Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990): diferenças entre revisões

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| nota = Lisboa, 14, 15 e 16 de dezembro de 1990
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Com o mesmo fim, pode manter-se a grafia original de quaisquer firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos que estejam inscritos em registo público.
 
{{T2|Notas}}
<references />
 
{{T2|{{sc|<big>Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa</big>}}|Anexo I: }}
 
 
'''{{T3|Memória breve dos acordos ortográficos|align = left}}'''
 
 
A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo.
 
Tal situação remonta, como é sabido, a 1911, ano em que foi adoptada em Portugal a primeira grande reforma ortográfica, mas que não foi extensiva ao Brasil.
 
Por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, em consonância com a Academia das Ciências de Lisboa, com o objectivo de se minimizarem os inconvenientes desta situação, foi aprovado em 1931 o primeiro acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil. Todavia, por razões que não importa agora mencionar, este acordo não produziu, afinal, a tão desejada unificação dos dois sistemas ortográficos, facto que levou mais tarde à convenção ortográfica de 1943. Perante as divergências persistentes nos ''Vocabulários'' entretanto publicados pelas duas Academias, que punham em evidência os parcos resultados práticos do Acordo de 1943, realizou-se, em 1945, em Lisboa, novo encontro entre representantes daquelas duas agremiações, o qual conduziu à chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mais uma vez, porém, este acordo não produziu os almejados efeitos, já que ele foi adoptado em Portugal, mas não no Brasil.
 
Em 1971, no Brasil, e em 1973, em Portugal, foram promulgadas leis que reduziram substancialmente as divergências ortográficas entre os dois países. Apesar destas louváveis iniciativas, continuavam a persistir, porém, divergências sérias entre os dois sistemas ortográficos.
 
No sentido de as reduzir, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras elaboraram em 1975 um novo projecto de acordo que não foi, no entanto, aprovado oficialmente por razões de ordem política, sobretudo vigentes em Portugal.
 
E é neste contexto que surge o encontro do Rio de Janeiro, em maio de 1986, e no qual se encontram, pela primeira vez na história da língua portuguesa, representantes não apenas de Portugal e do Brasil mas também dos cinco novos países africanos lusófonos entretanto emergidos da descolonização portuguesa.
 
O Acordo Ortográfico de 1986, conseguido na reunião do Rio de Janeiro, ficou, porém, inviabilizado pela reação polêmica contra ele movida sobretudo em Portugal.
 
 
'''{{T3|Razões do fracasso dos acordos ortográficos|align = left}}'''
 
 
Perante o fracasso sucessivo dos acordos ortográficos entre Portugal e o Brasil, abrangendo o de 1986 também os países lusófonos de África, importa reflectir seriamente sobre as razões de tal malogro.
 
Analisando sucintamente o conteúdo dos acordos de 1945 e de 1986, a conclusão que se colhe é a de que eles visavam impor uma unificação ortográfica absoluta.
 
Em termos quantitativos e com base em estudos desenvolvidos pela Academia das Ciências de Lisboa, com base num ''corpus'' de cerca de 110.000 palavras, conclui-se que o Acordo de 1986 conseguia a unificação ortográfica em cerca de 99,5% do vocabulário geral da língua. Mas conseguia-a, sobretudo, à custa da simplificação drástica do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceite por uma parte substancial da opinião pública portuguesa.
 
Também o Acordo de 1945 propunha uma unificação ortográfica absoluta que rondava os 100% do vocabulário geral da língua. Mas tal unificação assentava em dois princípios que se revelaram inaceitáveis para os brasileiros:
 
<ol style="list-style-type: lower-alpha;">
<li> <!-- a) -->
Conservação das chamadas consoantes mudas ou não articuladas, o que correspondia a uma verdadeira restauração destas consoantes no Brasil, uma vez que elas tinham há muito sido abolidas.
</li>
 
<li> <!-- b) -->
Resolução das divergências de acentuação das vogais tónicas ''e'' e ''o'', seguidas das consoantes nasais ''m'' e ''n'', das palavras proparoxítonas (ou esdrúxulas) no sentido da prática portuguesa, que consistia em as grafar com acento agudo e não circunflexo conforme a prática brasileira.
</li>
</ol>
 
Assim se procurava, pois, resolver a divergência de acentuação gráfica de palavras como ''António'' e ''Antônio'', ''cómodo'' e ''cômodo'', ''género'' e ''gênero'', ''oxigénio'' e ''oxigênio'', etc., em favor da generalização da acentuação com o diacrítico agudo. Esta solução estipulava, contra toda a tradição ortográfica portuguesa, que o acento agudo, nestes casos, apenas assinalava a tonicidade da vogal e não o seu timbre, visando assim resolver as diferenças de pronúncia daquelas mesmas vogais.
 
