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|obra=[[O Coruja]]
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Uma ocasião, porém, o primo chegou-lhe a falar com tamanha insistência e com tamanha clareza, que ela instintivamente ergueu-se da cadeira em que estava e mediu-o de alto a baixo.
— Por que me trata desse modo?... perguntou o Aguiar, abaixando os olhos e afetando tristeza.
— Porque o senhor assim o merece, respondeu ela imperturbavelmente.
— E terei eu culpa de amá-la tanto?...
— Proíbo-o de repetir semelhante frase, ou ver-me-ei obrigada a tomar medidas mais sérias a este respeito. E, por enquanto, não lhe posso prestar atenção. Com licença.
— Branca! ouça, peço-lhe que me ouça!
— Enquanto não estiver disposto a se portar dignamente para comigo, far-me-á o obséquio de não por os pés nesta casa.
Dito isto, Branca se afastou tranqüilamente, como se viera de dar qualquer ordem a algum dos seus criados, e saiu da sala sem o menor gesto que traísse a sua indignação.
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Um belo dia, três meses depois daquela cena, surpreendendo Branca no fundo de um caramanchão que havia na chácara, a ler distraída, tomou-a de improviso pela cintura e caiu-lhe aos pés, exclamando:
— Perdoa, perdoa, se de tudo me esqueço e não resisto a este amor insensato que me consome.
E ia ferrar-lhe um beijo na face, quando Branca, escapando-lhe das mãos, ligeira como um pássaro, lançou-lhe contra o rosto uma bofetada.
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Ele ergueu-se rubro de cólera e encarou-a de frente.
— Rua! fez ela, apontando-lhe a saída. Já!
Ele não se mexeu.
— Já! não ouviu?! Não quero que fique aqui nem mais um instante! Rua!
— Enxota-me?!
— E, se não me quiser obedecer, juro-lhe que Teobaldo a isso o constrangerá!
Aguiar sorriu, e respondeu afinal, torcendo o bigode entre os dedos:
— Não tenho medo de caretas, minha prima! Sairei daqui se eu bem quiser. Pode ir fazer queixa de mim a seu marido, vá! diga-lhe o que entender, não me assusto com isso... Agora, sempre lhe previno de que a honra dele está nas minhas mãos e que de um momento para outro, posso reduzi-lo a trapos! Vá! Pode ir! lembre-se, porém, de que eu tenho em meu poder títulos assinados por seu marido; títulos já vencidos e que são o bastante para lançá-los, a ele e a senhora, na ruína e na vergonha! Prefere lutar? Pois cá estou às suas ordens, e há de ver, que se fui fraco e imbecil no meu amor, saberei ser forte e cruel no meu ressentimento!
E o Aguiar saiu da chácara, deixando a prima inteiramente dominada pela impressão do que ouvira.
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Venho pedir-lhe um favor, disse ela.
— Um favor?
— Sim. É que liquide quanto antes as suas contas com meu primo.
— E por quê?
— Porque assim é preciso.
— Mas a razão porque é preciso?
— Não posso dizer, mas afianço que é preciso liquidar as suas contas com aquele homem.
— Tem a senhora alguma razão de queixa contra ele?
— Nenhuma.
— Por acaso ter-lhe-ía seu primo falado a respeito da minha dívida?
— Não; asseguro-lhe, porém, que é de todo interesse para nós livrarmo-nos dele.
— Sim, mas a senhora há de confessar que eu tenho o direito ao menos de querer saber o motivo desta sua exigência.
— E eu não lhe posso dizer qual é o motivo.
— Então por Que veio me falar nisto?
— Porque era meu dever, O senhor no fim de contas, é meu marido e eu tenho obrigação de zelar pelos seus interesses.
— Obrigado, confesso-lhe, porém, que os obséquios dessa ordem não trazem a menor vantagem!
— Não faço um obséquio; cumpro com o meu dever, já disse.
— Mas, se a senhora vem me dizer isto, é que alguma coisa de extraordinário se passou aqui! Ou eu já não tenho também o direito de saber o que vai pela minha casa?
— Oh! tem todo o direito; entendo, porém, que não é de minha obrigação dar-lhe contas do que vejo e observo. Se o senhor quer estar ao par do que se passa em sua casa, faça por isso, que não fará mais do que o seu dever.
— Engana-se; daquela porta para dentro é à senhora que compete zelar pelo que se passa nesta casa.
— E por isso venho prevenir-lhe de que é de toda a conveniência liquidar quanto antes os seus negócios com meu primo.
— Sem apresentar a razão por que.
Ela não respondeu dessa vez e fez menção de sair.
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O marido deteve-a.
— E a senhora pensou um instante nas conseqüências que pode ter esta sua meia denúncia?
— Já pensei tanto quanto devia.
— E não calculou até que ponto elas poderiam chegar?
— Calculei.
— E não saberá porventura que nas condições apertadíssimas em que me acho, as suas palavras só me podem servir para mais atrapalhar a minha vida e aumentar o desespero em que ando?
— Sei apenas que é preciso fazer o que lhe disse.
— Pois aponte-me os meios para isso! Diga-me onde devo ir buscar dinheiro para fazer face a uma dívida em que eu não pensava agora ...
— Os negócios que se tratam daquela porta para fora pertencem-lhe, como de portas para dentro pertencem a mim zelar por esta casa.
E, tendo dito isto, retirou-se do gabinete do esposo ainda mais fria e sobranceira do que se apresentara.
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