Correspondência ativa de Euclides da Cunha em 1896: diferenças entre revisões

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==S. Paulo, 18 de janeiro de 1896==
 
:João Luís
<div class="prose">
Desejo-te saúde e felicidades, em companhia de toda a família. Somente hoje posso agradecer-te o delicadíssimo cartão de boas festas que recebi no dia 8, ao voltar da roça. Não sei como pedir mais desculpas ao meu digno e bom amigo. Realmente tendo andado ultimamente de uma ingratidão assustadora. O teu cartão devia encontrar-se com um meu idêntico, no Cruzeiro. Não acredita, porém, que tal não aconteceu pelo ter olvidado ao saudoso companheiro: mais uma vez culpo as minhas horas atarefadas, causadoras constantes dessas faltas. Por mais imperiosas que elas sejam, porém, não me impedirão de ir ─ breve ─ sem aviso prévio, bruscamente, surpreender-te aí com um grande abraço. Conversaremos então longamente sobre as coisas desta vida que cada vez se me afigura mais ilógica, à proporção que melhor a compreendo.
Mande-me notícias tuas e dos teus planos, ideais, sonhos ─ ilusões antigas! Desejo saber se ainda rebrilham a despeito de todos os desenganos. Quanto a mim… Tenho a suprema ventura de olhar para essas coisas através do campo estreito dos Teodolitos.
Lembranças ao dr. Brandão. Recomendai-nos muito a toda a família. Aceite apertado abraço do amº obr<sup>mo</sup>.
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:Euclides da Cunha
 
[Timbre: Superintendência das Obras Públicas do Estado de São Paulo]
 
 
== S. Paulo, 23 de abril de 1896 ==
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Atribuo a motivo plenamente justificável o silêncio do meu digno amigo e desejo imensamente que não seja moléstia e sim grandes preocupações a causa principal do fato de não haver respondido às minhas ultimas cartas.
 
Cumprindo o que me determinou enviei daqui, competentemente registrado o ''Direito das Obrigações'' e encarregarei a um amigo do Rio o st. Alfredo Chaves de mandar de lá o ''Direito das Famílias'' ― que atualmente não existe aqui. Ora, não tendo comunicação alguma daí e sendo natural qualquer extravio peço-te mandar dizer se os recebestes. A vida atarefada que tenho impediu-me até hoje de completar as encomendas com que me honrou; deve desculpar-me ― e nem para outra coisa foram feitos os amigos. Mande-me, pois, qualquer resposta a respeito.
 
Nós continuamos sem maior novidade os filhinhos fortes e robustos, reagindo a este clima deprimente.
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Absorvido pelo estudo da Mineralogia, vivendo numa áspera sociedade de pedras, esqueci-me da minha situação presente, de modo que ontem fui surpreendido com ordem para me apresentar ao Comando do Distrito por haver terminado o tempo de agregação ― e devo entrar amanhã em nova inspeção de saúde, cujos resultados te comunicarei. Qualquer que ele seja, creio que persistirei no objetivo que tracei. Em todo o caso, fazendo, creio, juízo seguro acerca dos sentimentos dos meus amigos, estou certo que eles não atribuirão à falta de orientação tanta vacilação de minha parte em tomar uma solução definitiva.
 
Quem vive nesta tranquila e boa Campanha não pode ajuizar acerca do estado da nossa terra, estado atumultuado e indefinível dentro do qual a normalidade, para os que não se deixaram corromper ainda, consiste mesmo neste vacilar, a todo o instante, incessantemente. Você tem bastante espírito para compreender as coisas atuais e dar-me razão. Aí vai um exemplo característico das torturas porque passa quem quer que ainda seja sincero ou antes ''ingênuo'', nesta adorável terra:
 
Comecei, com todo o afinco a estudar para um próximo concurso (ao qual ainda não renunciei); no fim quase de um mês, porém ― começou a dar-se o seguinte: o cidadão A, cheio de íntima convicção, baseado em anteriores exemplos, fatos passados com outros, afirmava-me que isto de concurso em S. Paulo não valia nada, sendo invariavelmente nomeado persona grata do governo, citando-se mesmo o fato recente da anulação de um concurso pelo fato de ter má colocação cidadão favorecido pelo apoio oficial. Logo após o cidadão B, confidencialmente, fazia alusão à minha seita positivista (eu, positivista!) e à birra especial de algumas influências pelos que a professam.
 