A inviabilização prática de tais soluções leva-nos à conclusão de que não é possível unificar por via administrativa divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, um dos critérios, aliás, em que se baseia o sistema ortográfico da língua portuguesa.
 
Nestas condições, há que procurar uma versão de unificação ortográfica que acautele mais o futuro do que o passado e que não receie sacrificar a simplificação também pretendida em 1986, em favor da máxima unidade possível. Com a emergência de cinco novos países lusófonos, os factores de desagregação da unidade essencial da língua portuguesa far-se-ão sentir com mais acuidade e também no domínio ortográfico. Neste sentido importa, pois, consagrar uma versão de unificação ortográfica que fixe e delimite as diferenças atualmente existentes e previna contra a desagregação ortográfica da língua portuguesa.
 
Foi, pois, tendo presentes estes objetivos que se fixou o novo texto de unificação ortográfica, o qual representa uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986. Mas ainda assim suficientemente forte para unificar ortograficamente cerca de 98% do vocabulário geral da língua.
 
 
'''{{T3|Forma e substância do novo texto|align = left}}'''
 
 
O novo texto de unificação ortográfica agora proposto contém alterações de forma (ou estrutura) e de conteúdo, relativamente aos anteriores. Pode dizer-se, simplificando, que em termos de estrutura se aproxima mais do acordo de 1986, mas que em termos de conteúdo adopta uma posição mais conforme com o projecto de 1975, atrás referido.
 
Em relação às alterações de conteúdo, elas afetam sobretudo o caso das consoantes mudas ou não articuladas, o sistema de acentuação gráfica, especialmente das esdrúxulas, e a hifenação.
 
Pode dizer-se ainda que, no que respeita às alterações de conteúdo, de entre os princípios em que assenta a ortografia portuguesa se privilegiou o critério fonético (ou da pronúncia) com um certo detrimento para o critério etimológico.
 
É o critério da pronúncia que determina, aliás, a supressão gráfica das consoantes mudas ou não articuladas, que se têm conservado na ortografia lusitana essencialmente por razões de ordem etimológica.
 
É também o critério da pronúncia que nos leva a manter um certo número de grafias duplas do tipo de ''caráter'' e ''carácter'', ''facto'' e ''fato'', ''sumptuoso'' e ''suntuoso'', etc.
 
É ainda o critério da pronúncia que conduz à manutenção da dupla acentuação gráfica do tipo de ''económico'' e ''econômico'', ''efémero'' e ''efêmero'', ''género'' e ''gênero'', ''génio'' e ''gênio'', ou de ''bónus'' e ''bônus'', ''sémen'' e ''sêmen'', ''ténis'' e ''tênis'', ou ainda de ''bebé'' e ''bebê'', ou ''metro'' e ''metrô'', etc.
 
Explicitam-se em seguida as principais alterações introduzidas no novo texto de unificação ortográfica, assim com a respectiva justificação.
 
 
'''{{T3|Conservação ou supressão das consoantes ''c'', ''p'', ''b'', ''g'', ''m'' e ''t'' em certas sequências consonânticas (Base IV)|align = left}}'''
 
'''{{T4|Estado da questão|align = left}}'''
 
Como é sabido, uma das principais dificuldades na unificação da ortografia da língua portuguesa reside na solução a adoptar para a grafia das consoantes ''c'' e ''p'', em certas sequências consonânticas interiores, já que existem fortes divergências na sua articulação.
 
Assim, umas vezes, estas consoantes são invariavelmente proferidas em todo o espaço geográfico da língua portuguesa, conforme sucede em casos como ''compacto'', ''ficção'', ''pacto''; ''adepto'', ''aptidão'', ''núpcias''; etc.
 
Neste caso, não existe qualquer problema ortográfico, já que tais consoantes não podem deixar de grafar-se (v. Base IV, 1<sup>o</sup> a).
 
