}}
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* [[Recolta de Estrelas]]
* [[Recorda!]]
* [[Canção do Bêbado]]
* [[A Flor do Diabo]]
* [[As Estrelas (Cruz e Sousa)|As Estrelas]]
* [[Pandemonium]]
* [[Envelhecer]]
* [[Flores da Lua]]
* [[Tédio (Cruz e Sousa)|Tédio]]
* [[Lírio Astral]]
* [[Sem Esperança]]
* [[Caveira]]
* [[Réquiem do Sol]]
* [[Esquecimento]]
* [[Violões Que Choram...]]
* [[Olhos do Sonho]]
* [[Enclausurada]]
* [[Música da Morte...]]
* [[Monja Negra]]
* [[Inexorável]]
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* [[Visão (Cruz e Sousa)|Visão]]
* [[Pressago]]
* [[Ressurreição (Cruz e Sousa)|Ressurreição]]
* [[Enlevo]]
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* [[Piedosa]]
* [[Ausência Misteriosa]]
* [[Meu Filho]]
* [[Visão Guiadora]]
* [[Litania dos Pobres]]
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* [[Canção Negra]]
* [[A Ironia dos Vermes]]
* [[Inês]]
* [[Humildade Secreta]]
* [[Flor Perigosa]]
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* [[Os Monges]]
* [[Tristeza do Infinito]]
* [[Luar de Lágrimas]]
* [[Ébrios e Cegos]]
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[[Categoria:1900]]
==RECOLTA DE ESTRELAS==
''(1 out. 1895)''
A Tibúrcio de Freitas
: Filho meu, de nome escrito
: Da minh’alma no Infinito.
: Escrito a estrelas e sangue
: No farol da lua langue...
:Das tuas asas serenas
:Faz manto para estas penes.
<BR>
<P>Dá-me a esmola de um carinho
<BR>Como a luz de um claro vinho.
<BR>
<P>Com tua mão pequenina
<BR>Caminhos em flor me ensina.
<BR>
<P>Com teu riso fresco e suave
<BR>Oh! Dá-me do encanto a chave.
<BR>
<P>Do teu florão de Inocência
<BR>Dá-me as roses da Clemência.
<BR>
<P>Como outro Jesus bambino,
<BR>Esclarece-me o Destino.
<BR>
<P>Traz luz ao mundano pego
<BR>Onde sigo, mudo e cego...
<BR>
<P>Com teus enleios e graça
<BR>Nos meus cuidados perpassa.
<BR>
<P>Este peito acende, inflama
<BR>Na mais sacrossanta chama.
<BR>
<P>Faz brotar nevados lírios
<BR>Das cruzes dos meus martírios.
<BR>
<P>Dá-me um sol de estranho brilho,
<BR>Flor das lágrimas, meu filho.
<BR>
<P>Rebento triste, orvalhado
<BR>
<P>Com tanto pranto chorado.
<BR>
<P>Filho das ânsias, das ânsias,
<BR>Das misteriosas fragrâncias,
<BR>
<P>Filho de aromas secretos
<BR>E de desejos inquietos.
<BR>
<P>De suspiros anelantes
<BR>E impaciências clamantes.
<BR>
<P>Filho meu, tesouro mago
<BR>De todo esse afeto vago...
<BR>
<P>Filho meu, torre mais alta
<BR>De onde o meu amor se exalta.
<BR>
<P>Ânfora azul, de onde o incenso
<BR>dos sonhos se eleva denso.
<BR>
<P>Constelação flamejada
<BR>De toda esta vida ansiada.
<BR>
<P>Crisol onde lento, lento
<BR>Purifico o Sentimento.
<BR>
<P>Íris curioso onde giro
<BR>E alucinado deliro.
<BR>
<P>Signo dos signos extremos
<BR>Destes tormentos supremos.
<BR>
<P>Orbita de astros onde pairo
<BR>E em febre de luz desvairo.
<BR>
<P>Vertigem, vertigem viva
<BR>Da paixão mais convulsiva.
<BR>
<P>Traz-me unção, traz-me concórdia
<BR>E paz e misericórdia.
<BR>
<P>Do teu sorriso a frescura
<BR>Rios de ouro abra, na Altura.
<BR>
<P>Abra, acenda labaredas,
<BR>Iluminando-me as quedas.
<BR>
<P>Flor noturna da luxúria
<BR>Brotada de haste purpúrea.
<BR>
<P>Dos teus olhos dadivosos
<BR>Escorram óleos preciosos...
<BR>
<P>Óleos cândidos, dos mundos
<BR>Maravilhosos, profundos.
<BR>
<P>Óleos virgens se derramem
<BR>E o meu viver embalsamem.
<BR>
<P>Embalsamem de eloqüentes,
<BR>Celestes dons prefulgentes.
<BR>
<P>Para que eu possa com calma
<BR>Erguer os castelos da alma.
<BR>
<P>Para que eu durma tranqüilo
<BR>Lá no sepulcral Sigilo.
<BR>
<P>Ó meu Filho, ó meu eleito
<BR>Deslumbramento perfeito.
<BR>
<P>Traz novo esplendor ao facho
<BR>Com que altos Mistérios acho
<BR>
<P>Meu Filho, frágil e terno,
<BR>Socorre-me do atro Inferno.
<BR>
<P>Onde vibram gládios duros
<BR>Por ergástulos escuros.
<BR>
<P>E cruzam flamíneas, fortes,
<BR>Negras vidas, negras mortes.
<BR>
<P>Onde tecem Satanases
<BR>Sete círculos vorazes...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>RECORDA!
<BR>
<P>Quando a onda dos desejos inquietantes,
<BR> Que do peito transborda,
<BR>Morrer, enfim, nas amplidões distantes,
<BR> Recorda-te, recorda...
<BR>
<P>Revive dessa música já finda
<BR> Que nas estrelas dorme.
<BR>Volta-te ao mundo sedutor ainda
<BR> Da ilusão multiforme!
<BR>
<P>Volta, recorda eternamente, volta
<BR> Aos faróis
da Esperança,
<BR>Do Sonho estranho as grandes asas solta
<BR> À celeste Bonança.
<BR>
<P>Recorda mágoas, lágrimas e risos
<BR> E soluços e
anseios...
<BR>Revive dos nevoeiros indecisos
<BR> E dos vãos
devaneios.
<BR>
<P>Revive! Goza! Desolado, embora,
<BR> Sorrindo e soluçando,
<BR>Erguendo os véus de já passada aurora,
<BR> Recordando e sonhando...
<BR>
<P>Cada alma tem seu íntimo recato
<BR> Numa estrela perdida
<BR>E cada coração intemerato
<BR> Tem na estrela uma
vida.
<BR>
<P>Aplica o ouvido a correnteza fria
<BR> Dos golfões
da matéria
<BR>E recorda de que lama sombria
<BR> E composta a miséria.
<BR>
<P>Recorda! Sonha! Nas estrelas erra,
<BR> Beduíno do
Espaço
<BR>Aos sonhos brancos, que não são da Terra,
<BR> Dá, sorrindo,
o teu braço...
<BR>
<P>Dá o teu braço, pelos céus sorrindo
<BR> E recordando parte
<BR>E hás de entender os claros céus, sentindo
<BR> Que andas a recordar-te.
<BR>
<P> Bate a porta dos Astros solitários
<BR> Dos eternos Fulgores,
<BR>Em busca desses mortos visionários,
<BR> Almas de sonhadores.
<BR>
<P>Ah! volta a infância dos primeiros beijos,
<BR> Dos momentos sidéreos,
<BR>Volta a sede dos últimos desejos,
<BR> Dos primeiros mistérios!
<BR>
<P>Ah! volta aos desenganos primitivos,
<BR> Volta a essência
dos anos,
<BR>Volta aos espectros tristemente vivos,
<BR> Ah! volta aos desenganos!
<BR>
<P>Volta aos serenos, flóridos oásis,
<BR> Volta aos hinos profundos,
<BR>Volta as eflorescências dos Lilazes,
<BR> Volta, volta a esses
mundos!
<BR>
<P>Fique na Sombra e no Silêncio d'alma
<BR> Todo o teu ser dolente,
<BR>Para tranqüilo, com ternura e calma,
<BR> Recordar docemente...
<BR>
<P>Na Sombra então e no Silêncio denso,
<BR> Como em mágicas
plagas,
<BR>Faz acender o alampadário imenso
<BR> Das recordações
vagas...
<BR>
<P>Pousa a cabeça, meigamente pousa
<BR> Nesse augusto Quebranto
<BR>E nem da Terra a mais ligeira cousa
<BR> Te desperte do Encanto.
<BR>
<P>Para o Amor, para a Dor e para o Sonho
<BR> Nas Esferas transborda...
<BR>E entre um soluço e um segredo risonho
<BR> Recorda-te, recorda...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>CANÇÃO DO BÊBADO
<BR>
<P>Na lama e na noite triste
<BR>Aquele bêbado ri!
<BR>Tu’alma velha onde existe?
<BR>Quem se recorda de ti?
<BR>
<P>Por onde andam teus gemidos,
<BR>Os teus noctâmbulos ais?
<BR>Entre os bêbados perdidos
<BR>Quem sabe do teu -- jamais?
<BR>
<P>Por que é que ficas à lua
<BR>Contemplativo, a vagar?
<BR>Onde a tua noiva nua
<BR>Foi tão depressa a enterrar?
<BR>
<P>Que flores de graça doente
<BR>Tua fronte vem florir
<BR>Que ficas amargamente
<BR>Bêbado, bêbado a rir?
<BR>
<P>Que vês tu nessas jornadas?
<BR>Onde está o teu jardim
<BR>E o teu palácio de fadas,
<BR>Meu sonâmbulo arlequim?
<BR>
<P>De onde trazes essa bruma,
<BR>Toda essa névoa glacial
<BR>De flor de lânguida espuma,
<BR>Regada de óleo mortal?
<BR>
<P>Que soluço extravagante,
<BR>Que negro, soturno fel
<BR>Põe no teu ser doudejante
<BR>A confusão da Babel?
<BR>
<P>Ah! das lágrimas insanas
<BR>Que ao vinho misturas bem,
<BR>Que de visões sobre-humanas
<BR>Tu'alma e teus olhos tem!
<BR>
<P>Boca abismada de vinho,
<BR>Olhos de pranto a correr,
<BR>Bendito seja o carinho
<BR>Que já te faça morrer!
<BR>
<P>Sim! Bendita a cova estreita
<BR>Mais larga que o mundo vão,
<BR>Que possa conter direita
<BR>A noite do teu caixão!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>A FLOR DO DIABO
<BR>
<P>Branca e floral como um jasmim-do-Cabo
<BR>Maravilhosa ressurgiu um dia
<BR>A fatal Criação do fuIvo Diabo,
<BR>Eleita do pecado e da Harmonia.
<BR>
<P>Mais do que tudo tinha um ar funesto,
<BR>Embora tão radiante e fabulosa.
<BR>Havia sutilezas no seu gesto
<BR>De recordar uma serpente airosa.
<BR>
<P>Branca, surgindo das vermelhas chamas
<BR>Do Inferno inquisitor, corrupto e langue,
<BR>Ela lembrava, Flor de excelsas famas,
<BR>A Via-Láctea sobre um mar de sangue.
<BR>
<P>Foi num momento de saudade e tédio,
<BR>De grande tédio e singular Saudade,
<BR>Que o Diabo, já das culpas sem remédio,
<BR>Para formar a egrégia majestade,
<BR>
<P>Gerou, da poeira quente das areias
<BR>Das praias infinitas do Desejo,
<BR>Essa langue sereia das sereias,
<BR>Desencantada com o calor de um beijo.
<BR>
<P>Sobre galpões de sonho os seus palácios
<BR>Tinham bizarros e galhardos luxos.
<BR>Mais grave de eloqüência que os Horácios,
<BR>Vivia a vida dos perfeitos bruxos.
<BR>
<P>Sono e preguiça, mais preguiça e sono,
<BR>Luxúrias de nababo e mais luxúrias,
<BR>Moles coxins de lânguido abandono
<BR>Por entre estranhas florações purpúreas.
<BR>
<P>Às vezes, sob o luar, nos rios mortos,
<BR>Na vaga ondulação dos lagos frios,
<BR>Boiavam diabos de chavelhos tortos,
<BR>E de vultos macabros, fugidios.
<BR>
<P>A lua dava sensações inquietas
<BR>As paisagens avérnicas em torno
<BR>E alguns demônios com perfis de ascetas
<BR>Dormiam no luar um sono morno...
<BR>
<P>Foi por horas de Cisma, horas etéreas
<BR>De magia secreta e triste, quando
<BR>Nas lagoas letíficas, sidéreas,
<BR>O cadáver da lua vai boiando...
<BR>
<P>Foi numa dessas noites taciturnas
<BR>Que o velho Diabo, sábio dentre os sábios,
<BR>Desencantado o seu poder das furnas,
<BR>Com o riso augusto a flamejar nos lábios,
<BR>
<P>Formou a flor de encantos esquisitos
<BR>E de essências esdrúxulas e finas,
<BR>Pondo nela oscilantes infinitos
<BR>De vaidades e graças femininas.
<BR>
<P>E deu-lhe a quint'essência dos aromas,
<BR>Sonoras harpas de alma, extravagancias,
<BR>Pureza hostial e púbere de pomas,
<BR>Toda a melancolia das distancias...
<BR>
<P>Para haver mais requinte e haver mais viva,
<BR>Doce beleza e original carícia,
<BR>Deu-lhe uns toques ligeiros de ave esquiva
<BR>E uma auréola secreta de malícia.
<BR>
<P>Mas hoje o Diabo já senil, já fóssil,
<BR>Da sua Criação desiludido,
<BR>Perdida a antiga ingenuidade dócil,
<BR>Chora um pranto noturno de Vencido.
<BR>
<P>Como do fundo de vitrais, de frescos
<BR>De góticas capelas isoladas,
<BR>Chora e sonha com mundos pitorescos,
<BR>Na nostalgia das Regiões Sonhadas.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>AS ESTRELAS
<BR>
<P>Lá, nas celestes regiões distantes,
<BR>No fundo melancólico da Esfera,
<BR>Nos caminhos da eterna Primavera
<BR>Do amor, eis as estrelas palpitantes.
<BR>
<P>Quantos mistérios andarão errantes,
<BR>Quantas almas em busca da Quimera,
<BR>Lá, das estrelas nessa paz austera
<BR>Soluçarão, nos altos céus radiantes.
<BR>
<P>Finas flores de pérolas e prata,
<BR>Das estrelas serenas se desata
<BR>Toda a caudal das ilusões insanas.
<BR>
<P>Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
<BR>Se as estrelas não são os ais perdidos
<BR>Das primitivas legiões humanas?!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P><I>PANDEMONIUM</I>
<BR>A Maurício Jubim
<BR>
<P>Em fundo de tristeza e de agonia
<BR>O teu perfil passa-me noite e dia.
<BR>
<P>Aflito, aflito, amargamente aflito,
<BR>Num gesto estranho que parece um grito.
<BR>
<P>E ondula e ondula e palpitando vaga,
<BR>Como profunda, como velha chaga.
<BR>
<P>E paira sobre ergástulos e abismos
<BR>Que abrem as bocas cheias de exorcismos.
<BR>
<P>Com os olhos vesgos, a flutuar de esguelha,
<BR>Segue-te atrás uma visão vermelha.
<BR>
<P>Uma visão gerada do teu sangue
<BR>Quando no Horror te debateste exangue,
<BR>
<P>Uma visão que é tua sombra pura
<BR>rodando na mais trágica tortura.
<BR>
<P>A sombra dos supremos sofrimentos
<BR>Que te abalaram como negros ventos.
<BR>
<P>E a sombra as tuas voltas acompanha
<BR>Sangrenta, horrível, assombrosa, estranha.
<BR>
<P>E o teu perfil no vácuo perpassando
<BR>Vê rubros caracteres flamejando.
<BR>
<P>Vê rubros caracteres singulares
<BR>De todos os festins de Baltazares.
<BR>
<P>Por toda a parte escrito em fogo eterno:
<BR>Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno!
<BR>
<P>E os emissários espectrais das mortes
<BR>Abrindo as grandes asas flamifortes...
<BR>
<P>E o teu perfil oscila, treme, ondula,
<BR>Pelos abismos eternais circula...
<BR>
<P>Circula e vai gemendo e vai gemendo
<BR>E suspirando outro suspiro horrendo.
<BR>
<P>E a sombra rubra que te vai seguindo
<BR>Também parece ir soluçando e rindo.
