Correspondência ativa de Euclides da Cunha em 1904: diferenças entre revisões

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:Euclides da Cunha
 
==22 de setembro de 1904==
[Bilhete postal]
:D. Gabriela Sena
Rua da Luz, nº 5 — Rio de Janeiro
 
Euclides da Cunha (Da Academia Brasileira) —
 
[Retrato]
Escrever num cartão-postal!… Aí está um repto que eu não aceito. Fujo. E creiam: não me adapto à moda para a qual me sinto tão inapto.
Tão plenamente inepto…
 
:Euclides da Cunha
 
==28 de setembro de 1904==
:Meu ilustre confrade Domício da Gama
 
Desejo-lhe felicidades. Aqui cheguei, estive com o diretor da Secretaria do Exterior; e ainda sem saber qual a data provável da partida porque ele nada resolveu, além da consulta que fez ao ministro, relativamente aos detalhes para se organizar a Comissão. Tudo depende da resposta àquela consulta; e eu venho pedir-lhe que influa para que ela não se demore, de modo a não se afastar muito o dia da viagem. Ainda que tenha de demorar-me em Manaus, serei mais útil lá (onde poderei firmar os preliminares dos trabalhos), do que aqui, numa atitude meramente expectante.
 
Não escrevo diretamente sobre isto ao Exmo. sr. barão do Rio Branco para não o perturbar. Mas apelo para a sua intervenção valiosa; e graças a ela sei que me verei livre desta inatividade forçada.
 
Além disto, cada conferência com o venerando visconde de Cabo Frio, faz-me o efeito de uma ducha enregelada, desinfluindo-me, tais as complexas formalidades que aparecem ainda não cumpridas — e que vão da escolha do resto do pessoal à simples aquisição dos instrumentos astronômicos ou topográficos.
 
Daí esta resolução de escrever-lhe.
 
Se entender necessária aí a minha presença, queira dizer-me.
 
E creia na maior consideração do confrade am<sup>o</sup>. at<sup>o</sup>. e adm<sup>or</sup>.
 
:E. C.
 
==Rio, 3 de outubro de 1904==
 
:Ilmo sr. Percegueiro do Amaral
 
Saúdo-o.
 
Apresentei hoje ao sr. visconde de Cabo Frio a seguinte lista dos funcionários que escolhi para a Comissão do Alto Purus:
 
Médico e farmacêutico — dr. Tomás Catunda, eng. auxiliar — 2º ten. da Armada Alfredo de Andrade Dodsworth, encarregado do material — C. R. Nunes Pereira.
 
Sem mais sou com a maior consideração.
 
Am<sup>o</sup>., cr<sup>do</sup>., at<sup>o</sup>. e obr<sup>do</sup>.
 
:Euclides da Cunha
 
==Rio, 3 de outubro de 1904==
 
:Plínio
 
Não estranhes o meu silêncio. Desde que cheguei tenho andado numa faina verdadeiramente desorientada, entre homens e coisas inteiramente novas — de sorte que, embora não tenha esquecido os bons companheiros daí — tenho sido forçado a involuntário silêncio. Nem sei quando partirei. Calcula a minha impaciência — obrigado a ''invernar'' neste Rio de Janeiro canicular, e a atenuar minha ânsia de partir, nas mil tortuosidades de um formalismo para mim de todo desconhecido. Uma tortura… Manda-me notícias tuas e de todos. Diga ao Valdoro que não perderei a primeira hora de folga para escrever-lhe, calmamente, e sem as precipitações de um bilhete. Quero também que faças com que mandem o ''Estado'' e o ''Comércio'' para a rua Laranjeiras 76, onde é a minha residência. Hei de escrever para ambos. Mas creio que só poderei fazê-lo a bordo. Aqui, em terra, neste tumulto em que ando, é impossível.
 
Abrace por mim o Mesquita, Luiz Carneiro, Queiroz (como vai a ''Arcádia''?) ao Melo Abreu e ao Barjona.
 
