Anais da Ilha Terceira: diferenças entre revisões

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|obra= [[Anais da Ilha Terceira]] — [[Anais da Ilha Terceira/I|Tomo I]]
|autor= Francisco Ferreira Drummond
|notas=Os ''Anais da Ilha Terceira'' são uma obra escrita segundo o critério cronológico típico dos ''Anais'', cobrindo o período desde a descoberta e povoamento da ilha até 1832. Foi oferecida pelo seu autor, o historiador e político [[w:Francisco Ferreira Drummond|Francisco Ferreira Drumond]], à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, que a editou em 4 volumes, contendo 1420 páginas de texto e 510 páginas de documentos. O volume I foi publicado em 1850; o vol. II em 1856; o III em 1859; e o IV, póstumo, em 1864. A obra foi reeditada, em fac-símile da edição original, pela Secretaria Regional da Educação e Cultura do Governo dos Açores em 1981.
|anterior= [[Anais da Ilha Terceira/I/XXX|Quarta Época Capítulo X]]
|posterior= [[Anais da Ilha Terceira/I/XXXII|Quarta Época Capítulo XII]]
|seção='''Quarta Época''' - Capítulo XI — Abusa o conde Manuel da Silva do poder real que lhe fora confiado, mandando saquear as ilhas de Cabo Verde. Suplício cruéis de várias pessoas atraiçoadas pelo falsário Amador Vieira
|notas=
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Vendo-se o conde Manuel da Silva com todos os poderes de [[w:António I de Portugal|El-Rei D. António]], cuidou de se fazer respeitar, e, para melhor dizer, adorar dos habitantes e dos defensores da ilha Terceira, servindo-se com estado real, e escoltando-se pelas diferentes partes onde saía, com guardas francesas e inglesas<ref>A citada ''Relação'' no capítulo 60.</ref>.
 
