Correspondência ativa de Euclides da Cunha em 1903: diferenças entre revisões

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Aí está, para citar só um exemplo, esta arrebatadora figura de d. Pedro I, lindíssimo tipo de um rei-cortesão da liberdade, ─ a desafiar os mais ardentes artistas. E deixamo-lo na eterna mudez da estátua do Rocio… Iria longe se lhe dissesse quanto pretendia dizer, tomando-lhe pecaminosamente o tempo precioso. Lá para abril pretendo ir até aí. Hei de procurá-lo e conversaremos melhor. Aqui fico sempre ao seu dispor, como discípulo muito amigo e admirador.
 
:Euclides da Cunha
 
 
 
==Lorena, 30 de março de 1903==
:Amigo dr. Araripe Júnior
<p>Chego de viagem e tenho a felicidade de encontrar a sua carta, de 23, que respondo. Antes de tudo, novos agradecimentos pela 2ª parte do estudo sobre os ''Sertões''. Divergimos apenas num ponto: notei que é maior que a sua a minha simpatia pelos nossos extraordinários patrícios sertanejos. Quanto à ''História da Revolta'' ─ é ainda um plano. Só poderei iniciá-la quando me aparecer o primeiro dia de folga nesta vida trabalhosa. Além disso, levado pelo dever profissional a misteres tão diversos, terei de lutar muito para considerar aquele assunto. Se o artista é sobretudo um indivíduo empolgado por uma impressão dominante, estou nas mais impróprias condições para isto.</p>
<p>Shakespeare não faria o ''Hamleto'' se tivesse, em certos dias, de calcular momentos de flexão de uma viga metálica; nem Miguel Ângelo talharia aquele estupendo Moisés, tão genialmente disforme, se tivesse de alinhar, de quando em vez, as parcelas aritmeticamente chatas de um orçamento. E eram gênios.</p>
<p>Por isso mesmo, escrevendo há dias ao dr. João Ribeiro, agradecendo a remessa das ''Obras Poéticas'' de Cláudio Manuel da Costa ao futuro colega da Academia, disse-lhe sinceramente que não me julgava aparelhado para aquela posição.</p>
<p>Eu creio, porém, que sairei breve desse desvio morto da Engenharia, sem descarrilhar; aproveitarei o primeiro triângulo de reversão que aparecer, e avançarei na minha verdadeira estrada.</p>
<p>Revendo a 2ª edição do meu livro, chamei, em nota, a atenção do leitor para o “Reino Encantado”, a propósito do caso da Pedra Bonita. E faria a chamada antes, se conhecesse antes aquele romance. Penso que o senhor é injusto no aniquilar aquele seu trabalho, talvez porque o tenha escrito dia a dia para rodapé de um jornal. Sem lisonja, considero-o. Pena é que tivesse abandonado aquela trilha. Não temos romances históricos, sendo a nossa vida nacional tão farta de episódios interessantíssimos e originais. A este propósito, estou quase a lhe dar o mesmo conselho que me deu há poucos dias, em carta, o dr. Lúcio de Mendonça: aviventar com a fantasia criadora um dos mil incidentes da nossa história. Temos quadros e sucessos que fariam o delírio de Dumas e Walter Scott.</p>
<p>Aí está, para citar só um exemplo, esta arrebatadora figura de d. Pedro I, lindíssimo tipo de um rei-cortesão da liberdade, ─ a desafiar os mais ardentes artistas. E deixamo-lo na eterna mudez da estátua do Rocio… Iria longe se lhe dissesse quanto pretendia dizer, tomando-lhe pecaminosamente o tempo precioso. Lá para abril pretendo ir até aí. Hei de procurá-lo e conversaremos melhor. Aqui fico sempre ao seu dispor, como discípulo muito amigo e admirador.</p>
:Euclides da Cunha
 
==Santos, 5 de abril de 1903==
:Amigo Martim Francisco
<p>Felicidades! Aí vai o Armitage. Obrigadíssimo. O Saint-Hilaire depois; preciso ainda das lições do extraordinário observador que olhou com tanto carinho as coisas de nossa terra.</p>
<p>Em breve hei de lhe levar o belo livro em que Liebig desvenda, de modo desapiedado e convincente, o diletantismo filosófico de Francisco Bacon ─ o mais ousado e feliz dos charlatães do século XVII.</p>
<p>Recado do amº e adm<sup>or</sup>.</p>
:Euclides da Cunha
 
