No País dos Ianques/XIV: diferenças entre revisões

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|seção=Capítulo XIV
|obra=[[No País dos Ianques]]
|autor=Adolfo Caminha
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Abramos capítulo especial para Anápolis, não que esta cidade, a mais antiga dos Estados Unidos, mereça-nos mais que qualquer das outras, absolutamente não, mas por uma deferência bem entendida, por um recolhido sentimento de gratidão para com a jovem oficialidade da marinha norte-americana, que ali recebeu as primeiras lições de disciplina militar e dever cívico, e que soube nos acolher em seu seio como verdadeiros irmãos de armas que éramos.
 
A nossa visita coincidia com a festa de formatura dos guardas-marinha, uma das belas solenidades anuais dos Estados Unidos à qual concorrem centenas de pessoas da mais elevada sociedade -— a fina flor da aristocracia daquele país -— movidas pelo nobre entusiasmo de apertar a mão à mocidade que se despede da escola para entregar-se às duras lidas do mar.
 
Antes, porém, de dizer o que foi essa festa, descrevamos, rapidamente, a cidade.
 
Anápolis é como unia nota dissonante na civilização americana. Imagine-se um quilombo africano, uma grande aldeia cortada de ruas desiguais, estreitas e desalinhadas, com um aspecto sombrio e detestável de velho burgo colonial, onde se move uma população na maior parte negra e atrasadíssima -— e ter-se-á essa antítese da cidade moderna. Bridgetown, a capital de Barbados, avantaja-se-lhe mil vezes com toda sua poeira, com toda a imprudência e miséria de sua baixa população.
 
Vê-se que os americanos têm-lhe certo respeito e conservam-na esquecida e retrógrada por uma espécie de devoção arqueológica, sacrificando por esse modo o seu bom gosto característico e o seu tradicional amor ao progresso.
 
Insípida, monótona e triste como um cemitério de pagãos -— Anápolis é um protesto, um anátema contra a evolução natural das coisas, uma nódoa antipática em pleno mapa da Confederação americana. Nada há ali que interesse e desperte a curiosidade senão a Escola Naval (Naval Academy) situada numa das extremidades da cidade, à beira-mar.
 
De ano em ano enche-se de povo; seu único hotel, um pardieiro, extravasa, e então sente-se um frêmito de vida nova percorrer aquelas ruas habitualmente sossegadas e tristes. Passeiam bandas de música, flutuam bandeiras na frontaria das casas, por toda a parte ouve-se uma vozeria estranha de gente que bebe e canta nos cafés (arremedo de cafés) e todas as janelas abrem-se como para receber o desinfetante da alegria, importado das grandes cidades circunvizinhas.
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Ainda não estava concluído o programa.
 
Em seguida à solenidade oficial -— a festa íntima, a festa de despedida que os naval cadets (aspirantes) ofereciam aos seus companheiros.
 
Noite clara e constelada. O largo edifício da Escola de Marinha regurgita de convidados que se cruzam em todos os sentidos no salão de baile, nos corredores, nos bouffets, nas ante-salas...
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Nota-se em todas as caras certo ar de intimidade, certo bem-estar flagrante, um quer que é comunicativo e bom.
 
Uma ou outra casaca solitária, destoando da linha geral das toilettes largas e frescas. Observo curiosamente o apuro de um oficial japonês que franze as sobrancelhas num gesto de enfado. -— Por que será?... Julgo de mim para comigo que o pobre camarada não se sente à vontade dentro de suas calças de pano com largos galões dourados. A casaca o incomoda visivelmente. O chapéu armado, ele já não sabe como o tenha -— se na mão, se debaixo do braço ou mesmo se na cabeça...
 
Desabotoam-se risos gentis em bocas purpurinas. Derramam-se essências preciosas no ambiente luminoso. Conversa-se alto. Belas misses de face escarlate abanam-se com os leques de ricas plumas de edredom. Os leques e as jóias são as únicas riquezas que conduzem num contraste frisante com os vestidos leves e claros.
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Ficamos sabendo que todas as festas noturnas terminam invariavelmente à meia-noite, nos Estados Unidos. É uma velha praxe que os americanos poucas vezes transgridem.
 
Anápolis, black City -— como te chamam teus próprios patrícios, tu não poderás saber nunca a saudade que levamos de ti nessa esplêndida noite clara e constelada!...
 
[[Categoria:AdolfoNo CaminhaPaís dos Ianques]]