==Índice Geral da Obra==
Tinha em seu serviço todos os oficiais, como há na casa do rei. Fez capitão da gente de cavalo a Gaspar de Geão, homem respeitável; e capitão da infantaria em que entravam os nobres, a António da Silva, sobrinho dele conde, mancebo solteiro, e grande militar. Porque o mesmo conde Manuel da Silva era mui destro cavaleiro, passava a maior parte do tempo em divertimentos e exercícios de cavalaria, deixando de cuidar em outras coisas que muito lhe convinham, afim de repelir os golpes da constante adversidade; mas como tudo isto e muito mais fazia sem conselho de pessoa alguma, deu lugar a continuadas murmurações, e a supor-se muito mal do fim de seu governo.
===Tomo I (1430-1640)===
''' Descoberta e povoamento da ilha Terceira. Acontecimentos que tiveram lugar entre o povoamento e a aclamação de D. António. D. António na ilha Terceira. Batalha da Salga. Conquista da Terceira pelas forças castelhanas. Resistência à ocupação castelhana. O domínio castelhano'''.
*'''Prefação'''
**[[Anais da Ilha Terceira/Prefácio|Prefácio]], por Francisco Ferreira Drummond.
**[[Anais da Ilha Terceira/Parecer|Parecer emitido sobre a obra]], por António Moniz Barreto Corte Real e José Augusto Cabral de Melo.
**[[Anais da Ilha Terceira/Aceitação|Carta de aceitação]], pelo presidente da Câmara Municipal de Angra, Manuel Gomes Sampaio.
*'''Primeira época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/I/I|'''Capítulo I''': Empresas do Infante D. Henrique e descobrimento da ilha Terceira de Jesus Cristo]].
**[[Anais da Ilha Terceira/I/II|'''Capítulo II''': Se foram portugueses ou estrangeiros os descobridores da ilha Terceira e os primeiros que nela habitaram. Dia do seu descobrimento, suas armas e apelido]].
**[[Anais da Ilha Terceira/I/III|'''Capítulo III''': Primeiro donatário e povoador da ilha Terceira]].
**[[Anais da Ilha Terceira/I/IV|'''Capítulo IV''': Que Jácome de Bruges havendo obtido a capitania da ilha Terceira a veio povoar]].
**[[Anais da Ilha Terceira/I/V|'''Capítulo V''': Apresenta-se o capitão Jácome de Bruges na ilha Terceira com os seus adjuntos e mais pessoas que o acompanharam]].
**[[Anais da Ilha Terceira/I/VI|'''Capítulo VI''': Passa o capitão Bruges para o lugar da Praia; concorrem à ilha Terceira vários povoadores que tomam suas dadas em diferentes lugares. Falecimento do Infante D. Henrique]].
*'''Segunda época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/I/VII|'''Capítulo I''': Opiniões sobre a primeira doação que fez o Infante D. Fernando a Álvaro Martins Homem. Desaparecimento do capitão Jácome de Bruges]].
**[[Anais da Ilha Terceira/I/VIII|'''Capítulo II''': Que Diogo de Teive, ouvidor geral, abusou do seu poder. Providências do Infante D. Fernando. Casamento de Antónia Dias de Arce com Duarte Paim e inutilidade de suas pretensões contra a divisão da ilha entre Álvaro Martins Homem e João Vaz Corte Real. Principais motivos da sua exclusão.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/IX|'''Capítulo III''': Estabelecimento dos religiosos franciscanos. Último governo de Diogo de Teive.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/X|'''Capítulo IV''':Álvaro Martins Homem e Diogo de Teive entram no governo de suas capitanias. Procedimento destes donatários.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XI|'''Capítulo V''': Progresso da povoação da ilha Terceira e acrescentamento das suas paróquias; criação das vilas de Angra e da Praia.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XII|'''Capítulo VI''': Governo do capitão Antão Martins Homem e Vasco Anes Corte Real. Fortificação da Terceira. Poder destes donatários. Chega o general Vasco da Gama, procurando na ilha remédio para a saúde de seu irmão. Dá el-rei D. Manuel o foral da Alfândega; notícia de seus oficiais.]]
*'''Terceira época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XIII|'''Capítulo I''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1500 até ao ano de 1509.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XIV|'''Capítulo II''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1510 até ao ano de 1519.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XV|'''Capítulo III''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1520 até ao ano de 1529.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XVI|'''Capítulo IV''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1530 até ao ano de 1539.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XVII|'''Capítulo V''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1540 até ao ano de 1549.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XVIII|'''Capítulo VI''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1550 até ao ano de 1559.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XIX|'''Capítulo VII''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1560 até ao ano de 1569.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/I/XX|'''Capítulo VIII''': Série dos acontecimentos mais notáveis desde o ano de de 1570 até ao ano de 1580.]]
*'''Quarta época'''
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXI|'''Capítulo I''': Aclamação do rei D. António, Prior do Crato, em algumas vilas e cidades de Portugal; a ilha Terceira segue o seu exemplo. Preparativos feitos na mesma para repelir o inimigo. Rejeita os partidos que se lhe oferecem.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXII|'''Capítulo II''': Manda o governo de Angra saber novas de el-rei D. António. Parcialidade a favor de el-rei D. Filipe e mais sucessos desta empresa. Diferentes notícias do estado das coisas a favor da ilha. Declaram-se os partidos nas ilhas e a Terceira rejeita os favores e governo que lhe são enviados, entregando-se aos maiores transportes de alegria.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXIII|'''Capítulo III''': Envia el-rei D. Filipe à Terceira D. Pedro de Valdez, para a reduzir. Inutilidade de suas propostas. Valdez desembarca temerariamente o exército, que é desbaratado. Valor e excessos dos vencedores; seu triunfo.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXIV|'''Capítulo IV''': Prisão dos padres da Companhia de Jesus, como suspeitos ao serviço de el-rei D. António. Nova promoção de oficialidade nas companhias de ordenanças e fortificação da costa. Recebem os terceirenses cartas e socorros com que se animam a repelir as armadas de D. Lopo e de D. Pedro de Valdez, que inutilmente investem a ilha.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXV|'''Capítulo V''': Inimizade capital dos governadores da ilha de S. Miguel e da ilha Terceira; meios de vingança que procuram um do outro. Continua Ciprião de Figueiredo na escolha dos empregados de sua confiança. Expedições para conquistar o galeão S. Cristóvão. A causa de el-rei D. António chega a muito risco pelas dissenções internas e o governo pede a sua demissão.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXVI|'''Capítulo VI''': Vinda do Conde regedor Manuel da Silva. Primeiros actos do seu governo e criação dos tribunais de justiça. Suplício do fidalgo João de Bettencourt. Gaspar Homem é salvo da morte na forca por intervenção de sua esposa.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXVII|'''Capítulo VII''': É iludido o Conde Manuel da Silva por João Dias de Carvalhal, que passa a engrossar o número dos servidores de el-rei Filipe. Murmúrios e perseguição contra os parentes. Estabelecimento da Casa Real da Moeda e dinheiro que nela se cunhou. Demasiada popularidade do conde. Péssimos efeitos desta política.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXVIII|'''Capítulo VIII''': A Sé de Angra vacante. Notícia da vinda de el-rei D. António à Terceira e preparativos para o receber. Chegam à ilha de S. Miguel as armadas de Pedro Peixoto e de D. Lorenzo de Corcuera e se combatem. Expedições de Castela e de França. El-rei D. António combate, reduz a dita ilha de S. Miguel e recolhe-se à sua armada. Notícia destes acontecimentos.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXIX|'''Capítulo IX''': Desembarque de El-Rei D. António na ilha Terceira e visita que faz a várias povoações. Actos do seu governo. Morte do infeliz Duarte de Castro.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXX|'''Capítulo X''': Parte El-Rei D. António para França; mau sucesso desta expedição. Arriba à ilha Terceira e dela parte segunda vez. Governo e tropas que nela ficaram. Providências de El-Rei Católico para conter no seu domínio o reino de Portugal.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXI|'''Capítulo XI''': Abusa o Conde Manuel da Silva do poder real que lhe fora confiado, mandando saquear as ilhas de Cabo Verde. Suplícios crúeis de várias pessoas, atraiçoadas pelo falsário Amador Vieira.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXII|'''Capítulo XII''': Vinda do Comendador de Chartres com 1500 homens de guerra franceses. Perdem estes a disciplina e suscitam na Terceira grandes desavenças e roubos.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXIII|'''Capítulo XIII''': Chega o Marquês de Santa Cruz com uma armada à ilha Terceira, oferecendo amnistia geral. Os seus defensores rejeitam aceitá-la e defendem-se vigorosamente. Desbaratados em fim, entregam a ilha à discrição do vencedor. Esforços inúteis do Conde Manuel da Silva para se evadir da ilha.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXIV|'''Capítulo XIV''': Entra o Marquês de Santa Cruz na cidade de Angra, entregando-a ao saque dos soldados. Conquista da ilha do Faial. Prisão e morte do Conde Manuel da Silva e de outras pessoas de autoridade e do povo. Apreendo o Marquês as riquezas do finado Conde e do feitor Soares. Aclamação do novo rei e instalação do governo administrativo e judicário. Ausenta-se o Marquês levando consigo a fidalga D. Violante do Canto e Silva.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXV|'''Capítulo XV''': Governo do mestre de campo general Juan d'Urbina. Dificuldade invincível no alojamento das tropas do presídio, pela escassez de meios e falta dos frutos da terra. Vigorosa defesa da Terceira contra o pirata Francis Drake.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXVI|'''Capítulo XVI''': Mudança do governo administrativo da ilha Terceira. Notável escassez de frutos da terra. Actos violentos do mestre de campo António Centeno. É rechaçado do porto de Angra o conde de Essex. Liberalidadades de El-Rei para com as igrejas e estado eclesiástico. Motim dos soldados do presídio e flagelo da peste.]]
**[[Anais_da_Ilha_Terceira/I/XXXVII|'''Capítulo XVII''': Série dos acontecimentos que tiveram lugar na ilha Terceira desde o princípio do século XVII até ao ano de 1640, em que finda a IV Época deste Anais.]]
*'''Colecção dos documentos citados no Tomo I'''
 