==Lorena, 26 de abril de 1903==
:Escobar
<p>Saudo-te</p>
<p>Recebi afinal a carta do Laemmert ─ e tenho presente a ordem de Rs. 2:198$750 ─ líquido que coube da 1ª edição dos ''Sertões''. À vista disso escrevi hoje ao José Augusto, pedindo-lhe dizer-me para onde enviar a quantia de 219$875, que lhe é devida pelo nosso contrato verbal. Como temo, entretanto, que por qualquer circunstância não receba ele a carta ─ peço-te torná-lo ciente do caso. E escreva-me. Lembranças aos teus. Do <p>
:Euclides
<p>P.S. ─ O Lafaiete roeu-me, terrivelmente, a corda. Qual revistas do Instituto… qual nada!</p>
<p>Engraçado!</p>
:Euclides
 
==Lorena, 28 de abril de 1903==
:Meu grande amº dr. Egas Moniz
<p>Saúdo-o, desejando-lhe felicidades e a toda a Exma. família.</p>
<p>Recebi pelo Arnaldo o seu gentilíssimo cartão, que me veio despertar saudades dos poucos mas inolvidáveis dias que aí passei, nessa adorável terra da Bahia. A sua opinião sobre os ''Sertões'', guardo-a entre as que mais me podem enobrecer. Tenho aqui, em roda, na quietude do meu gabinete, uma esplêndida sociedade silenciosa de amigos que me falam com a eloquência das suas cartas animadoras e sinceras. Faltava-me a frase triunfal e ardente de Pethion de Villar. Tenho-a agora. Creio que está nestas expressões generosas a melhor crítica do meu livro. Em que pese a sua feição combatente, tracei-o com uma enorme Piedade pelos nossos infelizes patrícios sertanejos. É um livro destinado aos corações. Devem compreendê-lo admiravelmente os poetas e os bons, se não vai nesta conjunção dispensável redundância.</p>
<p>Aguardo o que está escrevendo. Tenho o ''Diário'', que me manda o tio José.</p>
<p>Pela ''Revista do Grêmio'' acompanho o seu notável esforço no propagar o espírito da nossa terra entre outros povos. E admiro-lhe a abnegação ante tarefa de tal porte. Não deixe de mandar-me logo qualquer tradução que faça dos excertos escolhidos, dado que a rudeza do meu estilo se possa afeiçoar aos encantos de outra língua.</p>
<p>E escreva sempre a quem é há muito tempo seu adm<sup>or</sup>. m<sup>to</sup>. am<sup>o</sup>.</p>
:Euclides da Cunha
 
 
==Lorena, 29 de maio de 1903
:Max Fleiuss
<p>Respondo a carta de V.</p>
<p>Não recebi o ofício do sr. Raffard notificando-me a eleição para o honradíssimo cargo de sócio correspondente do Instituto Histórico. Sabendo dela apenas pelos jornais e por algumas cartas de amigos, aguardava a participação oficial para agradecer tão grande distinção, certo entre as maiores que eu poderia desejar tão falto de méritos me considero para a receber.</p>
<p>Tratando de fim principal de sua carta, vacilo em deferir ao seu delicado convite, já pelo diminuto do tempo ─ que as exigências da minha profissão agravam ─ já por me faltarem recursos para apreciar rigorosamente a figura notável do Duque de Caxias, uma vida que, como sói suceder com a de todos os grandes homens, foi um aspecto da nossa própria vida nacional. Ao mesmo tempo, porém, penso que não devo forrar-me ao encargo em que convergem a obrigação de atender a quem tanto me enobrece com o seu conceito e a atração inegável do assunto.</p>
<p>Mas, aceitando-o, só posso contar com a boa vontade e com o amor que dedico ao passado da nossa terra; e como estes atributos não bastam à extensão da tese, temo iludir a expectativa tão favorável que a sua carta revela.</p>
<p>Por isto alvitro uma ligeira variante à minha missão; ao invés de uma “Memória” (porque para isto talvez seja escasso o prazo de que disponho), farei o discurso oficial em nome do Instituto.</p>
<p>Deste modo se tiver a felicidade de lhe dar a amplitude e o valor de uma monografia digna de nota, valerá pela “Memória” em questão, e, no caso contrário, terá menos relevo, se não passar despercebida, a deficiência do meu trabalho. É, como vê, um alvitre prático de quem, fiando muito pouco de seu valor, não quer, entretanto, fugir a tão nobilitador encargo.</p>
<p>Não posso terminar sem lhe agradecer muito o juízo que externou sobre ''Os Sertões''. Obrigadíssimo. Não remeti como desejava, um exemplar ao Instituto porque a 1ª edição se ressente de muitos deslizes de revisão. Estando já pronta a 2ª, que sairá por estes dias, apressar-me-ei em corrigir a falha.</p>
<p>Lamento não conhecer o parecer do sr. Afonso Celso, a que se referiu.</p>
<p>Aguardando as suas ordens, sou com a maior consideração ─ crº obr<sup>mo</sup>. atº adm<sup>or</sup>.</p>
:Euclides da Cunha
 
