Fausto (traduzido por António Feliciano de Castilho)/Quadro X: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Ozymandias (discussão | contribs)
nova página: {{navegar |obra=Fausto |autor=Goethe |tradutor=António Feliciano de Castilho |anterior=Fausto (traduzi...
(Sem diferenças)

Revisão das 13h56min de 30 de abril de 2020

Um arvoredo de passeio.

Cena I

FAUSTO vai e vem meditabundo. MEFISTÓFELES.

MEFISTÓFELES (acercando-se furioso a Fausto)

Voto ao falsear no amor! Voto às essências
do meu reino infernal!... e votaria
praga maior, se me lembrasse. Voto...

FAUSTO

Que tens? quem te fez mal? Nunca vi cara
de tanto desespero.

MEFISTÓFELES

Hoje ao diabo,
se o eu não fosse, me daria eu próprio.

FAUSTO

Que pancada na mola! Acho pilhéria
nesse teu bravejar.

MEFISTÓFELES

Faça de conta
que o ladrão de um sotaina...

FAUSTO

Um padre?

MEFISTÓFELES

Um padre:
atabafou à pobre Margarida
quanto o Doutor lhe dera. Aí vai a história:
Entra-lhe a mãe no quarto; avista as jóias,
e enche-se de terror. É que a velhusca
tem um faro! Como anda de contínuo
afocinhada no seu livro de Horas,
só por esse fortum distingue à légua
se o cheiro que lhe vem de cada coisa
é santo, ou cá dos meus. Por conseguinte
pronta aventou nas jóias do adereço
cheirarem pouco a céu:
– «Digo-te, filha
– resmoneou – que os bens mal adquiridos
peste são d’alma e corpo. O mais seguro
é darmo-los de oferta à Mãe Santíssima,
e a benção do Senhor será connosco!»
A Margarida, um tanto amuadinha,
pensou consigo, a sós:
«Cavalo dado,
et cœt’ra. E quem nos manda um tal presente,
de um modo tão cortês, não dá motivo
para o crermos perverso.»
A mestra abelha
sempre à cautela foi chamando o bonzo.
Este, apenas ouvida a brincadeira,
quis ver; alvoroçaram-se-lhe os olhos,
e exclamou:
– «Sim senhora, isso é que é honra!
Quem se vence é que vence. A madre igreja
esmoe bem, Deus louvado; engole reinos
sem ter indigestão. Só ela pode,
minhas caras irmãs, tragar sem risco
riquezas mal ganhadas.»

FAUSTO

Quanto a isso
tem companheiros. Um judeu, podendo,
e um Rei lêem pelo mesmo breviário.

MEFISTÓFELES (continuando)

E acto continuo, foi chamando ao bolso
afogador, aneis, pulseiras, tudo
como coisas de nada, um cabazinho
de avelãs chochas. Deu-lhes por seguros
mil prémios na outra vida, e pôs ao fresco,
deixando-as grandemente edificadas.

FAUSTO

E a Margarida? a Margarida?

MEFISTÓFELES

Ai! essa
lá está sentada a malucar sozinha,
sem saber o que deva, ou que resolva.
Não lhe saem da ideia as louçainhas,
e menos quem lhas deu.

FAUSTO

Portanto pena;
e eu por ela também. Corre a buscar-lhe
novo adereço, e vê se melhorado,
que o outro realmente era bem pífio!

MEFISTÓFELES

Com que então, pareceram-lhe as tais jóias
uns bonitos de feira! Agradecido,
magnânimo Doutor!

FAUSTO

Silêncio! Parte,
e arranja as coisas a meu gosto. Ouviste?
Faze-te bem de casa co’a vizinha!
Não sejas papa-assorda, e presto presto
já nova joalharia.

MEFISTÓFELES (com humildade afectada)

Inteiramente
ao seu dispor meu amo.

(Sai Fausto.)

Cena II

MEFISTÓFELES (só)

Um doido amante
daquela força, iria, se pudesse,
às estrelas, à lua, ao sol pôr lume,
só para regalar a sua amada
de ver nos céus um fogo d’artifício,
em que tudo estoirando esfuzilasse.