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Revisão das 09h37min de 29 de outubro de 2020

Era todo o meu sonho, assim, inchado,
Já podre, que a morphéa miseravel
Tornava ás impressões tactis, palpavel,
Como se fosse um corpo organisado!

VIII

Em torno a mim, nesta hora, estryges vôam,
E o cemiterio, em que eu entrei adrede,
Dá-me a impressão de um boulevard que fede,
Pela degradação dos que o povoam.

Quanta gente, roubada á humana cohorte,
Morre de fome, sobre a palha espessa,
Sem ter, como Ugolino, uma cabeça
Que possa mastigar na hora da morte ;

E nùa, após baixar ao cháos budhista,
Vem para aqui, nos braços de um canalha,
Porque o madapolão para a mortalha
Custa 1$200 ao logista!

Que resta das cabeças que pensaram?!
E afundado nos sonhos mais nefastos,
Ao pegar num milhão de miolos gastos,
Todos os meus cabellos se arripiaram.

Os evolucionismos bemfeitores
Que por entre os cadaveres caminham,
Iguaes a irmães de caridade, vinham
Com a podridão dar de comer ás flôres!