==Junho de 1903==
:Max Fleiuss
<p>Enviei hoje ao Exmo. sr. comdor. Raffard a resposta ao seu ofício notificando-me a eleição para o cargo de sócio do I. H. G. Brasileiro.
Não foi antes porque ao chegar tive de seguir em viagem urgente, da qual hoje voltei.</p>
<p>Certo da sua proposta relativa ao Centenário de Caxias, renovo o que aí lhe disse: cumprirei o que determina o Instituto, mas sem prazo fixo.</p>
<p>Oportunamente, com mais vagar, lhe escreverei.</p>
<p>Disponha sempre do cr<sup>do</sup>. obr<sup>do</sup>. e adm<sup>or</sup>.</p>
:Euclides da Cunha
 
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<p>Euclides</p>
 
==Lorena, 27 de novembro de 1903==
:Escobar
 
Somente hoje, ao voltar de uma penosa viagem (sempre uma penosa viagem!) posso responder a tua carta de 19 em que me dás notícia do teu novo filho, o João, que poderá ser tudo ― Tenório, Sem Terra, Huss, de Deus, Valjean, VI ou V, Batista ou Fernandes ― mas nunca Bocó, como pecaminosamente o disseste, caluniando-me, por antecipação erradíssima, o rapaz. Nunca!
 
E que a velhice (tão acelerada anda-me ela agora em que há tanto velho trêfego neste país!) me permita um dia vê-lo, copiando, nesta vida, a marcha diretíssima do pai.
 
Já leste no Jornal de 26 o meu discurso no Instituto. Discurso, não; um desabafo. Leste a lista dos que lá estavam: era o ― Brasil, o Brasil Velho e Bom.
 
Que felicidade, meu amigo!
 
Não te rias: tive os olhos empanados de lágrimas quando, finda a sessão, aquelas mãozinhas trêmulas e mirradas se agarraram, num agradecimento mudo, à minha mão nervosa… Tu não calculas como me senti bem, ali, no meio daquela gente, que não distribui empregos; e como avaliei bem o vigor desta minha belíssima alma sonhadora, tão desprendida das infinitas esquírolas e da poeirada de coisinhas interesseiras que deslumbram tanta gente.
 
Depois conversaremos.
 
No dia 3 seguirei para S. Paulo. Encontro-te lá? Em tal caso previna-me com antecedência.
 
Lembranças aos teus; e recebe um abraço (do qual darás a metade ao nosso João) do amº velho
 
:Euclides da Cunha
 
P.S. ― Vai esta em dois pedaços porque escrevi precipitadamente em duas folhas diferentes.
 
==S. Carlos do Pinhal, 9 de dezembro de 1903==
 
:Tio José
 
Recebi, do Rio, no dia da posse do Instituto, um telegrama seu de felicitações, e tão atrapalhado andei que nem o respondi. Peço-lhe desculpas… Sempre que lá vou procuro o Arnaldo ― sendo escusado dizer-lhe que é sempre o mesmo rapaz estudioso (até demais) e comportado como uma moça.
 
:E.
 
==Lorena, 26 de dezembro de 1903==
 
[Cartão postal a Machado de Assis]
 
[Reverso:]
 
“onde o estudante e aserenata acordam<br/>
morenas filhas do país do Sul!”
 
Felicidades!
 
:Euclides da Cunha