Eu (Augusto dos Anjos, 1912)/Poema Negro: diferenças entre revisões

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[[Categoria:Texto rubricado pelo autor em 1906]]
''A Santos Neto''
[[Categoria:Eu (Augusto dos Anjos, 1912)]]
 
Para iludir minha desgraça, estudo.
 
Intimamente sei que não me iludo.
 
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
 
Nos meus olhares fúnebres, carrego
 
A indiferença estúpida de um cego
 
E o ar indolente de um chinês idiota!
 
A passagem dos séculos me assombra.
 
Para onde irá correndo minha sombra
 
Nesse cavalo de eletricidade?!
 
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
 
- Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
 
E parece-me um sonho a realidade.
 
Em vão com o grito do meu peito impreco!
 
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
 
Eu torço os braços numa angústia douda
 
E muita vez, á meia-noite, rio
 
Sinistramente, vendo o verme frio
 
Que há de comer a minha carne toda!
 
É a Morte - esta carnívora assanhada -
 
Serpente má de língua envenenada
 
Que tudo que acha no caminho, come...
 
- Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,
 
Sai para assassinar o mundo inteiro,
 
E o mundo inteiro não lhe mata a fome!
 
Nesta sombria análise das cousas,
 
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
 
E as suas partes podres examino...
 
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,
 
Na podridão daquele embrulho hediondo
 
Reconheço assombrado o meu Destino!
 
Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
 
Então meu desvario se renova...
 
Como que, abrindo todos os jazigos,
 
A Morte, em trajes pretos e amarelos.
 
Levanta contra mim grandes cutelos
 
E as baionetas dos dragões antigos!
 
E quando vi que aquilo vinha vindo
 
Eu fui caindo como um sol caindo
 
De declínio em declínio; e de declínio
 
Em declínio, com a gula de uma fera,
 
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
 
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!
 
Chegou a tua vez, oh! Natureza!
 
Eu desafio agora essa grandeza,
 
Perante a qual meus olhos se extasiam
 
Eu desafio, desta cova escura,
 
No histerismo danado da tortura
 
Todos os monstros que os teus peitos criam.
 
Tu não és minha mãe, velha nefasta!
 
Com o teu chicote frio de madrasta
 
Tu me açoitaste vinte e duas vezes,
 
Por tua causa apodreci nas cruzes,
 
Em que pregas os filhos que produzes
 
Durante os desgraçados nove meses!
 
Semeadora terrível de defuntos,
 
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
 
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
 
Acorda, e após gritar a última injúria,
 
Chocalha os dentes com medonha fúria
 
Como se fosse o atrito de dois ferros!
 
Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
 
Tu mataste o meu tempo de criança
 
E de segunda-feira até domingo,
 
Amarrado no horror de tua rede,
 
Deste-me fogo quando eu tinha sede...
 
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!
 
Súbito outra visão negra me espanta!
 
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.
 
A treva invade o obscuro orbe terrestre
 
No Vaticano, em grupos prosternados,
 
Com as longas fardas rubras, os soldados
 
Guardam o corpo do Divino Mestre.
 
Como as estalactites da caverna,
 
Cai no silêncio da Cidade Eterna
 
A água da chuva em largos fios grossos...
 
De Jesus Cristo resta unicamente
 
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
 
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos!
 
Não há ninguém na estrada da Ripetta.
 
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,
 
As luzes funerais arquejam fracas...
 
O vento entoa cânticos de morte.
 
Roma estremece! Além, num rumor forte
 
Recomeça o barulho das matracas.
 
A desagregação da minha Idéia
 
Aumenta. Como as chagas da morféia
 
O medo, o desalento e o desconforto
 
Paralisam-me os círculos motores.
 
Na Eternidade, os ventos gemedores
 
Estão dizendo que Jesus é morto!
 
Não! Jesus não morreu! Vive na serra
 
Da Borborema, no ar de minha terra,
 
Na molécula e no átomo... Resume
 
A espiritualidade da matéria
 
E ele é que embala o corpo da miséria
 
E faz da cloaca uma urna de perfume.
 
Na agonia de tantos pesadelos
 
Uma dor bruta puxa-me os cabelos.
 
Desperto. E tão vazia a minha vida!
 
No pensamento desconexo e falho
 
Trago as cartas confusas de um baralho
 
E um pedaço de cera derretida!
 
Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme
 
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
 
Os olhos ensangüento na vigília!
 
E observo, enquanto o horror me corta a fala
 
O aspecto sepulcral da austera sala
 
E a impassibilidade da mobília.
 
Meu coração, como um cristal, se quebre
 
O termômetro negue minha febre,
 
Torne-se gelo o sangue que me abrasa
 
E eu me converta na cegonha triste
 
Que das ruínas duma casa assiste
 
Ao desmoronamento de outra casa!
 
Ao terminar este sentido poema
 
Onde vazei a minha dor suprema
 
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
 
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
 
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
 
Daqui por diante não farei mais versos
 
''([[Eu (Augusto dos Anjos)|Eu]], 50)''
 
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[[Categoria:1912Poesia brasileira]]