<BR>
<P>Ir soluçando, de um soluço cavo
<BR>Que dos venenos traz o torvo travo.
<BR>
<P>Ir soluçando e rindo entre vorazes
<BR>Satanismos diabólicos, mordazes.
<BR>
<P>E eu já nem sei se e realidade ou sonho
<BR>Do teu perfil o divagar medonho.
<BR>
<P>Não sei se e sonho ou realidade todo
<BR>Esse acordar de chamas e de lodo.
<BR>
<P>Tal é a poeira extrema confundida
<BR>Da morte a raios de ouro de outra Vida.
<BR>
<P>Tais são as convulsões do último arranco
<BR>Presas a um sonho celestial e branco.
<BR>
<P>Tais são os vagos círculos inquietos
<BR>Dos teus giros de lágrimas secretos.
<BR>
<P>Mas, de repente, eis que te reconheço,
<BR>Sinto da tua vida o amargo preço.
<BR>
<P>Eis que te reconheço escravizada,
<BR>Divina Mãe, na Dor acorrentada.
<BR>
<P>Que reconheço a tua boca presa
<BR>Pela mordaça de uma sede acesa
<BR>
<P>Presa, fechada pela atroz mordaça
<BR>Dos fundos desesperos da Desgraça.
<BR>
<P>Eis que lembro os teus olhos visionários
<BR>Cheios do fel de bárbaros Calvários.
<BR>
<P>E o teu perfil asas abrir parece
<BR>Para outra Luz onde ninguém padece...
<BR>
<P>Com doçuras feéricas e meigas
<BR>De Satãs juvenis, ao luar, nas veigas.
<BR>
<P>E o teu perfil forma um saudoso vulto
<BR>Como de Santa sem altar, sem culto.
<BR>
<P>Forma um vulto saudoso e peregrino
<BR>De força que voltou ao seu destino.
<BR>
<P>De ser humano que sofrendo tanto
<BR>Purificou-se nos Azuis do Encanto.
<BR>
<P>Subiu, subiu e mergulhou sozinho,
<BR>Desamparado, no fetal caminho.
<BR>
<P>Que lá chegou transfigurado e aéreo,
<BR>Com os aromas das flores do Mistério.
<BR>
<P>Que lá chegou e as mortas portas mudas
<BR>Fez abalar de imprecações agudas...
<BR>
<P>E vai e vai o teu perfil ansioso,
<BR>De ondulações fantásticas, brumoso.
<BR>
<P>E vai perdido e vai perdido, errante,
<BR>Trêmulo, triste, vaporoso, ondeante.
<BR>
<P>Vai suspirando, num suspiro vivo
<BR>Que palpita nas sombras incisivo...
<BR>
<P>Um suspiro profundo, tão profundo
<BR>Que arrasta em si toda a paixão do mundo.
<BR>
<P>Suspiro de martírio, de ansiedade,
<BR>De alívio, de mistério, de saudade.
<BR>
<P>Suspiro imenso, aterrador e que erra
<BR>Por tudo e tudo eternamente aterra...
<BR>
<P>O pandemonium de suspiros soltos
<BR>Dos condenados corações revoltos.
<BR>
<P>Suspiro dos suspiros ansiados
<BR>Que rasgam peitos de dilacerados.
<BR>
<P>E mudo e pasmo e compungido e absorto,
<BR>Vendo o teu lento e doloroso giro,
<BR>Fico a cismar qual é o rio morto
<BR>Onde vai divagar esse suspiro.
<BR>
<BR>
<P>
<BR>
<BR>
<BR>
<P>ENVELHECER
<BR>
<P>Flor de indolência, fina e melindrosa,
<BR>Cativante sereia da esperança,
<BR>Cedo tiveste a crença dolorosa
<BR>De quanto a vida é velha e como cansa...
<BR>
<P>Na lânguida, na morna morbideza
<BR>Do teu amargo e triste celibato,
<BR>Tu te fechaste para a Natureza
<BR>Como a lua no célico recato.
<BR>
<P>No fundo delicado dos teus seios
<BR>Foste esconder os sentimentos vagos,
<BR>E todos os dolentes devaneios
<BR>Das estrelas sonhando a flor dos lagos.
<BR>
<P>Todas as altas celas de ouro e prata
<BR>De teu claustro de Virgem sem afeto
<BR>Fecharam sobre tu'alma timorata
<BR>Austeras portas, com fragor secreto.
<BR>
<P>No entanto, havia no teu corpo ondeante
<BR>As delícias sutis de um céu fugace...
<BR>E era talvez o encanto mais picante
<BR>A graça aldeã do teu nariz rapace.
<BR>
<P>Teus olhos tinham certa magoa nobre
<BR>E certo fundo de doirado abismo
<BR>E a malícia que logo se descobre
<BR>Em olhos de felino narcotismo.
<BR>
<P>Mas na boca trazias todo o oculto
<BR>Toque sombrio de ironia grave...
<BR>E como que as belezas do teu vulto
<BR>Abriam asas peregrinas de ave.
<BR>
<P>Tinhas na boca esse elixir ardente
<BR>Da volúpia mortal dos gozos e essa
<BR>Chama de boca, feita unicamente
<BR>Para no gozo envelhecer depressa.
<BR>
<P>E envelheceste tanto, muito cedo,
<BR>Sumiu-se tão depressa o teu encanto,
<BR>Foi tão falaz o sedutor segredo
<BR>Do teu carnal e lânguido quebranto!
<BR>
<P>Envelheceste para os vãos idílios,
<BR>Para os estranhos estremecimentos,
<BR>Para os brilhos iriantes dos teus cílios
<BR>E para os sepulcrais esquecimentos.
<BR>
<P>Envelheceste para os vãos amores,
<BR>E para os olhos, para as mãos que abrias
<BR>Como dois talismãs de brancas flores
<BR>E de leves e doces harmonias...
<BR>
<P>Presa, sem ar, sem sol, crepusculada
<BR>No celibato que não tem perfume
<BR>De todo envelheceste abandonada,
<BR>Já como um ser que não provoca ciúme.
<BR>
<P>Envelhecer é reduzir a vida
<BR>A sentimentos de tristeza austera,
<BR>Enclausurá-la numa grave ermida
<BR>De luto e de silêncio sem quimera.
<BR>
<P>E envelhecer na juventude flórea,
<BR>Do celibato emurchecido lírio
<BR>E ficar sob os pálios da ilusória
<BR>Melancolia, como a luz de um círio...
<BR>
<P>Envelhecer assim, virgem e forte,
<BR>E cerrar contra o mundo a rósea porta
<BR>Do Amor e apenas esperar a Morte,
<BR>A alma já muda, há muito tempo morta.
<BR>
<P>Envelheces de tédio, de cansaço,
<BR>D'ilusões e de cismas e de penes,
<BR>Como envelhece no celeste espaço
<BR>O turbilhão das estrelas serenas.
<BR>
<P>O Amor os corações fez interditos
<BR>Ao teu magoado coração cativo
<BR>E apagou-te os sublimes infinitos
<BR>Do seu clarão fecundador e vivo.
<BR>
<P>Hoje envelheces na clausura imensa,
<BR>Dentro de um sonho pálido feneces.
<BR>Tua beleza veste névoa densa,
<BR>Em surdinas e sombras envelheces.
<BR>
<P>De pranto e luar, num desolado misto,
<BR>Cai a noite na tua puberdade
<BR>E como a Rediviva do Imprevisto,
<BR>Erras e sonhas pela Eternidade!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>FLORES DA LUA
<BR>
<P>Brancuras imortais da Lua Nova
<BR>Frios de nostalgia e sonolência...
<BR>Sonhos brancos da Lua e viva essência
<BR>Dos fantasmas noctívagos da Cova.
<BR>
<P>Da noite a tarda e taciturna trova
<BR>Soluça, numa tremula dormência...
<BR>Na mais branda, mais leve florescência
<BR>Tudo em Visões e Imagens se renova.
<BR>
<P>Mistérios virginais dormem no Espaço,
<BR>Dormem o sono das profundas seivas,
<BR>Monótono, infinito, estranho e lasso...
<BR>
<P>E das Origens na luxúria forte
<BR>Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
<BR>Flores amargas do palor da Morte.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>TÉDIO
<BR>
<P>Vala comum de corpos que apodrecem,
<BR> E esverdeada gangrene
<BR>Cobrindo vastidões que fosforescem
<BR> Sobre a esfera terrena.
<BR>
<P>Bocejo torvo de desejos turvos,
<BR> Languescente bocejo
<BR>De velhos diabos de chavelhos curvos
<BR> Rugindo de desejo.
<BR>
<P>Sangue coalhado, congelado, frio,
<BR> Espasmado nas veias...
<BR>Pesadelo sinistro de algum rio
<BR> De sinistras sereias...
<BR>
<P>Alma sem rumo, a modorrar de sono,
<BR> Mole, túrbida,
lassa...
<BR>Monotonias lúbricas de um mono
<BR> Dançando numa
praça...
<BR>
<P>Mudas epilepsias, mudas, mudas,
<BR> Mudas epilepsias,
<BR>Masturbações mentais, fundas, agudas,
<BR> Negras nevrostenias.
<BR>
<P>Flores sangrentas do soturno vício
<BR> Que as almas queima
e morde...
<BR>Música estranha de fetal suplício,
<BR> Vago, mórbido
acorde...
<BR>
<P>Noite cerrada para o Pensamento
<BR> Nebuloso degredo
<BR>Onde em cavo clangor surdo do vento
<BR> Rouco pragueja o medo.
<BR>
<P>Plaga vencida por tremendas pragas,
<BR> Devorada por pestes,
<BR>Esboroada pelas rubras chagas
<BR> Dos incêndios
celestes.
<BR>
<P>Sabor de sangue, Lágrimas e terra
<BR> Revolvida de fresco,
<BR>Guerra sombria dos sentidos, guerra,
<BR> Tantalismo dantesco.
<BR>
<P>Silêncio carregado e fundo e denso
<BR> Como um poço
secreto,
<BR>Dobre pesado, carrilhão imenso
<BR> Do segredo inquieto...
<BR>
<P>Florescência do Mal, hediondo parto
<BR> Tenebroso do crime,
<BR>Pandemonium feral de ventre farto
<BR> Do Nirvana sublime.
<BR>
<P>Delírio contorcido, convulsivo
<BR> De felinas serpentes,
<BR>No silamento e no mover lascivo
<BR> Das caudas e dos dentes.
<BR>
<P>Porco lúgubre, lúbrico, trevoso
<BR> Do tábido pecado,
<BR>Fuçando colossal, formidoloso
<BR> Nos lodos do passado.
<BR>
<P>Ritmos de forças e de graças mortas,
<BR> Melancólico
exílio,
<BR>Difusão de um mistério que abre portas
<BR> Para um secreto idílio...
<BR>
<P>Ócio das almas ou requinte delas,
<BR> Quint'essências,
velhices
<BR>De luas de nevroses amarelas,
<BR> Venenosas meiguices.
<BR>
<P>Insônia morna e doente dos Espaços,
<BR> Letargia funérea,
<BR>Vermes, abutres a correr pedaços
<BR> Da carne deletéria.
<BR>
<P>Um misto de saudade e de tortura,
<BR> De lama, de Ódio
e de asco,
<BR>Carnaval infernal da Sepultura,
<BR> Risada do carrasco.
<BR>
<P>Ó tédio amargo, ó tédio dos suspiros,
<BR> Ó tédio
d'ansiedades!
<BR>Quanta vez eu não subo nos teus giros
<BR> Fundas eternidades!
<BR>
<P>Quanta vez envolvido do teu luto
<BR> Nos sudários
profundos
<BR>Eu, calado, a tremer, ao longe, escuto
<BR> Desmoronarem mundos!
<BR>
<P>Os teus soluços, todo o grande pranto,
<BR> Taciturnos gemidos,
<BR>Fazem gerar flores de amargo encanto
<BR> Nos corações
doridos.
<BR>
<P>Tédio! que pões nas almas olvidadas
<BR> Ondulações
de abismo
<BR>E sombras vesgas, lívidas, paradas,
<BR> No mais feroz mutismo!
<BR>
<P>Tédio do Réquiem do Universo inteiro,
<BR> Morbus negro, nefando,
<BR>Sentimento fatal e derradeiro
<BR> Das estrelas gelando...
<BR>
<P>O Tédio! Rei da Morte! Rei boêmio!
<BR> Ó Fantasma
enfadonho!
<BR>És o sol negro, o criador, o gêmeo,
<BR> Velho irmão
do meu sonho!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>LÍRIO ASTRAL
<BR>
<P>Lírio astral, ó lírio branco
<BR> Ó lírio
astral,
<BR>No meu derradeiro arranco
<BR> Sê cordial!
<BR>
<P>Perfuma de graça leve
<BR> O meu final
<BR>Com o doce perfume breve,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Dá-me esse óleo sacrossanto
<BR> Toda a caudal
<BR>Do óleo casto do teu pranto,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Traz-me o alivio dos alívios,
<BR> Ó virginal,
<BR>Ó lírio dos lírios níveos,
<BR> Ó Lírio
astral!
<BR>
<P>Dentre as sonatas da lua
<BR> Celestial,
<BR>Lírio, vem, Lírio, flutua,
<BR> Ó Lírio
astral!
<BR>
<P>Dos raios das noites de ouro,
<BR> Do Roseiral,
<BR>Do constelado tesouro,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Desprende o fino perfume
<BR> Etereal
<BR>E vem do celeste fume,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Da maviosa suavidade
<BR> Do céu floral
<BR>Traz a meiga claridade,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Que bendita e sempre pura
<BR> E divinal
<BR>Seja-me a tua frescura,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Que ela, enfim, me transfigure,
<BR> Na hora fatal
<BR>E os meus sentidos apure,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Que tudo que me é avaro
<BR> De luz vital,
<BR>Nessa hora se tome claro,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Que portas de astros, rasgadas
<BR> Num céu lirial,
<BR>Eu veja desassombradas,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Que eu possa, tranqüilo, vê-las,
<BR> Limpo do mal,
<BR>Essas mil portas de estrelas
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>E penetrar nelas, calmo,
<BR> Na paz mortal,
<BR>Como um davídico salmo,
<BR> O lírio astral!
<BR>
<P>Vento velho que soluça
<BR> Meu Sonho ideal,
<BR>No Infinito se debruça,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Por isso, lá, no Momento,
<BR> Na hora fetal,
<BR>Perfuma esse velho vento
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Traz a graça do Infinito,
<BR> Graça imortal,
<BR>Ao velho Sonho proscrito,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Adoça-me o derradeiro
<BR> Sonho feral
<BR>O lírio do astral Cruzeiro
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Se, o Lírio, ó doce Lírio
<BR> De luz boreal
<BR>Na morte o meu claro círio,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Perfuma, Lírio, perfume,
<BR> Na hora glacial,
<BR>Meu Sonho de Sol, de Bruma,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>Que eu suba na tua essência
<BR> Sacramental
<BR>Para a excelsa Transcendência,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<P>E lá, nas Messes divinas,
<BR> Paire, eternal,
<BR>Nas Esferas cristalinas,
<BR> Ó lírio
astral!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>SEM ESPERANÇA
<BR>
<P>Ó cândidos fantasmas da Esperança,
<BR>Meigos espectros do meu vão Destino,
<BR>Volvei a mim nas leves ondas do Hino
<BR>Sacramental de Bem-aventurança.
<BR>
<P>Nas veredas da vida a alma não cansa
<BR>De vos buscar pelo Vergel divino
<BR>Do céu sempre estrelado e diamantino
<BR>Onde toda a alma no Perdão descansa.
<BR>
<P>Na volúpia da dor que me transporta,
<BR>Que este meu ser transfunde nos Espaços,
<BR>Sinto-te longe, ó Esperança morta.
<BR>
<P>E em vão alongo os vacilantes passos
<BR>À procura febril da tua porta,
<BR>Da ventura celeste dos teus braços.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>CAVEIRA
<P>I
<BR>Olhos que foram olhos, dois buracos
<BR>Agora, fundos, no ondular da poeira...
<BR>Nem negros, nem azuis e nem opacos.
<BR> Caveira!
<BR>
<P>II
<BR>Nariz de linhas, correções audazes,
<BR>De expressão aquilina e feiticeira,
<BR>Onde os olfatos virginais, falazes?!
<BR> Caveira! Caveira!!
<BR>
<P>III
<BR>Boca de dentes límpidos e finos,
<BR>De curve leve, original, ligeira,
<BR>Que é feito dos teus risos cristalinos?!
<BR> Caveira! Caveira!!