Noutros casos, porém, dá-se a situação inversa da anterior, ou seja, tais consoantes não são proferidas em nenhuma pronúncia culta da língua, como acontece em ''acção, afectivo, direcção''; ''adopção, exacto, óptimo''; etc. Neste caso existe um problema. É que na norma gráfica brasileira há muito estas consoantes foram abolidas, ao contrário do que sucede na norma gráfica lusitana, em que tais consoantes se conservam. A solução que agora se adopta (v. Base IV, 1<sup>o</sup> b) é a de as suprimir, por uma questão de coerência e de uniformização de critérios (vejam-se as razões de tal supressão adiante, em 4.2).
 
As palavras afectadas por tal supressão representam 0,54% do vocabulário geral da língua, o que é pouco significativo em termos quantitativos (pouco mais de 600 palavras em cerca de 110000). Este número é, no entanto, qualitativamente importante, já que compreende vocábulos de uso muito frequente (como, por exemplo, ''acção, actor, actual, colecção, colectivo, correcção, direcção, director, electricidade, factor, factura, inspector, lectivo, óptimo,'' etc.).
 
O terceiro caso que se verifica relativamente às consoantes ''c'' e ''p'' diz respeito à oscilação de pronúncia, a qual ocorre umas vezes no interior da mesma norma culta (cf., por exemplo, ''cacto'' ou ''cato'', ''dicção'' ou ''dição'', ''sector'' ou ''setor'', etc.), outras vezes entre normas cultas distintas (cf., por exemplo, ''facto, receção'' em Portugal, mas ''fato, recepção'' no Brasil).
 
A solução que se propõe para estes casos, no novo texto ortográfico, consagra a dupla grafia (v. Base IV, 1<sup>o</sup> c).
 
A estes casos de grafia dupla devem acrescentar-se as poucas variantes do tipo de ''súbdito'' e ''súdito'', ''subtil'' e ''sutil'', ''amígdala'' e ''amídala'', ''amnistia'' e ''anistia'', ''aritmética'' e ''arimética'', nas quais a oscilação da pronúncia se veri- fica quanto às consoantes ''b'', ''g'', ''m'' e ''t'' (v. Base IV, 2<sup>o</sup>).
 
O número de palavras abrangidas pela dupla grafia é de cerca de 0,5% do vocabulário geral da língua, o que é pouco significativo (ou seja, pouco mais de 575 palavras em cerca de 110.000), embora nele se incluam também alguns vocábulos de uso muito frequente.
 
'''{{T4|Justificação da supressão de consoantes não articuladas (Base IV, 1<sup>o</sup> b)|align = left}}'''
 
As razões que levaram à supressão das consoantes mudas ou não articuladas em palavras como ''ação'' (''acção''), ''ativo'' (''activo''), ''diretor'' (''director''), ''ótimo'' (''óptimo'') foram essencialmente as seguintes:
 
<ol style="list-style-type: lower-alpha">
<li> <!-- a) -->
O argumento de que a manutenção de tais consoantes se justifica por motivos de ordem etimológica, permitindo assinalar melhor a similaridade com as palavras congéneres das outras línguas românicas, não tem consistência. Por um lado, várias consoantes etimológicas se foram perdendo na evolução das palavras ao longo da história da língua portuguesa. Vários são, por outro lado, os exemplos de palavras deste tipo pertencentes a diferentes línguas românicas, que, embora provenientes do mesmo étimo latino, revelam incongruências quanto à conservação ou não das referidas consoantes.
{{-}}
É o caso, por exemplo, da palavra ''objecto'', proveniente do latim ''objectu-'', que até agora conservava o ''c'', ao contrário do que sucede em francês (cf. ''objet'') ou em espanhol (cf. ''objeto''). Do mesmo modo ''projecto'' (de ''projectu-'') mantinha até agora a grafia com ''c'', tal como acontece em espanhol (cf. ''proyecto''), mas não em francês (cf. ''projet''). Nestes casos o italiano dobra a consoante, por assimilação (cf. ''oggetto'' e ''progetto''). A palavra ''vitória'' há muito se grafa sem ''c'', apesar do espanhol ''victoria'', do francês ''victoire'' ou do italiano ''vittoria''. Muitos outros exemplos se poderiam citar. Aliás, não tem qualquer consistência a ideia de que a similaridade do português com as outras línguas românicas passa pela manutenção de consoantes etimológicas do tipo mencionado. Confrontem-se, por exemplo, formas como as seguintes: port. ''acidente'' (do lat. ''accidente-''), esp. ''accidente'', fr. ''accident'', it. ''accidente''; port. ''dicionário'' (do lat. ''dictionariu-''), esp. ''diccionario'', fr. ''dictionnaire'', it. ''dizionario''; port. ''ditar'' (do lat. ''dictare''), esp. ''dictar'', fr. ''dicter'', it. ''dettare''; port. ''estrutura'' (de ''structura-''), esp. ''estructura'', fr. ''structure'', it. ''struttura''; etc.
{{-}}
Em conclusão, as divergências entre as línguas românicas, neste domínio, são evidentes, o que não impede, aliás, o imediato reconhecimento da similaridade entre tais formas. Tais divergências levantam dificuldades à memorização da norma gráfica, na aprendizagem destas línguas, mas não é com certeza a manutenção de consoantes não articuladas em português que vai facilitar aquela tarefa.
</li>
 
