Anais da Ilha Terceira/I/XX: diferenças entre revisões

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==Ano de 1579 ==
Em 11 de Março deste ano, tirando o corregedor Ciprião de Figueiredo residência a António Francisco Barreto, ouvidor do capitão donatário, o culpou de ter na vila de S. Sebastião, pois lhe não pertencia, procedido a devassa pelo roubo que se fizera no saco dos pelouros dos oficiais que haviam de servir naquela vila<ref>Acha-se o auto a fl. 317 do 1.º Livro do Registo da Câmara de Angra. Na Câmara de S. Sebastião falta o Livro dos Acórdãos desde o ano de 1579 até 1584; talvez desapareceria com o saco dos pelouros.</ref>; porém, em razão de ter de sair para as ilhasIlhas de baixoBaixo a coisas de grande importância ao serviço real, determinou que o mesmo ouvidor continuasse a servir, porque não havia pessoa mais conveniente nas actuais circunstâncias em que o Bispo queria usurpar a jurisdição real. Por esta providência, apesar da culpa em que se achava o dito ouvidor, se pode calcular a gravidade dos pleitos, que entre estas duas autoridades havia.
 
Ainda não existia na ilha Terceira a guerra estranha, quando já de mui longe começara a guerra civil, no maior fogo dos conflitos de jurisdição, entre as principais autoridades, dando por esta forma um manifesto indício das maiores infelicidades, em que cedo se haviam de envolver os seus autores por divergência de partidos políticos. Não cessava o Bispo desta diocese, D. Pedro de Castilho, de invadir e devassar a jurisdição do corregedor Ciprião do Figueiredo de Lemos Vasconcelos, principalmente desde o ano de 1579; e a imprudência de suas empresas acha-se comprovada nas sentenças<ref>As sentenças sobre a jurisdição do Bispo, acham-se registadas no Livro do Tombo da Câmara da Praia, desde fl. 49 até fl. 60.<ref> do desembargo, que contra ele foram proferidas neste ano, e de tudo passamos a dar uma abreviada notícia.
 
Achavam-se presos no aljube Simão Afonso, Manuel Gonçalves Machado e Diogo Afonso, leigos e moradores em Angra e na Praia, processados a mandado do Bispo pelo escrivão da Câmara eclesiástica Melchior Estaço, e António Luiz Fagundes, escrivão do auditório, e deles haviam feito 5 autos, por adultérios e outros casos ''mixti fori''; porque recusaram fazer estatutos de certas confrarias que o Bispo aprovasse; bem como por não quererem entregar aos priostes as esmolas das missas nos tempos das eiras; e finalmente porque recusaram tirar a finta ordenada pelo mesmo Bispo, para a obra que ele mandara fazer na igreja da Conceição, determinando ao vigário dela escolhesse três homens que andassem nesta diligência. E sobre estes casos o corregedor, por uma carta missiva<ref>Esta carta é datada de 16 de Dezembro de 1579.</ref>, dizia ao Bispo que não devia estranhar-lhe o defender a jurisdição real, nem permitir que ela tossefosse devassada, pois que os réus não haviam sido admoestados conforme a lei regulada pelo concílio[[w:Concílio de Trento|Concílio Tridentino]], capítulo 8.º, sessão 24; — que ele Bispo queria fazer o mesmo que os provedores dos resíduos no conhecimento das contas das missas e legados, porque assim o mandara fazer nas ilhasIlhas de baixoBaixo pelos seus ouvidores, que por outro nome se chamavam arciprestes, sem que até ali houvesse lei nem decreto que tal regulasse; nem dos testamentos que passavam de ano e dia lhe competia o conhecimento, e nisto ia contra a jurisdição de El-Rei, e assim o fora a respeito da mencionada finta.
 
A tudo isto respondeu o Bispo com muitos protestos de veneração e respeito, louvando ao corregedor pelo grande zelo que mostrava em sustentar a jurisdição real.
 