Caveira!!!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>RÉQUIEM DO SOL
<BR>
<P>Águia triste do Tédio, sol cansado,
<BR>Velho guerreiro das batalhas fortes!
<BR>Das ilusões as trêmulas coortes
<BR>Buscam a luz do teu clarão magoado...
<BR>
<P>A tremenda avalanche do Passado
<BR>Que arrebatou tantos milhões de mortes
<BR>Passa em tropel de trágicos Mavortes
<BR>Sobre o teu coração ensangüentado...
<BR>
<P>Do alto dominas vastidões supremas
<BR>Águia do Tédio presa nas algemas
<BR>Da Legenda imortal que tudo engelha...
<BR>
<P>Mas lá, na Eternidade, de onde habitas,
<BR>Vagam finas tristezas infinitas,
<BR>Todo o mistério da beleza velha!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>ESQUECIMENTO
<BR>
<P>Ó Estrelas tranqüilas, esquecidas
<BR> No seio das Esferas,
<BR>Velhos bilhões de lágrimas, de vidas,
<BR> Refulgentes Quimeras.
<BR>
<P>Astros que recordais infâncias de ouro,
<BR> Castidades serenas,
<BR>Irradiações de mágico tesouro,
<BR> Aromas de açucenas.
<BR>
<P>Rosas de luz do céu resplandecente
<BR> Ó Estrelas
divinas,
<BR>Sereias brancas da região do Oriente
<BR> Ó Visões
peregrinas!
<BR>
<P>Aves de ninhos de frouxéis de prata
<BR> Que cantais no Infinito
<BR>As Letras da Canção intemerata
<BR> Do Mistério
bendito.
<BR>
<P>Turíbulos de graça e encantamento
<BR> Das sidérias umbelas,
<BR>Desvendai-me as Mansões do Esquecimento
<BR> Radiantes sentinelas.
<BR>
<P> Dizei que palidez de mortos lírios
<BR> Há por estas estradas
<BR>E se terminam todos os martírios
<BR> Nas brumas encantadas.
<BR>
<P>Se nessas brumas encantadas choram
<BR> Os anseios da Terra,
<BR>Se os lírios mortos que há por lá se auroram
<BR> De púrpuras
de guerra.
<BR>
<P>Se as que há por cá titânicas cegueiras,
<BR> Atordoadas vitórias
<BR>Embebedam os seres nas poncheiras
<BR> E no gozo das glórias!
<BR>
<P>O céu é o berço das estrelas brancas
<BR> Que dormem de cansaço...
<BR>E das almas olímpicas e francas
<BR> O ridente regaço...
<BR>
<P>Só ele sabe, o claro céu tranqüilo
<BR> Dos grandes resplendores,
<BR>Qual é das almas o eternal sigilo,
<BR> Qual o cunho das cores.
<BR>
<P>Só ele sabe, o céu das quint'essências,
<BR> O Esquecimento ignoto
<BR>Que tudo envolve nas letais diluências
<BR> De um ocaso remoto...
<BR>
<P>O Esquecimento é flor, sutil, celeste,
<BR> De palidez risonha.
<BR>A alma das coisas languemente veste
<BR> De um véu,
como quem sonha.
<BR>
<P>Tudo no esquecimento se adelgaça...
<BR> E nas zonas de tudo
<BR>Na candura de tudo, extremo, passa
<BR> Certo mistério
mudo.
<BR>
<P>Como que o coração fica cantando
<BR> Porque, trêmulo,
esquece,
<BR>Vivendo a vida de quem vai sonhando
<BR> E no sonho estremece...
<BR>
<P>Como que o coração fica sorrindo
<BR> De um modo grave e
triste,
<BR>Languidamente a meditar, sentindo
<BR> Que o esquecimento
existe.
<BR>
<P>Sentindo que um encanto etéreo e mago,
<BR> Mas um lívido
encanto,
<BR>Põe nos semblantes um luar mais vago,
<BR> Enche tudo de pranto.
<BR>
<P>Que um concerto de suplicas de magoa,
<BR> De martírios
secretos,
<BR>Vai os olhos tornando rasos d’água
<BR> E turvando os objetos...
<BR>
<P>Que um soluço cruel, desesperado
<BR> Na garganta rebenta...
<BR>Enquanto o Esquecimento alucinado
<BR> Move a sombra nevoenta!
<BR>
<P>O rio roxo e triste, Ó rio morto,
<BR> O rio roxo, amargo...
<BR>Rio de vãs melancolias de Horto
<BR> Caídas do céu
largo!
<BR>
<P>Rio do esquecimento tenebroso,
<BR> Amargamente frio,
<BR>Amargamente sepulcral, lutuoso,
<BR> Amargamente rio!
<BR>
<P>Quanta dor nessas ondas que tu levas,
<BR> Nessas ondas que arrastas,
<BR>Quanto suplício nessas tuas trevas,
<BR> Quantas lágrimas
castas!
<BR>
<P>Ó meu verso, ó meu verso, ó meu orgulho,
<BR> Meu tormento e meu
vinho,
<BR>Minha sagrada embriaguez e arrulho
<BR> De aves formando ninho.
<BR>
<P>Verso que me acompanhas no Perigo
<BR> Como lança
preclara,
<BR>Que este peito defende do inimigo
<BR> Por estrada tão
rara!
<BR>
<P>O meu verso, ó meu verso soluçante,
<BR> Meu segredo e meu
guia,
<BR>Tem dó de mim lá no supremo instante
<BR> Da suprema agonia.
<BR>
<P>Não te esqueças de mim, meu verso insano,
<BR> Meu verso solitário,
<BR>Minha terra, meu céu, meu vasto oceano,
<BR> Meu templo, meu sacrário.
<BR>
<P>Embora o esquecimento vão dissolva
<BR> Tudo, sempre, no mundo,
<BR>Verso! que ao menos o meu ser se envolva
<BR> No teu amor profundo!
<BR>
<P>Esquecer e andar entre destroços
<BR> Que além se
multiplicam,
<BR>Sem reparar na lividez dos ossos
<BR> Nem nas cinzas que
ficam...
<BR>
<P>É caminhar por entre pesadelos,
<BR> Sonâmbulo perfeito,
<BR>Coberto de nevoeiros e de gelos,
<BR> Com certa ânsia
no peito.
<BR>
<P>Esquecer é não ter lágrimas puras,
<BR> Nem asas para beijos
<BR>Que voem procurando sepulturas
<BR> E queixas e desejos!
<BR>
<P>Esquecimento! eclipse de horas mortas.
<BR> Relógio mudo,
incerto,
<BR>Casa vazia... de cerradas portas,
<BR> Grande vácuo,
deserto.
<BR>
<P>Cinza que cai nas almas, que as consome,
<BR> Que apaga toda a flama,
<BR>Infinito crepúsculo sem nome,
<BR> Voz morta a voz que
a chama.
<BR>
<P>Harpa da noite, irmã do Imponderável,
<BR> De sons langues e
enfermos,
<BR>Que Deus com o seu mistério formidável
<BR> Faz calar pelos ermos.
<BR>
<P>Solidão de uma plaga extrema e nua,
<BR> Onde trágica
e densa
<BR>Chora seus lírios virginais a lua
<BR> Lividamente imensa.
<BR>
<P>Silêncio dos silêncios sugestivos,
<BR> Grito sem eco, eterno
<BR>Sudário dos Azuis contemplativos,
<BR> Florescência
do Inferno.
<BR>
<P>Esquecimento! Fluido estranho, de ânsias,
<BR> De negra majestade,
<BR>Soluço nebuloso das Distancias
<BR> Enchendo a Eternidade!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>VIOLÕES QUE CHORAM...
<BR>(jan. I897)
<BR>
<P>Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
<BR>Soluços ao luar, choros ao vento...
<BR>Tristes perfis, os mais vagos contornos,
<BR>Bocas murmurejantes de lamento.
<BR>
<P>Noites de além, remotas, que eu recordo,
<BR>Noites da solidão, noites remotas
<BR>Que nos azuis da Fantasia bordo,
<BR>Vou constelando de visões ignotas.
<BR>
<P>Sutis palpitações a luz da lua,
<BR>Anseio dos momentos mais saudosos,
<BR>Quando lá choram na deserta rua
<BR>As cordas vivas dos violões chorosos.
<BR>
<P>Quando os sons dos violões vão soluçando,
<BR>Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
<BR>E vão dilacerando e deliciando,
<BR>Rasgando as almas que nas sombras tremem.
<BR>
<P>Harmonias que pungem, que laceram,
<BR>Dedos Nervosos e ágeis que percorrem
<BR>Cordas e um mundo de dolências geram,
<BR>Gemidos, prantos, que no espaço morrem...
<BR>
<P>E sons soturnos, suspiradas magoas,
<BR>Mágoas amargas e melancolias,
<BR>No sussurro monótono das águas,
<BR>Noturnamente, entre ramagens frias.
<BR>
<P>Vozes veladas, veludosas vozes,
<BR>Volúpias dos violões, vozes veladas,
<BR>Vagam nos velhos vórtices velozes
<BR>Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
<BR>
<P>Tudo nas cordas dos violões ecoa
<BR>E vibra e se contorce no ar, convulso...
<BR>Tudo na noite, tudo clama e voa
<BR>Sob a febril agitação de um pulso.
<BR>
<P>Que esses violões nevoentos e tristonhos
<BR>São ilhas de degredo atroz, funéreo,
<BR>Para onde vão, fatigadas do sonho
<BR>Almas que se abismaram no mistério.
<BR>
<P>Sons perdidos, nostálgicos, secretos,
<BR>Finas, diluídas, vaporosas brumas,
<BR>Longo desolamento dos inquietos
<BR>Navios a vagar a flor de espumas.
<BR>
<P>Oh! languidez, languidez infinita,
<BR>Nebulosas de sons e de queixumes,
<BR>Vibrado coração de ânsia esquisita
<BR>E de gritos felinos de ciúmes!
<BR>
<P>Que encantos acres nos vadios rotos
<BR>Quando em toscos violões, por lentas horas,
<BR>Vibram, com a graça virgem dos garotos,
<BR>Um concerto de lágrimas sonoras!
<BR>
<P>Quando uma voz, em trêmolos, incerta,
<BR>Palpitando no espaço, ondula, ondeia,
<BR>E o canto sobe para a flor deserta
<BR>Soturna e singular da lua cheia.
<BR>
<P>Quando as estrelas mágicas florescem,
<BR>E no silêncio astral da Imensidade
<BR>Por lagos encantados adormecem
<BR>As pálidas ninféias da Saudade!
<BR>
<P>Como me embala toda essa pungência,
<BR>Essas lacerações como me embalam,
<BR>Como abrem asas brancas de clemência
<BR>As harmonias dos Violões que falam!
<BR>
<P>Que graça ideal, amargamente triste,
<BR>Nos lânguidos bordões plangendo passa...
<BR>Quanta melancolia de anjo existe
<BR>Nas visões melodiosas dessa graça.
<BR>
<P>Que céu, que inferno, que profundo inferno,
<BR>Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos,
<BR>Quanto magoado sentimento eterno
<BR>Nesses ritmos trêmulos e indecisos...
<BR>
<P>Que anelos sexuais de monjas belas
<BR>Nas ciliciadas carnes tentadoras,
<BR>Vagando no recôndito das celas,
<BR>Por entre as ânsias dilaceradoras...
<BR>
<P>Quanta plebéia castidade obscura
<BR>Vegetando e morrendo sobre a lama,
<BR>Proliferando sobre a lama impura,
<BR>Como em perpétuos turbilhões de chama.
<BR>
<P>Que procissão sinistra de caveiras,
<BR>De espectros, pelas sombras mortas, mudas.
<BR>Que montanhas de dor, que cordilheiras
<BR>De agonias aspérrimas e agudas.
<BR>
<P>Véus neblinosos, longos véus de viúvas
<BR>Enclausuradas nos ferais desterros
<BR>Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas,
<BR>Sob abóbadas lúgubres de enterros;
<BR>
<P>Velhinhas quedas e velhinhos quedos
<BR>Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos
<BR>Sepulcros vivos de senis segredos,
<BR>Eternamente a caminhar sozinhos;
<BR>
<P>E na expressão de quem se vai sorrindo,
<BR>Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos
<BR>E um lenço preto o queixo comprimindo,
<BR>Passam todos os lívidos defuntos...
<BR>
<P>E como que há histéricos espasmos
<BR>na mão que esses violões agita, largos...
<BR>E o som sombrio é feito de sarcasmos
<BR>E de Sonambulismos e letargos.
<BR>
<P>Fantasmas de galés de anos profundos
<BR>Na prisão celular atormentados,
<BR>Sentindo nos violões os velhos mundos
<BR>Da lembrança fiel de áureos passados;
<BR>
<P>Meigos perfis de tísicos dolentes
<BR>Que eu vi dentre os vilões errar gemendo,
<BR>Prostituídos de outrora, nas serpentes
<BR>Dos vícios infernais desfalecendo;
<BR>
<P>Tipos intonsos, esgrouviados, tortos,
<BR>Das luas tardas sob o beijo níveo,
<BR>Para os enterros dos seus sonhos mortos
<BR>Nas queixas dos violões buscando alivio;
<BR>
<P>Corpos frágeis, quebrados, doloridos,
<BR>Frouxos, dormentes, adormidos, langues
<BR>Na degenerescência dos vencidos
<BR>De toda a geração, todos os sangues;
<BR>
<P>Marinheiros que o mar tornou mais fortes,
<BR>Como que feitos de um poder extremo
<BR>Para vencer a convulsão das mortes,
<BR>Dos temporais o temporal supremo;
<BR>
<P>Veteranos de todas as campanhas,
<BR>Enrugados por fundas cicatrizes,
<BR>Procuram nos violões horas estranhas,
<BR>Vagos aromas, cândidos, felizes.
<BR>
<P>Ébrios antigos, vagabundos velhos,
<BR>Torvos despojos da miséria humana,
<BR>Têm nos violões secretos Evangelhos,
<BR>Toda a Bíblia fatal da dor insana.
<BR>
<P>Enxovalhados, tábidos palhaços
<BR>De carapuças, máscaras e gestos
<BR>Lentos e lassos, lúbricos, devassos,
<BR>Lembrando a florescência dos incestos;
<BR>
<P>Todas as ironias suspirantes
<BR>Que ondulam no ridículo das vidas,
<BR>Caricaturas tétricas e errantes
<BR>Dos malditos, dos réus, dos suicidas;
<BR>
<P>Toda essa labiríntica nevrose
<BR>Das virgens nos românticos enleios;
<BR>Os ocasos do Amor, toda a clorose
<BR>Que ocultamente lhes lacera os seios;
<BR>
<P>Toda a mórbida música plebéia
<BR>De requebros de faunos e ondas lascivas;
<BR>A langue, mole e morna melopéia
<BR>Das valsas alanceadas, convulsivas;
<BR>
<P>Tudo isso, num grotesco desconforme,
<BR>Em ais de dor, em contorsões de açoites,
<BR>Revive nos violões, acorda e dorme
<BR>Através do luar das meias noites!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>OLHOS DO SONHO
<BR>(jan. 1897)
<BR>
<P>Certa noite soturna, solitária,
<BR>Vi uns olhos estranhos que surgiam
<BR>Do fundo horror da terra funerária
<BR>Onde as visões sonâmbulas dormiam...
<BR>
<P>Nunca da terra neste leito raso
<BR>Com meus olhos mortais, alucinados...
<BR>Nunca tais olhos divisei acaso
<BR>Outros olhos eu vi transfigurados.
<BR>
<P>A luz que os revestia e alimentava
<BR>Tinha o fulgor das ardentias vagas,
<BR>Um demônio noctâmbulo espiava
<BR>De dentro deles como de ígneas plagas.
<BR>
<P>E os olhos caminhavam pela treva
<BR>Maravilhosos e fosforescentes...
<BR>Enquanto eu ia como um ser que leva
<BR>Pesadelos fantásticos, trementes.
<BR>
<P>Na treva só os olhos, muito abertos,
<BR>Seguiam para mim com majestade,
<BR>Um sentimento de cruéis desertos
<BR>Me apunhalava com atrocidade.
<BR>
<P>Só os olhos eu via, só os olhos
<BR>Nas cavernas da treva destacando:
<BR>Faróis de augúrio nos ferais escolhos,
<BR>Sempre, tenazes, para mim olhando...
<BR>
<P>Sempre tenazes para mim, tenazes,
<BR>Sem pavor e sem medo, resolutos,
<BR>Olhos de tigres e chacais vorazes
<BR>No instante dos assaltos mais astutos.
