O Homem/XII: diferenças entre revisões

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Sorriu logo, satisfeita: era o mesmo lugar em que na véspera havia pegado no sono acalentada pelo amante. - Era, que dúvida! - lá estavam as mesmas árvores, agora tranqüilas e confortadas; as mesmas paineiras sussurrantes, o inalterável regato de águas diamantinas em que se destacavam os nenúfares, formando pequenas ilhas cor de esmeralda e guarnecidas de grandes flores vermelhas e brancas. E, como para se certificar de que o seu amado ainda era também o mesmo, pôs-se a tatear-lhe a musculatura dos braços e do peito.
 
— Era ele mesmo! Era! Nem outro possuía aquela rijeza de carnes junto àquela maciez de pele.
 
Apalpou-o todo. Depois, como se ainda não estivesse bem convencida, esfregou o rosto nas barbas dele, meteu os dedos por entre os anéis do seu cabelo, cheirou-lhe a boca.
 
— Era! Era o mesmo! cheirava a murta.
 
E beijou-o.
 
Olha, falou o moço. — Enquanto dormias tu, andei por aí colhendo estas frutas. Deves sentir fome.
 
- E' verdade, respondeu Magdá. — Tenho uma fome enorme. Há muito tempo que não como.
 
E ergueu-se a meio para o banquete.
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Ela comeu e pediu outro bocado, mas queria assim mesmo - de boca para boca.
 
— Como é bom! Como é bom! repetia batendo palmas.
 
— Estes, que estão picados de passarinho, são os mais doces. Olha! experimenta.
 
Ela afinal deitou-se no colo dele, para comer à moda das crianças. O rapaz escolhia os melhores frutos, mordia-os primeiro e dividia o pedaço com ela, ambos a rirem-se muito desta brincadeira.
 
— Mais! mais!
 
Ele mostrou uma grande manga.
 
— Oh! Que bela! exclamou a filha do Conselheiro, tomando em cheio nas mãozinhas a imensa manga que o companheiro lhe apresentava. E, farta de admirá-la, lembrou com um repente
 
— Vamos chupá-la os dois juntos?...
 
— Como?
 
— Deita-te aqui no chão, ao meu lado. Assim!
 
E, uma vez deitados, começaram, com o rosto muito unidos, a chuchurrear a manga, como se mamassem ao mesmo tempo por uma só teta. Magdá sentia com isto uma volúpia indefinível; de vez cm quando despregava os lábios da fruta, para poder olhar o amigo, soltava uma risadinha e continuava a mamar. Quando se sentiram satisfeitos, ele foi buscar água na parra de um tinhorão e deu de beber à companheira.
 
— Bem, disse depois. — Agora vamos dar um passeio.
 
— Sim, mas eu não posso ir muito longe. Sinto-me ainda tão fraca...
 
— Eu te carregarei, quando não puderes andar. Encosta-te a mim.
 
Magdá ergueu-se e pôs-se a caminhar vagarosamente ao lado do amante, toda reclinada sobre ele; os braços na cintura um do outro. Ouviam-se então cantar as aves e as plantas inclinavam-se com ternura e respeito por onde seguia o amoroso par; a folhagem tinha sorrisos; as boninas beijavam-lhes os pés.
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Chegaram à beira do regato e Magdá mirou-se nágua com faceirice de noiva. Ao seu lado refletia-se a robusta figura do moço.
 
— Dá-me algumas flores, pediu ela. — Quero enfeitar-me para te parecer mais bonita. Estou tão magra!...
 
Ele afastou-se e voltou logo com um braçado de rosas, magnólias, jasmins e manacás. O ambiente trescalou de aromas. Magdâ soltou o cabelo e depois, a rever-se na própria imagem refletida a seus pés, fez novas tranças em que ia intercalando flores com o mimoso capricho de quem faz uma obra d'arte. O moço olhava-a sorrindo.
 
— Vaidosa... murmurou.
 
— Ingrato! E' para te agradar... E ela, quando deu por pronto o seu toucado, foi colocar-se defronte do amigo para receber os afagos da aprovação.
 
— Senta-te aqui, disse este, em seguida a um beijo.
 
A amante obedeceu; ele deitou-se na relva e pousou a cabeça no colo de Magdá, que começou a afagar-lhe os cabelos, segredando ternuras, vergando-se sobre o seu rosto, para alcançar-lhe os lábios. Estiveram assim um tempo infinito; alheios e esquecidos de tudo, bebendo pela boca um do outro o vinho da sua animalidade, embriagando-se de camaradagem, aos poucos, voluptuosamente; até que, ébrios de todo, se deixaram rolar ao chão e se quedaram abraçados, mudos, inconscientes, quase mortos na deliciosa prostração do coma venéreo.
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Só deram por si ao declinar do dia. Continuaram o passeio.
 
— Que ruído é este? perguntou Magdá, parando em certa altura da floresta.
 
— Não tenhas medo, meu amor, é o trapejar de uma cascata que fica do outro lado da montanha. Havemos de lá ir um dia.
 
— Espera! Parece que vai chover... Senti uma gota dágua cair-me na face.
 
— Vai, sim, mas não faz mal; nós nos recolhemos à gruta.
 
— Que gruta?
 
— Verás. Fica muito perto daqui. Vamos.
 
Principiava com efeito a chuviscar. Ele tomou Magdá nos braços e correu para a gruta, que em verdade, era muito perto dali. Consistia numa grande rocha negra, toda encipoada de heras e parasitas com uma pequena fenda que mal dava passagem a uma só pessoa de cada vez. O cavoqueiro transpôs a brecha e em seguida fez entrar a companheira.
 
— Agora pôde lá fora chover a cântaros! Declarou — estamos perfeitamente agasalhados.
 
Magdá olhou em torno de si na meia escuridão da caverna, e notou que se achava num lugar muito aprazível, de atmosfera de alcova. Os seus pés eram embebidos em armelina e doce alfombra; suas mãos tocavam nas paredes uma penugem macia que lembrava a pluma do algodão. Era um ninho, um verdadeiro ninho de musgo cheiroso, aveludado e tépido.
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O rapaz deixou-se cair em cheio sobre o tapete de relva, arrastando Magdá na queda. E, fechando-a nos seus braços, disse-lhe com o rosto unido ao dela:
 
— Não ouves lá fora um arrulhar mavioso e triste?...
 
— Sim, porque ?
 
— É o urú que anuncia a noite. Vamos dormir.
 
E ela sonhou que adormecia, justamente na ocasião em que acordava na vida real. O gemebundo piar das rolas desdobrou-se na monótona e pesarosa cantilena dos trabalhadores da pedreira.