Carta de Antonio Azeredo a Rui Barbosa: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
texto
(Sem diferenças)

Revisão das 11h01min de 19 de fevereiro de 2020

Agosto – 1909.

Meu caríssimo Rui

Quisera felicitá-lo com toda a efusão de minha alma pela sua candidatura que há muitos anos me preocupa o pensamento, mas mentiria a minha consciência, faltando a minha lealdade política. Mentiria a minha consciência por- que não acredito na probabilidade de êxito, e faltaria a minha leal- dade pelo abandono dos meus compro- missos políticos.

Há quatro anos que não te- nho outra ambição política – se- não a de ver na suprema magis- tratura de minha pátria – o maior e o mais notável dos seus filhos, o glorioso vencedor da Haia.

Por amor aos princípios e ao meu querido amigo, manifestei-me desde logo contra a candidatura oficial, movendo-lhe a guerra mais franca e mais decidida, para derribá-la. Nessa campanha que ambos susten- távamos com o fim de evitarmos a imposição do Catete, estávamos então dispostos a todas as concessões dignas e honestas e a irmos até a candidatu- ra militar.

Mais impetuoso e mais comprome- tido na luta, não encontrei jamais barreira que me detivesse, transpondo todas as dificuldades para impedir a vitória da candidatura consi- derada impatriótica e prejudicial ao regímen, e, no momento em que ela ruía por terra, não conse- guindo fazer aquela que era a mi- nha aspiração e o meu ideal, con- corri para se fazer a daquele que havia, de alguma forma, auxiliado a queda do candidato oficial, e que reunia a maioria das vonta- des políticas.

Ninguém conhecia melhor a minha situação do que o meu caro amigo, que acompanhou todos os meus movimentos e todo o meu es- forço, nesses seis longos meses de luta, durante os quais despendi toda a minha atividade e o melhor da minha inteligência, na espe- rança de ver na direção supre- ma do país aquele por quem te- nho a mais sincera e desinteressada veneração. Não me foi possível conseguir o meu maior desejo e, no meio da campanha, quando me vi emaranhado nas teias da po- lítica, urdidas por mim também, era-me impossível sair delas, dei- xando-me prender por um senti- mento nobre de gratidão e lealdade.

Bem sei que nem todos compreenderão a minha posição, fazendo justiça à pureza dos meus sentimentos e da mi- nha dedicação para com quem tanto estremeço, mas que hei de eu fazer se não posso abrir o meu coração e expô-lo ao exame microscópico dos injustos e dos maldizentes?

Se não fosse a minha situação e a minha lealdade política, eu estaria altivamente ao lado do bene- mérito patriota a quem a Nação tan- to deve, não olhando para sacrifício de espécie alguma, nem me detendo diante das consequências, de ordem mo- ral, política ou material que daí me pudessem advir. Mas eu seria um desonrado e indigno de sua amizade, se abandonasse o rumo que tomei quando a nau em que na- vegava estava quase perdida, para seguir outro norte, embora eu veja ao leme o timoneiro da mi- nha confiança e da minha predileção.

Quis Deus que assim fosse, e Ele sabe o que faz. Sigamos, pois, o nosso destino, mas que as nossas embarcações singrem serenas as águas desse mar revolto, até porto seguro, sem se chocarem nessa longa e dolorosa travessia, em que o meu coração oprimido por uma dor intensa sente a quebra dessa solidariedade política, que devia ser indefectível, mas que a fatalidade cruel veio estremecer, sem, entretanto, diminuir uma partícula sequer da minha ami- zade, do meu afeto desinteressado e da minha dedicação nunca excedida.

Tenho fé, porém, que a Provi- dência nos fará encontrar mais adiante e muito breve, unindo- -nos pelos mesmos ideais, para nunca mais nos separarmos.

Creia-me, meu caro Rui, o mais sincero e o mais dedicado dos seus amigos

Azeredo