<li> <!-- b) -->
A justificação de que as ditas consoantes mudas travam o fechamento da vogal precedente também é de fraco valor, já que, por um lado, se mantêm na língua palavras com vogal pré-tónica aberta, sem a presença de qualquer sinal diacrítico, como em ''corar, padeiro, oblação, pregar'' (= fazer uma prédica), etc., e, por outro, a conservação de tais consoantes não impede a tendência para o ensurdecimento da vogal anterior em casos como ''accionar, actual, actualidade, exactidão, tactear,'' etc.
</li>
 
<li> <!-- c) -->
É indiscutível que a supressão deste tipo de consoantes vem facilitar a prendizagem da grafia das palavras em que elas ocorriam. De facto, como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras como ''concepção, excepção, recepção,'' a consoante não articulada é um ''p'', ao passo que em vocábulos como ''correcção, direcção, objecção,'' tal consoante é um ''c''?
{{-}}
Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua.
</li>
 
<li> <!-- d) -->
A divergência de grafias existente neste domínio entre a norma lusitana, que teimosamente conserva consoantes que não se articulam em todo o domínio geográfico da língua portuguesa, e a norma brasileira, que há muito suprimiu tais consoantes, é incompreensível para os lusitanistas estrangeiros, nomeadamente para professores e estudantes de português, já que lhes cria dificuldades suplementares, nomeadamente na consulta dos dicionários, uma vez que as palavras em causa vêm em lugares diferentes da ordem alfabética, conforme apresentam ou não a consoante muda.
</li>
 
<li> <!-- e) -->
Uma outra razão, esta de natureza psicológica, embora nem por isso menos importante, consiste na convicção de que não haverá unificação ortográfica da língua portuguesa se tal disparidade não for resolvida.
</li>
 
<li> <!-- f) -->
Tal disparidade ortográfica só se pode resolver suprimindo da escrita as consoantes não articuladas, por uma questão de coerência, já que a pronúncia as ignora, e não tentando impor a sua grafia àqueles que há muito as não escrevem, justamente por elas não se pronunciarem.
</li>
</ol>
 
'''{{T4|Incongruências aparentes|align = left}}'''
 
A aplicação do princípio, baseado no critério da pronúncia, de que as consoantes ''c'' e ''p'' em certas sequências consonânticas se suprimem, quando não articuladas, conduz a algumas incongruências aparentes, conforme sucede em palavras como ''apocalítico'' ou ''Egito'' (sem ''p'', já que este não se pronuncia), a par de ''apocalipse'' ou ''egípcio'' (visto que aqui o ''p'' se articula), ''noturno'' (sem ''c'', por este ser mudo), ao lado de ''noctívago'' (com ''c'', por este se pronunciar), etc.
 
Tal incongruência é apenas aparente. De facto, baseando-se a conservação ou supressão daquelas consoantes no critério da pronúncia, o que não faria sentido era mantê-las, em certos casos, por razões de parentesco lexical. Se se abrisse tal exceção, o utente, ao ter que escrever determinada palavra, teria que recordar previamente, para não cometer erros, se não haveria outros vocábulos da mesma família que se escrevessem com este tipo de consoante.
 
Aliás, divergências ortográficas do mesmo tipo das que agora se propõem foram já aceites nas bases de 1945 (v. base VI, último parágrafo), que consagraram grafias como ''assunção'' ao lado de ''assumptivo'', ''cativo'' a par de ''captor'' e ''captura'', ''dicionário'', mas ''dicção'', etc. A razão então aduzida foi a de que tais palavras entraram e se fixaram na língua em condições diferentes. A justificação da grafia com base na pronúncia é tão nobre como aquela razão.
 
