Anais da Ilha Terceira/I/XX: diferenças entre revisões

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==Ano de 1580==
Para darmos princípio à narração dos acontecimentos, que tiveram lugar nesta ilha pela introdução do governo espanhol, julgamos conveniente dar ao leitor uma ideia do estado das coisas em Portugal e seus domínios, durante os últimos tempos do [[w:Henrique I de Portugal|Cardeal Rei]]; o que faremos o mais abreviado possível.
 
A maior parte do tempo que decorreu no governo do Cardeal Rei D. Henrique, depois da morte de seu sobrinho D. Sebastião, foi levada em desgosto, não só pela inadvertida exclusão que ele fez de seus ministros, senão ainda pelo enfado que teve em responder à proposta dos três estados do Reino, a fim de que ele nomeasse sucessor à coroa, visto a sua incapacidade e negação para casar.
 
Já neste tempo El-Rei Filipe de Castela, concluídas em S. Jorge de Madrid pomposas exéquias pelo defunto Rei D. Sebastião, havia passado a Marrocos, confirmado os tratados com El-Rei de Fez, e por esta forma estabelecido um império inconcusso, pois que, considerando-se com direito à coroa de Portugal, a fazia disputar, ainda em preferência ao mesmo Cardeal Rei; e por consequência não perdia ocasião de lhe declarar o seu intento pelo conde de Ossuna, por D. [[w:Cristóvão de Moura|Cristóvão de Moura]] e pelo licenciado Gardiola, validos de sua corte. Não faziam menos da sua parte os mais pretendentes da coroa, a saber: o Duque de Bragança; o Duque de Sabóia; o Príncipe de Parma; e D. António, Prior do Crato, que, sem embargo de ser filho ilegítimo do Infante D. Luiz, contava um grande partido com o favor e protecção da Rainha de França. Por esta forma baldadas eram as tentativas do referido conde de Ossuna, para inculcar e persuadir o direito de El-Rei seu amo; razão por que ele se apercebeu de entrar em Portugal com mão armada; e D. António, discorrendo pelo reino, solicitava engrossar o seu partido, averbando de suspeito a El-Rei seu tio D. Henrique, e requerendo ao Papa avocasse o breve da legitimação. Mas estes recursos de D. António, que não deixaram de agradar ao Santo Padre de Roma, não fizeram mais do que ferir de ressentimento a El-Rei, que por sentença final o excluiu da sucessão , privando-o, além disto, de suas jurisdições, preeminências e mercês que tinha da coroa, e a todos os que o seguissem, ordenando-lhe terminantemente que saísse do reino; e ainda passou ordem a D. Duarte de Castelo Branco que o prendesse.
 
Não faziam menos da sua parte os mais pretendentes da coroa, a saber: o Duque de Bragança; o Duque de Sabóia; o Príncipe de Parma; e D. António, Prior do Crato, que, sem embargo de ser filho ilegítimo do Infante D. Luiz, contava um grande partido com o favor e protecção da Rainha de França.
No entretanto o mesmo Rei, acometido de um acidente ocasionado pelos trabalhos do espírito, deu indícios de morte próxima; e os seus ministros correram à igreja principal a extrair da arca os nomes dos cinco governadores , como El-Rei havia providenciado para regerem em sua falta. Com este movimento preparatório não faltaram cartas anónimas, pasquins, e outros entretenimentos do povo, exaltando a força dos partidos, e fazendo disputar o negócio em todo o Reino e seus domínios. Ultimamente, convocadas as cortes em Almeirim, e havendo o velho Rei hesitado entre a Duquesa de Bragança, D. Catarina, e El-Rei de Espanha, ia já inclinando-se a este, sem deixar às cortes lugar para decidirem; porém, no meio desta confusão, a sua saúde piorou, e a Duquesa se lhe apresentava instando-o para que a declarasse sucessora imediata à coroa, e isto com tais modos, e falando-lhe em termos tão decisivos, que o bom velho, opresso pelas instâncias dela, pela força da doença e pelo peso dos anos, acabou a vida em 31 de Janeiro deste ano de 1580.
 