Alegando-se finalmente, de parte a parte, muitas razões, com que ambas estas autoridades pretendiam sustentar suas liberdades, foram os autos enviados pelo Bispo ao desembargoDesembargo do paçoPaço onde se decidiu que ele não podia proceder a prisão contra os culpados senão ordinariamente, e em virtude de sentenças condenatórias ([[Documento C**]]). E com este julgado se pôs termo a esta grande desavença.
 
Outro motivo de discórdia entre o Bispo e o corregedor, foi o querer aquele obrigar os ministros e oficiais de justiça a lhe descobrirem os segredos e autos que lhe eram mandados fazer em razão de seus ofícios, sendo eles pessoas leigas e da jurisdição de El-Rei; impondo-lhe para isso penas de dinheiro, e procedendo com censuras, excomunhões e aljube, perturbando a jurisdição secular; do que o corregedor tirou em seu nome, e em nome de seus oficiais, instrumento de agravo, pelo tabelião Sebastião Rodrigues, em 29 de Março de 1579.
 
Porém o mais notável e escandaloso procedimento do Bispo, foi o que praticou com Francisco Lagarto Lobo, tabelião na vila da Praia, a quem por vezes mandou ir à cidade ante ele, com pena de 20 cruzados, de excomunhão e de aljube, e outras ameaças, com o fim de que lhe descobrisse o segredo dos autos, que com o juiz ordinário João Cardoso Machado tinha feito, compelindo ao dito tabelião com muitos medos para que assinasse os autos, que ele mandava fazer pelo seu escrivão Melchior Estaço; e ao mesmo juiz mandava ir à cidade, distante três léguas, em dias de muita chuva e tormenta, sendo ele ''pessoa de muita qualidade, e homem de 60 anos'', para que lhe descobrisse o que mandara escrever pelo mencionado tabelião: e porque recusou fazê-lo, e apelou do Bispo, ele no domingo imediato, à estação da missa, na vila da Praia, o fez publicar excomungado, e na quarta-feira seguinte o mandou porpôr de participante por um sacerdote na cidade, indo este à porta do corregedor, com testemunhas, ler-lhe em voz alta a carta que levava, para que não desse ajuda e favor ao dito João Cardoso, e o mesmo fez publicar pelas ruas da cidade e Praia, nomeando o corregedor em alto e bom som; do que ''toda a cidade e ilha muito se escandalizou de tanto devassar a jurisdição real''; e por lhe tirar o remédio da justiça, mandou na mesma carta que os procuradores e escrivães do dito juiz lhe não dessem favor algum, até que ele descobrisse tais segredos.
 
O mesmo fez no tabelião Gaspar Coelho, para que lhe descobrisse outro segredo; outro tanto a Luiz Mourato, escrivão da correição de forma que andavam todos, juízes e justiças e escrivães, ''atemorizados e espantados, e não podiam servir seus ofícios''. O que vendo as Câmaras, foram ao Bispo pedindo-lhe que não tomasse a jurisdição real; mas ele não quis deixar de a tomar e devassar.
 
Neste estado de coisas não teve o corregedor outro remédio senão fazer intimar<ref>Foi a intimação feita em 22 de Março de 1580.</ref> o Bispo, pedindo-lhe a sua resposta, se a quisesse dar, para o juízo dos feitos da coroa, onde se daria provisão no caso, e seriam os ministros e oficiais de justiça conservados em suas liberdades. Foi então a casa do Bispo o tabelião referido, Sebastião Rodrigues<ref>Este tabelião servia em Angra, e já neste tempo era falecido outro do mesmo nome, que sempre exerceu um tal ofício na vila de S. Sebastião.</ref>, dar-lhe vista do agravo; porém ele insistiu<ref>Trouxe a resposta seu irmão, o Padre Frei Jorge, seu director.</ref> que tinha seu ouvidor e oficiais, que a eles se fizesse a intimação, porque ''já o corregedor se devia enfadar de tantos requerimentos e papeladas'', e ele Bispo não dava licença que isto lhe fosse entregue na sua mão.
 