<BR>
<P>Só os olhos eu via! -- o corpo todo
<BR>Se confundia com o negror em volta...
<BR>Ó alucinações fundas do lodo
<BR>Carnal, surgindo em tenebrosa escolta!
<BR>
<P>E os olhos me seguiam sem descanso,
<BR>Suma perseguição de atras voragens,
<BR>Nos narcotismos dos venenos mansos,
<BR>Como dois mudos e sinistros pajens.
<BR>
<P>E nessa noite, em todo meu percurso,
<BR>Nas voltas vagas, vãs e vacilantes
<BR>Do meu caminho, esses dois olhos de urso
<BR>Lá estavam tenazes e constantes.
<BR>
<P>Lá estavam eles, fixamente eles,
<BR>Quietos, tranqüilos, calmos e medonhos...
<BR>Ah! quem jamais penetrará naqueles
<BR>Olhos estranhos dos eternos sonhos!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>ENCLAUSURADA
<BR>
<P>Ó Monja dos estranhos sacrifícios,
<BR>Meu amor imortal, Ave de garras
<BR>E asas gloriosas, triunfais, bizarras,
<BR>Alquebradas ao peso dos cilícios.
<BR>
<P>Reclusa flor que os mais revéis flagícios
<BR>Abalaram com as trágicas fanfarras,
<BR>Quando em formas exóticas de jarras
<BR>Teu corpo tinha a embriaguez dos vícios.
<BR>
<P>Para onde foste, ó graça das mulheres,
<BR>Graça viçosa dos vergéis de Ceres
<BR>Sem que o meu pensamento te persiga?!
<BR>
<P>Por onde eternamente enclausuraste
<BR>Aquela ideal delicadeza de haste,
<BR>De esbelta e fina ateniense antiga?!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>MÚSICA DA MORTE...
<BR>
<P>A musica da Morte, a nebulosa,
<BR>Estranha, imensa musica sombria,
<BR>Passa a tremer pela minh’alma e fria
<BR>Gela, fica a tremer, maravilhosa...
<BR>
<P>Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
<BR>Letes sinistro e torvo da agonia,
<BR>Recresce a lancinante sinfonia,
<BR>Sobe, numa volúpia dolorosa...
<BR>
<P>Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
<BR>Tremenda, absurda, imponderada e larga,
<BR>De pavores e trevas alucina...
<BR>
<P>E alucinando e em trevas delirando,
<BR>Como um Ópio letal, vertiginando,
<BR>Os meus nervos, letárgica, fascina...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>MONJA NEGRA
<BR>
<P>É teu esse espaço, e teu todo o Infinito
<BR>Transcendente Visão das lágrimas nascida,
<BR>Bendito o teu sentir, para sempre bendito
<BR>Todo o teu divagar na Esfera indefinida!
<BR>
<P>Através de teu luto as estrelas meditam
<BR>Maravilhosamente e vaporosamente;
<BR>Como olhos celestiais dos Arcanjos nos fitam
<BR>Lá do fundo negror do teu luto plangente.
<BR>
<P>Almas sem rumo já, corações sem destino
<BR>Vão em busca de ti, por vastidões incertas...
<BR>E no teu sonho astral, mago e luciferino,
<BR>Encontram para o amor grandes portas abertas.
<BR>
<P>Cândida Flor que aroma e tudo purifica,
<BR>Trazes sempre contigo as sutis virgindades
<BR>E uma caudal preciosa, interminável, rica,
<BR>De raras sugestões e curiosidades.
<BR>
<P>As belezas do mito, as grinaldas de louro,
<BR>Os priscos ouropéis, os símbolos já vagos,
<BR>Tudo forma o painel de um velho fundo de ouro
<BR>De onde surges enfim como as visões dos lagos.
<BR>
<P>Certa graça cristã, certo excelso abandono
<BR>De Deusa que emigrou de regiões de outrora,
<BR>Certo aéreo sentir de esquecimento e outono,
<BR>Trazem-te as emoções de quem medita e chora.
<BR>
<P>És o imenso crisol, és o crisol profundo
<BR>Onde se cristalizam todas as belezas,
<BR>És o néctar da Fé, de que eu melhor me inundo.
<BR>Ó néctar divinal das místicas purezas.
<BR>
<P>Ó Monja soluçante! Ó Monja soluçante,
<BR>Ó Monja do Perdão, da paz e da clemência,
<BR>Leva para bem longe este Desejo errante,
<BR>Desta febre letal toda secreta essência.
<BR>
<P>Nos teus golfos de Além, nos lagos taciturnos,
<BR>Nos pélagos sem fim, vorazes e medonhos,
<BR>Abafa para sempre os soluços noturnos,
<BR>E as dilacerações dos formidáveis Sonhos!
<BR>
<P>Não sei que Anjo fatal, que Satã fugitivo,
<BR>Que gênios infernais, magnéticos, sombrios,
<BR>Deram-te as amplidões e o sentimento vivo
<BR>Do mistério com todos os seus calafrios...
<BR>
<P>A lua vem te dar mais trágica amargura,
<BR>E mais desolação e mais melancolia,
<BR>E as estrelas, do céu na Eucaristia pura,
<BR>Têm a mágoa velada da Virgem Maria.
<BR>
<P>Ah! Noite original, noite desconsolada
<BR>Monja da solidão, espiritual e augusta,
<BR>Onde fica o teu reino, a região vedada,
<BR>A região secreta, a região vetusta?!
<BR>
<P>Almas dos que não tem o Refúgio supremo
<BR>De altas contemplações, dos mais altos mistérios,
<BR>Vinde sentir da Noite o Isolamento extremo,
<BR>Os fluidos imortais, angelicais, etéreos.
<BR>
<P>Vinde ver como são mais castos e mais belos,
<BR>Mais puros que os do dia os noturnos vapores:
<BR>Por toda a parte no ar levantam-se castelos
<BR>E nos parques do céu há quermesses de amores.
<BR>
<P>Volúpias, seduções, encantos feiticeiros
<BR>Andam a embalsamar teu seio tenebroso
<BR>E as águias da Ilusão, de vôos altaneiros,
<BR>Crivam de asas triunfais o horizonte onduloso.
<BR>
<P>Cavaleiros do Ideal, de erguida lança em riste,
<BR>Sonham, a percorrer teus velhos Paços cavos...
<BR>E esse nobre esplendor de majestade triste
<BR>Recebe outros lauréis mais bizarros e bravos.
<BR>
<P>Convulsivas paixões, convulsivas nevroses,
<BR>Recordações senis nos teus aspectos vagam,
<BR>Mil alucinações, mortas apoteoses
<BR>E mil filtros sutis que mornamente embriagam.
<BR>
<P>O grande Monja negra e transfiguradora,
<BR>Magia sem igual dos paramos eternos,
<BR>Quem assim te criou, selvagem Sonhadora,
<BR>Da carícia de céus e do negror d’infernos?
<BR>
<P>Quem auréolas te deu assim miraculosas
<BR>E todo o estranho assombro e todo o estranho medo,
<BR>Quem pôs na tua treva ondulações nervosas,
<BR>E mudez e silêncio e sombras e segredo?
<BR>
<P>Mas ah! quanto consolo andar errando, errando,
<BR>Perdido no teu Bem, perdido nos teus braços,
<BR>Nos noivados da Morte andar além sonhando,
<BR>Na unção sacramental dos teus negros Espaços!
<BR>
<P>Que glorioso troféu andar assim perdido
<BR>Na larga vastidão do mudo firmamento,
<BR>Na noite virginal ocultamente ungido,
<BR>Nas transfigurações do humano sentimento!
<BR>
<P>Faz descer sobre mim os brandos véus da calma,
<BR>Sinfonia da Dor, ó Sinfonia muda,
<BR>Voz de todo o meu Sonho, ó noiva da minh’alma,
<BR>Fantasma inspirador das Religiões de Buda.
<BR>
<P>O negra Monja triste, ó grande Soberana,
<BR>Tentadora Visão que me seduzes tanto,
<BR>Abençoa meu ser no teu doce Nirvana,
<BR>No teu Sepulcro ideal de desolado encanto!
<BR>
<P>Hóstia negra e feral da comunhão dos mortos,
<BR>Noite criadora, mãe dos gnomos, dos vampiros,
<BR>Passageira senil dos encantados portos,
<BR>Ó cego sem bordão da torre dos suspiros...
<BR>
<P>Abençoa meu ser, unge-o dos óleos castos,
<BR>Enche-o de turbilhões de sonâmbulas aves,
<BR>Para eu me difundir nos teus Sacrários vastos,
<BR>Para me consolar com os teus Silêncios graves.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>INEXORÁVEL
<BR>
<P>Ó meu Amor, que já morreste,
<BR>Ó meu Amor, que morta estas!
<BR>Lá nessa cova a que desceste,
<BR>Ó meu Amor, que já morreste,
<BR>Ah! nunca mais floresceras?!
<BR>
<P>Ao teu esquálido esqueleto,
<BR>Que tinha outrora de uma flor
<BR>A graça e o encanto do amuleto;
<BR>Ao teu esquálido esqueleto
<BR>Não voltará novo esplendor?!
<BR>
<P>E ah! o teu crânio sem cabelos,
<BR>Sinistro, seco, estéril, nu...
<BR>(Belas madeixas dos meus zelos!)
<BR>E ah! o teu crânio sem cabelos
<BR>Há de ficar como estás tu?!
<BR>
<P>O teu nariz de asa redonda,
<BR>De linhas límpidas, sutis
<BR>Oh! há de ser na lama hedionda
<BR>O teu nariz de asa redonda
<BR>Comido pelos vermes vis?!
<BR>
<P>Os teus dois olhos -- dois encantos --
<BR>De tudo, enfim, maravilhar,
<BR>Sacrário augusto dos teus prantos,
<BR>Os teus dois olhos -- dois encantos --
<BR>Em dois buracos vão ficar?!
<BR>
<P>A tua boca perfumosa
<BR>O céu do néctar sensual
<BR> Tão casta, fresca e luminosa,
<BR>A tua boca perfumosa
<BR>Vai ter o cancro sepulcral?!
<BR>
<P>As tuas mãos de nívea seda,
<BR>De veias cândidas e azuis
<BR>Vão se extinguir na noite treda
<BR>As tuas mãos de nívea seda,
<BR>Lá nesses lúgubres pauis?!
<BR>
<P>As tuas tentadoras pomas
<BR>Cheias de um magnífico elixir
<BR>De quentes, cálidos aromas
<BR>As tuas tentadoras pomas
<BR>Ah! nunca mais hão de florir?!
<BR>
<P>A essência virgem da beleza,
<BR>O gesto, o andar, o sol da voz
<BR>Que Iluminava de pureza,
<BR>A essência virgem da beleza
<BR> Tudo acabou no horror atroz?!
<BR>
<P>Na funda treva dessa cova,
<BR>Na inexorável podridão
<BR>Já te apagaste, Estrela nova,
<BR>Na funda treva dessa cova
<BR>Na negra Transfiguração!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>RÉQUIEM
<BR>
<P>Como os salmos dos Evangelhos celestiais,
<BR>Os sonhos que eu amei hão de acabar,
<BR>Quando o meu corpo, trêmulo, dos velhos
<BR>Nos gelados outonos penetrar.
<BR>
<P>O rosto encarquilhado e as mãos já frias,
<BR>Engelhadas, convulsas, a tremer,
<BR>Apenas viverei das nostalgias
<BR>Que fazem para sempre envelhecer.
<BR>
<P>Por meus olhos sem brilho e fatigados
<BR>Como sombras de outrora, passarão
<BR>As ilusões de uns olhos constelados
<BR>Que da Vida dourarão-me a Ilusão.
<BR>
<P>Mas tudo, enfim, as bocas perfumosas,
<BR>O mar, o campo e tudo quanto amei,
<BR>As auroras, o sol, pássaros, rosas,
<BR>Tudo rirá do estado a que cheguei.
<BR>
<P>Do brilho das estrelas cristalinas
<BR>Virá um riso irônico de dor,
<BR>E da minh’alma subirão neblinas,
<BR>Incensos vagos, cânticos de amor.
<BR>
<P>Por toda parte o amargo escárnio fundo,
<BR>Sem já mais nada para mim florir,
<BR>As risadas vandálicas do mundo
<BR>Secos desdéns por toda a parte a rir.
<BR>
<P>Que hão de ser vãos esforços da memória
<BR>Para lembrar os tempos virginais,
<BR>As rugas da matéria transitória
<BR>Hão de 1á estar como a dizer: -- jamais!
<BR>
<P>E hei de subir transfigurado e lento
<BR>Altas montanhas cheias de visões,
<BR>Onde gelaram, num luar, nevoento,
<BR>Tantos e solitários corações.
<BR>
<P>Recordarei as íntimas ternuras,
<BR>De seres raros, porém mortos já,
<BR>E de mim, do que fui, pelas torturas
<BR>Deste viver pouco me lembrará.
<BR>
<P>O mundo clamará sinistramente
<BR>Daquele que a velhice alquebra e alui...
<BR>Mas ah! por mais que clame toda a gente
<BR>Nunca dirá o que de certo eu fui.
<BR>
<P>E os dias frios e ermos da Existência
<BR>Cairão num crepúsculo mortal,
<BR>Na soluçante, mística plangência
<BR>Dos órgãos de uma estranha catedral.
<BR>
<P>Para me ungir no derradeiro e ansioso
<BR>Olhar que a extrema comoção traduz,
<BR>Sob o celeste pálio majestoso
<BR>Hão de passar os Viáticos da luz.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>VISÃO
<BR>
<P>Noiva de Satanás, Arte maldita,
<BR>Mago Fruto letal e proibido,
<BR>Sonâmbula do Além, do Indefinido
<BR>Das profundas paixões, Dor infinita.
<BR>
<P>Astro sombrio, luz amarga e aflita,
<BR>Das Ilusões tantálico gemido,
<BR>Virgem da Noite, do luar dorido,
<BR>Com toda a tua Dor oh! sê bendita!
<BR>
<P>Seja bendito esse clarão eterno
<BR>De sol, de sangue, de veneno e inferno,
<BR>De guerra e amor e ocasos de saudade...
<BR>
<P>Sejam benditas, imortalizadas
<BR>As almas castamente amortalhadas
<BR>Na tua estranha e branca Majestade!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>PRESSAGO
<BR>
<P>Nas águas daquele lago
<BR>Dormita a sombra de Iago...
<BR>
<P>Um véu de luar funéreo
<BR>Cobre tudo de mistério...
<BR>
<P>Há um lívido abandono
<BR>Do luar no estranho sono.
<BR>
<P>Transfiguração enorme
<BR>Encobre o luar que dorme...
<BR>
<P>Dá meia-noite na ermida,
<BR>Como o último ai de uma vida.
<BR>
<P>São badaladas nevoentas,
<BR>Sonolentas, sonolentas...
<BR>
<P>Do céu no estrelado luxo
<BR>Passa o fantasma de um bruxo.
<BR>
<P>No mar tenebroso e tetro
<BR>Vaga de um naufrago o espectro.
<BR>
<P>Como fantásticos signos,
<BR>Erram demônios malignos.
<BR>
<P>Na brancura das ossadas
<BR>Gemem as almas penadas
<BR>
<P>Lobisomens, feiticeiras
<BR>Gargalham no luar das eiras.
<BR>
<P>Os vultos dos enforcados
<BR>Uivam nos ventos irados.
<BR>
<P>Os sinos das torres frias
<BR>Soluçam hipocondrias.
<BR>
<P>Luxúrias de virgens mortas
<BR>Das tumbas rasgam as portas.
<BR>
<P>Andam torvos pesadelos
<BR>Arrepiando os cabelos.
<BR>
<P>Coalha nos lodos abjetos
<BR>O sangue roxo dos fetos.
<BR>
<P>Há rios maus, amarelos
<BR>De presságio de flagelos.
<BR>
<P>Das vesgas concupiscências
<BR>Saem vis fosforescências.
<BR>
<P>Os remorsos contorcidos
<BR>Mordem os ares pungidos.
<BR>
<P>A alma cobarde de Judas
<BR>Recebe expressões comudas.
<BR>
<P>Negras aves de rapina
<BR>Mostram a garra assassina.
<BR>
<P>Sob o céu que nos oprime
<BR>Languescem formas de crime.
<BR>
<P>Com os mais sinistros furores,
<BR>Saem gemidos das flores.
<BR>
<P>Caveiras! Que horror medonho!
<BR>Parecem visões de um sonho!
<BR>
<P>A morte com Sancho Panca,
<BR>Grotesca e trágica dança.