O cidadão C, lembrava-me artigos meus, de 92, no ''Estado'', em que combati energicamente a maneira pela qual foi organizada a Escola etc. Um outro, comunicava-me a existência de terrível adversário, um dos primeiros geólogos do Brasil, discípulo e braço direito de Gorceix etc. etc.
 
Imagina que imenso esforço para ficar a cavaleiro de tudo isto…
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Você dirá que estou num dos meus momentos de pessimismo agudo; não estou, escrevo-te calmo, sem contrariedades e com a neutralidade a mais perfeita de observador. Referindo-me ao mau estado das coisas da nossa terra se alguma mágoa me assalta é a mesma de física qualquer examinando a marcha da sífilis num organismo estragado.
 
Daí… talvez seja isto progresso, talvez esta decomposição do ponto crítico da passagem de uma ''homogeneidade indefinida e incoerente a uma heterogeneidade coerente'' na frase mais artística do que profunda de Spencer.
 
Falemos, porém, de coisas mais íntimas: como vão os nossos amigos da Campanha, o dr. Brandão, comdor. Veiga, etc. etc.? Peço-lhes um grande abraço por mim.
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N. B. ― Não se esqueça de dizer-me logo se recebeu os livros.
 
==S. Paulo, 28 de abril de 1896==
 
:Amigo dr. Brandão
<div class="prose">
Escrevendo-vos na data de hoje demonstro limpidamente que não sou tão ingrato como o indicam as aparências: uma vida atarefada pode-me impedir o cultivar continuadamente a convivência dos bons amigos ausentes, não extingue porém a recordação que deles tenho, sempre crescente. Escusado é dizer que a Saninha associa-se ao voto sincero que hoje faço pela vossa felicidade, no seio do lar honestíssimo aonde, certos, irradiam hoje as mais festivas alegrias.
 
Este dia 28 de abril tem ainda para mim a qualidade de recordar a minha chegada nesta formosa Campanha, aonde fui parar bruscamente, deixando o seio impuro de uma velha capital em desordem pela sociedade mais nobre do sertão. O meu digno amigo, certo, recordar-se-á que as circunstâncias tornaram-no o primeiro amparo de quem aí foi parar com a lúgubre tristeza de sentir-se exilado dentro da sua própria terra… Não pode, por isto, deixar de ser grande o nosso reconhecimento, não pode deixar de ser sincera a saudação de hoje envio, lamentando não poder aliar-me aos que aí vão abraçá-lo.
 
Para dar notícias nossas ─ devo começar dizendo que sou obrigado, talvez, a encetar nova vida de peregrinação. Tinha estabelecido definitivamente um objetivo ─ permanecer aqui e concorrer breve a uma cadeira na E. de Engenharia. Sucede, porém, que a Saninha acha-se extremamente debilitada e tendo eu chamado alguns médicos para examiná-la, estão todos acordes afirmando que o seu estado de saúde é incompatível com o clima daqui, tornando-se urgente a mudança de ares, quanto antes, antes da entrada do inverno. À vista disto fiquei embaraçadíssimo, sem saber que resolução tomar ─ já que me é impossível ir para a fazenda do meu pai porque o interior de S. Paulo está perdido, avassalado por toda a sorte de febres. Talvez dê um passeio até a Bahia, a fim de que ela visite os pais dos quais está ausente há quase quatro anos. Comunicar-lhe-ei qualquer resolução a respeito. Veja o meu ilustre amigo se é possível ter-se um objetivo seguro e firme através de tanto contratempo. Felizmente os filhinhos vão bem ─ embora não tenham mais o aspecto que daí trouxeram. O Solon, perdida a primeira aparência de robustez, tem hoje a feição habitual das crianças brasileiras; e ainda me considero feliz por tê-los vivos.
 
