No País dos Ianques/VII: diferenças entre revisões

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|autor=Adolfo Caminha
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Nova Orleans é, talvez, a cidade mais importante do sul dos Estados Unidos.
 
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Tínhamos tempo bastante para ver Nova Orleans, para observar os costumes americanos e fazer um juízo mais ou menos aproximado daquele belo povo.
 
O porto estava atulhado de barcas de comércio -— vastas embarcações de dois e três pavimentos, duas e três chaminés negras a deitar fumaça numa atividade constante, rodas na popa, muito mais amplas que as nossas barcas Ferry do Rio de Janeiro. Atopetadas de sacas de algodão e outros gêneros do país, esperavam o momento preciso e regulamentar de se fazerem ao largo.
 
Enquanto esperávamos, vivamente ansiosos, o escaler que nos devia conduzir ao cais, assestávamos o óculo para a cidade quase silenciosa àquela hora, e cujas ruas não tardaríamos a conhecer. Acendiam-se os primeiros bicos de gás. Ao longe, nalguma igreja remota, badalava um sino triste. Já não se ouvia quase o bruaá quotidiano. Numerosas embarcações cruzavam-se no rio. Ouvíamos guinchos de locomotivas e o surdo ruído de carros que ainda labutavam.
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Na manhã seguinte, grupos de oficiais brasileiros, uns fardados, outros à paisana, percorriam Nova Orleans.
 
O St. Charles Hotel, um dos melhores estabelecimentos da cidade, e o Royal Hotel -— primeiro em luxo e ornamentação -— eram procurados avidamente.
 
Os jornais davam notícias circunstanciadas de nossa chegada e anunciavam festas em homenagem ao Brasil.
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Quanto a mim, o meu primeiro cuidado foi munir-me de um guia da cidade, espécie de pocket-book muito cômodo, registrando indicações úteis de estabelecimentos e lugares principais.
 
Meu quarto ficava no segundo andar do St. Charles Hotel frente para a rua do mesmo nome -— uma saleta mobiliada com a máxima sobriedade, sem luxuosas decorações, contendo apenas os móveis indispensáveis a um rapaz solteiro, e o fogão a um canto.
 
Depois de magnífico banho morno em bacia de mármore (perdoem-se-me estas inocentes confidências, aliás de bom gosto) seguido de um valente almoço de ostras cruas, as melhores que eu tenho provado, regadas a Sauterne, mastigando (é o termo, porque não sou lá muito admirador de charutos) mastigando um charuto, que não sei bem se era de Havana, saí a fazer meu primeiro passeio, minha promenade matinal, começando pela Canal Street, a rua mais importante de Nova Orleans, que a divide em dois grandes bairros -— o francês e o espanhol.
 
No cruzamento das ruas de St. Charles e Canal erguia-se a estátua de Clay. É esse o ponto principal da cidade e o de maior movimento nos dias úteis.
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Parei defronte do monumento e consultei meu alcorão, quero dizer meu guia manual.
 
"Estátua de Clay -— Inaugurada solenemente no dia 12 de abril de 1860. Joel T. Harl, de Kentucky, o artista que deu forma e proporções à estátua, assistiu ao ato. O orador oficial foi Wen H. Hent."
 
Maldito laconismo! Pouco adiantei com as explicações do livrinho. A estátua é de bronze, sobre pedestal de mármore, e mede, aproximadamente, quinze pés ingleses de altura.
 
-— Continuam as estátuas! -— exclamei recordando as que vira em Barbados e Jamaica. Felizmente até agora não vira a de nenhum monarca. Veio-me então à memória aquela colossal massa de bronze que se ergue no Largo do Rocio, no Rio de Janeiro, em forma de um monarca escanchado num belo cavalo.
 
Tive pena de não ser aquele bronze aproveitado para outra coisa mais digna e útil.
 
-— Que diabo! Aquilo é uma página de história pátria, refleti. -— E continuei o meu tour.
 
A Canal Street é o centro comercial de Nova Orleans, é a Rua do Ouvidor daquela cidade, sem os grandes inconvenientes do nosso querido beco.
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Na Canal se acham os melhores e mais sólidos edifícios, as mais fortes casas comerciais, os mais importantes armazéns da cidade, cafés, restaurantes, clubes, etc.
 
Convenci-me desde logo que os principais produtos industriais de exportação eram -— açúcar e algodão, como bem presumira ao desembarcar, no cais, onde era enorme a acumulação de fardos desses dois gêneros.
 
