O Coruja/II/X: diferenças entre revisões

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Só no dia seguinte, asàs 2 horas da tarde, foi que ele saiu da casa de Leonília.
 
Sentia-se aborrecido e como que importunado por uma espécie de remorso: afigurava-se-lhe que em torno daquele seu desleixo pela vida girava um mundo de atividade dos que trabalham para comer, dos que labutam desde pela manhã. Pungia-lhe a idéia de haver-se deixado arrastar por uma mulher, cujo amor seria para ela uma virtude, mas para ele nada menos do que uma depravação moral.
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— Por que, perguntava consigo, não pertenço ao número desses que trabalham, desses que sabem ganhar a vida?
 
E arrependia-se de ter ido ao Lírico, de haver oferecido de beber a Leonília, em vez de a tratar com frieza, o que afinal seria digno de sua parte. E vinham-lhe de novo os ímpetos de reação e um grande desejo de atirar--se a qualquer trabalho produtivo e honesto.
 
— Mas, por onde principiar? Onde e em que descobrir ocupação? Fazer-se professor? Isso, porém, era tão precário, tão maçante e tão subalterno... Empregar-se na redação de um jornal? Mas em qual? e como? a quem devia dirigir-se?
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— Homem! Vejam se me arranjam um emprego!... Eu preciso trabalhar! É preciso viver, que diabo!
 
Mas estas palavras caiam por terra, sem aparecer quem as erguesse. O que aparecia eram novos e novos convites para tomar alguma coisa -— para jantar em companhia de mulheres suspeitas e para assistir a espetáculos bufos. O Aguiar, principalmente nunca o a abandonara com as suas franquezas de moço rico e com os seus eternos protestos de estima e admiração.
 
E Teobaldo topava a tudo, considerando interior mente, para se desculpar, "que não seria metido em casa que ele havia de descobrir arranjo; precisava furar, ir de um lado para outro, até achar o que desejava".
 
E, visto que aceitava esses obséquios, apressava-se a retribuiretribuí-los, quando porventura lhe caía de Minas algum dinheiro, sem reservar nenhum para os seus credores.
 
Por várias vezes, em ceias fora de horas, depois de enxutas algumas garrafinhas de Chiante e Malvasia, que eram os seus vinhos prediletos, os amigos de Teobaldo, na febre dos brindes, faziam-lhe grandes elogios ao talento e à educação; e ele, coitado ouvia tudo isso já com uma certa amargura, porque ia cada vez mais se convencendo de que lhe faltava a competência para ganhar a vida. E, quando, pelas três ou quatro da manhã conseguia chegar à casa tinha a cabeça em vertigem e o coração estrangulado por um desgosto profundo.
 
A casa! que suplício para ele... Como tudo aquilo que respirava a presença do Coruja lhe exprobrava silenciosamente as suas culpas. Era aí que Teobaldo mais sentia o peso brutal deda própria nulidade; era aí, já recolhido aos lençóis, que ele considerava, um por um, todos os seus passos na vida. E excitado, cheio de revolta contra si mesmo, levava longo tempo a virar-se de um para outro lado da cama, antes de conseguir pegar no sono.
 
Na manhã seguinte acordava muito prostrado, sem ânimo de deixar o colchão e, ainda de olhos fechados, chamava pelo moleque.
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— Às seis da manhã, respondia invariavelmente o criado.
 
E os dois conversavam um pouco; depois Teobaldo descia ao banheiro, que era no primeiro andar. Banho, café, vestir e leitura dos jornais nunca se liquidava antes do meio-dia. Por almoço tomava em geral dois ovos quentes, um cálice de vinho; feito o que, saiasaía logo, sem destino, à procura de tal colocação.
 
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No dia imediato ao em que ele esteve com Leonília, acordou mais cedo do que de costume, vestiu-se com certa presteza, foi à secretária e escreveu a seguinte carta:
 
"Querida -— Não voltarei a ter contigo e peço-te que não dês o menor passo com o fim de fazer-me mudar de resolução, porque perderias o tempo. Aceita a insignificante lembrança que com esta te envio, e esquece-te, para sempre, do mais infeliz Teobaldo que há no mundo."
 
Fechada a carta, meteu-a no bolso e saiu.
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— Cem mil réis, respondeu o joalheiro.
 
— Do que tenho comigo posso apenas dispor de cinqüentacinquenta. Consente que lhe fique devendo o resto?
 