Resume-se nisto toda a minha preocupação presente ─ o bem-estar da família e de tal fato provém a vacilação em seguir uma rota definida e [...]. O meu amigo, estou certo, compreenderá esta situação, sobretudo considerando que nos achamos sós, isolados, numa sociedade estranha. A Saninha, sobretudo, sente extraordinariamente a ausência da família e eu não desejo contrariá-la de modo algum. Creio, por isto, que muito breve irei visitar o meu sogro e comunicar-lhe-ei com antecedência. Todas estas coisas, como se prevê facilmente, perturbam enormemente o curso das minhas aspirações. Não tenho, porém, remédio senão resignar-me; resigno-me heroicamente.
 
Seria grande felicidade para mim se por acaso fosse avante a criação do Ginásio daí; eu seguiria então para o meio dos meus bons amigos e descansando, num clima sem ciladas, poderia talvez encetar a felicidade de uma existência perfeitamente tranquila e dedicada ao estudo. Quer isto dizer que se por acaso estabelecer-se aí aquela instituição de ensino e se o sr. e os amigos daí julgarem que eu possa nela servir para alguma coisa, ─ em qualquer lugar e posição que esteja estarei pronto a seguir para aí. Estou convencido que no atual momento histórico (e não sei por quanto tempo se prolongará ele) nos centros agitados, é impossível a eficácia de qualquer esforço consciente e os que não se adaptam à desordem ambiente, permanecem incompreendidos, seguindo difícil e esterilmente a linha reta que em má hora traçaram.
 
Para aumentar as minhas vacilações imagine o sr. que fui chamado a Comando do Distrito, aonde entrei em nova inspeção de saúde e não sei ainda que resultado terá ela. Há de ser realmente interessante se volto outra vez para o seio da madrasta classe militar. Em suma, meu ilustre amigo, ─ como vê muito pouco me cabe pela instabilidade em que ainda me acho; como vê tem surgido circunstâncias de todo inacessíveis à minha ação. Peço, entretanto, que não conclua de tudo isto que aí deixei lealmente escrito, que esteja por acaso desanimado. Não, alentam-me as mesmas esperanças, atraem-me os mesmos ideais antigos. Tanto que ao terminar esta absorver-me-ei nas páginas dos livros que momentaneamente deixei. Sinto-me feliz no meio de todos os obstáculos que me podem emprestar uma aparência de volubilidade ou inconstância, mas não desviam de uma linha o ideal que tracei para a vida.
 
Vai longa esta carta que não terei tempo de reler, escrita sem cálculo, na qual, se é permitida a expressão está ''em flagrante'' a minha maneira de sentir e pensar.
 
Para terminar ─ peço que abrace por mim aos amigos daí embora alguns se me afigurem assombrosamente ingratos. A Saninha envia muitas saudades e lembranças a sua distinta e boa comadre, a quem breve escreverá, assim como a toda a família.
Desculpai-me tão longa carta e disponha de quem é com a maior consideração amº obr<sup>mo</sup>.e crº.
Euclides da Cunha
 
P.S. ─ O meu velho quando ultimamente aqui esteve perguntou-me pelo sr. e pediu-me mandasse lembranças quando, escrevesse, o que faço agora.
</div>
:E.
 
==S. Paulo, 25 de junho de 1896==
:Meu caro João Luís
<div class="prose">
Saúde e felicidades.
Tive hoje a agradável surpresa de encontrar, inopinadamente, ao dobrar de uma esquina, alguns amigos da Campanha e um deles, o Chiquinho Lemos, disse-me que estavas ressentido comigo pela ausência de cartas etc. Realmente, tens razão: Confesso-me culpado e ao mesmo tempo digno de absolvição. Estive doente. Há quinze dias mais ou menos, cometi a imprudência de ler após o jantar e tive uma vertigem que felizmente não teve maior consequência. Além do susto que originou em casa e o regime espartano posteriormente decretado pelos médicos. Assim é que não fumo mais, não tomo mais café, não bebo vinho, não leio mais de duas horas por dia etc.
 
Tenho custado a subordinar-me! Tive mesmo vontade de consultar antes do sacrifício ao nosso bom amigo dr. Brandão ─ o que não fiz porque desconfio muito (graças à minha índole de bugre manso) que este nosso amigo está mal comigo.
 
Aí está o motivo do meu silêncio.
 
Vejo muito comprometido o meu concurso; estou vendo que não me inscreverei ─ mesmo porque… passaram-se já os quatro meses da minha constância.
 