De vitrina em vitrina, observando sempre, escrupulosamente, curiosamente, à cata de novidades estrangeiras, posso afirmar que nada vi, surpreendente... Ah! sim, vi umas graciosas caixeiras acudirem pressurosas e desenvoltas, com o desembaraço próprio de sua raça, aos compradores, coisa aliás muito simples, muitíssimo natural, mas não no Brasil, onde as senhoras estão eternamente proibidas de competir com o outro sexo na vida pública.
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Todas as atenções convergiam para o Almirante Barroso (brazilian man-of-war).
 
O palácio da Exposição estava situado a alguns quilômetros fora da cidade, num de seus pontos mais pitorescos, o Upper City Park, à margem do Mississipi -— largo edifício vistosamente adornado e do alto do qual se avistava toda a cidade e imediações.
 
Na manhã desse dia, por sinal chuvoso e coberto de nevoeiro, embarcamos em trem especial, que nos fora destinado pelo presidente da Exposição, Mr. Ed. Richardson, um ianque muito amável, todo cortesia, sempre com um belo e espontâneo sorriso a cativar a gente, correto sempre, irrepreensivelmente correto.
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Absorvido completamente pelo aspecto variado da paisagem, sem prestar atenção ao círculo ruidoso dos colegas, eu (lembro-me bem) formava planos de vida sossegada, nalgum eremitério entre a eterna frescura das plantas e o amor eterno duma criatura querida.
 
Invejava os simples, os sertanejos, os homens do campo -— esses para quem a vida corre sempre calma, porque seu coração não conhece outro amor senão o da esposa e o dos filhos, esses de quem Boileau dizia:
 
Heureux est le mortel qul du mond ignoré
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Terminada a cerimônia oratória, foi-nos franqueado o edifício da Exposição, que percorremos examinando com interesse os diferentes pavilhões industriais.
 
O Brasil -— é triste dizê-lo -— fizera-se representar de modo bem insignificante.
 
Brilharíamos pela ausência, se o Governo não tivesse a lembrança de mandar o Almirante Barroso.
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Daí, talvez, o assombro dos americanos ao verem o Almirante Barroso, esse esplêndido vaso de guerra de envergadura possante, capaz de resistir aos mais fortes temporais e que eles, os estrangeiros, duvidavam fosse obra nossa.
 
-— Como? Pois no Brasil também se fabricam navios de guerra? Está muito adiantado o Brasil!
 
E repetiam com um ar de dúvida e de ironia medindo de alto a baixo e de popa a proa o majestoso cruzador, que balouçava de leve sobre o Mississipi:
 
-— Está muito adiantado o Brasil!
 
Entretanto o México, a América Central e as repúblicas sul-americanas, sem os recursos invejáveis da grande nação, sobressaíam admiravelmente. O pavilhão do México, sobretudo, desafiava a maior parte dos outros não só em abundância de artigos, mas, principalmente, em beleza e bom gosto, em elegância e riqueza.
 
Escusado, parece, falar do importante lugar que coube aos Estados Unidos. Que profusão de máquinas e instrumentos industriais de invenção puramente americana! Ali mesmo, à vista do observador, fabricavam-se os mais curiosos objetos de fantasia e de uso doméstico; o linho, o algodão, a seda -— eram tecidos rapidamente aos olhos de todos.
 
Imagine-se agora o ruído, a algazarra, a movimentação que devia reinar ali dentro daquele imenso edifício, certamente muito longo de ser comparado aos palácios de exposições universais, mas ainda assim um dos maiores que se tem levantado nesse gênero.
 
Para dar uma idéia de suas dimensões -— não o chamaremos vaticano da indústria para não exagerar -— basta dizer que o salão de música -— music-hall -— acomodava 11.000 pessoas, inclusive uma vasta área para 600 figuras.
 
Impossível descrever as amabilidades, as gentilezas que nos foram prodigalizadas largamente pelas adoráveis americanas de Nova Orleans nessa festa democrática de confraternização internacional; recordar as frases deliciosas, os galanteios irresistíveis.
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Voltei imediatamente com um ar compungido de quem acaba de acompanhar um enterro, lamentando o tempo perdido e exclamando de mim para comigo:
 
-— Ah! americanos duma figa, sois um povo excepcional!
 
Agora uma pergunta ingênua: Por que é que o Brasil, com os numerosos recursos que tem à mão, timbra em ocupar lugar secundário em quase todas as Exposições a que concorre?
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Se cada Estado souber cumprir seu dever não poupando esforços para esse nobilíssimo fim, certo desta vez não teremos que corar perante as outras nações como nos tempos do anacrônico império do Sr. D. Pedro II.
 
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