O Coruja/III/VII: diferenças entre revisões

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Pois, ainda assim, descobria tempo para fazer a escrituração da casa e, lá uma vez por outra, para adiantar uma página à sua querida história do Brasil.
 
Embalde protestava-lhe o corpo contra tanto excesso de trabalho. Coruja não se deixava vencer e reagia energicamente; é verdade que, ao chegar a noite, já se não podia ter nas pernas e só com muito sacrifício agüentavaaguentava-se acordado até às onze horas, trabalhando ainda; mas em compensação trazia agora o espírito mais tranqüilotranquilo a respeito do seu compromisso com Inez, a quem desposaria, mal visse o colégio desembaraçado.
 
A nova situação de André por qualquer forma animou a velha Margarida, que ultimamente se havia convertido para ele em um verdadeiro tormento.
 
— Ora, Deus queira que desta vez você desembuche, criatura! disse-lhe ela, quando o rapaz lhe levou a notícia. - Já não vem sem tempo!
 
— Ah! desta vez creio que ficará tudo realizado!... considerou André - É que as coisas, Sra. D. Margarida, nem sempre caminham à medida dos nossos desejos...
 
— Ora, seu Miranda, se você quisesse, há muito tempo que já teria dado um jeito ao negócio !.
 
— Mas para que fazer as coisas no ar? EÉ muito melhor ir pelo seguro! Olhe, logo que eu liquide o meu débito com o Banco, posso casar sem receio, porque já terei certo o necessário para sustentar mulher e os filhos que vierem. O colégio, uma vez desembaraçado, dará perfeitamente para isso o talvez até para se porpôr de parte alguma coisinha... Não acha a senhora, D. Margarida, que sempre é melhor assim, do que casar-se a gente em um dia e já no outro estar arrependida?
 
A velha, em vez de responder às considerações de André, limitou-se a exclamar:
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— Agora há de vê-lo realizado!
 
— Com um ano de espera pelo menos... arriscou Inez. - Em um ano o mundo dá tantas voltas!...
 
E sua cara era tão feia e tão apoquentada com semelhantes palavras, que fazia desconfiar que as tais voltas do mundo haviam de ser por cima dela.
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— O que não sei é se ele ainda deitará um ano ... considerou a velha, quando o Coruja a deixou com a filha. Acho-o agora tão não sei como!... O diabo do homem parece que fica mais feio de dia para dia!
 
— A mim, o que lhe acho, acrescentou a outra - é mais bodega do que nunca: já não se sabe de que cor é o paletó que ele trástraz no corpo, e o chapéu parece que está a se acabar aos nacos!
 
Tais considerações sobre o mau trajar do Coruja não eram privilégio exclusivo das duas senhoras; em casa de Teobaldo já todos haviam também notado a mesma coisa, sem que ninguém aliás se animasse a censurá-lo, porque bem sabiam a que ponto levava ele a economia depois de tomar o colégio à sua conta.
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O Aguiar embirrava com ele progressivamente. Ao topá-lo em casa do amigo, tão maltrapilho e tão esquerdo de maneiras, torcia sempre o nariz e às vezes chegava a exprobrar à prima aquela relação.
 
— Também não sei, dizia, - como Teobaldo, que é aquele mesmo, conserva este tipo dentro de sua casa...
 
— São muito amigos, respondia Branca secamente.
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— Com efeito, é antipático, mas também não é tanto assim... Repare bem e verá.
 
— Não. Tenho medo. Aquela cara seria capaz de me porpôr doente se eu a fitasse.
 
A atitude do Aguiar ao lado da prima continuava a ser a de um seu parente chegado e amigo da casa; Branca, todavia, ao conversar com ele, sentiu por várias vezes orçar-lhe pelo pudor as antenas de uma estranha intenção, que ela procurava não compreender e contra a qual se retraía toda. Mas o sedutor nem por isso perdia as esperanças, e, sempre com o seu sistema artificioso, ia empregando todos os meios de insinuar-se-lhe no ânimo, até que chegasse uma boa ocasião para a empolgar.
 
A ocasião, porém, não queria apresentar-se, e ele teria talvez precipitado os acontecimentos, se o acaso não fosse ao seu encontro, avivando-lhe a coragem e fazendo--lhe antever um desfecho ainda mais rápido do que esperava para a sua campanha.
 
Aguiar estava muito ao corrente das pretensões jornalísticas de Teobaldo e, melhor ainda, sabia em que pé caminhavam as intimidades deste com a senhora do conselheiro; de sorte que, um belo dia, ouvindo Branca teimar que o marido tinha de passar a noite em importante conferência comercial com alguns amigos, ele sorriu e disse:
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— E o que perderia a prima se eu lhe provasse o contrário?
 
— Perderia mais uma ilusão a respeito de meu marido, respondeu ela. - Até aqui ainda não o apanhei mentindo, e confesso que o julgo incapaz de tamanha baixeza.
 
— E se eu provasse que ele, em vez de passar a noite nessa fantástica conferência, estará por esse tempo aos pés da mulher do conselheiro?...
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— E jura que não fará o mesmo a meu respeito, se eu provar o que disse?
 
— Pode estar tranqüilotranquilo por esse lado, porque nós, as mulheres, só condenamos os atos maus e as faltas da pessoa que amamos. Em nós o ódio é sempre o avesso do amor e só aparece quando este se esconde; o nosso coração é uma capa de duas vistas, cujos lados não podemos usar ao mesmo tempo: ou bem que amamos, ou bem que odiamos.
 
— Quem me dera então ser odiado pela prima...
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— Dize-me: onde vai tu agora?
 
— Oh! estou farto de repetir! E estalando as sílabas: - Vou a uma reunião comercial, que tem hoje de deliberar sobre um sindicato, apresentado ao governo, pedindo privilégio para o fornecimento de certos materiais de guerra que tencionamos mandar ao Paraguai. Oh!
 
— Jura! Dá tua palavra de honra!
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— É impossível! Teria um grande prejuízo!
 
— Fica, Teobaldo.
 
— Não. Seria uma tolice, que eu a mim mesmo nunca perdoaria! Bem sabes que os meus negócios não vão bem, atravesso uma crise muito séria, extraordinariamente séria! A guerra tem me feito um mal diabólico! Se me descuidar, estará tudo perdido, tudo! Nesta reunião de hoje vou tratar do nosso futuro; é o interesse que me conduz e não devo faltar!
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Branca ficou imóvel, junto à porta, a segui-lo com os olhos. Viu-o descer muito lépido a escadaria de pedra, atravessar a chácara e ouviu depois rodar o carro lá fora.
 
— Qual dos dois será o mentiroso? este ou o outro?... balbuciou ela, deixando pender a cabeça para o peito e entregando-se a uma cisma atormentadora e ensombrecida pela dúvida: Qual dos dois será o infame? Talvez ambos ...
 
Despertou com a voz do primo.
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— Parece-me que sempre é mais prudente do que ir em companhia do Caetano... Lembre-se de que esse velho a ninguém preza neste mundo como a Teobaldo e que não resistirá por conseguinte ao desejo de contar-lhe tudo!
 
— Pouco me importaria eu com isso!.
 
— Sim, mas importo-me eu. Se Teobaldo chegasse a descobrir a armadilha, descobriria também quem a armou. Ao passo que, indo a prima só comigo, eu a faria entrar misteriosamente pelos fundos da casa e levá-la-ia a um lugar seguro donde, já disse, os poderia ver, sem que ninguém desconfiasse da sua presença.