Quando te resolverás a dar uma volta até cá?
 
Responda a esta com brevidade. Recomenda-me muito ao dr. Brandão e todos os amigos.
 
A Saninha envia abraços e saudades a d. Fernandina e a todos.
 
Sem mais, creia na estima do amº e obr<sup>mo</sup>.
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:Euclides
 
==S. Paulo, 20 de novembro de 1896==
 
:Meu caro João Luís
<div class="prose">
Desejo-te saúde e felicidades; recomendai-nos muito, a mim e a Saninha a toda a tua digna família.
 
Não sei como pedir-tes desculpas do meu inqualificável silêncio: apelo mais uma vez para os trabalhos que me assoberbam.
 
Acabo de voltar de longa e penosa exploração no Rio Grande, no extremo norte do Estado, perto de Goiás; depois da viagem tive que fazer relatório, plantas etc.
 
Já vês que estive realmente atarefado; sou digno de desculpas; e quando não houvesse tais razões teria o recurso da tua grande alma ─ seria perdoado. Nada que não saibas poderei te contar daqui. A Política continua desorientada, embora a vivacidade do Mel. Victorino esteja imprimindo nova energia em tudo. Tenho fundadas esperanças em melhores dias para a nossa República, em torno da qual escandalosamente entoa-se por aqui o ''cantochão'' monótono da restauração do império. Aguardemos o futuro.
 
Manda-me notícias daí de tudo e de todos.
 
Tenho a dar-te uma novidade: o Artur, alegando não receber vencimentos pelos ''grandes'' serviços que nos prestava, com uma desenvoltura notável ─ fugiu ─ empregando-se não sei em que casa. Não sei que providências tomar, visto como me falecem meios para chamá-lo à ordem. Creio mesmo que é melhor que ele estabeleça um paralelo entre a vida que tinha e a que tem: teremos então como consequência a reprodução da eterna história do ''filho pródigo''.
 
Felizmente, a Regina continua ajuizada e procedendo irrepreensivelmente.
 
Mande-nos dizer quando pretende vir até cá; afinal S. Paulo está hoje pouco inferior ao Rio; distrair-te-ás.
 
Mais uma vez ponho a tua disposição e de tua família a minha tenda de árabe.
 
Os filhinhos vão felizmente, sem novidades.
 
Não posso, infelizmente, alongar-me mais.
 
Em outra carta conversaremos mais tempo.
 
Dê um grande abraço em todos os amigos.
 
Lembranças ao teu sogro, dr. Brandão e comdor. Bernardo Veiga.
 
Sempre às tuas ordens aqui fico como amº e adm<sup>or</sup>.
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:Euclides da Cunha
[Timbre: Superintendência das Obras Públicas do Estado de São Paulo]
 
==S. Paulo, 6 de dezembro de 1896==
:Ilustre amo. Dr. Brandão
<div class="prose">
Desejo-vos saúde e muitas felicidades em companhia de toda a Exma. Família a quem eu e todos de casa muito nos recomendamos.
Tive a grande satisfação de estar com o Chiquito, que veio a nossa casa ver o afilhado. Ele está muito animado e deve ter seguido ontem para o Espírito Santo do Pinhal, a fim de estabelecer-se como advogado. Confesso-vos que fiquei verdadeiramente satisfeito com a magnífica disposição que notei no meu jovem compadre para as lutas desta vida que estão exigindo cada vez mais, alma robusta e têmpora de herói. Falo por experiência própria: às vezes desanimo aqui, nessa tarefa ingratíssima de traçar inflexivelmente a marcha retilínea do dever, através do tumulto da nossa sociedade.
 
A verdade é que todo esse esforço não basta para determinar a tranquilidade da consciência; assim é que ao receber ontem o Relatório da Santa Casa de Misericórdia daí, de 1895 ─ nele encontrei, com a maior surpresa, motivos de tristeza.
 