Então o corregedor, ajuntando a fé daquele tabelião e de seu colega Lourenço de Morais, com vários autos apensos de pessoas leigas, a quem o Bispo fizera violências, os autos da prisão de Margarida Álvares, procedimentos e excomunhões sobre ela feitas (corria também este pleito, de que falaremos), tudo remeteu ao juízo da coroa, no qual ajuntando-se procuração e documentos por uma e outra parte, houve a seguinte resolução: — “Acordei''Acordei &c. — Vistos os autos que o suplicante tirou de vós Bispo de Angra, pelos quais se mostra que, sendo ele leigo e da minha jurisdição, vós Bispo o queríeis obrigar e aos oficiais de ante ele, vos mostrassem os autos que por meu mandado fizeram com a abadessa e freiras do mosteiro de Jesus, e vos descubram o segredo deles, pondo-lhes penas de dinheiro, e procedendo contra eles com censuras e excomunhões, perturbando nisso a jurisdição secular: o que tudo visto e o mais dos autos, mandei que se passasse carta, por que vos rogo e encomendo, não queirais compelir ao dito corregedor suplicante e mais oficiais, para que vos mostrem os autos e segredos de justiça, e levanteis vossos procedimentos e censuras, e não o querendo vós Bispo fazer, o que de vós se não espera, mando às justiças seculares não obedeçam a vós dito Bispo nesta parte, nem cumpram vossas censuras e excomunhões: a 6 de Agosto de oitenta”oitenta''.
 
Se mui graves eram estes conflitos de jurisdição entre o Bispo e o corregedor, muito mais funestas e agravantes foram as desavenças que entre eles houveram por causa da prisão de uma Margarida Álvares, mulher leiga e solteira, a qual livrando-se das culpas de uma devassa de alcouce, alcoviteiras, amancebadas, feiticeiras e outros casos, que por provisão especial tirou o corregedor Diogo Álvares Cardoso, porque ela quebrara as residências da carta de seguro, a mandou o corregedor dito Figueiredo prender, e depois de presa a quiseram tirar das mãos da justiça os oficiais do Bispo; e não obstante haver o vigário geral e o mesmo corregedor assentado que o caso daquela prisão estava previsto no juízo secular dele corregedor, e que acabada de livrar-se das culpas que tivesse, ficaria embargada a ré na prisão para se livrar de novas culpas no juízo eclesiástico, o Bispo condenou ao corregedor em mil cruzados para a Santa Sé Apostólica, e o houve por excomungado, e aos seus oficiais Francisco da Mota, Braz Nogueira e Álvaro Pires, condenando a cada um em 200 cruzados; e requerendo-lhe por muitas vezes lhes mandasse levantar a excomunhão, que fizera publicar nos púlpitos das igrejas da cidade e mosteiros de freiras, jamais o quis fazer ainda que lhe ''puseram diante o estado da terra e do Reino, e peso das coisas necessárias ao bem comum da terra, e as mais do serviço real que lhe estavam encarregadas, e suspensas pelas ditas excomunhões, e corria muito risco o bem comum e administração da justiça''.
Neste estado de coisas não teve o corregedor outro remédio senão fazer intimar o Bispo, pedindo-lhe a sua resposta, se a quisesse dar, para o juízo dos feitos da coroa, onde se daria provisão no caso, e seriam os ministros e oficiais de justiça conservados em suas liberdades. Foi então a casa do Bispo o tabelião referido, Sebastião Rodrigues , dar-lhe vista do agravo; porém ele insistiu que tinha seu ouvidor e oficiais, que a eles se fizesse a intimação, porque já o corregedor se devia enfadar de tantos requerimentos e papeladas, e ele Bispo não dava licença que isto lhe fosse entregue na sua mão.
 