<BR>
<P>E como um símbolo eterno,
<BR>Ritmos dos Ritmos do inferno.
<BR>
<P>No lago morto, ondulando,
<BR>Dentre o luar noctivagando,
<BR>
<P>O corvo hediondo crocita
<BR>Da sombra d’Iago maldita!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>RESSURREIÇÃO
<BR>
<P>Alma! Que tu não chores e não gemas,
<BR> Teu amor voltou agora.
<BR>Ei-lo que chega das mansões extremas,
<BR> Lá onde a loucura
mora!
<BR>
<P>Veio mesmo mais belo e estranho, acaso,
<BR> Desses lívidos países,
<BR>Mágica flor a rebentar de um vaso
<BR> Com prodigiosas raízes.
<BR>
<P>Veio transfigurada e mais formosa
<BR> Essa ingênua natureza,
<BR>Mais ágil, mais delgada, mais nervosa,
<BR> Das essências
da Beleza.
<BR>
<P>Certo neblinamento de saudade
<BR> Mórbida envolve-a
de leve...
<BR>E essa diluente espiritualidade
<BR> Certos mistérios
descreve.
<BR>
<P>O meu Amor voltou de aéreas curvas,
<BR> Das paragens mais funestas...
<BR>Veio de percorrer torvas e turvas
<BR> E funambulescas festas.
<BR>
<P>As festas turvas e funambulescas
<BR> Da exótica
Fantasia,
<BR>Por plagas cabalísticas, dantescas,
<BR>
De estranha selvageria.
<BR>
<P>Onde carrascos de tremendo aspecto
<BR> Como astros monstros
circulam
<BR>E as meigas almas de sonhar inquieto
<BR> Barbaramente estrangulam.
<BR>
<P>Ele andou pelas plagas da loucura,
<BR> O meu Amor abençoado,
<BR>Banhado na poesia da Ternura,
<BR> No meu Afeto banhado.
<BR>
<P>Andou! Mas afinal de tudo veio
<BR> Mais transfigurado
e belo,
<BR>Repousar no meu seio o próprio seio
<BR> Que eu de lágrimas
estréio.
<BR>
<P>De lágrimas de encanto e ardentes beijos,
<BR> Para matar, triunfante,
<BR>A sede ideal de místico desejo
<BR> De quando ele andou
errante.
<BR>
<P>E lágrimas, que enfim, caem ainda
<BR> Com os mais acres
dos sabores
<BR>E se transformam (maravilha infinda!)
<BR> Em maravilhas de flores!
<BR>
<P>Ah! que feliz um coração que escuta
<BR> As origens de que
é feito!
<BR>E que não é nenhuma pedra bruta
<BR> Mumificada no peito!
<BR>
<P>Ah! que feliz um coração que sente
<BR> Ah! tudo vivendo intenso
<BR>No mais profundo borbulhar latente
<BR> Do seu fundo foco
imenso!
<BR>
<P>Sim! eu agora posso ter deveras
<BR> Ironias sacrossantas...
<BR>Posso os braços te abrir, Luz das esferas,
<BR> Que das trevas te
levantas.
<BR>
<P>Posso mesmo já rir de tudo, tudo
<BR> Que me devora e me
oprime.
<BR>Voltou-me o antigo sentimento mudo
<BR> Do teu olhar que redime.
<BR>
<P>Já não te sinto morta na minh'alma
<BR> Como em câmara
mortuária,
<BR>Naquela estranha e tenebrosa calma
<BR> De solidão
funerária.
<BR>
<P>Já não te sinto mais embalsamada
<BR> No meu carinho profundo,
<BR>Nas mortalhas da Graça amortalhada,
<BR> Como ave voando do
mundo.
<BR>
<P>Não! não te sinto mortalmente envolta
<BR> Na névoa que
tudo encerra...
<BR>Doce espectro do pó, da poeira solta
<BR> Deflorada pela terra.
<BR>
<P>Não sinto mais o teu sorrir macabro
<BR> De desdenhosa caveira.
<BR>Agora o coração e os olhos abro
<BR> Para a Natureza inteira!
<BR>
<P>Negros pavores sepulcrais e frios
<BR> Além morreram
com o vento...
<BR>Ah! como estou desafogado em rios
<BR> De rejuvenescimento!
<BR>
<P>Deus existe no esplendor d’algum Sonho,
<BR> Lá em alguma
estrela esquiva.
<BR>Só ele escuta o soluçar medonho
<BR> E torna a Dor menos
viva.
<BR>
<P>Ah! foi com Deus que tu chegaste, é certo,
<BR> Com a sua graça
espontânea
<BR>Que emigraste das plagas do Deserto
<BR> Nu, sem sombra e sol,
da Insânia!
<BR>
<P>No entanto como que volúpias vagas
<BR> Desses horrores amargos,
<BR>Talvez recordação daquelas plagas
<BR> Dão-te esquisitos
letargos...
<BR>
<P>Porém tu, afinal, ressuscitaste
<BR> E tudo em mim ressuscita.
<BR>E o meu Amor, que repurificaste,
<BR> Canta na paz infinita!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>ENLEVO
<BR>
<P>Da doçura da Noite, da doçura
<BR>De um tenro coração que vem sorrindo,
<BR>Seus segredos recônditos abrindo
<BR>Pela primeira vez, a luz mais pura.
<BR>
<P>Da doçura celeste, da ternura
<BR>De um Bem consolador que vai fugindo
<BR>Pelos extremos do horizonte infindo,
<BR>Deixando-nos somente a Desventura.
<BR>
<P>Da doçura inocente, imaculada
<BR>De uma carícia virginal da Infância,
<BR>Nessa de rosas fresca madrugada.
<BR>
<P>Era assim tua cândida fragrância,
<BR>Arcanjo ideal de auréola delicada,
<BR>Visão consoladora da Distância...
<BR>
<BR>
<P>
<BR>
<BR>
<BR>
<P>PIEDOSA
<BR>A Nestor Vitor
<BR>
<P>Não sei por que, magoada Flor sem glória,
<BR>A tua voz de trêmula meiguice
<BR>Desperta em mim a mocidade flórea
<BR>De sentimentos que não tem velhice.
<BR>
<P>Guslas de um céu remotamente mudo
<BR>Gemem plangentes nessa voz que voa
<BR>E através dela, abençoando tudo,
<BR>Um luar de perdões desabotoa.
<BR>
<P>Vejo-te então sublimemente triste
<BR>E excelsa e doce, num anseio lento,
<BR>Vagando como um ser que não existe,
<BR>Transfigurada pelo Sofrimento.
<BR>
<P>Mas, não sei como, vejo-te por brumas,
<BR>Além da de ouro constelada Porta,
<BR>Na ondulação das lívidas espumas,
<BR>Morta, já morta, muito morta, morta...
<BR>
<P>E sinto logo esse supremo e sábio
<BR>Travo da dor, se morta te antevejo,
<BR>Essa macabra contração de lábio
<BR>Que morde e tantaliza o meu desejo.
<BR>
<P>Fico sempre a cismar, se tu morresses
<BR>Que angustia fina me laceraria,
<BR>Que músicas de céus saudosos, desses
<BR>Céus infinitos sobre mim fluiria...
<BR>
<P>Que anjos brancos soberbos, deslumbrantes,
<BR>Resplandecentes nos broqueis das vestes,
<BR>Claros e altos voariam flamejantes
<BR>Para buscar-te, dos Azuis Celestes.
<BR>
<P>Sim! Sim! Pois então tanta e atroz fadiga,
<BR>Tanta e tamanha dor convulsa e cega
<BR>Há de ficar sem doce luz amiga,
<BR>Da lágrima dos céus, que tudo rega?!
<BR>
<P>As batalhas cruéis do sacrifício,
<BR>As transfigurações dos teus calvários,
<BR>Essas virtudes, rolarão com o vício
<BR>Pelos mesmos abismos tumultuários?!
<BR>
<P>Toda a obscura pureza dos teus feitos,
<BR>A tua alma mais simples do que a água,
<BR>Essa bondade, todos os eleitos
<BR>Sentimentos que tens de flor da Mágoa;
<BR>
<P>Nada se salvará jamais, mais nada
<BR>Se salvará, no instante derradeiro?!
<BR>Ó interrogação desesperada,
<BR>Errante, errante pelo mundo inteiro!
<BR>
<P>Nada se salvará da essência viva
<BR>Que tudo purifica e refloresce;
<BR>De tanta fé, de tanta luz altiva
<BR>De tanta abnegação, de tanta prece?!
<BR>
<P>Nada se salvará, piedosa e pobre
<BR>Flor desdenhada pelo Mal ufano,
<BR>Só o meu coração e verso nobre
<BR>Hão de abrigar-te do desprezo humano.
<BR>
<P>Na transcendência do teu ser, tão alta,
<BR>Vejo dos céus como que os dons, a esmola,
<BR>O indefinido que de ti ressalta
<BR>Me prende, me arrebata e me consola.
<BR>
<P>E sinto que a tua alma desprendida
<BR>Do terrestre, do negro labirinto
<BR>Melhor há de adorar-me na outra
<BR>Vida Melhor sentindo tudo quanto eu sinto.
<BR>
<P>Porque não é por sentimento vago,
<BR>Nem por simples e vã literatura,
<BR>Nem por caprichos de um estilo mago
<BR>Que sinto tanto a tua essência pura.
<BR>
<P>Não é por transitória veleidade
<BR>E para que o mundo reconheça,
<BR>Que sinto a tua cândida Piedade,
<BR>As auréolas de Luz dessa cabeça.
<BR>
<P>Não é para que o mundo te proclame
<BR>Maravilha das mártires, das santas
<BR>Que eu digo sempre ao meu Amor que te ame
<BR>Mesmo através de tantas ânsias, tantas.
<BR>
<P>Nem é também para que o mundo creia
<BR>Na humilde limpidez da tua alma justa,
<BR>Que o mundo, vil e vão, desdenha e odeia
<BR>Toda a humildade, toda a crença augusta.
<BR>
<P>Mas sinto porque te amo e te acompanho
<BR>Pelas montanhas de onde sóis saudosos
<BR>Clarões e sombras de um mistério estranho
<BR>Espalham, como adeuses carinhosos.
<BR>
<P>Sinto que te acompanho, que te sigo
<BR>Tranqüilo, calmo desses vãos rumores
<BR>E que tu vais embalada comigo,
<BR>Na mesma rede de carinho e dores.
<BR>
<P>Sinto os segredos do teu corpo amado,
<BR>Toda a graça floral, a graça breve,
<BR>Todo o composto lânguido, alquebrado
<BR>Do teu perfil de áureo crescente leve.
<BR>
<P>Sinto-te as linhas imortais do flanco,
<BR>E as ondas vaporosas dos teus passos
<BR>E todo o sonho castamente branco
<BR>Da volúpia celeste desses braços.
<BR>
<P>Sinto a muda expressão da tua boca
<BR>Feita num doce e doloroso corte
<BR>De beijo dado na veemência louca
<BR>Dos céus do gozo entre o estertor da morte.
<BR>
<P>Sinto-te as nobres mãos afagadoras,
<BR>Riquezas raras de um valor secreto
<BR>E mãos cujas carícias redentoras
<BR>São as carícias do supremo Afeto.
<BR>
<P>Sinto os teus olhos fluidos, de onde emerge
<BR>Uma graça, uma paz, tamanho encanto,
<BR>Tão brando e triste, que a minha alma asperge
<BR>Em suavíssimos bálsamos de pranto.
<BR>
<P>Uns olhos tão etéreos, tão profundos,
<BR>De tanta e tão sutil delicadeza
<BR>Que parecem viver lá n’outros mundos,
<BR>Longe da contingente Natureza.
<BR>
<P>Olhos que sempre no tremendo choque
<BR>Dos sofrimentos íntimos, latentes,
<BR>Tem esse toque amigo, o velho toque
<BR>Original das lágrimas ardentes.
<BR>
<P>Ah! sÓ eu vejo e sinto esse desvelo
<BR>Que transfigura e faz o teu martírio,
<BR>O sentimento amargurado e belo
<BR>Que e já, talvez, quase mortal delírio...
<BR>
<P>Sinto que a mesma chama nos abraça,
<BR>Que um perfume eternal, casto, esquisito,
<BR>Circula e vive com divina graça
<BR>Dentro do nosso trêmulo Infinito.
<BR>
<P>E tudo quanto me sensibiliza,
<BR>Fere, magoa, dilacera, punge,
<BR>Tudo no teu olhar se cristaliza,
<BR>No teu olhar, no teu olhar que unge.
<BR>
<P>Sinto por ti o mais febril e intenso
<BR>Carinho quase louco, doentio...
<BR>Carinho singular, curioso, imenso,
<BR>Que deixa na alma um resplendor sombrio.
<BR>
<P>E e de tal forma esse carinho raro,
<BR>De tal encanto e tão sagrada essência,
<BR>De tal Piedade e tal Perdão preclaro,
<BR>Que canta na estrelada Refulgência.
<BR>
<P>Ah! nunca saberás quanto exotismo
<BR>De sentimento me alanceia e pulsa,
<BR>Vibra violinos de sonambulismo
<BR>Nest'alma ora serena, ora convulsa!
<BR>
<P>Tens luz de lua e tens gorjeios de ave
<BR>No mundo virginal dos meus sentidos,
<BR>E és sonho, sombra de Angelus suave
<BR>Nos nossos mútuos e comuns gemidos.
<BR>
<P>E sonho, sombra de Angelus, tão brandos,
<BR>Imortalmente tão indefiníveis
<BR>Que todos os terrores execrandos
<BR>Cobrem-se para nós de íris sensíveis.
<BR>
<P>É assim que eu te sinto, erma, sozinha,
<BR>Frágil, piedosa, nos singelos brilhos
<BR>Erguendo aos braços, nobremente minha,
<BR>Os dolentes troféus dos nossos filhos.
<BR>
<P>Erguendo-os como cálices amargos
<BR>De um vinho ideal de já mortas quimeras,
<BR>Para além destes céus mudos e largos
<BR>Na ampla misericórdia das Esferas!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>AUSÊNCIA MISTERIOSA
<BR>
<P>Uma hora só que o teu perfil se afasta,
<BR>Um instante sequer, um só minuto
<BR>Desta casa que amo -- vago luto
<BR>Envolve logo esta morada casta.
<BR>
<P>Tua presença delicada basta
<BR>Para tudo tornar claro e impoluto...
<BR>Na tua ausência, da Saudade escuto
<BR>O pranto que me prende e que me arrasta...
<BR>
<P>Secretas e sutis melancolias
<BR>Recuadas na Noite dos meus dias
<BR>Vêm para mim, lentas, se aproximando.
<BR>
<P>E em toda casa, nos objetos, erra
<BR>Um sentimento que não é da Terra
<BR>E que eu mudo e sozinho vou sonhando...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>MEU FILHO
<BR>
<P>Ah! quanto sentimento! ah! quanto sentimento!
<BR>Sob a guarda piedosa e muda das Esferas
<BR>Dorme, calmo, embalado pela voz do vento,
<BR>Frágil e pequenino e tenro como as heras.
<BR>
<P>Ao mesmo tempo suave e ao mesmo tempo estranho
<BR>O aspecto do meu fiIho assim meigo dormindo...
<BR>Vem dele tal frescura e tal sonho tamanho
<BR>Que eu nem mesmo já sei tudo que vou sentindo.
<BR>
<P>Minh’alma fica presa e se debate ansiosa,
<BR>Em vão soluça e clama, eternamente presa
<BR>No segredo fatal dessa flor caprichosa,
<BR>Do meu filho, a dormir, na paz da Natureza.
<BR>
<P>Minh’alma se debate e vai gemendo aflita
<BR>No fundo turbilhão de grandes ânsias mudas:
<BR>Que esse tão pobre ser, de ternura infinita,
<BR>Mais tarde irá tragar os venenos de Judas!
<BR>
<P>Dar-lhe eu beijos, apenas, dar-lhe, apenas, beijos,
<BR>Carinhos dar-lhe sempre, efêmeros, aéreos,
<BR>O que vale tudo isso para outros desejos,
<BR>O que vale tudo isso para outros mistérios?!
<BR>
<P>De sua doce mãe que em prantos o abençoa
<BR>Com o mais profundo amor, arcangelicamente,
<BR>De sua doce mãe, tão límpida, tão boa,
<BR>O que vale esse amor, todo esse amor veemente?!
<BR>
<P>O longo sacrifício extremo que ela faça,
<BR>As vigílias sem nome, as orações sem termo,
<BR>Quando as garras cruéis e horríveis da Desgraça
<BR>De sadio que ele é, fazem-no fraco e enfermo?!
