem poder falar:
Linha 72:
— Vá para o diabo que o carregue! respondeu Ernestina virando-lhe as costas e saindo do quarto furiosa.
 
— Então ... . disse consigo Teobaldo, esfregando as mãos; voltou ou não voltou?... Ah! logo vi que Leonília havia de voltar !...
 
Leonília era a mais formosa criatura que empunhava nesse tempo o cetro do amor boêmio.
Linha 84:
Leonília vira-o uma noite, por acaso, no teatro, desejou-o logo e pediu a um amigo comum que lho apresentasse.
 
Teobaldo tratou-a com o mesmo sedutor e natural desinteresse que costumava usar para as mulheres desse gênero; mas depois, quando a conheceu mais de perto e teve ocasião de compulsar-lhe o espírito, principiou a distingui-la entre todas as outras com certa preferenciapreferência.
 
Leonília, porém, no solipsismo da sua paixão, não se contentou com isso e quis amor, amor tão bom e tão ardente como o que ela lhe dava.
Linha 98:
Foi depois deste episódio que ela o procurou em casa pela primeira vez. E não o fez esperar muito, visto que já calculava com experiência que o rapaz não voltaria por motu proprio.
 
Ernestina, coitada, é que ficou brutalmente ferida no seu amor próprio. Ao sair do quarto ia tonta, estrangulada de raiva; mas, ferida por uma Idéiaideia voltou logo ao segundo andar, fechou-se por dentro e disse a Teobaldo, que nessa ocasião se aprontava para sair de novo:
 
— Você não há de agora sair de casa!
Linha 150:
— Entre! disse o moço, empurrando com um movimento desembaraçado a folha da porta.
 
O Almeida entrou; estava mais vermelho cinqüentacinquenta por cento do que era de costume. O seu colete branco, boleado pelo grande abdome, arfava; os músculos faciais tremiam-lhe como as carnes de um bêbado velho.
 
Pela primeira vez Teobaldo reparou bem para aquele tipo. Notou, obra de um segundo, que ele tinha na fisionomia e no feitio do corpo alguma coisa que lembrava uma foca; notou que as suíças do Almeida principiavam logo por debaixo dos olhos e perdiam-se por dentro do colarinho: notou que ele tinha uma cabeça quase quadrada, encalvecida pela face superior; notou que o nariz do homem não era grego, nem árabe, nem tampouco romano e que, se o separassem do rosto, ninguém seria capaz de dizer o que aquilo era, e tanto podiam supor que seria um legume ensopado, como um pólipo extraído ou um mexilhão fora da casca; e notou ainda que o Almeida constava de quatro pés de altura sobre outros tantos de largura e que as mãos dele eram tão papudas, tão escarlates e tão reluzentes de suor, que pareciam esfoladas.
Linha 182:
— Sim. Pode tomar conta dela. É sua!
 
E, dito Istoisto, o Almeida soprou com força, como quem se vê livre de uma carga pesada, e abicou para a saída.
 
Teobaldo deteve-o com um gesto.
Linha 230:
— Que idade tinha sua mulher?
 
— CinqüentaCinquenta anos.
 
— Ah!
Linha 238:
— Sim, por amor... dos seus interesses.
 
— Ah! era rica...
 
— Nem por isso...
Linha 244:
— Quanto possuía?
 
— CinqüentaCinquenta contos.
 
— Um conto por ano. Adiante!
Linha 264:
— Era D. Ernestina...
 
— Não; era uma mulatinha que me disse haver fugido de casa, porque o senhor estava muito bêbado e queria dar-lhe cabo da pele, depois de ter feito o mesmo à mulher. Perguntei onde ficava a tal casa, e como era perto, dei um pulo até lá. A mulatinha entrou adiante com toda a cautela e voltou pouco depois,. declarando que a peste do patrão havia já pegado no sono. "E o cadáver?" perguntei eu. "Deve estar na sala", respondeu a mulatinha. Abrimos a porta, e vi então um corpo de mulher estendido no chão. Esta é que era D. Ernestina.
 
— Estava morta?
Linha 304:
— Bem. Pode ir quando quiser.
 
— Estamos então entendidos, não é verdade? concluiu o Almeida, apertando a mão do estudante e ganhando a saída; fico ao seu serviço -— rua do Piolho, n.0 505.
 
— Seja feliz! disse Teobaldo, sem lhe voltar o rosto. E, logo que o viu sair chamou por Ernestina.