E porque este notável feito encerra circunstâncias muito particulares, que assaz depõe da sua gravidade, e deles resultaram grandes danos, ausentando-se desta ilha o Bispo com o temor de ser preso e processado, como se mandou fazer aos seus oficiais; julguei a propósito copiar a própria sentença da qual melhor se poderá colher quanto sumariamente fica dito (veja-se o [[Documento D**]]).
Então o corregedor, ajuntando a fé daquele tabelião e de seu colega Lourenço de Morais, com vários autos apensos de pessoas leigas, a quem o Bispo fizera violências, os autos da prisão de Margarida Álvares, procedimentos e excomunhões sobre ela feitas (corria também este pleito, de que falaremos), tudo remeteu ao juízo da coroa, no qual ajuntando-se procuração e documentos por uma e outra parte, houve a seguinte resolução: — “Acordei &c. — Vistos os autos que o suplicante tirou de vós Bispo de Angra, pelos quais se mostra que, sendo ele leigo e da minha jurisdição, vós Bispo o queríeis obrigar e aos oficiais de ante ele, vos mostrassem os autos que por meu mandado fizeram com a abadessa e freiras do mosteiro de Jesus, e vos descubram o segredo deles, pondo-lhes penas de dinheiro, e procedendo contra eles com censuras e excomunhões, perturbando nisso a jurisdição secular: o que tudo visto e o mais dos autos, mandei que se passasse carta, por que vos rogo e encomendo, não queirais compelir ao dito corregedor suplicante e mais oficiais, para que vos mostrem os autos e segredos de justiça, e levanteis vossos procedimentos e censuras, e não o querendo vós Bispo fazer, o que de vós se não espera, mando às justiças seculares não obedeçam a vós dito Bispo nesta parte, nem cumpram vossas censuras e excomunhões: a 6 de Agosto de oitenta”.
 
Deu-se neste ano de 1579 em Angra princípio à fundação do convento da Graça. Digamos o que a este respeito havemos alcançado. Conforme o Padre Cordeiro no Livro 6.º, capítulo 13, referindo-se ao Dr. Frutuoso, pelos anos de 1570 veio de Portugal à ilha Terceira um mancebo chamado António Varejão, natural de [[w:Freixo-de-Espada-à-Cinta|Freixo dade Espada à Cinta]]<ref>Por um extracto das escrituras de renunciação de bens que fez este padre até ao ano de 1597, que me confiou o ex-prior Frei Luiz Mascarenhas, se conhece a veracidade com que estes autores escreveram nesta matéria.</ref>, que por ser de bom engenho se voltou a estudar em Salamanca; e metendo-se religioso em um mosteiro de Santo Agostinho na Província de Castela, acabando os estudos voltou à Terceira, onde pregou muito bem e com muito fruto. Passando às Índias de Castela, assim de suas missas e pregações, como de restituições a ele entregues, para delas fazer aplicação a obras pias, ajuntou muita riqueza, e com ela terceira vez voltou a esta ilha. Então, conseguiu breve pontifício para se desanexar da província a que pertencia e incorporar-se na de Portugal. Em consequência do que comprou várias rendas a trigo<ref>Consta da escritura última de renunciação no referido ano de 1597, que ele possuía o convento que havia fundado, no valor de 3 mil cruzados — 17 moios de trigo a ''retro'', no valor de 1800 cruzados — foros a ''retro'', no valor de 250 cruzados — foros fixos 520 cruzados — o seu enxoval em 200 cruzados — um escravo em 200 cruzados — e em dinheiro para obras do convento 300 cruzados. Impôs de legado nestes bens uma capela de missas do Santíssimo Sacramento e uma missa de Nossa Senhora aos sábados, três ofícios cantados com suas vésperas e missa em certos dias do ano.</ref> e a dinheiro, e começou um hospital no lugar que até ao nosso tempo foi mosteiro das freiras da Conceição, e hoje (notável coincidência) serve de hospital da cidade. Estando porém a casa feita, mudou Frei António Varejão de intento, e doando parte dos moios à Misericórdia de Angra, da outra e do sítio fez doação ao seu provincial, para fundar o convento dos Gracianos. No ano de 1579 foram mandados à Terceira três religiosos: Frei Pedro da Graça, pregador; Frei Domingos, corista; e o leigo Frei Pedro da Ressurreição. E no ano de 1584 se fundou o convento e igreja, sendo o primeiro prior Frei Pedro, natural da ilha de S. Miguel, neto do Dr. Francisco Toscano.
Se mui graves eram estes conflitos de jurisdição entre o Bispo e o corregedor, muito mais funestas e agravantes foram as desavenças que entre eles houveram por causa da prisão de uma Margarida Álvares, mulher leiga e solteira, a qual livrando-se das culpas de uma devassa de alcouce, alcoviteiras, amancebadas, feiticeiras e outros casos, que por provisão especial tirou o corregedor Diogo Álvares Cardoso, porque ela quebrara as residências da carta de seguro, a mandou o corregedor dito Figueiredo prender, e depois de presa a quiseram tirar das mãos da justiça os oficiais do Bispo; e não obstante haver o vigário geral e o mesmo corregedor assentado que o caso daquela prisão estava previsto no juízo secular dele corregedor, e que acabada de livrar-se das culpas que tivesse, ficaria embargada a ré na prisão para se livrar de novas culpas no juízo eclesiástico, o Bispo condenou ao corregedor em mil cruzados para a Santa Sé Apostólica, e o houve por excomungado, e aos seus oficiais Francisco da Mota, Braz Nogueira e Álvaro Pires, condenando a cada um em 200 cruzados; e requerendo-lhe por muitas vezes lhes mandasse levantar a excomunhão, que fizera publicar nos púlpitos das igrejas da cidade e mosteiros de freiras, jamais o quis fazer ainda que lhe puseram diante o estado da terra e do Reino, e peso das coisas necessárias ao bem comum da terra, e as mais do serviço real que lhe estavam encarregadas, e suspensas pelas ditas excomunhões, e corria muito risco o bem comum e administração da justiça.
 