<BR>
<P>Tudo isso, ah! Tudo isso, ah! quanto vale tudo isso
<BR>Se outras preocupações mais fundas me laceram,
<BR>Se a graça de seu riso e a graça do seu viço
<BR>São as flores mortais que meu tormento geram?!
<BR>
<P>Por que tantas prisões, por que tantas cadeias
<BR>Quando a alma quer voar nos paramos liberta?
<BR>Ah! Céus! Quem me revela essas Origens cheias
<BR>De tanto desespero e tanta luz incerta!
<BR>
<P>Quem me revela, pois, todo o tesouro imenso
<BR>Desse imenso Aspirar tio entranhado, extremo!
<BR>Quem descobre, afinal, as causas do que eu penso,
<BR>As causas do que eu sofro, as causas do que eu gemo!
<BR>
<P>Pois então hei de ter um afeto profundo,
<BR>Um grande sentimento, um sentimento insano
<BR>E hei de vê-lo rolar, nos turbilhões do mundo,
<BR>Para a vala comum do eterno Desengano?!
<BR>
<P>Pois esse filho meu que ali no berço dorme,
<BR>Ele mesmo tão casto e tão sereno e doce
<BR>Vem para ser na Vida o vão fantasma enorme
<BR>Das dilacerações que eu na minh’alma trouxe?!
<BR>
<P>Ah! Vida! Vida! Vida! Incendiada tragédia,
<BR>Transfigurado Horror, Sonho transfigurado,
<BR>Macabras contorções de lúgubre comédia
<BR>Que um cérebro de louco houvesse imaginado!
<BR>
<P>Meu filho que eu adoro e cubro de carinhos,
<BR>Que do mundo vilão ternamente defendo,
<BR>Há de mais tarde errar por tremedais e espinhos
<BR>Sem que o possa acudir no suplicio tremendo.
<BR>
<P>Que eu vagarei por fim nos mundos invisíveis,
<BR>Nas diluentes visões dos largos Infinitos,
<BR>Sem nunca mais ouvir os clamores horríveis,
<BR>A mágoa dos seus ais e os ecos dos seus gritos.
<BR>
<P>Vendo-o no berço assim, sinto muda agonia,
<BR>Um misto de ansiedade, um misto de tortura.
<BR>Subo e pairo dos céus na estrelada harmonia
<BR>E desço e entro do Inferno a furna hórrida, escura.
<BR>
<P>E sinto sede intensa e intensa febre, tanto,
<BR>Tanto Azul, tanto abismo atroz que me deslumbra.
<BR>Velha saudade ideal, monja de amargo Encanto,
<BR>Desce por sobre mim sua estranha penumbra.
<BR>
<P>Tu não sabes, jamais, tu nada sabes, filho,
<BR>Do tormentoso Horror, tu nada sabes, nada...
<BR>O teu caminho e claro, é matinal de brilho,
<BR>Não conheces a sombra e os golpes da emboscada.
<BR>
<P>Nesse ambiente de amor onde dormes teu sono
<BR>Não sentes nem sequer o mais ligeiro espectro...
<BR>Mas, ah! eu vejo bem, sinistra, sobre o trono,
<BR>A Dor, a eterna Dor, agitando o seu cetro!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>VISÃO GUIADORA
<BR>
<P>Ó alma silenciosa e compassiva
<BR>Que conversas com os Anjos da Tristeza,
<BR>Ó delicada e lânguida beleza
<BR>Nas cadeias das lágrimas cativa.
<BR>
<P>Frágil, nervosa timidez lasciva,
<BR>Graça magoada, doce sutileza
<BR>De sombra e luz e da delicadeza
<BR>Dolorosa de música aflitiva.
<BR>
<P>Alma de acerbo, amargurado exílio,
<BR>Perdida pelos céus num vago idílio
<BR>Com as almas e visões dos desolados.
<BR>
<P>Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
<BR>Da Fé e da Esperança eterna estrela
<BR>Todo o caminho dos desamparados.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>LITANIA DOS POBRES
<BR>
<P>Os miseráveis, os rotos
<BR>São as flores dos esgotos.
<BR>
<P>São espectros implacáveis
<BR>Os rotos, os miseráveis.
<BR>
<P>São prantos negros de furnas
<BR>Caladas, mudas, soturnas.
<BR>
<P>São os grandes visionários
<BR>Dos abismos tumultuários.
<BR>
<P>As sombras das sombras mortas,
<BR>Cegos, a tatear nas portas.
<BR>
<P>Procurando o céu, aflitos
<BR>E varando o céu de gritos.
<BR>
<P>Faróis a noite apagados
<BR>Por ventos desesperados.
<BR>
<P>Inúteis, cansados braços
<BR>Pedindo amor aos Espaços.
<BR>
<P>Mãos inquietas, estendidas
<BR>Ao vão deserto das vidas.
<BR>
<P>Figuras que o Santo Ofício
<BR>Condena a feroz suplício.
<BR>
<P>Arcas soltas ao nevoento
<BR>Dilúvio do Esquecimento.
<BR>
<P>Perdidas na correnteza
<BR>Das culpas da Natureza.
<BR>
<P>Ó pobres! Soluços feitos
<BR>Dos pecados imperfeitos!
<BR>
<P>Arrancadas amarguras
<BR>Do fundo das sepulturas.
<BR>
<P>Imagens dos deletérios,
<BR>Imponderáveis mistérios.
<BR>
<P>Bandeiras rotas, sem nome,
<BR>Das barricadas da fome.
<BR>
<P>Bandeiras estraçalhadas
<BR>Das sangrentas barricadas.
<BR>
<P>Fantasmas vãos, sibilinos
<BR>Da caverna dos Destinos!
<BR>
<P>O pobres! o vosso bando
<BR>É tremendo, é formidando!
<BR>
<P>Ele já marcha crescendo,
<BR>O vosso bando tremendo...
<BR>
<P>Ele marcha por colinas,
<BR>Por montes e por campinas.
<BR>
<P>Nos areiais e nas serras
<BR>Em hostes como as de guerras.
<BR>
<P>Cerradas legiões estranhas
<BR>A subir, descer montanhas.
<BR>
<P>Como avalanches terríveis
<BR>Enchendo plagas incríveis.
<BR>
<P>Atravessa já os mares,
<BR>Com aspectos singulares.
<BR>
<P>Perde-se além nas distâncias
<BR>A caravana das ânsias.
<BR>
<P>Perde-se além na poeira,
<BR>Das Esferas na cegueira.
<BR>
<P>Vai enchendo o estranho mundo
<BR>Com o seu soluçar profundo.
<BR>
<P>Como torres formidandas
<BR>De torturas miserandas.
<BR>
<P>E de tal forma no imenso
<BR>Mundo ele se torna denso.
<BR>
<P>E de tal forma se arrasta
<BR>Por toda a região mais vasta.
<BR>
<P>E de tal forma um encanto
<BR>Secreto vos veste tanto.
<BR>
<P>E de tal forma já cresce
<BR>O bando, que em vós parece.
<BR>
<P>Ó Pobres de ocultas chagas
<BR>Lá das mais longínquas plagas!
<BR>
<P>Parece que em vós há sonho
<BR>E o vosso bando é risonho.
<BR>
<P>Que através das rotas vestes
<BR>Trazeis delícias celestes.
<BR>
<P>Que as vossas bocas, de um vinho
<BR>Prelibam todo o carinho...
<BR>
<P>Que os vossos olhos sombrios
<BR>Trazem raros amavios.
<BR>
<P>Que as vossas almas trevosas
<BR>Vêm cheias de odor das rosas.
<BR>
<P>De torpores, d’indolências
<BR>E graças e quint’essências.
<BR>
<P>Que já livres de martírios
<BR>Vêm festonadas de lírios.
<BR>
<P>Vem nimbadas de magia,
<BR>De morna melancolia!
<BR>
<P>Que essas flageladas almas
<BR>Reverdecem como palmas.
<BR>
<P>Balanceadas no letargo
<BR>Dos sopros que vem do largo...
<BR>
<P>Radiantes d’ilusionismos,
<BR>Segredos, orientalismos.
<BR>
<P>Que como em águas de lagos
<BR>Bóiam nelas cisnes vagos...
<BR>
<P>Que essas cabeças errantes
<BR>Trazem louros verdejantes.
<BR>
<P>E a languidez fugitiva
<BR>De alguma esperança viva.
<BR>
<P>Que trazeis magos aspeitos
<BR>E o vosso bando é de eleitos.
<BR>
<P>Que vestes a pompa ardente
<BR>Do velho Sonho dolente.
<BR>
<P>Que por entre os estertores
<BR>Sois uns belos sonhadores.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P><I>SPLEEN</I> DE DEUSES
<BR>
<P>Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
<BR>Dos desesperos tétricos, violentos,
<BR>Onde rugem e bramem como os ventos
<BR>Anátemas da Dor, no fogo eterno...
<BR>
<P>Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
<BR>Dos falernos das lágrimas sangrentos
<BR>Vinhos profundos, venenosos, lentos
<BR>Matando o gozo nesse horror do Averno.
<BR>
<P>Assim o Deus dos Páramos clamava
<BR>Ao Demônio soturno, e o rebelado,
<BR>Capricórnio Satã, ao Deus bradava.
<BR>
<P>Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
<BR>Para lavar o Mal do Inferno e a bava
<BR>Dá-me o tédio senil do céu fechado...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>DIVINA
<BR>
<P>Eu não busco saber o inevitável
<BR>Das espirais da tua vi matéria.
<BR>Não quero cogitar da paz funérea
<BR>Que envolve todo o ser inconsolável.
<BR>
<P>Bem sei que no teu circulo maleável
<BR>De vida transitória e mágoa seria
<BR>Há manchas dessa orgânica miséria
<BR>Do mundo contingente , imponderável .
<BR>
<P>Mas o que eu amo no teu ser obscuro
<BR>E o evangélico mistério puro
<BR>Do sacrifício que te torna heroína.
<BR>
<P>São certos raios da tu’alma ansiosa
<BR>E certa luz misericordiosa,
<BR>E certa auréola que te fez divina!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>CABELOS
<BR>
<P>I
<BR>Cabelos! Quantas sensações ao vê-los!
<BR>Cabelos negros, do esplendor sombrio,
<BR>Por onde corre o fluido vago e frio
<BR>Dos brumosos e longos pesadelos...
<BR>
<P>Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
<BR>Tudo que lembra as convulsões de um rio
<BR>Passa na noite cálida, no estio
<BR>Da noite tropical dos teus cabelos.
<BR>
<P>Passa através dos teus cabelos quentes,
<BR>Pela chama dos beijos inclementes,
<BR>Das dolências fatais, da nostalgia...
<BR>
<P>Auréola negra, majestosa, ondeada,
<BR>Alma da treva, densa e perfumada,
<BR>Lânguida Noite da melancolia!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>OLHOS
<BR>
<P>II
<BR>A Grécia d’Arte, a estranha claridade
<BR>D’aquela Grécia de beleza e graça,
<BR>Passa, cantando, vai cantando e passa
<BR>Dos teus olhos na eterna castidade.
<BR>
<P>Toda a serena e altiva heroicidade
<BR>Que foi dos gregos a imortal couraça,
<BR>Aquele encanto e resplendor de raça
<BR>Constelada de antiga majestade,
<BR>
<P>Da Atenas flórea toda o viço louro,
<BR>E as rosas e os mirtais e as pompas d’ouro,
<BR>Odisséias e deuses e galeras...
<BR>
<P>Na sonolência de uma lua aziaga,
<BR>Tudo em saudade nos teus olhos vaga,
<BR>Canta melancolias de outras eras!...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>BOCA
<BR>
<P>III
<BR>Boca viçosa, de perfume a lírio,
<BR>Da límpida frescura da nevada,
<BR>Boca de pompa grega, purpureada,
<BR>Da majestade de um damasco assírio.
<BR>
<P>Boca para deleites e delírio
<BR>Da volúpia carnal e alucinada,
<BR>Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
<BR>Tentando Arcanjos na amplidão do Empírio,
<BR>
<P>Boca de Ofélia morta sobre o lago,
<BR>Dentre a auréola de luz do sonho vago
<BR>E os faunos leves do luar inquietos...
<BR>
<P>Estranha boca virginal, cheirosa,
<BR>Boca de mirra e incensos, milagrosa
<BR>Nos filtros e nos tóxicos secretos...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>SEIOS
<BR>
<P>IV
<BR>Magnólias tropicais, frutos cheirosos
<BR>Das árvores do Mal fascinadoras,
<BR>Das negras mancenilhas tentadoras,
<BR>Dos vagos narcotismos venenosos.
<BR>
<P>Oásis brancos e miraculosos
<BR>Das frementes volúpias pecadoras
<BR>Nas paragens fatais, aterradoras
<BR>Do Tédio, nos desertos tenebrosos...
<BR>
<P>Seios de aroma embriagador e langue,
<BR>Da aurora de ouro do esplendor do sangue,
<BR>A alma de sensações tantalizando.
<BR>
<P>Ó seios virginais, tálamos vivos
<BR>Onde do amor nos êxtases lascivos
<BR>Velhos faunos febris dormem sonhando...
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>MÃOS
<BR>
<P>V
<BR>Ó Mãos ebúrneas, Mãos de claros veios,
<BR>Esquisitas tulipas delicadas,
<BR>Lânguidas Mãos sutis e abandonadas,
<BR>Finas e brancas, no esplendor dos seios.
<BR>
<P>Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,
<BR>De eflúvios e de graças perfumadas,
<BR>Relíquias imortais de eras sagradas
<BR>De amigos templos de relíquias cheios.
<BR>
<P>Mãos onde vagam todos os segredos,
<BR>Onde dos ciúmes tenebrosos, tredos,
<BR>Circula o sangue apaixonado e forte.
<BR>
<P>Mãos que eu amei, no féretro medonho
<BR>Frias, já murchas, na fluidez do Sonho,
<BR>Nos mistérios simbólicos da Morte!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>PÉS
<BR>
<P>VI
<BR>Lívidos, frios, de sinistro aspecto,
<BR>Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
<BR>Inteiriçados, dentre a auréola vaga
<BR>Do mistério sagrado de um afeto.
<BR>
<P>Pés que o fluido magnético, secreto
<BR>Da morte maculou de estranha e maga
<BR>Sensação esquisita que propaga
<BR>Um frio n’alma, doloroso e inquieto...
<BR>
<P>Pés que bocas febris e apaixonadas
<BR>Purificaram, quentes, inflamadas,
<BR>Com o beijo dos adeuses soluçantes.
<BR>
<P>Pés que já no caixão, enrijecidos,
<BR>Aterradoramente indefinidos
<BR>Geram fascinações dilacerantes!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>CORPO
<BR>
<P>VII
<BR>Pompas e pompas, pompas soberanas
<BR>Majestade serene da escultura
<BR>A chama da suprema formosura,
<BR>A opulência das púrpuras romanas.
<BR>
<P>As formas imortais, claras e ufanas,
<BR>Da graça grega, da beleza pura,
<BR>Resplendem na arcangélica brancura
<BR>Desse teu corpo de emoções profanas.
<BR>
<P>Cantam as infinitas nostalgias,
<BR>Os mistérios do Amor, melancolias,
<BR>Todo o perfume de eras apagadas...
<BR>
<P>E as águias da paixão, brancas, radiantes,
<BR>Voam, revoam, de asas palpitantes,
<BR>No esplendor do teu corpo arrebatadas!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>CANÇÃO NEGRA
<BR>A Nestor Vitor
<BR>
<P>Ó boca em tromba retorcida
<BR>Cuspindo injúrias para o Céu,
<BR>Aberta e pútrida ferida
<BR>Em tudo pondo igual labéu.
<BR>
<P>Ó boca em chamas, boca em chamas,
<BR>Da mais sinistra e negra voz,
<BR>Que clamas, clamas, clamas, clamas,
<BR>Num cataclismo estranho, atroz.
<BR>
<P>Ó boca em chagas, boca em chagas,
<BR>Somente anátemas a rir,
<BR>De tantas pragas, tantas pragas
<BR>Em catadupas a rugir.
<BR>
<P>Ó bocas de uivos e pedradas,
<BR>Visão histérica do Mal,
<BR>Cortando como mil facadas
<BR>Dum golpe só, transcendental.
<BR>
<P>Sublime boca sem pecado,
<BR>Cuspindo embora a lama e o pus,
<BR>Tudo a deixar transfigurado,
<BR>O lodo a transformar em luz.
<BR>
<P>Boca de ventos inclemente
<BR> De universais revoluções,
<BR>Alevantando as hostes quentes,
<BR>Os sanguinários batalhões.
