O Coruja/III/X: diferenças entre revisões

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Enquanto isto se dava, Branca, aflita e estrangulada de indignação, chegava aà casa.
 
Enfiou logo para seu quarto e, atirando a capa à criada, disse-lhe com a voz trêmula:
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E, depois de esgotar de um trago um copo dágua, assentou-se à secretária e escreveu o seguinte com a mesma precipitação com que bebera:
 
Conselheiro. - Se V. Exa. preza sua honra de homem casado, vá imediatamente à rua do Catete n. 15 e aí encontrará sua mulher nos braços do marido de quem lhe faz esta denúncia.
 
E declarou a hora e o dia em que era escrito o bilhete, sem contudo expor a sua assinatura. Depois, meteu a folha de papel em um envelope e sobrescritou-a.
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— Se tens alguma razão de queixa contra mim, melhor será que falas logo com franqueza. Ao menos dar-me-ás o direito da defesa.
 
— Razão de queixa? Mas, valha-me Deus! seria uma injustiça, uma tremenda injustiça à tua bondade, ao teu caráter e a todos os teus princípios de moral. Queixar-me? Que idéiaideia! Pois se jamais fui tão lealmente amada e tão dignamente respeitada por ti...
 
— Não te compreendo, nem te reconheço. Estás irônica.
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— Oh! verdade pura. Estou convencida de que o teu comparecimento à sessão de ontem, há de ainda mais engrandecer-te aos olhos dele. Não há dúvida que vais em uma carreira por todos os motivos invejável!
 
— Branca, disse Teobaldo, com ar muito sério, se tens algum ressentimento contra mim, peço-te de novo que fales abertamente. Não sei em que possa eu ter incorrido no teu desagrado; a minha consciência está tranqüilatranquila, mas desejo apagar de teu espírito toda e qualquer sombra de suspeita, de que me julgues merecedor.
 
— Já disse que não tenho acusação nenhuma a fazer.
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— De que modo? Eu nunca me vi de tão bom humor!
 
— És cruel, filha!
 
— Eu? Pois então o meu bom humor já é uma crueldade?... Ora! tem paciência; mas não sei que fizeste de tua lógica, chegas a ser incoerente! Até aqui tu me lançavas em rosto todos os dias as minhas tristezas, os meus ciúmes, as minhas repetidas queixas de amor; e agora exprobras-me, porque me sinto bem disposta e com vontade de rir. Hás de confessar que isto não é lógico!
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— Um sonho?
 
— É verdade. Adormeci ainda no meu ridículo estado de credulidade e sonhei que me achava entre todos os meus amigos e conhecidos; via-os a todos, como te estou vendo a ti, tão bons, tão afáveis e tão meigos! Mas, de súbito, senti unia grande agitação em torno de mim, olho espantada; então um singular espetáculo se apresenta: a máscara de cada um havia caído por terra e um grande montão de fisionomias misturava-se a meus pés, imóveis e frias como rostos de defunto. E todas aquelas figuras humanas, que acabavam de despir a máscara, começaram a rir e a escarnecer umas das outras, descaradamente, sem rebuços de delicadeza. E as mais vergonhosas confissões saíram de cada boca. Um gritava: "Eu finjo que te amo, mas no fundo eu te aborreço!" Outro dizia: "Afeto respeito à moral, mas a minha paixão verdadeira é a crápula e o aviltamento!" Este afiançava que lhe era indiferente o mundo inteiro e que só a sua própria pessoa o interessava; aquele outro declarava que o seu fim único era enganar o próximo em proveito de si mesmo; mais adiante ouvia-se dizer: "Eu, se não cometo certas baixezas, é só porque com isto atraso a minha vida"; outro protestava em como, se exercia algumas vezes o bem, era para que o glorificassem e acatassem; uma mulher gritava que se fingia virtuosa, porque era mais cômodo e vantajoso ser honesta do que dissoluta; ao lado dela um sujeito confirmava essas palavras, dizendo que a virtude na mulher é como a honra no homem - um passaporte para a consideração pública. E então vi deslizar por defronte de mim o mais estranho batalhão de monstros! Velhos sérios a fazerem momices de criança; crianças com os vícios e os achaques da velhice; vi homens feios e bons, outros maus e encantadores; vi o amor ao lado da ingratidão e do abandono; o ódio e a indiferença de braço dado à dedicação e ao sacrifício; vi a força ao lado da covardia; vi a franqueza e a incompetência ao lado da valentia e do atrevimento; vi o generoso perseguido; vi o egoísta aclamado; vi o preguiçoso triunfante; vi o trabalhador estendido no meio do caminho; vi a franqueza e a lealdade cobertas de ridículo e de vergonha e vi a hipocrisia, a mentira, a falsidade, recebendo o aplauso, a confiança e a veneração de todos. E, quando passei a mão pelo meu rosto, notei que este também já não era o mesmo, e vi aos meus pés a máscara da minha inocência, da minha boa-fé e da minha credulidade! Acordando, circunvaguei o olhar em torno de mim, evoquei a memória das pessoas conhecidas, examinei-as, uma por uma, e verifiquei que todas elas traziam cada qual a sua cara postiça.
 
— Até eu?
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Teobaldo empalideceu ouvindo estas últimas palavras da mulher e abaixou os olhos defronte da enérgica serenidade que notou na fisionomia dela.
 
Depois quis tomatomá-la pela cintura; Branca desviou-se lançando-lhe um gesto de desprezo:
 
Mas ouve! disse ele, deixa ao menos que eu me explique!