Fez grandes serviços ditoso dito Mestre Frei António Varejão na entrada do exército espanhol, como em seu lugar veremos. O Padre Maldonado conta dele, que sendo mancebo de pouca idade, e já com sinais de seu grande talento e virtudes eminentes, em que ao depois floresceu, caíra da rocha do Peneireiro<ref>O Padre Maldonado atribui esta queda à influência do demónio, invejoso das boas qualidades do dito religioso.</ref>, que é a mais alta e medonha da ilha; e que não obstante, ficara o mancebo são e salvo; havendo-se entendido piamente que o braço de Deus o protegera e reservara para coisas mui grandes, em que tanto se desenvolveu e perseverou; porque além de missionar na Índia por espaço de 12 anos, com grande proveito das almas que reduziu à fé de Cristo, ainda veio para a Terceira fundar um hospital, que amplamente doou, e um convento, donde saíram varões mui ilustrados em ciência e virtudes em tanto que, conforme o citado Padre Cordeiro, indo a este convento da Graça o pio povo de Angra, diziamdizia: — vamos''Vamos a Roma''.
E porque este notável feito encerra circunstâncias muito particulares, que assaz depõe da sua gravidade, e deles resultaram grandes danos, ausentando-se desta ilha o Bispo com o temor de ser preso e processado, como se mandou fazer aos seus oficiais; julguei a propósito copiar a própria sentença da qual melhor se poderá colher quanto sumariamente fica dito (veja-se o — Documento D** —).
Deu-se neste ano de 1579 em Angra princípio à fundação do convento da Graça. Digamos o que a este respeito havemos alcançado. Conforme o Padre Cordeiro no Livro 6.º, capítulo 13, referindo-se ao Dr. Frutuoso, pelos anos de 1570 veio de Portugal à ilha Terceira um mancebo chamado António Varejão, natural de Freixo da Espada à Cinta , que por ser de bom engenho se voltou a estudar em Salamanca; e metendo-se religioso em um mosteiro de Santo Agostinho na Província de Castela, acabando os estudos voltou à Terceira, onde pregou muito bem e com muito fruto. Passando às Índias de Castela, assim de suas missas e pregações, como de restituições a ele entregues, para delas fazer aplicação a obras pias, ajuntou muita riqueza, e com ela terceira vez voltou a esta ilha. Então, conseguiu breve pontifício para se desanexar da província a que pertencia e incorporar-se na de Portugal. Em consequência do que comprou várias rendas a trigo e a dinheiro, e começou um hospital no lugar que até ao nosso tempo foi mosteiro das freiras da Conceição, e hoje (notável coincidência) serve de hospital da cidade. Estando porém a casa feita, mudou Frei António Varejão de intento, e doando parte dos moios à Misericórdia de Angra, da outra e do sítio fez doação ao seu provincial, para fundar o convento dos Gracianos. No ano de 1579 foram mandados à Terceira três religiosos: Frei Pedro da Graça, pregador; Frei Domingos, corista; e o leigo Frei Pedro da Ressurreição. E no ano de 1584 se fundou o convento e igreja, sendo o primeiro prior Frei Pedro, natural da ilha de S. Miguel, neto do Dr. Francisco Toscano.
 