'''{{T4|Casos de dupla grafia (Base IV, 1<sup>o</sup> c, d e 2<sup>o</sup>|align = left}}'''
 
Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes ''c'' e ''p'' e ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porém, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequências consonânticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: ''cacto'' e ''cato'', ''caracteres'' e ''carateres'', ''dicção'' e ''dição'', ''facto'' e ''fato'', ''sector'' e ''setor''; ''ceptro'' e ''cetro''; ''concepção'' e ''conceção'', ''recepção'' e ''receção''; ''assumpção'' e ''assunção'', ''peremptório'' e ''perentório'', ''sumptuoso'' e ''suntuoso''; etc.
 
De um modo geral pode dizer-se que, nestes casos, o emudecimento da consoante (exceto em ''dicção'', ''facto'', ''sumptuoso'' e poucos mais) se verifica, sobretudo, em Portugal e nos países africanos, enquanto no Brasil há oscilação entre a prolação e o emudecimento da mesma consoante.
 
Também os outros casos de dupla grafia (já mencionados em 4.1), do tipo de ''súbdito'' e ''súdito'', ''subtil'' e ''sutil'', ''amígdala'' e ''amídala'', ''omnisciente'' e ''onisciente'', ''aritmética'' e ''arimética'', muito menos relevantes em termos quantitativos do que os anteriores, se verificam sobretudo no Brasil.
 
Trata-se, afinal, de formas divergentes, isto é, do mesmo étimo. As palavras sem consoante, mais antigas e introduzidas na língua por via popular, foram já usadas em Portugal e encontram-se nomeadamente em escritores dos séculos XVI e XVII.
 
Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.
 
'''{{T3|Sistema de acentuação gráfica (Bases VIII a XIII)|align = left}}'''
 
'''{{T4|Análise geral da questão|align = left}}'''
 
O sistema de acentuação gráfica do português atualmente em vigor, extremamente complexo e minucioso, remonta essencialmente à Reforma Ortográfica de 1911.
 
Tal sistema não se limita, em geral, a assinalar apenas a tonicidade das vogais sobre as quais recaem os acentos gráficos, mas distingue também o timbre destas.
 
Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação gráfica entre as duas realizações da língua.
Tais divergências têm sido um obstáculo à unificação ortográfica do português.
 
É certo que em 1971, no Brasil, e em 1973, em Portugal, foram dados alguns passos significativos no sentido da unificação da acentuação gráfica, como se disse atrás. Mas, mesmo assim, subsistem divergências importantes neste domínio, sobretudo no que respeita à acentuação das paroxítonas.
 
Não tendo tido viabilidade prática a solução fixada na Convenção Ortográfica de 1945, conforme já foi referido, duas soluções eram possíveis para se procurar resolver esta questão.
 
Uma era conservar a dupla acentuação gráfica, o que constituía sempre um espinho contra a unificação da ortografia.
 
Outra era abolir os acentos gráficos, solução adoptada em 1986, no Encontro do Rio de Janeiro.
 
Esta solução, já preconizada no I Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea, realizado em 1967 em Coimbra, tinha sobretudo a justificá-la o facto de a língua oral preceder a língua escrita, o que leva muitos utentes a não empregarem na prática os acentos gráficos, visto que não os consideram indispensáveis à leitura e compreensão dos textos escritos.
 
A abolição dos acentos gráficos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, preconizada no Acordo de 1986, foi, porém, contestada por uma larga parte da opinião pública portuguesa, sobretudo por tal medida ir contra a tradição ortográfica e não tanto por estar contra a prática ortográfica.
 
A questão da acentuação gráfica tinha, pois, de ser repensada.
Neste sentido, desenvolveram-se alguns estudos e fizeram-se vários levantamentos estatísticos com o objetivo de se delimitarem melhor e quantificarem com precisão as divergências existentes nesta matéria.
 
'''{{T4|Casos de dupla acentuação|align = left}}'''
 
'''Nas proparoxítonas (Base XI)'''
 
Verificou-se assim que as divergências, no que respeita às proparoxítonas, se circunscrevem praticamente, como já foi destacado atrás, ao caso das vogais tónicas ''e'' e ''o'', seguidas das consoantes nasais ''m'' e ''n'', com as quais aquelas não formam sílaba (v. Base XI, 3<sup>o</sup>).
 