===Tomo II (1640-1766)===
Deste desmesurado amor próprio resultou que, depois de haver partido [[w:António I de Portugal|El-Rei D. António]] para França, chegasse a esta ilha certa embarcação em que vinha um Amador Vieira<ref>Parece que trazia por companheiro a Gaspar de Magalhães, mancebo muito nobre, e que depois fez grandes serviços a D. Filipe, em consequência dos quais foi premiado.</ref>, trazendo cartas de El-Rei de Castela a seu primo D. António. Porém o conde, abusado do poder que lhe fora confiado, as guardou consigo todas, abrindo-as, e lendo-as sem as mandar a seu amo; procedimento arbitrário, que ofendeu a todos quantos pensavam livremente; e que na verdade foi a causa principal de que a ilha não gozasse dos excelentes partidos e mercês oferecidos ainda por esta vez. Acresceu a isto que o dito enviado não mostrou empenho algum em cumprir a importante comissão de que fora encarregado; antes pelo contrário, desprezando as ordens que trazia, se deixou seduzir pelo conde, e com afagos e promessas se sujeitou ao seu serviço, descobrindo-lhe traiçoeiramente a muitos homens que naquela ocasião lhe haviam manifestado seus intentos<ref>Deste pernicioso delator Amador Vieira trata o [[w:Atónio Cordeiro|Padre Cordeiro]] no Livro 6.º, capítulo 19, § 323 da ''História Insulana'', e [[Antonio de Herrera y Tordesillas|Herrera]] no Livro 13.º, capítulo 2: — ''... y procedia'' — diz este falando do conde — ''com cruéis castigos en las personas, y en los bienes, y por esta causa hizo matar a muchos vendidos de un Amador Viera, que havia ydo por orden de El-Rei a conservar sus amigos, y conocer los animos de la gente de la isla''.</ref>. E julgando não ser conveniente estarem paralisadas tantas forças de seu comando, quis pô-las em acção e distraí-las da ociosidade, no intuito de lucrar alguma coisa em benefício dos cofres públicos, que estavam exaustos.
''' Restauração da independência. Acção de Francisco Ornelas da Câmara. Conquista do Castelo de São Filipe do Monte Brasil. Erupção de 1761'''.
*'''Quinta época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/II/I|'''Capítulo I''': Envia el-rei D. João IV à ilha Terceira o cavalheiro Francisco de Ornelas da Câmara para nela verificar a aclamação. Dificuldades desta empresa]].
**[[Anais da Ilha Terceira/II/II|'''Capítulo II''': De como foi aclamado el-rei D. João IV na vila da Praia desta ilha Terceira. Inúteis e indecorosos meios do governador D. Álvaro de Viveiros para se assegurar das pessoas principais da cidade. Rompimento contra os castelhanos e sítio do Castelo de S. Filipe]].
**[[Anais da Ilha Terceira/II/III|'''Capítulo III''': Continua o sítio do Castelo de S. Filipe. Saem dele com muito valor os castelhanos e são derrotados. É levada de assalto a fortaleza de S. Sebastião pelos portugueses. Novas disposições e planos do sítio; aclamação solene de el-rei D. João IV. Caem por maneira admirável em poder dos sitiantes os socorros enviados por Castela ao governador e mestre-de-campo D. Álvaro de Viveiros]].
**[[Anais da Ilha Terceira/II/IV|'''Capítulo IV''': Aclamação de el-rei D. João IV nas ilhas de baixo e na de S. Miguel. Vinda do padre Francisco Cabral, visitador da Companhia de Jesus. Assaltam os castelhanos as trincheiras dos portugueses, em cujas mãos caiem os últimos socorros]].
**[[Anais da Ilha Terceira/II/V|'''Capítulo V''': Avançam os castelhanos às trincheiras dos portugueses e resultado desse assalto. Socorros enviados à ilha Terceira. Necessidade extrema de mantimentos obriga os sitiados a entregar o Castelo de S. Filipe. Artigos da capitulação]].
**[[Anais da Ilha Terceira/II/VI|'''Capítulo VI''': Série dos acontecimentos que tiveram lugar nesta ilha Terceira desde o ano de 1643 até ao de 1766 em que finda esta época]].
*[[Anais da Ilha Terceira/II/Documentos|'''Documentos''' - Colecção dos documentos citados no Tomo II]].
 
