Histórias e Tradições da Província de Minas Gerais/I: diferenças entre revisões

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Quereis, minhas senhoras, que vos conte uma história para disfarçar o enfado destas longas e frigidíssimas noites de maio?
Mas, por melhor que seja a minha vontade, não sei, como possa satisfazer ao vosso pedido... digo mal, – cumprir as vossas ordens.
 
Este frio enregela-me as asas da imaginação; este vento glacial, que uiva pelos telhados, como uma matilha de cães danados, estes guinchos de corujas, que parecem lamentos de precitos, fazem a inspiração recolher-
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se toda encolhida aos mais íntimos esconderijos do crânio, tiritando de frio e de medo.
 
A falar-vos verdade, minhas senhoras, tenho o espírito tão seco e estéril, como a caveira de um defunto enterrado há cem anos.
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<center>História de uma Cabeça Histórica</center>
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Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa são glórias, que nunca mais se eclipsarão.
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Havia regozijos e festas de toda a espécie, muito luxo, comércio interior ativo, e o povo nadava na abundância.
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Acolá, no meio daquela praça pública, em face de um templo cristão, – como um sarcasmo vivo, – até bem pouco tempo se achava alçado o pelourinho, ainda mais infamante, em que o cidadão era azorragado publicamente, como o mais vil escravo.
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Os capitães-mores também de sua parte castigavam arbitrariamente com açoutes, com o tronco e até com a palmatória as mais leves faltas de seus governados.
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Este poste e esta cabeça eram noite e dia guardados por uma sentinela.
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E à noite uma lanterna se acendia para alumiar o lúgu­bre espetáculo.
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Ou receavam que esse crânio, hasteado na ponta do estan­darte da emancipação, fosse o sinal certo da queda dos tira­nos e do triunfo da liberdade, como esse célebre tambor que os soldados húngaros fizeram da pele de seu bravo chefe Ziska, morto no campo da batalha, tambor que quando rufava à frente deles, era seguro prenúncio da vitória?
 
Pobre Tiradentes!... ainda que não fosse tão nobre e santa a causa por que te imolaste, a morte afrontosa que sofreste, e a crueldade, direi asquerosa, com que profanaram teus miserandos restos, eram
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motivos bastantes para aben­çoarmos tua memória e execrarmos a de teus algozes.
 
;III
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O pálido clarão da lanterna, que balouçava ao vento, ondulava lúgubre sobre a ossada branquicenta, desenhando ao vivo as cavidades negras dos olhos e a dentadura amarelada.
 
O pobre sentinela, talvez considerando que estava de guarda a um crânio ressequido que a
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ninguém podia fazer mal, e que longe de excitar a cobiça, só poderia inspirar horror, o sentinela sentado no hão, recostado sobre uma pe­dra, e com a arma sobre os joelhos, deixava-se furtar do sono.
 
Um vulto todo rebuçado surge por entre as trevas, e se aproxima cautelosamente do tremendo poste.
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Não era mesmo para acreditar que o anjo do Brasil viesse reivindicar aquela relíquia veneranda do mártir da liberdade?...
;IV
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IV
Conheceis essa comprida rua, que na extremidade ocidental desta cidade se estende isolada por uma encosta acima, como a cauda de um lagarto.
 
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Entretanto os curiosos, que nunca faltam nas cidades, espiolhando um dia pelas fendas das arruinadas paredes da morada do velho, devassaram um singularíssimo segredo de sua vida íntima.
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Viram-no abrir com ar de religioso respeito a portinhola de um nicho ou de um armário praticado na parede, tirar dele um crânio humano branco e mirrado, depô-lo silenciosamente sobre uma mesa colocada em frente a um oratório, e ajoelhando-se depois com os braços encostados sobre a mesa, assim ficar por largo tempo, em atitude de profunda meditação, ou no êxtase de uma oração.
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Seria algum cenobita imitador de S. Jerônimo, que tinha sempre diante de seus olhos uma caveira humana a fim de conservar de contínuo presente ao espírito o nada da exis­tência?
 
A maior parte do povo porém ficou tendo o pobre velho por um grande feiticeiro, e por isso tinha-lhe medo e o res­peitava.
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velho por um grande feiticeiro, e por isso tinha-lhe medo e o res­peitava.
 
Assim pois, descobrindo aquele segredo da vida do velho ainda a tornaram mais misteriosa e quase sinistra.
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Que é feito porém desse crânio histórico, que tão generosos pensamentos abrigou outrora em seu seio?
 
Quereria seu possuidor em sua fanática veneração
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pela liberdade e por aquela relíquia do seu principal mártir, que ela fosse com ele enterrada, e seria cumprida a sua última vontade?
 
Ou ficaria essa relíquia, – digna de ser encerrada em uma urna de ouro, – calcada debaixo dos entulhos das pa­redes esboroadas da habitação do velho?...