Estas vogais soam abertas em Portugal e nos países africanos recebendo, por isso, acento agudo, mas são do timbre fechado em grande parte do Brasil, grafando-se por conseguinte com acento circunflexo: ''académico/acadêmico, cómodo/cômodo, efémero/efêmero, fenómeno/fenômeno, génio/gênio, tónico/tônico,'' etc.
 
Existe uma ou outra exceção a esta regra, como, por exemplo, ''cômoro'' e ''sêmola'', mas estes casos não são significativos.
 
Costuma, por vezes, referir-se que o a tónico das proparoxítonas, quando seguido de ''m'' ou ''n'' com que não forma sílaba, também está sujeito à referida divergência de acentuação gráfica. Mas tal não acontece, porém, já que o seu timbre soa praticamente sempre fechado nas pronúncias cultas da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: ''âmago, ânimo, botânico, câmara, dinâmico, gerânio, pânico, pirâmide.''
 
As únicas exceções a este princípio são os nomes próprios de origem grega ''Dánae/Dânae'' e ''Dánao/Dânao''.
 
Note-se que se as vogais ''e'' e ''o'', assim como ''a'', formam sílaba com as consoantes ''m'' ou ''n'', o seu timbre é sempre fechado em qualquer pronúncia culta da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: ''êmbolo, amêndoa, argênteo, excêntrico, têmpera''; ''anacreôntico, cômputo, recôndito''; ''cânfora, Grândola, Islândia, lâmpada, sonâmbulo,'' etc.
 
'''Nas paroxítonas (Base IX)'''
 
Também nos casos especiais de acentuação das paroxítonas ou graves (v. Base IX, 2<sup>o</sup>), algumas palavras que contêm as vogais tónicas ''e'' e ''o'' em final de sílaba, seguidas das consoantes nasais ''m'' e ''n'', apresentam oscilação de timbre, nas pronúncias cultas da língua.
 
Tais palavras são assinaladas com acento agudo, se o timbre da vogal tónica é aberto, ou com acento circunflexo, se o timbre é fechado: ''fémur'' ou ''fêmur'', ''Fénix'' ou ''Fênix'', ''ónix'' ou ''ônix'', ''sémen'' ou ''sêmen'', ''xénon'' ou ''xênon''; ''bónus'' ou ''bônus'', ''ónus'' ou ''ônus'', ''pónei'' ou ''pônei'', ''ténis'' ou ''tênis'', ''Vénus'' ou ''Vênus''; etc. No total, estes são pouco mais de uma dúzia de casos.
 
'''Nas oxítonas (Base VIII)'''
 
Encontramos igualmente nas oxítonas (v. Base VIII, 1<sup>o</sup> a, ''obs.'') algumas divergências de timbre em palavras terminadas em e tónico, sobretudo provenientes do francês. Se esta vogal tónica soa aberta, recebe acento agudo; se soa fechada, grafa-se com acento circunflexo. Também aqui os exemplos pouco ultrapassam as duas dezenas: ''bebé'' ou ''bebê'', ''caraté'' ou ''caratê'', ''croché'' ou ''crochê'', ''guiché'' ou ''guichê'', ''matiné'' ou ''matinê'', ''puré'' ou ''purê''; etc. Existe também um caso ou outro de oxítonas terminadas em o ora aberto ora fechado, como sucede em ''cocó'' ou ''cocô'', ''ró'' ou ''rô''.
 
A par de casos como este há formas oxítonas terminadas em o fechado, às quais se opõem variantes paroxítonas, como acontece em ''judô'' e ''judo'', ''metrô'' e ''metro'', mas tais casos são muito raros.
 
'''Avaliação estatística dos casos de dupla acentuação gráfica'''
 
Tendo em conta o levantamento estatístico que se fez na Academia das Ciências de Lisboa, com base no já referido ''corpus'' de cerca de 110.000 palavras do vocabulário geral da língua, verificou-se que os citados casos de dupla acentuação gráfica abrangiam aproximadamente 1,27% (cerca de 1.400 palavras). Considerando que tais casos se encontram perfeitamente delimitados, como se referiu atrás, sendo assim possível enun- ciar a regra de aplicação, optou-se por fixar a dupla acentuação gráfica como a solução menos onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa.
 
'''{{T4|Razões da manutenção dos acentos gráficos nas proparoxítonas e paroxítonas|align = left}}'''
 
Resolvida a questão dos casos de dupla acentuação gráfica, como se disse atrás, já não tinha relevância o principal motivo que levou em 1986 a abolir os acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas.
 