===Tomo III (1766-1820)===
Para isto formou logo uma armada de 10 velas, guarnecidas pela maior parte de soldados franceses; e lhe deu por comandante a um Manuel Serradas, da ilha da Madeira, e capitão particular em cada nau: ordenando-lhes que levassem a bandeira portuguesa em cada uma delas; e que em nome de El-Rei D. António apreendessem todos os navios de qualquer nação que lhe não obedecessem, trazendo-os à ilha Terceira prisioneiros. Que outrossim fossem ao castelo de [[w:Arguim|Arguim]], o tomassem, e embarcassem consigo todas as munições de guerra e artilharia nele existentes; e que passando às ilhas de Cabo Verde lhes não fizessem dano algum, mas concordassem nos meios com que as pudessem trazer à obediência de El-Rei D. António; e a respeito de tudo isto lhes deu regimento escrito, e por ele assinado.
''' Série dos acontecimentos que tiveram lugar nesta ilha Terceira desde o ano de 1766 até ao de 1820. Criação da Capitania General. O governo dos Capitães Generais'''.
*[[Anais da Ilha Terceira/III/Advertência|'''Advertência''': Anúncio da morte do autor]].
*'''Sexta época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/III/I|'''Capítulo I''': Série dos acontecimentos que ocorreram entre os anos de 1766 e 1770]].
**[[Anais da Ilha Terceira/III/II|'''Capítulo II''': Série dos acontecimentos que ocorreram entre os anos de 1771 e 1780]].
**[[Anais da Ilha Terceira/III/III|'''Capítulo III''': Série dos acontecimentos que ocorreram entre os anos de 1781 e 1790]].
**[[Anais da Ilha Terceira/III/IV|'''Capítulo IV''': Série dos acontecimentos que ocorreram entre os anos de 1791 e 1800]].
**[[Anais da Ilha Terceira/III/V|'''Capítulo V''': Série dos acontecimentos que ocorreram entre os anos de 1801 e 1810]].
**[[Anais da Ilha Terceira/III/VI|'''Capítulo VI''': Série dos acontecimentos que ocorreram entre os anos de 1811 e 1820]].
*[[Anais da Ilha Terceira/III/Documentos|'''Colecção dos documentos citados no Tomo III''']]
 
===Tomo IV (1820-1832)===
Quase todas as embarcações eram francesas, e a capitânia era uma formosa nau por nome ''Amberle''. Saíram estas em direitura ao castelo de Arguim, o qual tomaram de surpresa por estar a guarnição a sono solto. Apreenderam também muitos navios de pescaria, e naus de grande porte, os quais mandaram para a Terceira com soldados portugueses e franceses de guarnição. Acontecendo porém tomar conta de uma destas naus um piloto natural da Terceira, por serem em pouco número os portugueses, e a gente da nau muita mais, se levantou esta em certa noite, assassinando os portugueses que pela maior parte dormiam. Fazendo-se a nau então no rumo da ilha da Madeira, ali chegou a salvamento, e logo foram enforcados o dito piloto e o cabo do mar, que era natural de Angra<ref>O piloto chamava-se de alcunha o ''Trompica'', e o cabo apelidava-se o ''Marquês''.</ref>.
[[Anais da Ilha Terceira/IV|'''Estabelecimento do sistema constitucional. Oposição que lhe fez o capitão general Francisco de Borja Garção Stokler. Revolução da Terceira. Contra-revolução e perseguição aos constitucionais. Guerra Civil. A Regência. A Batalha da Praia. Acontecimentos que precederam o desembarque no Mindelo.''']]
*'''Sétima época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/I|'''Capítulo I''': Estabelecimento do sistema constitucional. Oposição que lhe fez o capitão general Francisco de Borja Garção Stokler. É finalmente aclamada a Constituição no dia 2 de Abril de 1821, e no dia 4 de Abril aniquilada por meio de uma reacção de tropa, morto o seu chefe Francisco António de Araújo e restabelecido o antigo governo. Prisão e perseguição dos constitucionais. São premiados os revoltosos e protegida a facção desorganisadora. Instalação do Governo constitucional. Rumores sediciosos e imorais, e inúteis proclamações das autoridades.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/II|'''Capítulo II''': Regressa El-Rei D. João VI a Portugal, e jura a Constituição da Monarquia. Indisposição e pertinácia dos povos desta ilha contra os aforamentos dos campos baldios. Oposição constante da Câmara de Angra contra o seu juiz de fora, que é preso. Exclusão do bispo e do general Stokler para não comporem o governo interino. Primeira eleição de deputados e prejudiciais efeitos desta legislatura. Deputado e requerimentos da Câmara de Angra bem recebidos pelas Cortes. Vinda do sindicante Quelhas. Eleição das novas Câmaras municipais. Actos revolucionários do juiz de fora da vila da Praia Serafim Girão Rodrigues d'Almeida e sua morte desastrosa. Aniversário do 2 de Abril festejado em Angra. Desfeito pelo juiz de fora Grade o levante do povo no curral do concelho. Como é aplaudida e festejada a queda da Constituição. Maquinações e perseguições contra os liberais.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/III|'''Capítulo III''': Vão pretexto e imputação de horrendos crimes contra os constitucionais da ilha Terceira, que por essa causa, são levados a estreitas prisões. Rebela-se a tropa contra o seu chefe. É preso e suspenso o corregedor José Joaquim Cordeiro, que em vão se opõem às violências dos revoltosos. Levante popular por ocasião de se embarcarem os trigos. Fanatismo religioso espalhado por certos eclesiásticos. Maneira extraordinária com que é festejada a vinda do barão da vila da Praia, novamente enviado capitão general destas ilhas. Chegam também à Terceira o corregedor sindicante, e os juizes de fora da cidade e Praia. Deportações que faz o general, por cautela. Desenvolvimento das pretensões do infante D. Miguel em Portugal, e sucessos desta empresa na Terceira. Suspensão do general Stokler, que inutilmente promove a sua recondução. Vinda do capitão general Touvar, e restabelecimento da ordem pública. Desaprova el-rei D. João VI os procedimentos populares que tiveram lugar nos primeiras dias de Agosto de 1824.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/IV|'''Capítulo IV''': Goza a ilha Terceira por algum tempo de certa tranquilidade, com a vinda do novo general Touvar. Reconhece el-rei D. João VI a independência do Brasil e a seu filho, D. Pedro de Alcântara, como sucessor da Coroa de Portugal; nomeia a regência e morre. Outorga D. Pedro a Carta Constitucional, abdicando a coroa em sua filha D. Maria da Glória, elegendo lugar-tenente a seu irmão, o infante D. Miguel, que apenas chega a Lisboa, dissolve as Cortes. Modo com que é festejada a notícia na Terceira, a qual enfim o aclama rei absoluto de Portugal e seus domínios.]]
*'''Oitava época'''
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/V|'''Capítulo V''': São restaurados na cidade de Angra da ilha Terceira os direitos e legitimidade de el-rei D. Pedro IV por efeito de uma reacção da tropa. Instalação do governo interino e seus primeiros actos administrativos.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/VI|'''Capítulo VI''': Chega ao porto da cidade de Angra a fragata Princesa Real, com o novo general Henrique de Sousa Prego, cujo governo é rejeitado em assembleia pública. Continua o governo interino, a ponto de se desfazer pela vergonhosa cabala, maquinada contra ele, e pusilanimidade do comandante militar, que pretende evacuar-se da ilha com o Batalhão 5.º de Caçadores. Meios empregados para obstar ao seu embarque.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/VII|'''Capítulo VII''': Instalação da Junta Provisória e actos da sua gerência. Vinda dos primeiros socorros na fragata Brasileira Isabel. Rebelam-se os povos da ilha Terceira, levando à frente o capitão João Moniz Corte Real, Joaquim de Almeida Tavares, e outros, que todos são desfeitos e postos em debandada junto ao Pico do Seleiro.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/VIII|'''Capítulo VIII''': Os excessos dos amotinados obrigam a Junta Provisória a pôr-lhes as cabeças a prémio. É criada uma comissão para sentenciar os criminosos. Vinda da esquadra inimiga e inúteis pretensões de reduzir a Terceira por sublevação interna. Tenta o general Saldanha o desembarque da tropa auxiliadora e é repelido pelo bloqueio inglês. Socorros oportunamente enviados pelo marquês de Palmela. Novo plano de defesa. Perigo da causa pública pelos vergonhosos partidos e dissidências dos membros da Junta Provisória. Carência absoluta de meios pecuniários.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/IX|'''Capítulo IX''': Vinda do capitão-general conde de Vila Flor, e oportunas medidas do seu governo. Preparativos para se receber a esquadra do infante D. Miguel, a qual inutilmente investe a Terceira pela baía da Vila da Praia, de onde é repelida e destroçada com grande mortandade, e número de prisioneiros, que intentando conspirarem-se contra o governo são punidos convenientemente. Actos administrativos do mesmo conde general.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/X|'''Capítulo X''': É nomeada uma Regência, que em Portugal e seus domínios trata os negócios e reconhecimento da rainha D. Maria II. Instalação da mesma Regência na ilha Terceira e actos de sua administração. Conquista das outras ilhas deste arquipélago e notícia da vinda da rainha para a Europa. Energia do governo da Regência contra as intrigas domésticas.]]
**[[Anais da Ilha Terceira/IV/XI|'''Capítulo XI''': Estado da causa pública em Portugal. Chega D. Pedro, duque de Bragança, à Europa, é convidado para tomar parte nos negócios de sua filha e aceita a regência do reino. No intento de desempenhar a sua nobre missão, depois de grandes obstáculos, vem reunir-se às tropas fiéis estacionadas na ilha Terceira, da qual saiu com a expedição.]]
*'''[[Anais da Ilha Terceira/Documentos|Documentos citados no Tomo IV dos ''Anais da Ilha Terceira'']]'''
==Fonte==
O texto foi digitalizado a partir de:
*Francisco Ferreira Drummond. ''Anais da Ilha Terceira'', volumes I a IV, edição da Secretaria Regional da Educação e Cultura, Angra do Heroísmo, 1981 (reimpressão fac-similada da edição original de 1850 a 1864).
==Nota==
A ortografia foi actualizada e a errata da edição original introduzida. Sobre a integridade do texto, veja a [[Anais da Ilha Terceira/IV|nota bibliográfica]] anexa.
 
