Os Sertões/A Terra/V: diferenças entre revisões

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'''Uma categoria geográfica que Hegel não citou'''
 
Resumamos,; enfeixemos estas linhas esparsas.
 
Hegel delineou três categorias geográficas como elementos fundamentais colaborando com outros no reagi: sobre o homem, criando diferenciações étnicas:
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Ao atravessá-los no estio, crê-se que entram, de molde, naquela primeira subdivisão; ao atravessá-los no inverno, acredita-se que são parte essencial da segunda.
 
Barbaramente estéreis; maravilhosamente exuberantes...exuberantes…
 
Na plenitude das secas são positivamente o deserto. Mas quando estas não se prolongam ao ponto de originarem penosíssimos êxodos, o homem luta como as árvores, com as reservas armazenadas nos dias de abastança e, neste combate feroz, anônimo, terrivelmente obscuro, afogado na solidão das chapadas, a natureza não o abandona de todo. Ampara-o muito além das horas de desesperança, que acompanham o esgotamento das últimas cacimbas.
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Relegando a outras páginas a sua significação como fator de diferenciação étnica, vejamos o seu papel na economia da terra.
 
A natureza não cria normalmente os desertos. Combate-os, repulsa-os. Desdobram-se, lacunas inexplicáveis, às vezes sob as linhas astronômicas definidoras da exuberância máxima da vida. Expressos no tipo clássico do Saara — que é um termo genérico da região maninha dilatada do Atlântico ao Índico, entrando pelo Egito e pela Síria, assumindo todos os aspectos da enorme depressão africana ao plateau arábico ardentíssimo de Nedjed e avançando daí para as areias dos bejabans''bejabãs'', na Pérsia — são tão ilógicos que o maior dos naturalistas lobrigou a gênese daquele na ação tumultuaria de um cataclismo, uma irrupção do Atlântico, precipitando-se, águas revoltas, num irresistível remoinhar de correntes, sobre o Norte da África e desnudando-a furiosamente.
 
Esta explicação de Humboldt, embora se erija apenas como hipótese brilhante, tem um significado superior.
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Entretanto, por elas passa, interferindo a fronteira ideal dos hemisférios, o equador termal, de traçado perturbadíssimo de inflexões vivas, partindo-se nos pontos singulares em que a vida é impossível; passando dos desertos às florestas, do Saara, que o repuxa para o norte, à Índia opulentíssima, depois de tangenciar a ponta meridional da Arábia paupérrima; varando o Pacífico num longo traço — rarefeito colar de ilhas desertas e escalvadas — e abeirando, depois, em lento descambar para o sul, à ''Hilae'' portentosa do Amazonas.
 
Da extrema aridez à exuberância extrema...extrema…
 
É que a morfologia da terra viola as leis gerais dos clima. Mas todas as vezes que o facies geográfico não as combate de todo a natureza reage. Em luta surda, cujos efeitos fogem ao próprio raio dos ciclos históricos, mas emocionante, para quem consegue lobrigá-la ao, através de séculos sem conto, entorpecida sempre pelos agentes adversos, mas tenaz, incoercível, num evolver seguro, a terra como um organismo, se transmuda por intuscepção, indiferente aos elementos que lhe tumultuam à face.
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Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental — o fogo.
 
Entalhadas as árvores pelos cortantes ''dgis'' de diorito; encoivarados, depois de secos, os ramos, alastravam-lhes por cima, crepitando, as caiçaras''caitaras'', em bulcão de fumo, tangidas pelos ventos. Inscreviam, depois, nas cercas de troncos combustos das ''caiçaras'', a área em cinzas onde fora a mata exuberante. Cultivavam-na. Renovavam o mesmo processo na estação seguinte, até que, de todo exaurida, aquela mancha da terra fosse, imprestável, abandonada em ''caapuera'' — mato extinto — como o denuncia a etimologia tupi, jazendo dali por diante irremediavelmente estéril porque, por uma circunstância digna de nota, as famílias vegetais que surgiam subsecutivamente no terreno calcinado eram sempre de tipos arbustivos enfezados, de todo distintos dos da selva primitiva. O aborígine prosseguia abrindo novas roças, novas derrubadas, novas queimas, alargando o círculo dos estragos em novas caapueras, que ainda uma vez deixava para formar outras noutros pontos, aparecendo maninhas, num evolver enfezado, inaptas para reagir com os elementos exteriores, agravando, à medida que se ampliavam, os rigores do próprio clima que as flagelava, e entretecidas de carrascais, afogadas em macegas, espelhando aqui o aspecto adoentado da catanduva sinistra, além a braveza convulsiva da caatinga brancacenta.
 
Veio depois o colonizador e copiou o mesmo proceder. Engravesceu-o ainda com o adotar, exclusivo, no centro do país, fora da estreita faixa dos canaviais da costa, o regímen francamente pastoril.
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Ora, estas selvatiquezas atravessaram toda a nossa história. Ainda em meados deste século, no atestar de velhos habitantes das povoações ribeirinhas do S. Francisco, os exploradores que em 1830 avançaram, a partir da margem esquerda daquele rio, carregando em vasilhas de couro indispensáveis provisões de água, tinham, na frente, alumiando-lhes a rota, abrindo-lhes a estrada e devastando a terra, o mesmo batedor sinistro, o incêndio. Durante meses seguidos viu-se no poente, entrando pelas noites dentro, o reflexo rubro das queimadas.
 
Imaginem-se os resultados de semelhante processo aplicado, sem variantes, no decorrer de séculos...séculos…
 
Previu-os o próprio governo colonial. Desde 1713 sucessivos decretos visaram opor-lhes paradeiros. E ao terminar a seca lendária de 1791-1792, a "grande seca", como dizem ainda os velhos sertanejos, que sacrificou todo o Norte, da Bahia ao Ceará, o governo da metrópole figura-se tê-la atribuído aos inconvenientes apontados, estabelecendo desde logo, como corretivo único, severa proibição ao corte das florestas.
 
Esta preocupação dominou-o por muito tempo. Mostram-no-lo as cartas régias de 17 de março de 1796, nomeando um juiz conservador das matas; e a de 11 de junho de 1799, decretando que "se coíba a indiscreta e desordenada ambição dos habitantes ( da Bahia e Pernambuco ) que têm assolado a ferro e fogo preciosas matas...matas… que tanto abundavam e já hoje ficam a distancias consideráveis etc.".
 
Aí estão dizeres preciosos relativos diretamente à região que palidamente descrevemos.
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Deste modo as águas selvagens estacam, remansam-se, sem adquirir a força acumulada das inundações violentas, disseminando-se, afinal, estas, amortecidas, em milhares de válvulas, pelas derivações cruzadas. E a histórica paragem, liberta da apatia do moslim inerte, transmuda-se volvendo de novo à fisionomia antiga. A França salva os restos da opulenta herança da civilização romana, depois desse declínio de séculos.
 
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Ora, quando se traçar, sem grande precisão embora, a carta hipsométrica dos sertões do Norte, ver-se-á que eles se apropriam a uma tentativa idêntica, de resultados igualmente seguros.
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O martírio do homem, ali, é reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da Vida.
 
Nasce do martírio secular da terra…Terra…
 
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