No País dos Ianques/VI: diferenças entre revisões

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|autor=Adolfo Caminha
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Como militar e disciplinador o comandante Saldanha da Gama distinguia-se por sua inflexibilidade porventura exagerada, especialmente para com as guarnições sob seu zeloso comando. Temperamento atrabiliário, sangüíneo, nervoso, sujeito a transições bruscas, inesperadas, impetuosas e violentas, o ilustre marinheiro, espírito eminentemente ilustrado, não sabia, entretanto, guardar a necessária calma quando devia aplicar as penas do código. Essas penas, como se sabe, acham-se perfeitamente explícitas, precisamente formuladas de modo a não deixar dúvida nos espíritos retos e amigos da lei. Entre os artigos que constituem o código penal militar existe um que limita o número de chibatadas, o qual não deve, em caso algum, exceder de vinte e cinco por dia.
 
Pois bem, o comandante Saldanha pouquíssimas vezes castigava conforme a lei. Colocava acima dela seus caprichos inexplicáveis, sua natureza rancorosa, sua vontade suprema. Não trepidava, e isto é sabido, em mandar açoitar com duzentas chibatadas uma praça qualquer, tal fosse o delito cometido. A um simples olhar seu as guarnições tremiam como caniços. A qualidade característica desse ilustre oficial era ser arbitrário e prepotente. Por isso a guarnição do Almirante Barroso corria a seus postos, em ocasião de manobra, com a velocidade duma seta.
 
Estávamos quase à entrada do Mississipi, a grande artéria fluvial da América do Norte, que nós imaginávamos um colosso talvez superior em volume d'água ao Amazonas -— o Mississipi, decantado pelo autor dos Natchez, e em cujas margens fica a cidade de Nova Orleans, nosso ponto de chegada.
 
Ninguém pensava mais no Rio de Janeiro para só se lembrar de Nova Orleans, a Cidade Crescente, como a denominam os americanos.
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O pôr-do-sol entre a neblina que cobria os horizontes fazia lembrar as páginas de Chateaubriand na sua Voyage en Amérique, páginas esculturais e cheias da comovida nostalgia dos que se vão da pátria.
 
Quanta verdade nas suntuosas descrições do poeta! Quanta poesia naquelas paragens desertas da foz do Mississipi -— Saara de neve estendendo-se a perder de vista nos horizontes sem fim! Que de maravilhas ocultavam-se por trás daquelas planícies, lá onde o olhar não atingia!
 
Eram ave-marias. Lembrei-me do Brasil, dos sertões de minha terra natal, da torrezinha branca do Senhor do Bonfim badalando o terço das almas, justamente aquela hora, quando as boiadas recolhiam mugindo, pesadas e melancólicas.
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Noutros lugares, porém, vêem-se rebanhos pastando silenciosamente, plantações verdejantes, casas de campo, postos de correio, em cujas portas destacam-se em caracteres maiúsculos as palavras
 
-— Post office.
 
O povo parece viver satisfeito no meio de suas plantações e de seu gado, entregue à cultura e à criação.
 
Nuvens de mosquitos atordoaram-nos toda a noite. -— "Caramba! exclamava o barbeiro de bordo, um estimável espanhol que trazíamos do Rio de Janeiro. Caramba! Mosquitos por mosquitos me gusta más los deI Brasil!" E tinha razão o nosso companheiro. Os mosquitos do Mississipi são muito capazes de dar cabo dum pobre homem. E que medonha orquestração nos ouvidos da gente!
 
Felizmente na manhã do dia seguinte levantamos ferro.
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Como passatempo líamos os jornais que o prático trouxera, os quais noticiavam a recepção popular e oficial que se nos preparava.
 
Dois iates a vapor -— o Cora e o Pansy -— propriedade de Mr. Morris, largariam de Nova Orleans a nosso encontro, embandeirados, com bandas de música, comissões de senhoras, representantes do comércio e de outras classes sociais.
 
Ou fosse a natural afinidade que existe entre as duas nações americanas, ou fosse o fato de ir a bordo do cruzador brasileiro um representante da família imperial do Brasil, o certo é que durante nossa travessia da foz do Mississipi à cidade fomos constantemente saudados de ambas as margens do rio a tiros de espingarda e a lenços que nos acenavam de longe.
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E o Almirante seguia devagar, alvo de mil olhares curiosos.
 
Ao meio-dia ouvimos as notas de uma música alegre que se aproximava, e em breve surgiram numa curva do rio os dois magníficos iates -— o Cora e o Pansy -— apinhados de gente, enfeitados de galhardetes de cores variadas, em cujos mastros tremulavam as duas bandeiras amigas.
 
De ambos os lados, no cruzador e nos iates, hurras confundiam-se no ar.
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Às 4 horas da tarde largamos ferro defronte da antiga capital da Luisiana.
 
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[[Categoria:Adolfo Caminha]]