Em favor da manutenção dos acentos gráficos nestes casos, ponderaram-se, pois, essencialmente as seguintes razões:
 
<ol style="list-style-type: lower-alpha">
<li> <!-- a) -->
Pouca representatividade (cerca de 1,27%) dos casos de dupla acentuação.
</li>
 
<li> <!-- b) -->
Eventual influência da língua escrita sobre a língua oral, com a possibilidade de, sem acentos gráficos, se intensificar a tendência para a paroxitonia, ou seja, deslocação do acento tónico da antepenúltima para a penúltima sílaba, lugar mais frequente de colocação do acento tônico em português.
</li>
 
<li> <!-- c) -->
Dificuldade em apreender correctamente a pronúncia de termos de âmbito técnico e científico, muitas vezes adquiridos através da língua escrita (leitura).
</li>
 
<li> <!-- d) -->
Dificuldades causadas, com a abolição dos acentos, à aprendizagem da língua, sobretudo quando esta se faz em condições precárias, como no caso dos países africanos, ou em situação de autoaprendizagem.
</li>
 
<li> <!-- e) -->
Alargamento, com a abolição dos acentos gráficos, dos casos de homografia, do tipo de ''análise''(s.)/''analise''(v.), ''fábrica''(s.)/''fabrica''(v.), ''secretária''(s.)/''secretaria''(s. ou v.), ''vária''(s.)/ ''varia''(v.), etc., casos que apesar de dirimíveis pelo contexto sintático, levantariam por vezes algumas dúvidas e constituiriam sempre problema para o tratamento informatizado do léxico.
</li>
 
<li> <!-- f) -->
Dificuldade em determinar as regras de colocação do acento tónico em função da estrutura mórfica da palavra. Assim, as proparoxítonas, segundo os resultados estatísticos obtidos da análise de um ''corpus'' de 25.000 palavras, constituem 12%. Destes 12%, cerca de 30% são falsas esdrúxulas (cf. ''génio, água,'' etc.). Dos 70% restantes, que são as verdadeiras proparoxítonas (cf. ''cómodo, género,'' etc.), aproximadamente 29% são palavras que terminam em ''-ico/-ica'' (cf. ''ártico, económico, módico, prático,'' etc.). Os restantes 41% de verdadeiras esdrúxulas distribuem-se por cerca de 200 terminações diferentes, em geral de caráter erudito (cf. ''espírito, ínclito, púlpito''; ''filólogo''; ''filósofo''; ''esófago''; ''epíteto''; ''pássaro''; ''pêsames''; ''facílimo''; ''lindíssimo''; ''parêntesis''; etc.).
</li>
</ol>
 
'''{{T4|Supressão de acentos gráficos em certas palavras oxítonas e paroxítonas (Bases VIII, IX e X)|align = left}}'''
 
'''Em casos de homografia (Bases VIII, 3<sup>o</sup> e IX, 9<sup>o</sup> e 10<sup>o</sup>)'''
 
O novo texto ortográfico estabelece que deixem de se acentuar graficamente palavras do tipo de ''para'' (''á''), flexão de ''parar'', ''pelo'' (''ê''), substantivo, ''pelo'' (''é''), flexão de ''pelar'', etc., as quais são homógrafas, respectivamente, das proclíticas ''para'', preposição, ''pelo'', contração de ''per'' e ''lo'', etc.
 
As razões por que se suprime, nestes casos, o acento gráfico são as seguintes:
 
<ol style="list-style-type: lower-alpha">
<li><!-- a) -->
Em primeiro lugar, por coerência com a abolição do acento gráfico já consagrada pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei n<sup>o</sup> 5.765, de 1971.12.18, no Brasil, em casos semelhantes, como, por exemplo: ''acerto'' (''ê''), substantivo, e ''acerto'' (''é''), flexão de ''acertar''; ''acordo'' (''ô''), substantivo, e ''acordo'' (''ó''), flexão de ''acordar''; ''cor'' (''ô''), substantivo, e ''cor'' (''ó''), elemento da locução de ''cor''; ''sede'' (''ê'') e ''sede'' (''é''), ambos substantivos; etc.;
</li>
 
<li><!-- b) -->
Em segundo lugar, porque, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintático permite distinguir claramente tais homógrafas.
</li>
</ol>
 
'''Em paroxítonas com os ditongos ''ei'' e ''oi'' na sílaba tónica (Base IX, 3<sup>o</sup>)'''
 
O novo texto ortográfico propõe que não se acentuem graficamente os ditongos ''ei'' e ''oi'' tónicos das palavras paroxítonas. Assim, palavras como ''assembleia, boleia, ideia,'' que na norma gráfica brasileira se escrevem com acento agudo, por o ditongo soar aberto, passarão a escrever-se sem acento, tal como ''aldeia, baleia, cheia,'' etc.
 