<BR>
<P>Abençoada a canção velha
<BR>Que os lábios teus cantam assim
<BR>Na tua face que se engelha,
<BR>Da cor de lívido marfim.
<BR>
<P>Parece a furna do Castigo
<BR>Jorrando pragas na canção,
<BR> A tua boca de mendigo,
<BR>Tão tosco como o teu bordão.
<BR>
<P>Boca fatal de torvos trenos!
<BR>Da onipotência do bom Deus,
<BR>Louvados sejam tais venenos,
<BR>Purificantes como os teus!
<BR>
<P>Tudo precisa um ferro em brasa
<BR>Para este mundo transformar...
<BR>Nos teus Anátemas põe asa
<BR>E vai no mundo praguejar!
<BR>
<P>Ó boca ideal de rudes trovas,
<BR>Do mais sangrento resplendor,
<BR>Vai reflorir todas as covas,
<BR>O facho a erguer da luz do Amor.
<BR>
<P>Nas vãs misérias deste mundo
<BR>Dos exorcismos cospe o fel...
<BR>Que as tuas pragas rasguem fundo
<BR>O coração desta Babel.
<BR>
<P>Mendigo estranho! Em toda a parte
<BR>Vai com teus gritos, com teus ais,
<BR>Como o simbólico estandarte
<BR>Das tredas convulsões mortais!
<BR>
<P>Resume todos esses travos
<BR>Que a terra fazem languescer.
<BR>Das mãos e pés arranca os cravos
<BR>Das cruzes mil de cada Ser.
<BR>
<P>A terra é mãe! -- mas ébria e louca
<BR>Tem germens bons e germens vis...
<BR>Bendita seja a negra boca
<BR>Que tão malditas coisas diz!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>A IRONIA DOS VERMES
<BR>
<P>Eu imagino que és uma princesa
<BR>Morta na flor da castidade branca...
<BR>Que teu cortejo sepulcral arranca
<BR>Por tanta pompa espasmos de surpresa.
<BR>
<P>Que tu vais por um coche conduzida,
<BR>Por esquadrões flamívomos guardada,
<BR>Como carnal e virgem madrugada,
<BR>Bela das belas, sem mais sol, sem vida.
<BR>
<P>Que da Corte os luzidos Dignitários
<BR>Com seus aspectos marciais, bizarros,
<BR>Seguem-te após nos fagulhantes, carros
<BR>E a excelsa cauda dos cortejos vários.
<BR>
<P>Que a tropa toda forma nos caminhos
<BR>Por onde irás passar indiferente;
<BR>Que há no semblante vão de toda a gente
<BR>Curiosidades que parecem vinhos.
<BR>
<P>Que os potentes canhões roucos atroam
<BR>O espaço claro de uma tarde suave,
<BR>E que tu vais, Lírio dos lírios e ave
<BR>Do Amor, por entre os sons que te coroam.
<BR>
<P>Que nas flores, nas sedas, nos veludos,
<BR>E nos cristais do féretro radiante
<BR> Nos damascos do Oriente, na faiscante
<BR>Onda de tudo há longos prantos mudos.
<BR>
<P>Que do silêncio azul da imensidade,
<BR>Do perdão infinito dos Espaços
<BR>Tudo te dá os beijos e os abraços
<BR>Do seu adeus a tua Majestade.
<BR>
<P>Que de todas as coisas como Verbo
<BR>De saudades sem termo e de amargura,
<BR>Sai um adeus a tua formosura,
<BR>Num desolado sentimento acerbo.
<BR>
<P>Que o teu corpo de luz, teu corpo amado,
<BR>Envolto em finas e cheirosas vestes,
<BR>Sob o carinho das Mansões celestes
<BR>Ficará pela Morte encarcerado.
<BR>
<P>Que o teu séquito é tal, tal a coorte,
<BR>Tal o sol dos brasões, por toda a parte,
<BR>Que em vez da horrenda Morte suplantar-te
<BR>Crê-se que és tu que suplantaste a Morte.
<BR>
<P>Mas dos faustos mortais a regia trompa,
<BR>Os grandes ouropéis, a real Quermesse,
<BR>Ah! tudo, tudo proclamar parece
<BR>Que hás de afinal apodrecer com pompa.
<BR>
<P>Como que foram feitos de luxúria
<BR>E gozo ideal teus funerais luxuosos
<BR>Para que os vermes, pouco escrupulosos,
<BR>Não te devorem com plebéia fúria.
<BR>
<P>Para que eles ao menos vendo as belas
<BR>Magnificências do teu corpo exausto
<BR>Mordam-te com cuidados e cautelas
<BR>Para o teu corpo apodrecer com fausto.
<BR>
<P>Para que possa apodrecer nas frias
<BR>Geleiras sepulcrais d'esquecimentos,
<BR>Nos mais augustos apodrecimentos,
<BR>Entre constelações e pedrarias.
<BR>
<P>Mas ah! quanta ironia atroz, funérea,
<BR>Imaginária e cândida Princesa:
<BR>És igual a uma simples camponesa
<BR>Nos apodrecimentos da Matéria!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>INÊS
<BR>
<P>Tem teu nome a estranha graça
<BR>De uma galga verde, estranha.
<BR>Certo langor te adelgaça,
<BR>Certo encanto te acompanha.
<BR>
<P>És velada, quebradiça
<BR>Como teu nome é velado.
<BR>Certa flor curiosa viça
<BR>No teu corpo edenizado.
<BR>
<P>Chamam-te a Inês dos quebrantos,
<BR>A galga verde, a felina,
<BR>Amaranto de amarantos,
<BR>Das franzinas a franzina.
<BR>
<P>Teus olhos, langues aquários
<BR>Adormentados de cisma,
<BR>Vivem mudos, solitários
<BR>Como uma treva que abisma.
<BR>
<P>Tua boca, vivo cravo
<BR>Sangüíneo, púrpuro, ardente,
<BR>De certa forma tem travo
<BR>Embora veladamente.
<BR>
<P>És lírio de velho outono,
<BR>Meiga Inês, e de tal sorte
<BR>Que já vives no abandono,
<BR>Meio enevoada da morte.
<BR>
<P>Teu beijo, do rosmaninho
<BR>Tem o sainete amargoso...
<BR>Lembra a saudade de um vinho
<BR>Secreto, mas venenoso.
<BR>
<P>Por um mistério indizível
<BR>Não te é dado amar na terra.
<BR>Vem de longe o Indefinível
<BR>Que os teus silêncios encerra!
<BR>
<P>Deus fechou-te a sete chaves
<BR>O coração lá no fundo...
<BR>Mas deu-te as asas das aves
<BR>Para irradiares no mundo.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>HUMILDADE SECRETA
<BR>
<P>Fico parado, em êxtase suspenso,
<BR>Às vezes, quando vou considerando
<BR>Na humildade simpática, no brando
<BR>Mistério simples do teu ser imenso.
<BR>
<P>Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
<BR>D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
<BR>Ah! tudo ao teu fenômeno vai dando
<BR>Um céu de azul mais carregado e denso.
<BR>
<P>De onde não sei tanta simplicidade,
<BR>Tanta secreta e límpida humildade
<BR>Vem ao teu ser como os encantos raros.
<BR>
<P>Nos teus olhos tu alma transparece...
<BR>E de tal sorte que o bom Deus parece
<BR>Viver sonhando nos teus olhos claros.
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>FLOR PERIGOSA
<BR>
<P>Ah! quem, trêmulo e pálido, medita
<BR>No teu perfil de áspide triste, triste,
<BR>Não sabe em quanto abismo essa infinita
<BR>Tristeza amarga singular consiste.
<BR>
<P>Tens todo o encanto de uma flor, o encanto
<BR>Secreto de uma flor de vago aroma...
<BR>Mas não sei que de morno e de quebranto
<BR>Vem, lasso e langue, dessa negra coma.
<BR>
<P>És das origens mais desconhecidas,
<BR>De uma longínqua e nebulosa infância.
<BR>A visão das visões indefinidas,
<BR>De atra, sinistra mórbida elegância.
<BR>
<P>Como flor, entretanto, és bem amarga!
<BR>Pólens celestes o teu ser inundam,
<BR>Mas ninguém sabe a onda nervosa e larga
<BR>Dos insetos mortais que te circundam.
<BR>
<P>Quem teu aroma de mulher aspira
<BR>Fica entre ânsias de túmulo fechado...
<BR>Sente vertigens de vulcão, delira
<BR>E morre, sutilmente envenenado.
<BR>
<P>Teu olhar de fulgências e de treva,
<BR>Onde as volúpias a pecar se ajustam,
<BR>Guarda um mistério que envilece e eleva,
<BR>Causa delíquios e emoções que assustam.
<BR>
<P>És flor, mas como flor és perigosa,
<BR>Do mais sombrio e tétrico perigo...
<BR>Fenômenos fatais de luz ansiosa
<BR>Vão pelas noites segredar contigo.
<BR>
<P>Vão segredar que és feia e que és estranha
<BR>Sendo feia, mas sendo extravagante,
<BR>De enorme, de esquisita, de tamanha
<BR>Influência de eclipse radiante...
<BR>
<P>Sei! não nasceste sob a luz que ondeia
<BR>Na beleza e nos astros da saúde;
<BR>Mas sendo assim, morbidamente feia,
<BR>O teu ser feia torna-se virtude.
<BR>
<P>És feia e doente, surges desse misto,
<BR>Da exótica, da insana, da funesta
<BR>Auréola ideal dos martírios de Cristo
<BR>Naquela Dor absurdamente mesta.
<BR>
<P>Vens de lá, vens de 1á -- fundos remotos
<BR>Adelgaçando como os véus de um rio...
<BR>Abrindo do magoado e velho lótus
<BR>Do sentimento, todo o sol doentio...
<BR>
<P>Mas quem quiser saber o quanto encerra
<BR>Teu ser, de mais profundo e mais nevoento,
<BR>Venha aspirar-te no teu vaso -- a Terra --
<BR>Ó perigosa flor do esquecimento!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>METEMPSICOSE
<BR>
<P>Agora, já que apodreceu a argila
<BR>Do teu corpo divino e sacrossanto;
<BR>Que embalsamaram de magoado pranto
<BR>A tua carne, na mudez tranqüila,
<BR>
<P>Agora, que nos Céus, talvez, se asila
<BR>Aquela graça e luminoso encanto
<BR>De virginal e pálido amaranto
<BR>Entre a Harmonia que nos Céus desfila.
<BR>
<P>Que da morte o estupor macabro e feio
<BR>Congelou as magnólias do teu seio,
<BR>Por entre catalépticas visões...
<BR>
<P>Surge, Bela das Belas, na Beleza
<BR>Do transcendentalismo da Pureza,
<BR>Nas brancas, imortais Ressurreições!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>OS MONGES
<BR>
<P>Montanhas e montanhas e montanhas
<BR> Ei-los que vão
galgando.
<BR>As sombras vãs das figuras estranhas
<BR> Na Terra projetando.
<BR>
<P>Habitam nas mansões do Imponderável
<BR> Esses graves ascetas;
<BR>Ocultando, talvez, no Inconsolável
<BR> Amarguras inquietas.
<BR>
<P>Como os reis Magos, trazem lá do Oriente
<BR> As alfaias preciosas,
<BR>Mas alfaias, surpreendentemente,
<BR> As mais miraculosas.
<BR>
<P>Nem incensos, nem mirras e nem ouros,
<BR> Nem mirras nem incensos,
<BR>Outros mais raros, mágicos tesouros
<BR> Sobre todos, imensos.
<BR>
<P>Pelos longínquos, sáfaros caminhos
<BR> Que vivem percorrendo,
<BR>A Dor, como atros, venenosos vinhos,
<BR> Os vai deliqüescendo.
<BR>
<P>São os monges sombrios, solitários,
<BR> Como esses vagos rios
<BR>Que passam nas florestas tumultuários,
<BR> Solitários,
sombrios.
<BR>
<P>São monges das florestas encantadas,
<BR> Dos ignotos tumultos,
<BR>Almas na Terra desassossegadas,
<BR> Desconsolados vultos.
<BR>
<P>São os monges da Graça e do Mistério,
<BR> Faróis da Eternidade
<BR>Iluminando todo o Azul sidéreo
<BR> Da sagrada Saudade.
<BR>
<P>-- Onde e quando acharão o seu descanso
<BR> Eles que há
tanto vagam?
<BR>Em que dia terão esse remanso
<BR> Os seus pés
que se chagam?
<BR>
<P>Quando caminham nas Regiões nevoentas,
<BR> Da lua nos quebrantos,
<BR>As suas sombras vagarosas, lentas
<BR> Ganham certos encantos...
<BR>
<P>Ficam nimbados pela luz da lua
<BR> Os seus perfis tristonhos...
<BR>Sob a dolência peregrina e crua
<BR> Dos tantálicos
sonhos.
<BR>
<P>As Ilusões são seus mantos sangüíneos
<BR> De símbolos
de dores,
<BR>De signos, de solenes vaticínios,
<BR> De nirvânicas
flores.
<BR>
<P>Benditos monges imortais, benditos
<BR> Que etéreas
harpas tangem!
<BR>Que rasgam d'alto a baixo os Infinitos,
<BR> Infinitos abrangem.
<BR>
<P>Deixai-os ir com os seus troféus bizarros
<BR> De humano Sentimento,
<BR>Arrebatados pelos ígneos carros
<BR> Do augusto Pensamento.
<BR>
<P>Que os leve a graça das errantes almas,
<BR> -- Grandes asas de
tudo --
<BR>Entre as Hosanas, o verdor das palmas,
<BR> Entre o Mistério
mudo!
<BR>
<P>Não importa saber que rumo trazem
<BR> Nem se é longo
esse rumo...
<BR>Eles no Indefinido se comprazem,
<BR> São dele a
chama e o fumo.
<BR>
<P>Deixai-os ir pela Amplidão a fora,
<BR> Nos Silêncios
da esfera,
<BR>Nos esplendores da eternal Aurora
<BR> Coroados de Quimera!
<BR>
<P>Deixai-os ir pela Amplidão, deixai-os,
<BR> No segredo profundo,
<BR>Por entre fluidos de celestes raios
<BR> Transfigurando o mundo.
<BR>
<P>Que só os astros do Azul cintilam
<BR> Pela sidérea
rede
<BR>Saibam que os monges, lívidos, desfilam
<BR> Devorados de sede...
<BR>
<P>Que ninguém mais possa saber as ânsias
<BR> Nem sentir a Dolência
<BR>Que vindo das incógnitas Distancias
<BR> E dos monges a essência!
<BR>
<P>Monges, ó monges da divina Graça,
<BR> Lá da graça
divina,
<BR>Deu-vos o Amor toda a imortal couraça
<BR> Dessa Fé que
alucina.
<BR>
<P>No meio de anjos que vos-abençoam
<BR> Corações
estremecem...
<BR>E tudo eternamente vos perdoam
<BR> Os que não
vos esquecem.
<BR>
<P>Toda a misericórdia dos espaços
<BR> Vos oscule, surpresa...
<BR>E abri, serenos, largamente, os braços
<BR> A toda a Natureza!
<BR>
<BR>
<P>
<BR>
<BR>
<BR>
<P>TRISTEZA DO INFINITO
<BR>
<P>Anda em mim, soturnamente,
<BR>Uma tristeza ociosa
<BR>Sem objetivo, latente,
<BR>Vaga, indecisa, medrosa.
<BR>
<P>Como ave torva e sem rumo,
<BR>Ondula, vagueia, oscila
<BR>E sobe em nuvens de fumo
<BR>E na minh'alma se asila.
<BR>
<P>Uma tristeza que eu, mudo,
<BR>Fico nela meditando
<BR>E meditando, por tudo
<BR>E em toda a parte sonhando.
<BR>
<P>Tristeza de não sei donde,
<BR>De não sei quando nem como...
<BR>Flor mortal, que dentro esconde
<BR>Sementes de um mago pomo.
<BR>
<P>Dessas tristezas incertas,
<BR>Esparsas, indefinidas...
<BR>Como almas vagas, desertas
<BR>No rumo eterno das vidas.
<BR>
<P>Tristeza sem causa forte,
<BR>Diversa de outras tristezas,
<BR>Nem da vida nem da morte
<BR>Gerada nas correntezas...
<BR>
<P>Tristeza de outros espaços,
<BR>De outros céus, de outras esferas,
<BR>De outros límpidos abraços,
<BR>De outras castas primaveras.