O Duque de Alva estava disposto a entrar com um exército em Portugal, mas os governadores do Reino, por louvável espírito de independência e honra nacional, mandaram que os religiosos e párocos, nos púlpitos o confessionários, animassem o povo à defesa; desta maneira tomou o estado eclesiástico uma parte activa na nobre resolução dos portugueses que se votaram a repelir o domínio estranho, assim no Reino como nos seus domínios, principalmente nesta ilha Terceira, onde tiveram lugar notáveis feitos, tão funestos aos soldados do usurpador, como gloriosos para os habitadores da mesma ilha.
Por esta forma baldadas eram as tentativas do referido conde de Ossuna, para inculcar e persuadir o direito de El-Rei seu amo; razão por que ele se apercebeu de entrar em Portugal com mão armada; e D. António, discorrendo pelo reino, solicitava engrossar o seu partido, averbando de suspeito a El-Rei seu tio D. Henrique, e requerendo ao Papa avocasse o breve da legitimação. Mas estes recursos de D. António, que não deixaram de agradar ao Santo Padre de Roma, não fizeram mais do que ferir de ressentimento a El-Rei, que por sentença final o excluiu da sucessão<ref>Lê-se esta sentença de El-Rei D. Henrique, escrita por seu secretário Miguel de Moura, no capítulo 49.º da ''Crónica do Cardeal Rei''.</ref>, privando-o, além disto, de suas jurisdições, preeminências e mercês que tinha da coroa, e a todos os que o seguissem, ordenando-lhe terminantemente que saísse do Reino; e ainda passou ordem a D. Duarte de Castelo Branco que o prendesse.
 
No entretanto o mesmo Rei, acometido de um acidente ocasionado pelos trabalhos do espírito, deu indícios de morte próxima; e os seus ministros correram à igreja principal a extrair da arca os nomes dos cinco governadores<ref>Foram nomeados para governadores do Reino durante o interregno, D. Jorge de Almada, Arcebispo de Lisboa, D. Francisco de Sada, primeiro gentil-homem da câmara, D. João Teles, D. João Mascarenhas, e D. Diogo Lopes de Sousa, presidente da Relação de Lisboa.</ref>, como El-Rei havia providenciado para regerem em sua falta.
 
No entretanto o mesmo Rei, acometido de um acidente ocasionado pelos trabalhos do espírito, deu indícios de morte próxima; e os seus ministros correram à igreja principal a extrair da arca os nomes dos cinco governadores , como El-Rei havia providenciado para regerem em sua falta. Com este movimento preparatório não faltaram cartas anónimas, pasquins, e outros entretenimentos do povo, exaltando a força dos partidos, e fazendo disputar o negócio em todo o Reino e seus domínios. Ultimamente, convocadas as cortes em Almeirim, e havendo o velho Rei hesitado entre a Duquesa de Bragança, D. Catarina, e El-Rei de Espanha, ia já inclinando-se a este, sem deixar às cortes lugar para decidirem; porém, no meio desta confusão, a sua saúde piorou, e a Duquesa se lhe apresentava instando-o para que a declarasse sucessora imediata à coroa, e isto com tais modos, e falando-lhe em termos tão decisivos, que o bom velho, opresso pelas instâncias dela, pela força da doença e pelo peso dos anos, acabou a vida em 31 de Janeiro deste ano de 1580.
 
O [[w:Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel|Duque de Alva]] estava disposto a entrar com um exército em Portugal, mas os governadores do Reino, por louvável espírito de independência e honra nacional, mandaram que os religiosos e párocos, nos púlpitos o confessionários, animassem o povo à defesa; desta maneira tomou o estado eclesiástico uma parte activa na nobre resolução dos portugueses que se votaram a repelir o domínio estranho, assim no Reino como nos seus domínios, principalmente nesta ilha Terceira, onde tiveram lugar notáveis feitos, tão funestos aos soldados do usurpador, como gloriosos para os habitadores da mesma ilha.
 
<CENTER>'''FIM DA TERCEIRA ÉPOCA'''</CENTER>
 
==Notas==
<references/>