{{semwikipedia}}
Em outra nau meteram-se alguns soldados franceses, e da mesma forma contra eles se levantaram os da maruja, que eram portugueses. Contudo não foram tão bem sucedidos estes como os da outra nau, porque estando os franceses senhores das armas, em breve espaço mataram a maior parte, e os poucos que trouxeram vivos os mandou o conde açoitar, tomando-lhes as fazendas que haviam saqueado. Deste modo pagaram na mesma moeda, e pela mesma forma, quanto haviam roubado a seus donos.
 
[[Categoria:Ensaios]]
Continuando a sua derrota chegou Manuel Serradas às ilhas de [[w:Cabo Verde|Cabo Verde]] com 6 naus, porquanto as outras andavam ao corso naqueles mares: e mandando recado a terra pelo padre Manuel Rodrigues Teixeira, certificando ser aquela armada de El-Rei D. António, e querer lhe prestassem obediência, apenas ele desembarcou, logo os da ilha começaram a persegui-lo, e o levaram preso à cadeia.
 
Já naquele tempo haviam saltado em terra furtivamente perto de 200 soldados, e vinham marchando pela falda de uma montanha, dispostos em ordem de batalha, figurando muito maior número do que na verdade era. Logo que os da cidade os avistaram puseram-se em retirada; em consequência do que foi a mesma cidade entrada livremente, e saqueada.
 
Entraram depois na cadeia, tirando dela o dito padre Manuel Rodrigues, a quem supunham já morto. Pouco depois fez-se à vela para a Terceira o capitão-mor Serradas com esta armada carregada de tudo que achou naquela terra, trazendo consigo também muitos escravos forros e cativos. Ao Bispo lhe não deixaram coisa alguma, e correu fama de que até os soldados franceses o maltrataram. Todavia ao recolher-se esta expedição não foi a sua vitória louvada pelos terceirenses, nem tão pouco aplaudida pelos homens de melhor entendimento<ref>Citada ''Relação'', no capítulo 62.</ref>; e sem embargo de que esta aventura os animava, não era suficiente para remover-lhes o desassossego em que andavam, esperando o termo fatal em que devia acabar esta contenda tão porfiosa e aturada.
 