<BR>
<P>Dessas tristezas que vagam
<BR>Com volúpias tão sombrias
<BR>Que as nossas almas alagam
<BR>De estranhas melancolias.
<BR>
<P>Dessas tristezas sem fundo,
<BR>Sem origens prolongadas,
<BR>Sem saudades deste mundo,
<BR>Sem noites, sem alvoradas.
<BR>
<P>Que principiam no sonho
<BR>E acabam na Realidade,
<BR>Através do mar tristonho
<BR>Desta absurda Imensidade.
<BR>
<P>Certa tristeza indizível,
<BR>Abstrata, como se fosse
<BR>A grande alma do Sensível
<BR>Magoada, mística, doce.
<BR>
<P>Ah! tristeza imponderável,
<BR>Abismo, mistério aflito,
<BR>Torturante, formidável...
<BR>Ah! tristeza do Infinito!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>LUAR DE LÁGRIMAS
<BR>
<P>I
<BR>Nos estrelados, límpidos caminhos
<BR>Dos Céus, que um luar criva de prata e de ouro,
<BR>Abrem-se róseos e cheirosos ninhos,
<BR>E há muitas messes do bom trigo louro.
<BR>
<P>Os astros cantam meigas cavatinas,
<BR>E na frescura as almas claras gozam
<BR>Alvoradas eternal, cristalinas,
<BR>E os Dons supremos, divinais esposam.
<BR>
<P>Lá, a florescência dos Desejos
<BR>Tem sempre um novo e original perfume,
<BR>Tudo rejuvenesce dentre harpejos
<BR>E dentre palmas verdes se resume.
<BR>
<P>As próprias mocidades e as infâncias
<BR>Das coisas tem um esplendor infindo
<BR>E as imortalidades e as distancias
<BR>
<P>Estão sempre florindo e reflorindo.
<BR>Tudo aÍ se consola e transfigura
<BR>Num Relicário de viver perfeito,
<BR>E em cada uma alma peregrina e pura
<BR>Alvora o sentimento mais eleito.
<BR>
<P>Tudo aí vive e sonha o imaculado
<BR>Sonho esquisito e azul das quint'essências,
<BR>Tudo é sutil e cândido, estrelado,
<BR>Embalsamado de eternais essências.
<BR>
<P>Lá as Horas são águias, voam, voam
<BR>Com grandes asas resplandecedoras...
<BR>E harpas augustas finamente soam
<BR>As Aleluias glorificadoras.
<BR>
<P>Forasteiros de todos os matizes
<BR>Sentem ali felicidades castas
<BR>E os que essas libações gozam felizes
<BR>Deixam da terra as vastidões nefastas.
<BR>
<P>Anjos excelsos e contemplativos,
<BR>Soberbos e solenes, soberanos,
<BR>Com aspectos grandíloquos, altivos,
<BR>Sonham sorrindo, angelicais e ufanos.
<BR>
<P>Lá não existe a convulsão da Vida
<BR>Nem os tremendos, trágicos abrolhos.
<BR>Há por tudo a doçura indefinida
<BR>Dos azuis melancólicos de uns olhos.
<BR>
<P>Véus brancos de Visões resplandecentes
<BR>Miraculosamente se adelgaçam...
<BR>E recordando essas Visões diluentes
<BR>Dolências beethovínicas perpassam.
<BR>
<P>Há magos e arcangélicos poderes
<BR>Para que as existências se transformem...
<BR>E os mais egrégios e completos seres
<BR>Sonos sagrados, impolutos dormem...
<BR>
<P>E lá que vagam, que plangentes erram,
<BR>Lá que devem vagar, decerto, flóreas,
<BR>Puras, as Almas que eu perdi, que encerram
<BR>O meu Amor nas Urnas ilusórias.
<BR>
<P>Hosanas de perdão e de bondade
<BR>De celestial misericórdia santa
<BR>Abençoam toda essa claridade
<BR>Que na harmonia das Esferas canta.
<BR>
<P>Preces ardentes como ardentes sarças
<BR>Sobem no meio das divinas messes.
<BR>Lembra o vôo das pombas e das garças
<BR>A leve ondulação de tantas preces.
<BR>
<P>E quem penetra nesse ideal Domínio,
<BR>Por entre os raios das estrelas belas,
<BR>Todo o celeste e singular escrínio,
<BR>Todo o escrínio das lágrimas vê nelas.
<BR>
<P>E absorto, penetrando os Céus tão calmos,
<BR>Céus de constelações que maravilham,
<BR>Não sabe, acaso, se com os brilhos almos,
<BR>São estrelas ou lágrimas que brilham.
<BR>
<P>Mas ah! das Almas esse azul letargo,
<BR>Esse eterno, imortal Isolamento,
<BR>Tudo se envolve num luar amargo
<BR>De Saudade, de Dor, de Esquecimento!
<BR>
<P>Tudo se envolve nas neblinas densas
<BR>De outras recordações, de outras lembranças,
<BR>No doce luar das lágrimas imensas
<BR>Das mais inconsoláveis esperanças.
<BR>
<P>II
<BR>Ó mortos meus, ó desabados mortos!
<BR>Chego de viajar todos os portos.
<BR>
<P>Volto de ver inóspitas paragens,
<BR>As mais profundas regiões selvagens.
<BR>
<P>Andei errando por funestas tendas
<BR>Onde das almas escutei as lendas.
<BR>
<P>E tornei a voltar por uma estrada
<BR>Erma, na solidão, abandonada.
<BR>
<P>Caminhos maus, atalhos infinitos
<BR>Por onde só ouvi ânsias e gritos.
<BR>
<P>por toda a parte a rir o incêndio e a peste
<BR>Debaixo da Ilusão do Azul celeste.
<BR>
<P>Era também luar, luar lutuoso
<BR>Pelas estradas onde errei saudoso...
<BR>
<P>Era também luar, o luar das penas,
<BR>Brando luar das Ilusões terrenas.
<BR>
<P>Era um luar de triste morbideza
<BR>Amortalhando toda a natureza.
<BR>
<P>E eu em vão busquei, Mortos queridos,
<BR>Por entre os meus tristíssimos gemidos.
<BR>
<P>Em vão pedi os filtros dos segredos
<BR>Da vossa morte, a voz dos arvoredos.
<BR>
<P>Em vão fui perguntar ao Mar que e cego
<BR>A lei do Mar do Sonho onde navego.
<BR>
<P>Ao Mar que e cego, que não vê quem morre
<BR>Nas suas ondas, onde o sol escorre...
<BR>
<P>Em vão fui perguntar ao Mar antigo
<BR>Qual era o vosso desolado abrigo.
<BR>
<P>Em vão vos procurei cheio de chagas,
<BR>Por estradas insólitas e vagas.
<BR>
<P>Em vão andei mil noites por desertos,
<BR>Com passos, espectrais, dúbios, incertos.
<BR>
<P>Em vão clamei pelo luar a fora,
<BR>Pelos ocasos, pelo albor da aurora.
<BR>
<P>Em vão corri nos areiais terríveis
<BR>E por curvas de montes impassíveis.
<BR>
<P>Só um luar, só um luar de morte
<BR>Vagava igual a mim, com a mesma sorte.
<BR>
<P>Só um luar sempre calado e dútil,
<BR>Para a minha aflição, acerbo e inútil.
<BR>
<P>Um luar de silêncio formidável
<BR>Sempre me acompanhando, impenetrável.
<BR>
<P>Só um luar de mortos e de mortas
<BR>Para sempre a fechar-me as vossas portas.
<BR>
<P>E eu, já purgado dos terrestres
<BR>Crimes, Sem achar nunca essas portas sublimes.
<BR>
<P>Sempre fechado a chave de mistério
<BR>O vosso exílio pelo Azul sidéreo.
<BR>
<P>Só um luar de trêmulos martírios
<BR>A iluminar-me com clarões de círios.
<BR>
<P>Só um luar de desespero horrendo
<BR>Ah! sempre me pungindo e me vencendo.
<BR>
<P>Só um luar de lágrimas sem termos
<BR>Sempre me perseguindo pelos ermos.
<BR>
<P>E eu caminhando cheio de abandono
<BR>Sem atingir o vosso claro trono.
<BR>
<P>Sozinho para longe caminhando
<BR>Sem o vosso carinho venerando.
<BR>
<P>Percorrendo o deserto mais sombrio
<BR>E de abandono a tiritar de frio...
<BR>
<P>Ó Sombras meigas, ó Refúgios ternos
<BR>Ah! como penetrei tantos Infernos!
<BR>
<P>Como eu desci sem vós negras escarpas,
<BR>A Almas do meu ser, Ó Almas de harpas!
<BR>
<P>Como senti todo esse abismo ignaro
<BR>Sem nenhuma de vós por meu amparo.
<BR>
<P>Sem a benção gozar, serena e doce,
<BR>Que o vosso Ser aos meus cuidados trouxe.
<BR>
<P>Sem ter ao pe de mim o astral cruzeiro
<BR>Do vosso grande amor alvissareiro.
<BR>
<P>Por isso, ó sombras, sombras impolutas,
<BR>Eu ando a perguntar as formas brutas.
<BR>
<P>E ao vento e ao mar e aos temporais que ululam
<BR>Onde é que esses perfis se crepusculam.
<BR>
<P>Caminho, a perguntar, em vão, a tudo,
<BR>E só vejo um luar soturno e mudo.
<BR>
<P>Só contemplo um luar de sacrifícios,
<BR>De angústias, de tormentas, de cilícios.
<BR>
<P>E sem ninguém, ninguém que me responda
<BR>Tudo a minh’alma nos abismos sonda.
<BR>
<P>Tudo, sedenta, quer saber, sedenta
<BR>Na febre da Ilusão que mais aumenta.
<BR>
<P>Tudo, mas tudo quer saber, não cessa
<BR>De perscrutar e a perscrutar começa.
<BR>
<P>De novo sobe e desce escadarias
<BR>D’estrelas, de mistérios, de harmonias.
<BR>
<P>Sobe e não cansa, sobe sempre, austera,
<BR>Pelas escadarias da Quimera.
<BR>
<P>Volta, circula, abrindo as asas volta
<BR>E os vôos de águia nas Estrelas solta.
<BR>
<P>Cada vez mais os vôos no alto apruma
<BR>Para as etéreas amplidões da Bruma.
<BR>
<P>E tanta forca na ascensão desprende
<BR>Da envergadura, a proporção que ascende...
<BR>
<P>Tamanho impulso, colossal, tamanho
<BR>Ganha na Altura, no Esplendor estranho.
<BR>
<P>Tanto os esforços em subir concentra,
<BR>Em tantas zonas de Prodígios entra.
<BR>
<P>Nas duas asas tal vigor supremo
<BR>Leva, através de todo o Azul extremo,
<BR>
<P>Que parece cem águias de atras garras
<BR>Com asas gigantescas e bizarras.
<BR>
<P>Cem águias soberanas, poderosas
<BR>Levantando as cabeças fabulosas.
<BR>
<P>E voa, voa, voa, voa imersa
<BR>Na grande luz dos Paramos dispersa.
<BR>
<P>E voa, voa, voa, voa, voa
<BR>Nas Esferas sem fim perdida a toa.
<BR>
<P>Ate que exausta da fadiga e sonho
<BR>Nessa vertigem, nesse errar medonho.
<BR>
<P>Ate que tonta de abranger Espaços,
<BR>Da Luz nos fulgidíssimos abraços.
<BR>
<P>Depois de voar a tão sutis Encantos,
<BR>Vendo que as Ilusões a abandonaram,
<BR>Chora o luar das lágrimas, os prantos
<BR>Que pelos Astros se cristalizaram!
<BR>
<BR>
<P>
<P>
<BR>
<P>ÉBRIOS E CEGOS
<BR>
<P> Fim de tarde sombria.
<BR>Torvo e pressago todo o céu nevoento.
<BR> Densamente chovia.
<BR>Na estrada o lodo e pelo espaço o vento.
<BR>
<P> Monótonos gemidos
<BR>Do vento, mornos, lânguidos, sensíveis:
<BR> Plangentes ais perdidos
<BR>De solitários seres invisíveis...
<BR>
<P> Dois secretos mendigos
<BR>Vinham, bambos, os dois, de braço dado,
<BR> Como estranhos amigos
<BR>Que se houvessem nos tempos encontrado.
<BR>
<P> Parecia que a bruma
<BR>Crepuscular os envolvia, absortos
<BR> Numa visão,
nalguma
<BR>Visão fatal de vivos ou de mortos.
<BR>
<P> E de ambos o andar
lasso
<BR>Tinha talvez algum sonambulismo,
<BR> Como através
do espaço
<BR>Duas sombras volteando num abismo.
<BR>
<P> Era tateante, vago
<BR>De ambos o andar, aquele andar tateante
<BR> De ondulação
de lago,
<BR>Tardo, arrastado, trêmulo, oscilante.
<BR>
<P> E tardo, lento, tardo,
<BR>Mais tardo cada vez, mais vagaroso,
<BR> No torvo aspecto pardo
<BR>Da tarde, mais o andar era brumoso.
<BR>
<P> Bamboleando no lodo,
<BR>Como que juntos resvalando aéreos,
<BR> Todo o mistério,
todo
<BR>Se desvendava desses dois mistérios:
<BR>
<P> Ambos ébrios e cegos,
<BR>No caos da embriaguez e da cegueira,
<BR> Vinham cruzando pegos
<BR>De braço dado, a sua vida inteira.
<BR>
<P> Ninguém diria,
entanto,
<BR>O sentimento trágico, tremendo,
<BR> A convulsão
de pranto
<BR>Que aquelas almas iam turvescendo.
<BR>
<P> Ninguém sabia,
certos,
<BR>Quantos os desesperos mais agudos
<BR> Dos mendigos desertos,
<BR>Ébrios e cegos, caminhando mudos.
<BR>
<P> Ninguém lembrava as
ânsias
<BR>Daqueles dois estados meio gêmeos,
<BR> Presos nas inconstâncias
<BR>De sofrimentos quase que boêmios.
<BR>
<P> Ninguém diria
nunca,
<BR>Ébrios e cegos, todos dois tateando,
<BR> A que atroz espelunca
<BR>Tinham, sem vista, ido beber, bambeando.
<BR>
<P> Que negro álcool
profundo
<BR>Turvou-lhes a cabeça e que sudário
<BR> Mais pesado que o
mundo
<BR>Pôs-lhes nos olhos tal horror mortuário.
<BR>
<P> E em tudo, em tudo
aquilo,
<BR>Naqueles sentimentos tão estranhos.
<BR> De tamanho sigilo,
<BR>Como esses entes vis eram tamanhos!
<BR>
<P> Que tão fundas
cavernas,
<BR>Aquelas duas dores enjaularam,
<BR> Miseráveis
e eternas
<BR>Nos horríveis destinos que as geraram.
<BR>
<P> Que medonho mar largo,
<BR>Sem lei, sem rumo, sem visão, sem norte,
<BR> Que absurdo tédio
amargo
<BR>De almas que apostam duelar com a morte!
<BR>
<P> Nas suas naturezas,
<BR>Entre si tão opostas, tão diversas,
<BR> Monstruosas grandezas
<BR>Medravam, já unidas, já dispersas.
<BR>
<P> Onde a noite acabava
<BR>Da cegueira feral de atros espasmos,
<BR> A embriaguez começava
<BR>Rasgada de ridículos sarcasmos.
<BR>
<P> E bêbadas, sem
vista,
<BR>Na mais que trovejante tempestade,
<BR> Caminhando a conquista
<BR>Do desdém das esmolas sem piedade,
<BR>
<P> Lá iam, juntas,
bambas,
<BR>-- acorrentadas convulsões atrozes --,
<BR> Ambas as vidas, ambas
<BR>Já meio alucinadas e ferozes.
<BR>
<P> E entre a chuva e entre
a lama
<BR>E soluços e lágrimas secretas,
<BR> Presas na mesma trama,
<BR>Turvas, flutuavam, trêmulas, inquietas.
<BR>
<P> Mas ah! torpe matéria!
<BR>Se as atritassem, como pedras brutas,
<BR> Que chispas de miséria
<BR>Romperiam de tais almas corruptas!
<BR>
<P> Tão grande,
tanta treva,
<BR>Tão terrível, tão trágica, tão triste,
<BR> Os sentidos subleva,
<BR>Cava outro horror, fora do horror que existe.
<BR>
<P> Pois do sinistro sonho
<BR>Da embriaguez e da cegueira enorme,
<BR> Erguia-se, medonho,
<BR>Da loucura o fantasma desconforme.
<BR>
<BR>
<P>
<BR>
<P>
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[[Categoria:Poesia brasileira]]
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