Pelo que li verifica-se que a irmandade está ainda no desembolso de quantia que lhe é perfeitamente garantida por lei. Lamento o fato e a circunstância de estar nele envolvido o meu nome. Realmente, confesso-vos, que não sei como explicar semelhante anormalidade: existe um atestado firmado pelo comandante José Cristiano, atestado claro, claríssimo e é singularíssimo não tenha valor para ser cumprido!… Diz o digno Provedor aguardar a minha ida até lá a fim de ver se valerá a pena recorrer-se ao ''Governo Federal''. Mas para isto é indispensável a minha ida: nada mais justo do que esse recurso, que será, se for satisfeita a justiça, atendido. No que ele se deve basear sobretudo é no atestado do comandante, já que foi estabelecida pelo procurador a preliminar de ser declarada desde quando estava o prédio efetivamente ocupado pelo Regimento. Eu entendo que tal preliminar não tem razão de ser porque o governo efetivamente alugou o prédio, a partir do dia em que foram entregues as chaves a fim de serem realizados os consertos de que necessitava; neste sentido fiz declaração clara ─ mas, a fim de aplainar dificuldades, a irmandade pode, provisoriamente embora, aceitá-la.
 
Peço-vos desculpar toda essa maçada, em que entrou como Pilatos no Credo ─ escrevo-vos propositadamente a fim de deixar bem claro que as dificuldades apontadas de modo algum provêm de qualquer incorreção no cumprimento do dever. O meu ilustre amigo bem sabe que não há meio de evitar-se a balbúrdia em que está tudo nesta nossa terra. Não me caberá desculpas de alheios desmandos. Peço conversar a este respeito com o digno sacerdote, atual provedor da Santa Casa.
 
E… passamos a outro assunto, porque já estou abusando demasiadamente de uma grande generosidade.
 
Não sei ─ e lamento ─ o que dizer acerca das coisas da república ─ o que vos afirmo é que continuo o mesmo crente, intransigentemente filho da nossa República. Na existência trabalhosa que atravesso, não votando em eleições, mas fazendo projetos e orçamentos, não lendo artigos de fundo de jornais mas folheando as páginas dos ''Aide-mé moire'' da engenharia ─ continuo a fazer por ela, calmamente agora, serenamente e com mais heroísmo, a mesma propaganda que fiz ruidosamente, violentamente ─ na mocidade.
 
Dispondo de uma farda deslumbrante de botões dourados e nada mais, sinto-me cada vez melhor dentro da minha blusa obscura de operário. Sem estrépito embora, tenho todos os dias a íntima satisfação de haver trabalhado um pouco para o meu país ─ e é isto, meu ilustre amigo, para mim hoje o maior prêmio ─ e não desejo outro, do meu esforço.
 
Os raros minutos que tenho disponíveis, emprego-os, como neste momento, em recordar os amigos ausentes.
 
Felizmente estão todos em casa, bons. Os meus dois filhotinhos, sempre robustos, têm desafiado brilhantemente a este mau clima, rodeados pelos cuidados persistentes da Saninha.
 
Como única novidade pelo que vai aqui por casa noticio-lhe a fuga do Artur, sob o pretexto de nada ganhar por mês e ter quem lhe desse não sei quantos algures. Devo confessar-vos que não fiz esforços para procurá-lo, embora saiba que está perto daqui, alugado. Sou, como sabeis, um convencido das leis da hereditariedade: nada existe que combate à sede de dinheiro despertada na alma do italiano. Se por acaso ele voltar ─ procurarei colocá-lo numa fábrica sob a direção de homem enérgico e ríspido; prestarei assim um serviço à sociedade e à ele.
 
Recebi uma carta do João Luís noticiando a partida para Ouro Preto, não escrevo por isto a ele agora. Peço recomendar-me muito aos amigos. Soube, e sinto-o profundamente, que o comte. Bernardo tem passado muito mal, sendo para temer-se fatal desenlace da moléstia. Não escrevo a respeito a ninguém da família, atendendo mesmo à natureza do assunto. Peço-vos notícias desse meu bom amigo, quando escrever-me.
 
O meu pai, que aqui esteve e partiu para Ribeirão Preto a negócio, perguntou pelo sr. e pediu-me mandasse muitas lembranças. A Saninha envia muitas saudades à sua digna comadre e a todos.
 
Sempre às vossas ordens sou com a maior consideração amº e obr<sup>do</sup>.
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:Euclides da Cunha
Rua Santa Isabel, nº 2 ─ S. Paulo