Creia sempre na estima sincera do
 
:Euclides
 
==[Rio de Janeiro], 4 de outubro de 1904
 
:Arnaldo
 
Há motivos que tornam muito duvidosa a tua nomeação e, em primeiro lugar, está a própria circunstância de ter eu sugerido o pensamento da tua ida. Quando o fiz (ainda em Guarujá) estava muito longe de avaliar a malignidade da região. Conheço-a agora. Em conversa, ontem, com o dr. Cruls, soube, por exemplo, que da comissão por ele dirigida ninguém absolutamente escapou à malária ou ao beribéri; alguns morreram e outros (entre os quais o próprio dr. Cruls) ainda agora sofrem as consequências da viagem. Ora, isto me aterra ― não por mim, já meio cansado desta vida, mas por ti que vais nela estrear, e pelo tio José, e afinal por todos, que nunca, que nunca me desculparão no caso de um desastre.
 
:E.
 
==Rio, 10 de outubro de 1904==
 
:Meu Pai
 
Ontem foi escolhido o coronel Belarmino para comissário do Juruá e chefe da Comissão; de sorte que talvez não se demore muito a nossa partida — embora haja ainda muito que fazer. Foi útil toda esta demora. Como o sr. sabe julguei que a casa da minha sogra era o ponto melhor onde deixar a minha família — e, neste propósito, acarretando com todas as despesas, aluguei nova casa na rua das Laranjeiras, 76. Mas vejo que é impossível continuar a aliança que planeei. Não por mim, mas pela desarmonia insanável entre a Saninha e os irmãos. Não perderei tempo ao relatar-lhe incidentes lamentáveis. Basta dizer-lhe que as pequenas contrariedades explodiram ontem, na minha ausência — tendo um dos filhos da d. Túlia (casado, e que aqui está com a mulher na mais absoluta ociosidade) entendeu dizer a Saninha todos os impropérios que lhe vieram à boca. Ao chegar soube do fato e tive a felicidade de conter-me. Mas não posso continuar aqui. Estou verdadeiramente assombrado diante do quadro desta família. A minha sogra é profundamente infeliz com os filhos. Preciso afastar-me desde já de tudo isto. Mas não tenho outra porta onde bater, além da tua. Peço-lhe que agasalhe a minha família — e que me salve de uma situação bem infeliz para a qual não contribui senão em virtude da minha boa fé e da minha crença no coração humano.
 
Se o sr. me repelir — o que absolutamente não creio — serei obrigado a renunciar à comissão e como não poderei ficar aqui nem voltar para S. Paulo — estarei irremediavelmente perdido.
 
Creia, meu pai, que não tenho outra saída. Peço o seu auxílio. A Saninha está mudada; tem sofrido muito; acaba de passar por amargos desapontamentos; tem pelo sr. verdadeira estima; pode ser quase uma filha e afinal, e à parte defeitos de caráter que já estão dimin 1 litro de água numa panela e deixar ferver por alguns minutos. A seguir, tapar a panela e esperar amornar, beber o chá várias vezes ao diminuídos, é digna da estima pela sua generosidade e pelo coração.
 
Eu previa estas coisas — e, prevendo-as, antes de vir para cá consultei a Adélia e o Otaviano sobre a ida dela, com o filhinho menor, para a companhia deles; mas compreendi que não desejariam isto. Diante desta desventura, porém, não creio que ainda me repilam — sobretudo porque eu mereço ser muito mais feliz.
 
Espero ansiosamente uma resposta sua. Peço-lhe que não me abandone neste transe. Como o sr. vê nenhuma culpa tenho nestas coisas, sou estranho a estes sucessos — o que é mais um motivo para que não me desampare.
 
Abençoe ao seu filho e am<sup>o</sup>.
 
:Euclides
 
Endereço — ainda rua das Laranjeiras 76
 
==[S.l.], 19 de outubro de 1904==
 
:Arnaldo
 
Recebi a tua carta onde se reflete a tua louvável disposição para o trabalho, mesmo à custa dos maiores riscos. Diante dela perdi os últimos temores que me tolhiam e creio que ainda há tempo para incluir-te na Comissão. Não te afirmo isto de modo positivo, porque nada se pode afirmar neste tumulto de candidatos.
 
O que te peço é que não recuses de modo algum, depois de nomeado, porque isto causará muita perturbação e contratempos.
 
Assim, ficamos entendidos: desde que surja a oportunidade, que aguardo e julgo inevitável, indicarei o teu nome, bem convencido de que aceitarás o cargo.
 
:E.
==Manaus, 30 de dezembro de 1904==