O Coruja/II/XX: diferenças entre revisões

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Linha 36:
Aguiar estendeu as mãos uma contra a outra, em sinal de casamento e fez um trejeito com os olhos.
 
Casar? ele? exclamou Leonília empalidecendo repentinamente. - Ele vai casar?!
 
— Está tratando disso e é natural que a consiga se lhe não cortarem os planos.. . Só uma pessoa o poderia fazer e essa pessoa és tu.
 
— Eu?! disse ela, afetando indiferença. - Ora, que me importa a mim! Que se case quantas vezes quiser!
 
Mas puxou logo o lenço da algibeira, escondeu os olhos e atirou-se depois sobre o divã, soluçando aflita.
 
— Bom, bom! pensou o rapaz - com esta posso contar!...
 
E foi assentar-se ao lado da cortesã, para lhe expor o caso minuciosamente. Soprou-lhe em voz baixa o nome da noiva, o número da casa do tio, falou sobre este e sobre Mme. de Nangis e terminou dando parte do novo emprego de Teobaldo.
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— Se aquele patife continuar mais algum tempo no escritório, segredou ele, estará tudo perdido! É preciso antes de mais nada arrancá-lo dali. Conheço-lhe as manhas, é capaz de enfiar um camelo pelo ouvido de uma agulha!... Trata de evitar o casamento e podes, além do resto, contar com uma boa recompensa de minha parte. Adeus.
 
Leonília deixou-o sair, sem lhe voltar o rosto, nem lhe dar uma palavra. Só alguns minutos depois, ergueu--se, passou as mãos pelos cabelos das fontes, suspirou prolongadamente, mirou-se no espelho que lhe ficava mais perto e apoiou-se a um móvel, com o olhar cravado em um ponto da sala.
 
— Miserável! balbuciou ela depois de longa concentração. - Miserável! E ele que nunca me falou nisto... Iludir-me por tanto tempo!... Tinha um casamento ajustado, tinha um namoro, e eu supondo que era amada!... Ah! quando me lembro que ainda ontem lhe disse que seria capaz de tudo por causa dele, que tudo suportaria para não me privar dos seus carinhos!... Oh! mas hei de vingar-me, hei de fazê-lo sofrer o quanto for possível, hei de persegui-lo enquanto durar o meu amor! Ou este casamento será desmanchado ou Teobaldo não terá mais um momento de repouso em sua vida!
 
E desde então principiou Leonília a fazer planos de vingança, a imaginar maldades e represálias contra o amante, disposta a não lhe deixar transparecer o menor indício das suas intenções; mas, na primeira ocasião em que Teobaldo esteve ao seu lado, ela não se pode conter e, entre soluços, deixou rolar contra ele a formidável tempestade de ciúmes que a tanto custo reprimia.
Linha 70:
— Mas, filha, é preciso ser razoável!... Querias então que eu fosse eternamente o teu amant de coeur?... querias que eu não tivesse outras aspirações, outros ideais, senão representar a indigna e falsa posição que represento aqui nesta casa, que não é paga só por mim?...
 
Oh! Já tive ocasião de provar-te que não ligo importância a tudo isto !.
 
— Sim, mas não compreendes que tenho aspirações e prezo o meu futuro? não vês que seria loucura de tua parte contar comigo para toda a vida?... Oh! às vezes nem me pareces uma mulher de espírito!
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— Dize antes que lhe cobiças o dote; serias, ao menos, mais delicado para comigo.
 
— Bem sabes que eu não minto...
 
— Quando não te faz conta!...
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— Não! Isso seria falta de franqueza, mas nunca mentira.
 
— EÉ mentir fazer acreditar em um amor que não existe.
 
— Eu nunca fiz semelhante coisa! Não fui eu quem te iludiu, foste tu própria!
Linha 100:
— É porque és um cínico!
 
— Não, é porque "amor" nada exprime, é um palavrão sem sentido; fala-me em simpatia, em gostar de ver alguém e senti-lo ao seu lado; fala-me na estima e no apreço em que temos osaos bons e os generosos, e eu te compreenderei e eu te direi que te aprecio e te quero!
 
— Vais me oferecer a tua amizade. Aposto.
 
— Não te posso oferecer uma coisa que dispões há muito tempo... O que eu desejo é apelar justamente para essa amizade e pedir-te em nome dela que não sejas um obstáculo ao meu futuro e Aà minha tranqüilidadetranquilidade.
 
— Não te compreendo.
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— Então, que temos? perguntou logo que se viu a sós com Teobaldo na rua.
 
— André, preciso que me prestes um serviço, um verdadeiro serviço de amigo: Leonília quer desmanchar o meu casamento; é necessário convenceconvencê-la do contrário. Só tu me poderás fazer isso; és o único homem sério de que disponho! Vai ter com ela e chama-a à razão! Fala-lhe com franqueza, promete-lhe o que entenderes, contanto que a convenças'!
 
— Ela ameaçou-te de fazer qualquer coisa?
 
— Nem só ameaçou, como até já foi ao escritório do comendador procurá-lo!.
 
— Falou-lhe?
Linha 184:
— Não porque felizmente ele não estava em casa, mas volta amanhã sem dúvida ou talvez ainda hoje mesmo, e tu bem sabes que, se ela fala ao comendador, estou perdido! e adeus casamento, adeus futuro, adeus tudo!
 
— EÉ preciso então ir já?
 
— Sim, imediatamente! Olha! mete-te no tílburi e vai, anda!
Linha 190:
Coruja fez ainda algumas perguntas, tomou certas informações e afinal seguiu para a casa de Leonília.
 
Veio ela própria receberecebê-lo, fê-lo entrar para a sala e assentou-se-lhe ao lado.
 
