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Eu vejo a tua dôr, a tua sombra!
Phantasma que, na vida, te acompanha;
Espectro que é teu sangue e tua carne!
Como ele é grande e belo na Montanha,
Nas alturas de fraga e de silencio!
Quem sofre em ti é o corpo derrotado,
O Mal vencido e morto aos pés do Bem!
Pois o esplendor do Bem santificado,
Nasce do Mal que morre, amando a vida...
E toda a morte é dolorosa e triste.
Quando algum sêr se extingue, ou anjo ou féra,
Paira um soluço em tudo quanto existe!
O que ha de mau em nós, perante a morte,
Geme, grita e soluça! Jesus Christo,
No Horto, ao vêr a sua negra sorte,
Sua negra e final expiação,
Sentiu acordar n'ele, de repente,
O vago orangotango primitivo
Que chorou longamente e amargamente,
Com o terrível calix de amargura
Nas longas mãos peludas e selvagens,
Emquanto junto d'ele, alevantado
Na tristeza da tarde e do olival,
Estava o Anjo mystico e enviado...


«Assim teu corpo ao vêr-se no abandono
Do espirito divino que criou...
Assim o pae ao vêr o filho morto
E a terra ao vêr a flôr que se murchou.


«Sim: é preciso amar o próprio Mal...»