Uma Campanha Alegre/II/XXXV: diferenças entre revisões

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[[Categoria:Uma Campanha Alegre|Volume II, Capítulo 35]]
 
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XXXV
 
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a um poste e atravessado de balas.
 
Podia supor-se ainda que o soldado Barnabé, na reclusão mortuária da sua casamata, não conheceria esta discussão, que é para ele alternadamente — bandeira da misericórdia e dobre de finados. Mas qual! O soldado Barnabé conhece os jornais. O soldado Barnabé lê os jornais, e, o que é pior, tendo um correspondente improvisado, sobre
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ele, uma anedota excessiva, o soldado Barnabé escreveu para os jornais. O soldado Barnabé ''rectificou.'' De modo que devemos crer que ele todas as manhãs abre a gazeta e vai procurar no artigo de fundo, soletrando a prosa florida — a probabilidade de viver ou a probabilidade de morrer!
 
Ora os que pedem a comutação da pena, compreendem-se, têm por si a beleza do sentimento: é a piedade, o respeito da vida, o ódio das penas irreparáveis — que vivem e suplicam na sua prosa. São simpáticos, são sensíveis.
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Na Disciplina militar.
 
E é a primeira vez em Portugal que a Disciplina se estreia como ''razão.'' Nunca fora invocado este personagem: desde a deserção do soldado até à insurreição do general — tudo se tem passado tranquilamente, sem que a disciplina se adiante a reclamar os seus direitos ; — estava há tanto tempo calada, tácita, inactiva, indiferente, desinteressada, que todos supunham que ela pedira a sua reforma e gemia, nos subúrbios, um reumatismo antigo.
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Mas trata-se de uma vida — e vemos de repente, surpreendidos, a disciplina aparecer entre as colunas dos jornais, e pedir essa vida em seu nome e para sua garantia.
 
Sem o que a Disciplina não responde por si. Ou lhe dão o soldado Barnabé crivado de balas, ou a Disciplina se rebaixa inteiramente, e publicamente, nas ruas, se desabotoa.
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Entendamo-nos com a Disciplina. Ela tem em nós dois respeitadores imutáveis.
 
Ela é a honra activa do exército, a sua consciência, a sua dignidade. Para ela se manter intacta e perfeita, se forem necessários cadáveres, encostem-se homens ao muro
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e forme-se o piquete de execução; nós não temos o respeito sentimental e lírico da vida humana, ou antes temos o respeito excessivo da vida pública e social, para hesitarmos em lhe sacrificar Barnabé ou João. Mas o que é necessário é que a Disciplina militar, que vem pedir essa vida para garantia da sua conservação, seja verdadeiramente e legitimamente a disciplina militar: isto é — a disciplina perfeita, sem nódoa, virgem de deserções e de revoltas, sem defecções e sem traições, tendo a religião da lei até à
 
Deu-se ultimamente um facto singular: o soldado Barnabé mata o seu alferes com um tiro, e é, pelo conselho de guerra, condenado a ''ser passado pelas armas.''
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Barnabé, espera que os srs. jornalistas e curiosos decidam — se ele pode continuar a aquecer-se ao sol, ou se deve ser encostado a um poste e atravessado de balas. superstição, a obediência do dever até à minuciosidade, rigorosa, exemplar, intacta, rígida e prussiana. Se esta disciplina, para se conservar assim, pede sangue, atirem-se-lhe baldes de sangue!
 
Mas se é uma disciplina exautorada e desmoralizada, desfigurada e poluída por todas as revoltas e todas as desobediências, a que nos vem pedir, para se desafrontar, a execução de um homem — encolhem-se os ombros. É como se uma prostituta se viesse queixar de que lhe deram mais um beijo! Pois tudo a disciplina tem sofrido sem se queixar! Corpos desorganizados, regimentos insubordinados, desordens nos quartéis, dissolução nos costumes, traições nas fileiras, roubos nos armamentos, desfalques nos ranchos — está ferida, está extinta, está perdida — e de repente ergue-se e grita que a quiseram
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violar e que matem o violador! E há quantos anos te estás tu deixando violar, de semana em semana?
 
És tu que fazes os Barnabés. Quando um exército se sente desorganizar, sem reagir, alimenta a desobediência; e como perde o brio militar, o espírito de camaradagem, a atenção pelos inferiores e o respeito pelos superiores — termina-se pelo tiro; à anarquia da disciplina segue-se a tirania da brutalidade. Um general que leva os seus soldados à revolta, termina na última escala pelo soldado que dá tiros nos seus oficiais. É a quem tem melhor pontaria.
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Escreve-se isto.
 
Não é mau. De modo que temos o exército sem espírito militar, sem instrução, sem manobras, sem hábitos de marcha e de acampamento, sem vigor físico, sem fé patriótica, os arsenais sem armas, a artilharia sem peças, os quartéis sem condições, as escriturações sem regularidade, os quadros sem
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gente, os estados-maiores sem talento, os coronéis sem fidelidade, os soldados sem disciplina — e qual o remédio para tudo isto?
 
— Matar o soldado Barnabé!
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Inverno.
 
Ora se eles são enérgicos e sentem em si a força das criações proveitosas, devem estar consertando a casa, vidro por vidro, e sustentando a disciplina caduca, cadáver por cadáver? — Não. Arrasem a casa e façam-na de novo. Depois se algum soldado resmungar, então sim: encostem-no ao muro e crivem-no de balas.
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de balas.
 
Até lá, sejamos mais benévolos — e não seja o pobre Barnabé que vá estrear — o novo sistema de armas!