O Coruja/III/XII: diferenças entre revisões

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Pode ser que esse apetite fosse ainda uma conseqüência da sua idéia fixa e dominante - a história do Brasil, obra esta a que ele se escravizara desde os seus vinte anos e da qual nunca se distraíra investigando sempre, inalteravelmente, com a calma e a paciência de um sábio velho que se dedica ao trabalho só pelo prazer de trabalhar, sem a menor preocupação de elogio ou glória. Essa obra ainda estava longe de seu termo, mas representava já uma soma enorme de serviço: compilações de todo o gênero e apontamentos de toda a espécie.
 
— Se eu não conseguir levá-la ao cabo, dizia ele. aí fica bom material para quem o souber aproveitar, dando-lhe a forma literária, que é só o que lhe falta.
 
E isto que ele dizia a respeito da carcassa da sua obra capital, verificou-se logo com os seus apontamentos sobre questões sociais: um dia Teobaldo fez-lhe algumas perguntas a respeito de elemento servil, locação de serviços e colonização. Coruja satisfez as perguntas do amigo e declarou que tinha consigo algumas notas tomadas nesse sentido.
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E assim por diante.
 
— Que diabo tencionas tu fazer disto? perguntou Teobaldo.
 
— Nada, respondeu André, são notas de considerações, que às vezes acodem e que a gente vai colecionando, para, se algum dia precisar...
 
— Mas é um tesouro isto que aqui tens!... Deves publicar estas notas!
 
— Qual! Não despertariam interesse em ninguém; falta-lhes forma literária, não passam de apontamentos; datas, nomes, citações, discursos políticos e nada mais.
 
— Ora! a forma literária é o menos. Isso arranja-se brincando.
 
— Pois se quiseres arranjá-la..
 
— Homem! Está dito! Publicam-se com um pseudônimo. Vais ver o barulhão que isto faz aí!
 
— Não creio.
 
— E eu tenho certeza; só com uma vista dolhos já percebi que tomaste nota de todos os fatos mais curiosos de nossa administração pública nestes últimos tempos.
 
— Ah! Isso é exato; estas notas foram escritas à proporção que se sucediam os fatos, e cada uma tem ao lado as considerações que a respeito dela fez a imprensa.
 
— São minhas! resumiu Teobaldo, guardando na algibeira as notas do Coruja.
 
Daí a dias surgia em público o primeiro artigo dos de uma longa série que então se publicaram e que estavam destinados a dar ao marido de Branca uma nova reputação, uma reputação que ele ainda não tinha: - a de homem de bom senso prático e econômico.
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Branca, porém, sabia ao certo a quem eles pertenciam de direito e ficou muito seriamente indignada contra o marido uma vez em que este, depois de negar a pé junto que não era o autor dos tais artigos, respondera a um tipo que exigia nesse caso que ele desse a sua palavra de honra.
 
— Não! isso não! afianço que os artigos não são meus, mas, quanto a dar palavras de honra, não dou!
 
O fato é que ele ficou sendo desde então considerado uma das primeiras ilustrações do Brasil, tendo ao seu dispor o jornalismo em peso e ao seu serviço a proteção dos homens mais influentes na política.
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Foi então que o Aguiar se chegou para ele e disse, batendo-lhe no ombro:
 
— Ora, se a questão é de seis contos de réis, não tens que te afligir, eu tos empresto; teu crédito não ficará abalado!
 
Teobaldo abraçou-o, declarando que o Aguiar acabava de lhe salvar a honra.
 
— És um verdadeiro amigo! disse-lhe. Se não foras tu, era natural que eu metesse uma bala nos miolos!
 
Quando Branca se achou a sós com o primo, apertou-lhe a mão muito comovida e repetiu pouco mais ou menos as palavras do esposo.
 
— Engana-se, respondeu o Aguiar, não foi por ele aquilo, foi simplesmente em honra da senhora.
 
— Não é então amigo de Teobaldo?
 
— Eu o detesto.
 
— Foi nesse caso só por mim que o socorreu?
 
— Bem sabe que sim.
 
E chegando-se para ela, acrescentou em voz baixa:
 
— E que não faria eu por sua causa? Terei porventura alguma outra preocupação que não seja tornar--me aos seus olhos cada vez mais digno? Terei maior ambição do que vê-la satisfeita comigo e perdoando-me o estimá-la mais do que me é permitido... E tanto assim que nada mais lhe peço além de declarar com franqueza o que quer que eu faça; ordene e ver-me-á submisso e escravo a seus pés cumprindo as suas leis.
 
— Não tenho ordens para lhe dar, nem direito para isso, apenas desejo que meu primo continue a ser meu amigo, e, visto que não está nas mesmas circunstâncias em que eu estou para com Teobaldo, perdoe-lhe as franquezas e as maldades.
 
— Não! Eu só perdoaria àquele vaidoso se ele a deixasse em paz!
 
— Não o compreendo e peço licença para retirar-me, sinto-me indisposta; meu marido não tarda aí e far-lhe-á companhia.
 
Branca afastou-se tranqüilamente, sem se mostrar nem de leve receosa das seduções do primo; ao passo que este, sufocando a sua impaciência, deixou-se ficar imóvel no lugar em que estava, a fitá-la pelas costas com o seu comprido olhar de homem teimoso e vingativo.
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Vinha extremamente pálido e, pelos modos, bastante contrariado.
 
— Oh! que tens tu? perguntou-lhe o outro, indo ao encontro dele. Estás com uma cara! Alguma coisa te contraria ainda?
 
— Nada!
 
— Desconheço-te, homem!
 
— Nada! não tenho nada! necessidade de repouso.
 
— Nesse caso, retiro-me...
 
— Não. Fica à vontade.
 
— Julgas que é muito agradável suportar-te neste estado?...
 
— É exato. Confesso que estou preocupado. Mais tarde saberás por que.
 
— Bem; não falemos mais nisso e conversemos sobre outra coisa.
 
Mas, daí a meia hora, dizia o Aguiar:
 
— Não! Tem paciência! Hoje não posso contigo. Adeus. Voltarei quando estiveres mais admissível.
 
Teobaldo, mal viu sair o amigo, meteu-se no seu gabinete de trabalho, acendeu o gás, fechou-se por dentro e pôs-se a reler uma carta, que tirara da algibeira.