Só então o pobre André avaliou o alcance do seu compromisso; achou a comissão mais difícil do que julgara e a si próprio mais fraco do que supunha; mas vencendo o acanhamento, principiou sem transição:
Linha 234:
— Ora!
 
— E que talvez a senhora não esteja bem informada, as coisas nunca se acharam para ele tão ruins! Teobaldo está em uma situação crítica, muito criticacrítica; se não consegue realizar este casamento, fica perdido, perdido para sempre, e, como lhe conheço bem o gênio, receio pela vida dele!...
 
— Outro tanto não faz ele a meu respeito.
Linha 244:
O Coruja principiava a comover-se.
 
— Mas... prosseguiu Leonília, o senhor no fim de contas tem toda a razão: meu amor não é como o amor das outras pessoas, o meu amor, em vez de elevar, humilha e rebaixa! Quanto mais delicada, quanto mais escrava e amiga me fizer de Teobaldo, tanto mais o prejudico! Tem toda a razão! EÉ indispensável que eu me afaste dele por uma vez! EÉ preciso que eu acorde deste sonho para cair de novo na triste realidade do meu destino! Que importa que isso agrave os meus sofrimentos; que os torne perigosos; que os torne fatais?... Que importa, se nada lucram os outros com a minha vida ou perdem com a minha morte?... Ele quer abandonar-me? Pois não! faz o seu dever obrará como um "rapaz de juízo"! Todos os homens sérios e refletidos aplaudirão esse ato! Ele quer casar? Nada mais justo! O casamento é a moral, é a ordem, é a dignidade no amor! Pois alguém lhe perdoaria abandonar um casamento vantajoso só para impedir que sucumba uma desgraçada, uma mulher perdida? Ninguém, decerto! Ah! tudo tem seu tempo! Amou-me enquanto podia e precisava amar-me; depois nada mais tem que fazer a meu lado e vai buscar o que lhe convém, o que serve para o seu futuro! Aqui não se trata de mim; trata-se dele apenas; eu que não fosse tola! Quem me mandou tomar a sério o que não devia passar de uma brincadeira, de um capricho? Quem me mandou a mim sonhar com felicidades que me não pertencem?... Pois não devia eu calcular logo que as desgraçadas de minha espécie só tem direito à libertinagem, ao vício e à eterna degradação?...
 
E Leonília rompeu em soluços.
 
— Não se mortifique... aconselhou o Coruja, sem achar o que dizer.
 
— Ah! sou muito, muito desgraçada! Ninguém poderá calcular o quanto sofre uma mulher nas minhas condições, quando ela não sabe ser quem é e quer se dar à fantasia de revoltar-se contra o seu próprio meio! Por todos os lados sempre a mesma lama: o que se come, o que se veste, o que se gasta, é tudo prostituição; nada que não tenha a mancha de podre! E no entanto uma coisa boa e pura me restava ainda no meio de tanta imundícia: era o meu amor por Teobaldo; esse não tinha sido contaminado pelo resto... Quando eu me sentia aviltada por tudo e por todos, refugiava-me nele, lembrava-me de que o amo sem interesses mesquinhos, sem hipocrisias, nem baixezas; e esta idéia me fazia por instantes esquecer de mim mesma, esta idéia como que me transformava aos meus próprios olhos, e eu me supunha menos só no mundo e menos prostituta! Agora, querem arrebatá-lo; querem tomar-me o único pretexto que eu tinha para viver... pois levem-no! Mas, oh! por quem são! deixem-me morrer primeiro! Não há de custar tanto!
Linha 254:
— Não pense nisso!
 
— E do que me serve a vida sem Teobaldo?... EÉ que o senhor não conhece, não pode imaginar o que é a existência de nós outras, mulheres perdidas! EÉ simplesmente horrível! Hoje ainda encontro quem me ampare, porque não estou de todo acabada; mas amanhã os homens principiarão a desertar e as suas vagas representarão mil necessidades - depois a moléstia, a fome completa e afinal - "Uma esmola por amor de Deus!" Eis aí o que me espera, como espera a todas as minhas iguais! Atravessamos uma existência de vergonhas para acabar num hospício de idiotas ou num hospital de mendigos! Pois bem! com a idéia em Teobaldo, eu me esquecia desse futuro implacável; bem sei que ele nunca me recolheria de todo à sua guarda... Quem sou eu para merecer tanto?.. . mas dizia comigo "Ele, coitado, tem-me amor, nada me pode fazer por ora; mais tarde, porém, quando me vir totalmente desamparada, virá em meu socorro e não consentirá que eu morra como um cão sem dono !"
 
— E quem lhe disse que ele não olhará pela senhora?... Por que o há de supor tão mau?
Linha 264:
— Sim, creio, e é justamente por esse motivo que eu nada esperarei dele depois do casamento. Uma mulher aceita a compaixão seja de quem for e pelo que for, menos do seu amado, em substituição da ternura.
 
— Pois se lhe repugna aceitá-la das mãos dele, pode receberecebê-la das minhas; comprometo-me a olhar pela senhora.
 
Leonília, ao ouvir isto, voltou-se de todo para o Coruja e mediu-o em silenciosilêncio com os olhos ainda congestionados pelo choro. "Que significaria aquela proposição?..."
 
— O senhor tenciona tomar-me à sua conta?... perguntou ela surpresa. Tenciona fazer-se meu amante?
Linha 292:
Leonília foi acompanhá-lo até à porta e o Coruja saiu para ir ter com Teobaldo.
 
— Bonito! exclamou este, quando o amigo lhe prestou contas da sua comissão - Fizeste-la bonita!
 
— Como assim?
Linha 312:
— Há de se lhe dar um jeito! Não te aflijas.
 
— EÉ que eu estou sem vintém!
 
— Arranja-se...