O Coruja/II/III: diferenças entre revisões

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Uma vez em que Teobaldo à secretária respondia às cartas da família, ela tomou-lhe a cabeça entre as mãos e beijou-lhe os olhos.
 
— Que é isso? perguntou ele.
 
— Não ralhes comigo...
 
— Vejo fogo!
 
Ernestina obedeceu e foi colocar-se depois ao lado dele.
 
— Queres que me vá embora?... perguntou no fim de algum silêncio.
 
— Pode ir.
 
Ela deu alguns passos para sair da sala, mas voltou na ponta dos pés.
 
— Por que me tratas assim!... disse encostando a cabeça na dele.
 
— Ainda? exclamou Teobaldo, sem levantar a pena do papel.
 
— Estás farto de mim, não é?
 
— É.
 
— Ingrato!
 
Ele não lhe deu mais uma só palavra e continuou a escrever até que Ernestina se foi embora, a enxugar as lágrimas.
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Uma noite, ela o fitou com mais insistência e perguntou-lhe se queria que o Almeida fosse para o olho da rua.
 
— Mas a senhora não disse que era casada com ele?
 
— Tu bem sabes que não sou, e sabes igualmente que serei muito capaz de lhe fechar a porta, se o ordenares.
 
— Deixa-te disso, filha!
 
— É porque não me amas...
 
— Talvez.
 
O rapaz, com efeito, nada sentia do que ela experimentava por ele. Deixava-se adorar com uma indiferença de verdadeiro ídolo: tanto se lhe dava que aquilo acabasse logo.
 
— Deixa-te estar, profetizava ela; deixa-te estar, que algum dia serei vingada! Deus é grande! Hás de encontrar uma mulher que judie contigo ainda mais do tens judiado comigo!
 
E as angústias e dissabores de D. Ernestina foram crescendo à proporção que Teobaldo ia conhecendo a corte e à medida que ele se relacionava e desenvolvia.
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Teobaldo ficou furioso com as reprovações do amigo.
 
— Ora entendam lá esta gente! exclamou entre um grupo de colegas. A mim, que passei pelos livros, como gato por brasas, - distinção! Ao Coruja, que estudou por vinte, - tome bomba! Ora bolas! Pois então reprova-se um pobre rapaz, só porque ele é acanhado?...
 
O Coruja, ainda assim procurava desculpar os examinadores:
 
— Coitados! dizia ele; não fizeram isso por mal; supunham naturalmente que eu de fato não sabia as matérias. Quem me mandou a mim não ser mais desembaraçado?...
 
— Qual! Nada me convencerá de que este nosso escandaloso sistema de exames é só aproveitável para os charlatas e pomadistas! Os estudantes de tua ordem fazem sempre má figura! Ali só o que se quer é presença de espírito!... E, fica sabendo, tomei tal embirrância a tudo isto, que vou escrever ao velho, dizendo-lhe que estou resolvido a seguir para a Europa. Formo-me em Ciências naturais!
 
— Em ciências naturais!
 
— Em grande peralta é que ele se está formando! afirmava o Sampaio, à vista do dinheiro que Teobaldo retirava por mês de sua casa. É pândega, pândega e mais pândega! O pai afinal não é nenhuma Índia! e se o doido do filho não mudar de rumo, há de dar com a família em pantanas!
 
O Coruja havia então conseguido, com muito custo em razão da sua tremenda antipatia, arranjar alguns discípulos, cujo produto, ligado ao do trabalho de revisão, dava-lhe já para as primeiras despesas.
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Dava uma parte do dia aos seus discípulos e uma parte da noite ao serviço do Jornal. Deitava-se impreterivelmente à uma hora e acordava às cinco da madrugada; não tinha vícios de espécie alguma; não comia senão ao almoço e ao jantar e nem sequer pensava em mulheres.
 
— É um esquisitão! é um selvagem! diziam a respeito dele os amigos de Teobaldo, enquanto que a este qualificavam de "bom rapaz".
 
O Coruja não se incomodava com aquele juízo e, quando o forçavam a prestar contas de suas virtudes, desculpava-se humildemente, como se estivesse a pedir perdão para elas. Se lhe ofereciam charutos: "Desculpe, não fumo". Se lhe ofereciam bebidas: "Não posso, queira desculpar"
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Ao lado da amizade que lhe dedicava, Teobaldo ia criando por ele um certo respeito, que era o freio único para os seus excessos. Às vezes o bonito moço reunia em casa uma troça de amigos, fazia vir o que beber e, entre o fumo dos charutos, discutiam-se todos os assuntos, diziam-se todas as asneiras e a casa transformava-se em um verdadeiro inferno. Mas, sempre que algum dos rapazes se aproximava da mesa de André, que estava ausente, Teobaldo exclamava desviando-o:
 
— Não! aí não mexam! É a mesa do Coruja!
 
Quando também levava à noite para casa algum companheiro meio ébrio, a quem oferecia hospitalidade, dizia-lhe sempre, ao subir as escadas:
 
— Agora, toda a atenção!... O Coruja está dormindo! É preciso não o acordar...
 
E, em completa antítese de gênios e de costumes, iam os dois todavia vivendo juntos. André descobriu um colégio de certa importância, que lhe dava bom ordenado, casa, comida e roupa lavada, com a condição de que ele, além do serviço de professor, havia também de fiscalizar os rapazes à hora do recreio e fazer a escrituração da casa.
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Ensinava latim, francês, português, história e geografia do Brasil; tudo isso com muito método, muita paciência e sem nunca parecer fatigado.
 
— E a respeito de tua formatura? perguntou-lhe o amigo.
 
— Ora! respondeu ele. Formar-me! Acho desnecessário! Minha vocação toda é o professorado, e para isso não preciso ter carta, basta-me saber conscienciosamente as matérias que ensinar.
 
[[Categoria:O Coruja|Segunda Parte, Capítulo 03]]