Os Trabalhadores do Mar/Parte I/Livro I/IV: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Sem resumo de edição
m Orion3301.9: match
Linha 7:
|seção=Impopularidade
}}
 
==__MATCH__:[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/31]]==
 
Já o dissemos. Gilliatt não era estimado na paróquia. Antipatia natural. Sobravam motivos. O primeiro, acabamos de explicá-lo, era a casa em que morava. Depois a origem dele. Quem era aquela mulher? E este menino? A gente não gosta de enigmas a respeito de estrangeiros. Depois, trajava uma roupa de operário, tendo aliás com que viver, embora não fosse rico. Depois, o jardim, que ele conseguia cultivar e donde colhia batatas, apesar dos ventos de equinócio. Depois, os alfarrábios que ele lia.
Linha 13 ⟶ 14:
Outras razões, ainda.
 
Por que motivo vivia solitário? A casa mal-assombrada era uma espécie de lazareto; conservavam Gilliatt em quarentena; deste modo, era muito simples
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/32]]==
que o seu isolamento causasse espanto, e o responsabilizassem pela solidão em que o deixavam.
 
Nunca ia à Igreja. Saia muitas vezes à noite. Falava aos feiticeiros.
Linha 27 ⟶ 30:
O reverendo notou, num dos livros, este título verdadeiramente extravagante e ameaçador: De Ruibarbaro.
 
Cumpre observar que, sendo a obra escrita em
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/33]]==
latim, como indica o título, era duvidoso que Gilliatt, que não sabia latim, lesse aquela obra.
 
Mas são exatamente os livros que a gente não lê os que mais condenam. A Inquisição da Espanha julgou esse caso, e po-lo fora de dúvida.
Linha 49 ⟶ 54:
A resposta dele foi: Casar-me-ei quando se casar a Rocha que Canta.
 
A Rocha que Canta era uma grande pedra colocada a pique numa horta rústica perto do Senhor Lemezurier de Fry. Esta pedra inspira desconfiança. Não se sabe o que ela faz ali. Ouve-se cantar um galo invisível, coisa
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/34]]==
extremamente desagradável. Verificou-se que a pedra foi posta ali por uns fantasmas.
 
De noite, quando troveja, se aparecem homens a voar entre as nuvens avermelhadas, são os tais fantasmas. Há uma mulher que mora no Grande Mielles e que os conhece. Uma noite, em que havia fantasmas numa encruzilhada, essa mulher, vendo um carroceiro que não sabia por onde seguir, gritou-lhe: Pergunte-lhes o caminho; é gente. benéfica, e bem educada, com quem se pode conversar- Aquela mulher é com certeza feiticeira.
Linha 65 ⟶ 72:
A quem falaria ele senão a alguém que lhe respondia? Parece-nos que isto é uma prova.
 
Outra noite de temporal, tão negro que nada se via pertinho da Catiau-Roque, que é uma dupla fileira de rochedos onde os feiticeiros e as cabras vão dançar à sexta-feira, houve quem reconhecesse a voz de Gilliatt no meio deste terrível diálogo: -
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/35]]==
Como está Vésin Brovard? (Era um pedreiro que tinha caído de um telhado.
 
- Vai sarando.
Linha 99 ⟶ 108:
Muita gente esperta, e digna de crédito, afirmava ter visto, perto dessas pedras, Gilliatt conversando com um sapo. Ora, não há sapos em Guernesey; Guernesey tem todas as cobras, e Jersey todos os sapos. Aquele sapo veio naturalmente de Jersey, a nado, para falar a Gilliatt. A conversa era amigável.
 
Todos estes fatos estavam averiguados; e a prova disso é que as três pedras lá estão. Quem duvidar pode
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/36]]==
ir vê-las, e mesmo a alguma distância há uma casa em cuja esquina lê-se isto: Mercador de gato morto e vivo, cordas velhas, ferros, ossos e fumo de mascar; é pronto na paga e na atenção.
 
Só de má fé se pode contestar a existência daquelas pedras e daquela casa. Tudo isso fazia mal a Gilliatt.
Linha 107 ⟶ 118:
As garras são achatadas, as barbatanas tem unhas. Imaginem um peixe com cara de homem e forma de espectro. Para vence-lo é preciso exorcismá-lo ou pescá-lo. Fora disso, é sinistro. Vê-lo é perigoso. Descobrem-se acima das ondas e do marulho, através da espessura do nevoeiro, umas feições de gente; testa curta, nariz esborrachado, orelhas chatas, boca imensa e sem dentes, beiços esverdeados, sobrancelhas angulosas, olhos vivos e grandes.
 
O rei torna-se vermelho quando o relâmpago é lívido, descorado quando o relâmpago é vermelho. Tem barba gotejante e rígida, cortada em quadro, que lhe cai sobre uma membrana em forma de mantéu de peregrino; o mantéu é adornado de catorze
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/37]]==
conchas, sete na frente, sete nas costas. As conchas são extraordinárias para os que conhecem conchas. O rei só é visível no mar violento.
 
E o dançarino lúgubre da tempestade. Vê-se a forma dele esboçada no nevoeiro e na chuva. O umbigo é hediondo. Uma casca de escamas guarda-lhe os quadris à semelhança de colete. O rei levanta-se de pé, sobre as vagas que irrompem à pressão dos ventos e vão rolar-se como os cavacos que saem do rabote do marceneiro.
Linha 122 ⟶ 135:
 
- Homem, é verdade.
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/38]]==
 
- Tem mais sebo do que carne.
Linha 158 ⟶ 172:
 
Uma noite de junho, em que ele tocava o bagpipe, sobre os cabedelos da praia, do lado da Damie de Fontenelle não se pode pescar uma só cavala.
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/39]]==
 
Outra noite, vazando a maré, aconteceu tombar na praia, em frente da casa mal-assombrada, uma carreta cheia de sargaço.
Linha 174 ⟶ 189:
 
Nas aldeias, colhem-se os indícios, comparam-se: o total faz a reputação de um homem.
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/40]]==
 
Aconteceu um dia que Gilliatt foi surpreendido a deitar sangue pelo nariz. Coisa grave. Um patrão de lancha, grande viajante, que fez quase a volta do mundo, afirmou que havia uma terra, onde todos os feiticeiros deitam sangue pelo nariz. Quando um homem deita sangue pelo nariz, já toda a gente sabe como se haver com ele.
Linha 191 ⟶ 207:
Noutra ocasião, vendo um rapaz descer de uma árvore com um ninho de passarinhos ainda implumes, Gilliatt tirou o ninho do rapaz, e levou a crueldade ao ponto de restituí-lo ao seu lugar na árvore.
 
Uns viandantes censuraram-no por isto: Gilliatt não fez mais do que apontar para o pai e a mãe dos passarinhos, que guinchavam por cima da árvore
==[[Página:Os trabalhadores do mar.djvu/41]]==
e voltavam para o ninho. Tinha queda pelos pássaros. É um sinal este que faz conhecer geralmente os bruxos.
 
Os rapazes gostam de tirar os ninhos de cotovias e goelandos no penedio das costas. Trazem consigo grande porção de ovos azuis, amarelos e verdes, para armar com eles a frente das lareiras.
Linha 202 ⟶ 220:
 
Não precisava tanto para sê-lo.
=== no match ===
 
 
[[Categoria:Os Trabalhadores do Mar]]