No entretanto lavrava na ilha Terceira o devorante fogo da calúnia e da perfídia, pelas sugestões do falsário Amador Vieira; pois além da gente que El-Rei D. António levara consigo por desconfiar da sua fidelidade, ficou outra de suspeita, com a qual aquele se foi entender. Já se achava preso na cadeia Braz Nogueira, escrivão da correição, que fora o seu maior e mais zeloso amigo, e Gaspar Gonçalves de Utra, e seu irmão Estácio de Utra Machado<ref>Estes nobres cidadãos eram descendentes de Gaspar Gonçalves Ribeira Seca, procedidos de seu filho Diogo Gonçalves Machado, da quem falámos no ano de 1551.</ref>. Com estes últimos, principais da ilha do Faial, foi ter Amador Vieira a fim de os experimentar, figurando-se amigo de [[w:Filipe I de Portugal|El-Rei Filipe]], como pessoa que viera com as cartas, e só reduzido (dizia ele) ao serviço de D. António por medo que tinha de [[w:Manuel da Silva Coutinho|Manuel da Silva]]. Em vão trabalhou este figurado amigo para inculcar aos dois prisioneiros a sua fidelidade; em vão lhes suplicou em segredo que lhe dessem rol dos homens que sabiam parciais de El-Rei de Castela, prometendo-lhes os maiores favores quando este entrasse no gozo da ilha. Tudo foi inútil, porque os dois prisioneiros, que jamais tinham visto aquele homem, entenderam a peçonha que se continha em suas meigas palavras.
 
Causa horror a série de traições perpetradas por este malfeitor; a pena se recusa ao escrevê-las. Na verdade seríamos demasiadamente extensos, se pretendêssemos relatar aqui todas as traficâncias e vil comércio deste delator, que tomou por ofício denunciar quantas pessoas sincera e cordialmente se confiaram de suas sedutoras palavras. Não podemos contudo escusar-nos à narração de alguns destes factos resumidamente.
 
Francisco Gil, piloto natural de Angra, e filho de Gil Rodrigues, foi um dos que Amador Vieira enganou, pedindo-lhe que o levasse consigo da ilha para fora. Neste sentido lhe inculcou ele a um piloto francês, que disse estava ajustado a levar no seu pataxo cartas de certos homens da cidade para El-Rei Filipe e o avisar do lugar por onde haviam de dar entrada às armadas que se esperavam nesta ilha. Que ambos eles pilotos estavam à espera de vento favorável para saírem do porto. Afora isto, nomeou-lhe alguns dos interessados naquele negócio, entre os quais foi um Melchior Afonso.
 
A tão generoso serviço seguiu-se da parte de Amador Vieira a promessa de grandes mercês, com hábito de Cristo; e ajustado o sinal de que todos se haviam de valer, retirou-se o traidor. E sem perder tempo, foi ter com o dito Melchior Afonso, o qual tendo-se por muito seguro, por saber que ele fora o portador das cartas de El-Rei de Castela a D. António, lhe descobriu quanto havia maquinado, declarando-lhe a gente que tinha à sua disposição para o efeito pretendido. Confessou-lhe mais que tinha escrito a El-Rei Filipe, indicando-lhe mandasse pôr as armadas sobre a costa de [[w:São Mateus da Calheta|São Mateus]], defronte do forte, porque ele já tinha arrolados 100 homens de seu serviço, para darem sobre os bombardeiros e os prenderem; e que por ali, melhor do que por outra qualquer parte, saltaria o exército, e se faria senhor da terra; que finalmente o sinal acordado era uma bandeira branca. À vista desta confissão, declarou o crédulo Melchior Afonso os nomes dos conjurados seus companheiros; e então, com pleno conhecimento deles, se retirou Amador Vieira, assaz contente pelo resultado das suas dolosas investigações.
 
Não perdeu tempo algum o traidor Amador Vieira, antes vai a toda a pressa descobrir ao conde o que ouvira a Melchior Afonso. Este pois é perseguido pela justiça, e lhe são apreendidos todos os papéis, entre os quais se lhe acharam muitas correspondências com vários indivíduos, que todos foram presos na cadeia; sendo porém levados a perguntas, não havendo contra eles quem depusesse, e negando o facto, foram soltos, ficando somente na prisão os referidos Francisco Gil, Melchior Afonso, e Álvaro Pereira de Lacerda, que passou ao aljube, por dele haverem diversas culpas.
 
Murmurou-se muito contra o conde por conservar ainda presos Gaspar Gonçalves e seu irmão, que eram tão decididos pela causa de El-Rei D. António, e por isso os mandou ele pôr em liberdade, e chamando-os ao paço, lhes agradeceu muito os serviços prestados à causa pública, em que se achava empenhado; certificando-lhes estar convencido do quanto eles haviam feito na [[w:Ilha do Faial|ilha do Faial]] em seu favor, podendo ali, e sem risco algum, entregar a terra aos castelhanos; o que tudo muito bem lhe havia manifestado Amador Vieira. Em consequência do que o mesmo conde lhes lançou o hábito de Cristo, com 100$000 réis de tença; o que estimaram e tiveram em muito apreço, usando desta condecoração até entrar o [[w:Álvaro de Bazán|marquês de Santa Cruz]] na ilha Terceira.
 
Julgando o [[w:Manuel da Silva Coutinho|conde Manuel da Silva]] necessário entrar nas mais sérias averiguações com o prisioneiro Melchior Afonso, ordenou tormentos de fogo para dar tratos, e foi este infeliz o primeiro que assim passou a sofrer tal género de suplício<ref>Um francês ensinou ao conde aquela terrível invenção de tormentos, preparada desta maneira: mandava pisar carvão, e fazê-lo em pó, como se fosse farinha coada, lançava-o então em azeite de oliva, e fazia polme; depois disto acendia lume bem vivo (isto na cerca dos paços abaixo do Castelo dos Moinhos) e mandava descalçar os pobres delinquentes, os quais estavam firmes com os pés metidos em um tronco direitos ao fogo, com umas servilhas calçadas, e untadas as mesmas e os pés, os punham ao lume, como quem os assava, de maneira que vivos se estavam frigindo. Enquanto procedia a este bárbaro tormento, o conde passeava muito a sangue frio e inquiria os padecentes (citada ''Relação'', no capítulo 68).</ref>.
 