O dono da casa fez um ligeiro ar de hesitação, mas disse em seguida:
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E, por suas próprias mãos, introduziu o estojo no bolso do rapaz.
 
Este passou-lhe os cinqüentacinquenta mil réis e correu logo para a casa de Leonília. Entrou, bateu, entregou ao criado a carta e mais o estojo e, sem esperar pela resposta, saiu apressado.
 
À noite desse mesmo dia, atravessava a rua do Ouvidor, quando o Aguiar foi ao encontro dele e disse-lhe, estendendo-lhe o braço pelas costas:
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— Pode ser! E que todo o meu mal fosse esse!...
 
— Eu... queres que te diga?... eu, pelo menos, continuou o Aguiar, derramando Madeira nos cálices, nunca me arrependi de haver entrado para o comércio. Verdade é que nada fiz por mim e que não estaria na posição em que me acho, se não fosse meu pai, mas nem por isso sou menos feliz, verdadeiramente feliz! Que diabo! Ganhar sem sentir, às vezes sem trabalhar!...Pode haver coisa melhor? Passo semanas e semanas inteiras na pândega, gasto por vinte e, quando julgo que os negócios vão mal, diz-me o guarda-livros que ganhei mais do que nunca! Ah! nada há como o comércio para fazer dinheiro! E hoje, deixem falar quem fala, o dinheiro é tudo! Com ele tudo se obtém: -— glórias, honras, prazeres, consideração, amor! tudo! tudo!
 
— É exato! confirmou Teobaldo, sorrindo amargamente e no íntimo arrependido de ter aceitado o convite do Aguiar. É exato!
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E, dizendo isto, levava as mãos ao cabelo de Teobaldo e chamava a atenção dos outros para a cabeça dele, como quem mostra um objeto de arte.
 
— Que dinheiro vale a doçura aveludada destes olhos mais belos que os diamantes?... Que dinheiro vale toda esta riqueza? esta boca, este sorriso desdenhoso, estes dentes, esta palidez de estátua e este ar de senhor que mata de amores as suas escravas? Sim! Que me digam as mulheres qual é o dinheiro que paga tudo isto, sem contar ainda com o que há escondido neste tesouro -— o talento, o caráter, a educação e a energia!
 
— Olha a Leonília apaixonada! exclamou o Aguiar rindo muito.
 
— E por que não? perguntou ele a encará-lo firme. Por que não? Julgas que sou incapaz de um sentimento nobre e desinteressado?... Pois olha, filho, queres que te diga? No dia em que abandonei o meu banqueiro estava em véspera de receber das mãos dele alguma coisa que eqüivaleequivale a tanto como o que possuis, e não foi por isso que não o mandei passear, logo que entendi que o devia fazer!
 
— Ah! todos sabem que tu és mulher caprichosa...
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— Que significa esse olhar? perguntou a cortesã. Não o compreendo.
 
— Tanto melhor para mim! disse o moço esvaziando o copo -— porque não tenho a menor necessidade de ser compreendido por quem não o merece!
 
— Sempre o mesmo orgulho e a mesma vaidade! replicou Leonília.
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— Desculpa, filho, mas já não me lembrava que te devo o obséquio de teres feito anos hoje.
 
— Não repares, acrescentou Teobaldo, batendo com o seu copo no do outro rapaz. E -— bebamos à tua saúde! -— para que nunca te arrependas de tuas teorias sobre o dinheiro!...
 
— Obrigado! respondeu Aguiar, mas consente que eu te diga uma coisa com franqueza: Eu não faço anos hoje!
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Teobaldo obedeceu.
 
— Sabes? disse daela. Este jantar foi uma cilada que te armei; eu, só eu, podia fazer com que o Aguiar se achasse na intimidade em que o viste com aquela rapariga; em troca, ele empregou os meios para te arrastar até aqui.
 
— De sorte que eu servi de divertimento a vocês ambos?... Servi para objeto de especulação, fui negociado!
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— Por que?
 
— Porque, para fazer da senhora a minha amante -— sou pobre demais, e para ser o seu amant de coeur -— sou muito rico e muito orgulhoso.
 
— Eu então só posso pertencer a um homem rico?
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— Qual?
 
— Vá amanhã à minha casa depois do meio-dia.
 
— Fazer o que?
 
— Buscar a resposta do que acabou de me dizer agora. Vai?
 
agora. Vai?
 
— Vou. Adeus.