O Coruja/I/IV: diferenças entre revisões

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|obra=[[O Coruja]]
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Voltou-se e, apertando os olhos com um ar mais insolente que nunca, exclamou para o grupo:
 
— Aquele de vocês que me insultou, se não é um covarde, apresente-se! Estou disposto a dar-lhe na cara!
 
Ninguém respondeu.
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Teobaldo franziu o lábio com tédio e, atirando ao grupo inteiro, por cima do ombro, um olhar de desprezo, afastou-se. dizendo entredentes:
 
— Canalha!
 
Mas, ao chegar pouco depois à chácara, seis meninos dos mais fortes dos que compunham o grupo, aproximaram-se dele e exigiram que Teobaldo sustentasse o que havia dito no salão.
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Exposto o ocorrido, foi o Coruja interrogado e confessou que era tudo verdade: "Batera em alguns de seus companheiros".
 
— Pois então recolham-no ao quarto do castigo, disse o diretor. Passará aí o domingo, fazendo considerações sobre o inconveniente das bravatas!
 
— Perdão! observou Teobaldo; quem tem de sofrer esse castigo sou eu! Fui o causador único da desordem. Este menino não tem a menor culpa!
 
E apontou para o Coruja.
 
— Ó senhores! Pois se eu o vi atracando-se aos outros, como um demônio! exclamou o inspetor.
 
— E ele próprio o confessa... acrescentou o diretor. Vamos! Cumpra-se a ordem que dei!
 
— Nesse caso eu também serei preso, respondeu Teobaldo.
 
E tão resolutamente acompanhou o colega, que ninguém o deteve.
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Logo que os dois meninos se acharam a sós, Teobaldo foi ter com o Coruja e disse, apertando-lhe a mão:
 
— Obrigado.
 
André fez um gesto com a cabeça, equivalente a estas palavras: "Não tem que agradecer, porque o mesmo faria por qualquer criatura".
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Se o senhor fazia parte do grupo que insultei, volveu Teobaldo, peço-lhe desculpa.
 
— Não fazia, respondeu o outro, dispondo-se a entregar-se de corpo e alma à sua ingrata flauta.
 
Felizmente para o colega, foram interrompidos por uma pancada na porta.
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Teobaldo correu a receber quem batia, e soltou logo uma exclamação de prazer:
 
— Oh! Você, Caetano! Como estão todos lá e casa? Mamãe está melhor? E papai, papai que faz que não vem me ver, como prometeu?
 
Caetano, em vez de responder, pousou no chão uma cesta que trazia, e abriu os braços para o menino, deixa do correr pelo sorriso de seu rosto duas lágrimas de ternura que se lhe escapavam dos olhos.
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Por enquanto diremos apenas que o bom Caetano. viu crescer ao seu lado o pai de Teobaldo; que o acompanhou tanto nas suas primeiras correrias de rapaz, como mais tarde nas suas aventuras políticas durante as revoluções de Minas; e que a intimidade entre esses dois companheiros por tal forma os identificou, que afinal criado era já consultado e ouvido como um verdadeiro membro e amigo da família a que se dedicara.
 
— Mas, Caetano, que diabo veio você fazer aqui? perguntou Teobaldo. Há novidade lá por casa? Fale; Mamãe piorou?
 
— Não; graças a Deus não há novidade. A senhora baronesa não piorou, e parece até que vai melhor; o que ela tem é muitas saudades de vossemecê.
 
— E papai, está bom?
 
— Nhô-Miló (era assim que chamava o amo) está bom, graças a Deus. Foi ele quem me mandou cá. Vim trazer um dinheiro ao doutor.
 
— Ah! Ao diretor? Quanto foi?
 
— Trezentos mil réis.
 
— Seriam emprestados, sabes?
 
— Creio que sim, porque trouxe uma letra que tem de voltar assinada...
 
— E isso que trazes aí no cesto é para mim?
 
— É, sim senhor. É a senhora baronesa quem manda.
 
Teobaldo apressou-se a despejar a cesta. Vinham doces, queijo, nozes, figos secos, passas, amêndoas, frutas cristalizadas e uma garrafa de vinho Madeira.
 
— Isto é que é pouco; devia ter vindo mais... considerou ele, pousando a garrafa no chão.
 
— Pois fique sabendo que, se não fosse Nhô-Mjló, nem essa teria vindo... A senhora baronesa chegou a zangar-se com ele.
 
E, mudando de tom:
 
— Mas é verdade, vossemecê está preso?
 
— Qual! Estou aqui porque assim o quis.
 
Em quatro palavras Teobaldo contou o motivo da sua prisão.
 
— Ah! disse o criado, vossemecê é seu pai, sem tirar nem pôr!
 
— Sim, mas não contes nada em casa...
 
— Não há novidade, não senhor!
 
E, depois de conversarem ainda mais alguma coisa, Caetano abraçou de novo o rapaz, despediu-se do outro e retirou-se, pretextando que não convinha demorar-se para não chegar muito tarde à fazenda.
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Outra vez fechada a prisão, Teobaldo, restituído ao seu bom humor com o presente da família, voltou-se, já risonho, para o companheiro e disse, batendo-lhe no ombro:
 
— Ao menos temos aqui com que entreter os queixos. E, dispondo tudo sobre uma cadeira, principiou a expor o conteúdo dos pacotes e das caixinhas de doce: Felizmente a garrafa está aberta e o púcaro dágua serve para beber vinho. Não acha que isto veio a propósito?
 