Na força dos tormentos, que lhe faziam encarar a morte com todos os seus horrores, confessou tudo o que tinha dito, e o mais que sabia. Feita esta confissão, o mandou o conde retirar para um aposento do paço, escrevendo-se por tabeliães o que ele dizia<ref>O autor da ''Relação'' presenciou todos estes actos.</ref>. No outro dia o mandou meter na cadeia pública (era já no ano de 1583) fazendo-lhe sequestrar todos os seus bens, e tomando por inventário quanto o réu possuía, ordenando-lhe, finalmente, que em termo breve arrazoasse de sua justiça. Parece que o réu rejeitou a defesa, e foi sentenciado a ser arrastado pelas ruas públicas da cidade, e depois enforcado e esquartejado; e que a cabeça lhe fosse tirada, posta na torre do relógio da praça, assim como os quartos pendurados aos portões da entrada da cidade; que seus bens fossem incorporados nos próprios da Coroa, por traidor e cabeça do bando contra seu rei natural. Preferida tão cruel sentença nos autos, imediatamente lhe foi denunciada; e logo entraram na cadeia os respectivos padres para o confessarem. Era em um sábado pela manhã, e estiveram com ele até à véspera, em que o foram tirar do cárcere com a bandeira da Misericórdia, os da irmandade que então serviam na Santa Casa de Angra.
 
Amarrado o padecente Melchior Afonso sobre um couro, e arrastado pelas ruas da cidade ao rabo de um cavalo, conservava nesta deplorável posição um ânimo verdadeiramente singular<ref>São estas palavras da ''Relação'' referida.</ref>: — ''Quando neste amargurado transe lhe lembravam algumas coisas de obrigação, que tinha a outras pessoas<ref>Além dos parentes por parte de seus pais tinha de sua primeira mulher uma filha, e um filho ausente; e da segunda tinha dois meninos, por ser há pouco tempo casado.</ref> se assentava no couro, e com a sua mão escrevia tudo''.
 
Desta forma foi conduzido até a forca, a qual estava colocada na ponta do cais, onde o enforcaram, morrendo muito conforme, e animado nos auxílios divinos, pedindo perdão ao povo do escândalo que lhe havia dado no seu criminoso projecto. Ali o esquartejou o algoz, e no mesmo cavalo foram postos os quartos, levando-os aos ''lugares onde se costumavam pôr''; e a cabeça foi levada à praça, e pregada em um pau que estava atravessado em cima da torre do relógio, em cujo lugar se deteve até ser conquistada a ilha pelos castelhanos.
 
Depois de estarem algum tempo os quartos deste desditoso homem pendurados às portas da cidade com licença do conde foram enterrados. Era Melchior Afonso natural de Angra, na qual tinha parentes; e também sua segunda mulher Isabel de Novais não só era de pessoas nobres, mas ainda muito do serviço de El-Rei D. António. Todos estes parentes se empenharam de uma maneira a mais decidida, para que o conde lhe concedesse o tirarem de ali a cabeça do infeliz padecente.
 
Vários dias se passaram, nesta súplica, mas sem nada se puder alcançar. Parecia já uma excessiva pertinácia no conde, e indo em certo dia repetir a súplica muitas pessoas juntas com alguns religiosos a quem o conde havia já atendido em várias coisas, só puderam ouvir dele as seguintes palavras: — ''Para que é já porfiar nisso? Se eu houvera de dar tal licença para se tirar a cabeça desse homem, já a houvera de dar; mas para que me não porfiem, afirmo que quando virem tirar dali a cabeça de Melchior Afonso, que se há-de por a minha; e com isto vão todos desenganados e se não cansem mais''. Com esta imprudente e desumana resposta se retiraram aquelas pessoas, injuriadas do mau acolhimento que tivera a sua caridade, e ficaram esperando o resultado da profecia do conde regedor, que sortiu o seu efeito por altos juízos de Deus<ref>Este caso aplicam outros à cabeça do fidalgo João de Betancor, e que este mesmo, quando o degolavam, predisse o tal sucesso. O caso é certo, mas o sujeito Deus o sabe. (Cordeiro, Livro 6.º, capítulo 30, § 328 da ''História Insulana'').</ref>.
 
Mandou outrossim o conde Manuel da Silva, que o piloto Francisco Gil fosse levado ao pomar dos aposentos dele conde, em que estava o tronco e o lugar em que se haviam dado os tormentos e tratos de fogo ao finado Melchior Afonso; e depois de ordenar que ele se confessasse (acto que a todos se mandava fazer) começou a dar-lhe tormentos; porém, o miserável piloto logo em princípio confessou tudo quanto havia dito ao falsário Amador Vieira, pelo que o mandou o conde recolher à cadeia, e autuada a sua confissão, que ele assinou, em breve espaço lhe foi ordenado que arrazoasse a final em termo de 24 horas; o que de nada lhe aproveitou, porque foi condenado em perdimento de vida, e sua fazenda confiscada para a Coroa. Havia esperanças de que e conde perdoasse a este homem, e ele mesmo dizia que não duvidaria fazê-lo se pudesse ter a certeza de que o mestre de campo Baptista perdoasse também ao seu piloto, que era igual cúmplice no crime, como já dissemos. E com efeito, vendo este que o conde mandava enforcar a Francisco Gil, mandou igualmente enforcar o seu piloto na forca do cais, sem lhe dar tratos porque confessou o delito<ref>Este francês era homem de 40 anos, e ainda que o mestre de campo general o mandou enforcar, como fizera a outros, sem preparação espiritual, logo que ele soube que morria, mandou chamar um confessor, e se dispôs. E sabendo os irmãos da Misericórdia que o condenado ia a padecer, lhe foram a toda a pressa acudir com os necessários socorros, e com os padres que o ajudassem a bem morrer, como cristão que era. Toda a cidade lamentou a morte deste francês, que deu muitos sinais de predestinado.</ref>.
 