Na vila da Praia procedia-se à fortificação da baía, e no dia 23 de Maio mandou o corregedor à Câmara melhorasse o baluarte que estava junto do mosteiro da Luz, defronte de cujo sítio está hoje a casa de alfândega; e o mesmo corregedor obrigava os vereadores para que ultimassem a factura da cadeia nova<ref>Livro dos Acórdãos, fl. 126.</ref>, segundo a determinação do corregedor Fernão de Pina Marecos<ref>A antiga cadeia era na parte que fica sobre as barrocas, e menos conveniente por ficar mui perto do mar, e voltada ao norte.</ref>; porém deste capítulo em correição agravou a Câmara, com o fundamento de pertencer esta obra ao donatário daquela capitania, e assim o obteve no recurso. Em outra ocasião julgou-se a favor do capitão de Angra, que os donatários e senhores das terras eram obrigados à factura das cadeias e paços do concelho, até chegarem as paredes aos sobrados, e que dali para cima pertencia a obra aos concelhos.
Fez grandes serviços ditos Mestre Frei António Varejão na entrada do exército espanhol, como em seu lugar veremos. O Padre Maldonado conta dele, que sendo mancebo de pouca idade, e já com sinais de seu grande talento e virtudes eminentes, em que ao depois floresceu, caíra da rocha do Peneireiro , que é a mais alta e medonha da ilha; e que não obstante, ficara o mancebo são e salvo; havendo-se entendido piamente que o braço de Deus o protegera e reservara para coisas mui grandes, em que tanto se desenvolveu e perseverou; porque além de missionar na Índia por espaço de 12 anos, com grande proveito das almas que reduziu à fé de Cristo, ainda veio para a Terceira fundar um hospital, que amplamente doou, e um convento, donde saíram varões mui ilustrados em ciência e virtudes em tanto que, conforme o citado Padre Cordeiro, indo a este convento da Graça o pio povo de Angra, diziam: — vamos a Roma.
 
Na vila da Praia procedia-se à fortificação da baía, e no dia 23 de Maio mandou o corregedor à Câmara melhorasse o baluarte que estava junto do mosteiro da Luz, defronte de cujo sítio está hoje a casa de alfândega; e o mesmo corregedor obrigava os vereadores para que ultimassem a factura da cadeia nova , segundo a determinação do corregedor Fernão de Pina Marecos ; porém deste capítulo em correição agravou a Câmara, com o fundamento de pertencer esta obra ao donatário daquela capitania, e assim o obteve no recurso. Em outra ocasião julgou-se a favor do capitão de Angra, que os donatários e senhores das terras Sé eram obrigados à factura das cadeias e paços do concelho, até chegarem as paredes aos sobrados, e que dali para cima pertencia a obra aos concelhos.
==Ano de 1580==
Para darmos princípio à narração dos acontecimentos, que tiveram lugar nesta ilha pela introdução do governo espanhol, julgamos conveniente dar ao leitor uma ideia do estado das coisas em Portugal e seus domínios, durante os últimos tempos do Cardeal Rei; o que faremos o mais abreviado possível.