Do mesmo modo, palavras como ''comboio, dezoito, estroina,'' etc., em que o timbre do ditongo oscila entre a abertura e o fechamento, oscilação que se traduz na facultatividade do emprego do acento agudo no Brasil, passarão a grafar-se sem acento.
 
A generalização da supressão do acento nestes casos justifica-se não apenas por permitir eliminar uma diferença entre a prática ortográfica brasileira e a lusitana, mas ainda pelas seguintes razões:
 
<ol style="list-style-type">
<li><!-- a) -->
Tal supressão é coerente com a já consagrada eliminação do acento em casos de homografia heterofónica (v. Base IX, 10<sup>o</sup>, e, neste texto atrás, 5.4.1), como sucede, por exemplo, em acerto, substantivo, e ''acerto'', flexão de ''acertar'', ''acordo'', substantivo, e ''acordo'', flexão de ''acordar'', ''fora'', flexão de ''ser'' e ''ir'', e ''fora'', advérbio, etc.
</li>
 
<li><!-- b) -->
No sistema ortográfico português não se assinala, em geral, o timbre das vogais tónicas ''a'', ''e'' e ''o'' das palavras paroxítonas, já que a língua portuguesa se caracteriza pela sua tendência para a paroxitonia. O sistema ortográfico não admite, pois, a distinção entre, por exemplo: ''cada'' (''â'') e ''fada'' (''á''), ''para'' (''â'') e ''tara'' (''á''); ''espelho'' (''ê'') e ''velho'' (''é''), ''janela'' (''é'') e ''janelo'' (''ê''), ''escrevera'' (''ê''), flexão de ''escrever'', e ''Primavera'' (''é''); ''moda'' (''ó'') e ''toda'' (''ô''), ''virtuosa'' (''ó'') e ''virtuoso'' (''ô''); etc.
</li>
</ol>
 
Então, se não se torna necessário, nestes casos, distinguir pelo acento gráfico o timbre da vogal tónica, por que se há-de usar o diacrítico para assinalar a abertura dos ditongos ''ei'' e ''oi'' nas paroxítonas, tendo em conta que o seu timbre nem sempre é uniforme e a presença do acento constituiria um elemento perturbador da unificação ortográfica?
 
'''Em paroxítonas do tipo de ''abençoo'', ''enjoo'', ''voo'', etc. (Base IX, 8<sup>o</sup>)'''
 
Por razões semelhantes às anteriores, o novo texto ortográfico consagra também a abolição do acento circunflexo, vigente no Brasil, em palavras paroxítonas como ''abençoo'', flexão de ''abençoar'', ''enjoo'', substantivo e flexão de ''enjoar'', ''moo'', flexão de ''moer'', ''povoo'', flexão de ''povoar'', ''voo'', substantivo e flexão de ''voar'', etc.
 
O uso do acento circunflexo não tem aqui qualquer razão de ser, já que ele ocorre em palavras paroxítonas cuja vogal tónica apresenta a mesma pronúncia em todo o domínio da língua portuguesa. Além de não ter, pois, qualquer vantagem nem justificação, constitui um factor que perturba a unificação do sistema ortográfico.
 
'''Em formas verbais com ''u'' e ''ui'' tónicos, precedidos de ''g'' e ''q'' (Base X, 7<sup>o</sup>)'''
 
Não há justificação para se acentuarem graficamente palavras como ''apazigue'', ''arguem'', etc., já que estas formas verbais são paroxítonas e a vogal ''u'' é sempre articulada, qualquer que seja a flexão do verbo respectivo.
 
No caso de formas verbais como ''argui'', ''delinquis'', etc., também não há justificação para o acento, pois se trata de oxítonas terminadas no ditongo tónico ''ui'', que como tal nunca é acentuado graficamente.
 
Tais formas só serão acentuadas se a sequência ''ui'' não formar ditongo e a vogal tónica for ''i'', como, por exemplo, ''arguí'' (1<sup>a</sup> pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo).
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