Não param aqui as tremendas operações da justiça contra as pessoas suspeitas. Achavam-se presos muitos homens leigos, e clérigos; e por não caberem na cadeia, estavam alguns no aljube. Ali se achava também preso Álvaro Pereira de Lacerda, ''homem bastante velho, muito avisado, de nobre geração e rico''<ref>Citada ''Relação'', capítulo 71. À varonia deste ilustre cidadão anda actualmente em Diogo Pereira de Lacerda, morador em Angra, e administrador do morgado por aquele instituído.</ref>. Servia nesta ilha de mamposteiro dos cativas, e nas Ilhas de Baixo; era também lealdador mor dos [[w:Pastel|pastéis]], e parece que dele tinha Manuel da Silva algumas culpas, por falar contra o Rei. E suposto que até ali disfarçava com ele, procurando, como se suspeitou, o modo mais oportuno para lhe tirar o dinheiro da remissão dos cativos, agora, tanto que o conde o achou inscrito no rol de Melchior Afonso, o prendeu; e se bem que soltasse outros sob fiança, não lha quis admitir a ele.
 
Qualquer que fosse o intento do conde, ele ordenou dar tormentos a este venerando ancião Álvaro Pereira, e mandou que o trouxessem ante si. Correu logo pela cidade a fama deste mandato, de cuja execução ninguém parecia duvidar, e sabendo-se igualmente no mosteiro da Esperança, em que servia de abadessa uma das duas irmãs que ali tinha o suposto réu, correram ambas à portaria, e a portas abertas esperavam que passassem os oficiais de justiça trazendo do aljube o irmão, para o abraçarem.
 
Após estas religiosas concorreu toda a comunidade, e o motim fui grande. Chegando enfim o prisioneiro, foi tão grande o pranto, e tais as instâncias com o meirinho para lhe relaxar a prisão, que ele se viu quase nas circunstâncias de pedir socorro ao braço militar. No entretanto puderam as religiosas conseguir que Álvaro Pereira se confessasse (desconfiavam todos que ele sobrevivesse aos tratos, em razão da sua avançada idade) e valendo-se da demora que isto havia, a toda a pressa escreveram uma carta ao conde, cheia de muitos conceitos e veneração, rogando-lhe somente dilação no caso, e alegando em seu favor os serviços que haviam feito a El-Rei D. António, seu amo.
 
Em conclusão, chegando o prisioneiro Álvaro Pereira de Lacerda à presença do conde, travaram entre si um tão extenso diálogo já a respeito da sua tardança, já sobre os meios espirituais que o réu tinha procurado para a hora do suplício, pedindo-lhe ainda lhe mandasse chamar outro confessor, que era o licenciado Manuel Gonçalves, que deu tempo a que chegasse a carta das religiosas da Esperança, por mão de certa mulata a qual, achando as portas do palácio fechadas, saltou pela cerca do mosteiro dos padres de S. Francisco, com favor deles, e entregou a carta ao conde. Admirado ele de ver ali a mulata, e certo do empenho das mencionadas religiosas que lhe pediam a dilação da causa do réu, disse à mulata ''Ide dizer às senhoras madres, que lhe concedo quanto me pedem, e muito mais farei por amor delas''. Saiu então a mulata a dar parte do que passara, e Álvaro Pereira foi conduzido à prisão, na qual se conservou até ser entrada a ilha.
 
Como havia muita falta de gente para o serviço militar, todos os indivíduos que chegavam capazes de pegar em armas o conde os recrutava, e mandava logo para os castelos e fortes, e para bordo das armadas; e porque todos procuravam escapar-se a tão perigoso serviço, o conde não cessava de os persuadir ou ameaçar, com o fim de os conter na disciplina fazendo-lhes ver que ele mesmo deixara a condessa sua mulher, dotada de excelentes virtudes e que tanto amava, e a seus próprios filhos, só para vir em serviço de El-Rei D. António, com muito risco de sua vida, podendo estar seguro e descansado em sua casa. Estes e outros argumentos de igual peso lhes fazia o conde repetidas vezes, sem que aproveitasse a impedir em muitos o desejo de se evadirem da ilha para fora. De maneira que achando-se nestas arriscadas conjunturas, falaram a um Salvador Francisco, velho de mais de 80 anos, que possuía um barco da carreira das ilhas, para que transportasse à [[w:Ilha de São Miguel|ilha de São Miguel]] 10 ou 12 passageiros à custa de um vantajoso frete; e disto foi agente um João Lopes; mas recusando ir na companha um dos marinheiros, não guardou o segredo: e sabendo-o Manuel da Silva, mandou prender a todos aqueles passageiros, e que fossem levados à cerca dos paços reais com o dito mestre do barco. Ali mandou pôr a tormentos ao dito Lopes, o qual, vendo o aparato de tão cruéis suplícios, confessou tudo quanto fizera. Passando então o conde a perguntar o velho Salvador Francisco, tanta simplicidade e candura achou nas suas respostas, afirmando o velho que nunca expressamente se lhe proibira aquele negócio, e que nisto ganhava sua vida, que de boa vontade lhe perdoou, e a todos os outros acusados. Mui louvada foi nesta ocasião a prudência do conde; apesar disto o pobre velho intentou abusar daquele favor, continuando no tráfico de transportar fugitivos para fora da terra, motivo porque Manuel da Silva o mandou prender a bordo de uma emborcação com o referido seu agente João Lopes, e ali os fez empregar nos trabalhos que lhes eram próprios.
==Notas==
<references />
 
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