— É, resmungou o Coruja.
 
— Pois então, mãos à obra! Gosta de vinho?
 
— Não sei...
 
— Como não sabe?
 
— Nunca provei.
 
— Nunca? Oh!
 
— É exato.
 
— Pois experimente. Há de gostar.
 
André entornou no púcaro três dedos de vinho e bebeu-o de um trago.
 
— Que tal? perguntou o outro fazendo o mesmo.
 
— É bom! disse Coruja a estalar a língua.
 
— Com um pouco de queijo e doce ainda é melhor, atire-se!
 
André não se fez rogado, e os dois meninos, em face um do outro, puseram-se a petiscar, como bons amigos. Teobaldo, porém, depois de repetir várias vezes a dose do vinho, precisava dar expansão ao seu gênio comentador e satírico; ao passo que o companheiro saboreava em silêncio aqueles delicados pitéus, que chamavam ao mal confortado paladar delícias inteiramente novas e desconhecidas para ele.
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E contentava-se a resmungar, de vez em quando:
 
— É muito bom? É muito bom!
 
— Pois eu, sempre que receber presentes lá de e prometeu o outro, hei de chamá-lo para participar deles. Está dito?
 
— Está.
 
— Você chama-se...
 
— André.
 
— De...
 
— Miranda.
 
— André Miranda.
 
— De Melo.
 
— Ah!
 
— E Costa.
 
— Não sabia. Como todos no colégio só o tratam por "Coruja"...
 
— É alcunha.
 
— Foi aqui que lha puseram?
 
— Foi.
 
— Por quê?
 
— Porque eu sou feio.
 
— E não fica zangado quando lhe chamam assim?
 
— Não.
 
— Eu também faria o mesmo, se me pusessem alguma. Os nossos colegas são todos uns pedaços dasnos, não acha?
 
Coruja sacudiu os ombros e Teobaldo, um pouco agitado pelo Madeira, começou a desabafar todo o ressentimento que até ai reprimia com tanto orgulho. Falou francamente, queixou-se dos companheiros, julgou-os a um por um, provando que eram todos aduladores e invejosos.
 
— Não quero saber deles para nada! exclamou indignado. Você é o único com que me darei!
 
E, muito loquaz e vário, passou logo a falar dos colégios europeus, do modo pelo qual aí se tratavam entre si os estudantes, dos modos de brincar, de estudar em comum, do modo, enfim, pelo qual se protegiam e estimavam.
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Quando Salustiano veio abrir-lhes a porta à hora do jantar, encontrou Teobaldo de pé, a discursar em voz alta, a gesticular vivamente, defronte do outro que, estendido na cadeira, toscanejava meio tonto.
 
— Então? exclamou o homem das barbas longas. - Que significa isto?
 
— Isto quê, ó meu cara de quebra-nozes? interrogou Teobaldo soltando-lhe uma palmada na barriga.
 
— Menino! repreendeu o homem; não quero que me falte ao respeito!
 
— E um pouco de Madeira, não queres também?
 
— O senhor bem sabe que aqui no colégio é proibido aos alunos receberem vinho.
 
— Para os outros, não duvido! Eu hei de receber sempre, se não digo ao velho que não empreste mais um vintém ao diretor.
 
— Não fale assim... O senhor não se deve meter nesses negócios.
 
— Sim, mas em vez de estares aí a mastigar em seco e a lamber os beiços, é melhor que mastigues um pouco de requeijão com aquele doce.
 
— Muito obrigado.
 
— Não tem muito obrigado. Coma!
 
E Teobaldo, com sua própria mão, meteu-lhe um doce na boca.
 
— Você é o diabo! considerou Salustiano, já sem nenhum sinal de austeridade. E, erguendo a garrafa à altura dos olhos: - Pois os senhores dois beberam mais de meia garrafa de vinho? !.
 
André ao ouvir isto, começou a rir a bandeiras despregadas, o que fazia talvez pela vez primeira em sua vida.
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Pelo menos, o fato era tão estranho que tanto Salustiano como Teobaldo caíram também na gargalhada.
 
— E não é que estão ambos no gole?... disse homem, a cheirar a boca da garrafa e, sem lhe resistir ao bom cheiro, despejou na própria o vinho que restava.
 
— Que tal a pinga? perguntou Teobaldo.
 
— É pena ser tão mal empregada... responde o barbadão a rir.
 
— Este Salustiano é um bom tipo! observou o menino, enchendo as algibeiras de frutas e doces.
 
— Ora, quando o diretor não pode com o senhor eu é que hei de poder...
 
E, querendo fazer-se sério de novo:
 
— Vamos! Vamos! Aviem-se, que está tocando a sineta pela segunda vez!
 
— Não vou à mesa, respondeu Teobaldo - daqui vou para o jardim; diga ao doutor que estamos indispostos.
 
E, voltando-se para o Coruja.
 
— Oh! André! toma conta de tudo isso e vamos lá para baixo ouvir a flauta do Caixa-dóculos.
 
[[Categoria:O Coruja|Primeira Parte, Capítulo 04]]