Os Trabalhadores do Mar/Parte I/Livro I/III: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
m Última tentativa :'\
m Orion3301.9: match
Linha 8:
}}
 
 
==__MATCH__:[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/25]]==
 
Contava-se na terra que uma mulher, tendo consigo um menino, viera em fins da revolução habitar Guernesey. Era inglesa, ou talvez francesa, o nome dela, qualquer que fosse, a pronúncia guernesiana e a ortografia dos camponeses transformaram em Gilliatt. Vivia sozinha com o menino, que, diziam uns, era seu sobrinho, outros, filho, outros, neto, e outros, coisa nenhuma.
Linha 17 ⟶ 18:
 
Caía aos pedaços. O jardim, sempre inundado pelo mar, já nada produzia.
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/26]]==
 
Além dos ruídos noturnos e das luzes, a casa era particularmente aterradora por isto: se à noite se deixava sobre a lareira um novelo de lã, agulhas e um prato cheio de sopa, no dia seguinte de manhã encontrava-se a sopa comida, o prato vazio e um par de luvas feito. Pôs-se à venda aquele pardieiro com o diabo que estava dentro, por algumas libras esterlinas. Aquela mulher comprou-o, evidentemente tentada pelo diabo. Ou pela barateza.
Linha 24 ⟶ 26:
Esta explicação satisfez o público.
 
A mulher utilizava o quarto de jeira de terra que possuía. Tinha uma boa vaca, de cujo leite fazia manteiga. Colhia frutas e batatas Golden Drops. Vendia, como qualquer outra pessoa, ervas, cebolas e favas. Não costumava ir ao mercado vender a sua colheita; mandava-a por Guilbert Falliot. O registro de Falliot mostra que ele vendeu para ela, uma vez, 12 alqueires de batatas chamadas de três meses, das mais temporãs. Fizeram-se na casa apenas os reparos necessários para se poder habitar nela. Só chovia nos quartos quando fazia muito mau tempo. Compunha-se de dois pavimentos, um rés-de-chão e um celeiro. No térreo havia três salas; dormia-se em duas, comia-
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/27]]==
se na terceira. Subia-se ao celeiro Por uma escada. A mulher cozinhava e ensinava a ler ao filho. Nunca ia à igreja, e isto, depois de muito considerado, serviu para que a declarassem francesa. Não ir aparte alguma é coisa grave.
 
Em suma, era gente que nada inculcava.
Linha 34 ⟶ 38:
A mulher, que em Guernesey era conhecida por Gilliatt, foi talvez aquela moita de erva.
 
Envelheceu a mulher. Cresceu o menino. Viviam ambos sós; todos fugiam deles, mas eles bastavam-
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/28]]==
se a si próprios. Loba e filhote lambem-se mutuamente. Foi esta uma das fórmulas que lhes aplicou a benevolência da vizinhança.
 
O menino tornou-se adolescente, o adolescente homem, e então, devendo caírem sempre as velhas crostas da vida, a mãe veio a falecer. Constava a herança das terras de Sergentée e da Roque- Crespel, da casa mal-assombrada, e mais, diz o inventário oficial, de 100 guinéus de ouro, dentro de um pé de meia. A casa estava mobiliada com duas arcas de carvalho, duas camas, seis cadeiras, uma mesa e os utensílios necessários. Havia em cima de uma tábua uns poucos de livros e, a um canto, uma canastra, que nada tinha de misteriosa, e que devia ser aberta na ocasião do inventário. A canastra era de couro ruivo, cheia de arabescos de pregos de cobre e estrelas de estanho, e continha um enxoval de mulher, novo e completo, de excelente linho de Dunquerque, camisa e saia, cortes de vestidos de seda e em cima de tudo um papel escrito pela finada: Para tua mulher, quando te casares.
Linha 46 ⟶ 52:
É a primeira forma de desespero. Mais tarde compreende-se que o dever é uma série de aceites. Contempla-se a morte, contempla-se a vida, consente-se na última. Mas é um consentimento que sangra.
 
Gilliatt era moço, a ferida cicatrizou. Naquela idade as carnes do coração tornam a unir-se. A tristeza,
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/29]]==
dissipando-se-lhe a pouco e pouco, misturou-se à natureza em redor dele, tornou-se uma espécie de encanto, atraiu-o para perto das coisas e longe dos homens, e amalgamou cada vez mais aquela alma e a solidão.
 
[[Categoria:Os Trabalhadores do Mar]]