O Coruja/II/VIII: diferenças entre revisões

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E preciso que também não te deixe levar assim pelo desgosto, dizia-lhe este, procurando meter-lhe ânimo. - A vida não se compõe só de coisas agradáveis! Concordo em que não estejas habituado a certas provações e que por isso as sintas mais do que qualquer; mas, valha-me Deus! um homem deve antes de tudo ser um homem!
 
— Do que me serve a vida?... respondia o outro; do que me serve a vida, se já não tenho as pessoas que mais me amaram?...
 
— E então eu?! reclamava André. - Eu não estou ainda a teu lado?... É uma injustiça o que acabas de dizer!...
 
— Tens razão, é uma injustiça não pensar em ti; mas imagina que será de mim agora, sem recurso e sem o hábito de trabalhar?...
 
— Ora! Deixa-te disso! não pareces um rapaz de 20 anos... Que diabo! com o teu talento e com os teus recursos só quem de todo não quer subir!... Tens um enorme futuro diante de ti.
 
— Ah! Falas assim porque te coube em sorte a inestimável ventura de dar no mundo os teus primeiros passos pelo teu próprio pé e não tiveste, como eu, de entrar na vida carregado ao colo de meus pais! Ah! o trabalho é a alegria e a consolação dos filhos da pobreza, mas é também o castigo e o suplício dos que nasceram ricos e mais tarde se acham no estado em que me vejo!...
 
— Teobaldo! Essas idéias são indignas de ti!
 
— Não! Tudo que eu dissesse ao contrário disto, seria hipocrisia!
 
— É porque estão ainda muito abertos os dois tremendos golpes que acabas de receber tão em seguida um do outro; tenho plena certeza de que em breve a tua coragem se erguerá mais altiva e mais forte do que nunca e que, à força de talento, conseguirás uma invejável posição. Enquanto assim não suceder, cá estou eu ao teu lado para amparar-te; e com isto, não tens que te envergonhar, porque nada mais faço do que seguir os exemplos aprendidos em casa de teus pais, quando me socorreram. Eu te pertenço, meu amigo!
 
Teobaldo, sinceramente comovido, agradeceu aquela dedicação e prometeu que se faria digno dela.
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Qual não foi, porém, a sua decepção, quando, levando trabalho a um jornal, ouvia essas palavras daqueles mesmos que dantes o elogiavam:
 
— Homem! deixe ficar isso... Havemos de ver, mas o senhor bem sabe que o público vai e tornando exigente: é preciso dar-lhe coisas boas!.
 
Teobaldo compreendeu então o alcance de certas palavras de seu pai: "Esconde o mais que puderes a tua necessidade; ela só por si é o pior estorvo que se pede levantar defronte de ti, quando precisares de dinheiro..."
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Era comum vê-lo chegar a casa com uma caixa de charutos debaixo do braço e depo-la ao lado do amigo, dizendo quase envergonhado:
 
— Olha! como estavam a acabar estes charutos e sei que são dos que mais gostas, trouxe-os, porque depois quando fosses procurá-los, já não os encontrarias a venda.
 
E tinha sempre uma desculpa a apresentar, uma razão para disfarçar os seus benefícios. Teobaldo quis privar-se do vinho à mesa; Coruja, que aliás não bebia nunca, opôs-se-lhe fortemente.
 
— Não! disse ele - Estás muito acostumado com o vinho à comida e, por uma miserável economia de alguns tostões, não vale a pena fazeres um sacrifício!.
 
A maior dificuldade era, porém, quando precisava passar-lhe dinheiro, sem lhe ferir, nem de leve, o amor próprio. A princípio tinha para isso uma boa desculpa - os quinhentos mil réis; mas esta quantia não podia durar eternamente e, já por último, dizia o Coruja:
 
— Sabes? quando eu tinha em meu poder aquele teu dinheiro, servi-me de tanto e esqueci-me de repor o que tirei; por conseguinte, se precisares agora receber algum por conta, eu posso pagar.
 
Um dia ele apareceu em casa com um grande rolo de papéis, e disse ao companheiro que o diretor do colégio o havia encarregado de organizar uma seleta muito especial, destinada ao estudo da sintaxe portuguesa.
 
— A coisa não é má... acrescentou o Coruja, abaixando a voz, como quem conspira. - Eles pagam 300$ pelo trabalho...
 
— Bom, fez Teobaldo.
 
— Eu estive a recusar, porque me falta talento; lembrei-me, porém, de que tu, se quisesses.. . podias encarregar-te disso.. . A coisa é maçante, é, mas enfim.. sempre é um achego... Além de que, eu te posso ajudar, sim, quer dizer que..
 
— Ah! Para ajudar não te falta talento! Hipócrita! respondeu Teobaldo abraçando-o.
 
— E se precisares durante a obra de algum dinheiro adiantado... É do contrato! Sabes!
 
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A mãe resplandecia com isso.
 
— Assim desembuchasse por uma vez aquele demônio do Coruja!... exclamava ela às amigas, quando lhe falavam na filha.
 
E tão impaciente se fez com as reservas e meias palavras do futuro genro, que afinal disparatou e disse-lhe às claras:
 
— Homem? você se não tenciona casar com a pequena, é melhor dizer logo, porque não faltará quem a queira! Estas coisas, meu caro, quando não são ditas e feitas, servem apenas para atrapalhar o capítulo!
 
— Oh, minha senhora, respondeu André, se eu não tivesse a intenção de casar com sua filha, há muito tempo que já o teria declarado!..
 
— Pois então!?...
 
— Mas é que ainda não me é possível! Estas coisas não se realizam só com o desejo!
 
— Ora! Com boa vontade tudo se faz!
 
— Nem tudo; entretanto, se a senhora entende que sua filha não pode esperar por mim, é casá-la com outro; não serei eu quem a isso se oponha!... Estimo-a muito, desejo fazer dela a minha esposa, mas não quero de forma alguma prejudicar-lhe o futuro. Se há mais quem a deseje, e se ela acha que deve aproveitar a ocasião, aproveite; porque eu me darei por muito feliz em vê-la satisfeita e contente de sua vida!.
 
— O senhor diz isso porque sabe que ela está disposta a esperar.
 
— Tanto melhor, porque nesse caso realizarei o que desejo.
 
— Mas, se o seu desejo é casar com ela, case-se logo por uma vez! Tanto vive o pobre como vive o rico!
 
E por este caminho a impertinência de D. Margarida foi subindo a tal ponto, que o Coruja, para tranqüilizá-la um pouco, deixou escapar um segredo que a ninguém tinha ainda revelado. Era a idéia de montar um colégio seu, perfeitamente seu, feito como ele entendia uma casa de educação; um colégio sem castigos corporais, sem terrores; um colégio enfim talhado por sua alma compassiva e casta; um colégio, onde as crianças bebessem instrução com a mesma voluptuosidade e com o mesmo gosto com que em pequeninas bebiam o leite materno.