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O Torres de Castelões, o administrador, legitimista no fundo, bom lavrador, mandou-lhe cama para a cadeia e permitiu-lhe que ceasse com uni amigo que o seguira de longe. Era o Nunes, o Pílades das horas certas e incertas. Orestes estava desanimado; queixava-se das fantasias do outro, considerava-se perdido.
Como tinha alguma prática do foro criminal, o Nunes consolava-o: que não havia matéria para pronúncia; e, quando fosse pronunciado, a Relação o despronunciaria.
Às oito da noite, fechara-se a porta da cadeia, e Nunes saíra triste, com um pungitivo arrependimento de meter o amigo naquela rascada.
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Ao escurecer do dia seguinte, o preso foi conduzido do Governo Civil do Porto para a Relação com um mandado do carcereiro na baioneta do sargento. Quando saía do Governo Civil, já Libânia e o Munes, que se antecipara a procurá-la em Ramalde, o esperavam. A Libânia era uma forte mulher para os trabalhos da vida. Fitou-o com um semblante aceso de coragem, um sorriso afoito, e disse-lhe muito animosa:
Veríssimo ocupou o quarto de malta nº 2, com uma rasgada janela sobre o Douro, um quarto cheio de luz e de sol, de onde tinha saído o Gravito para a forca
A Libânia e mais o Torcato pernoitaram na Estalagem do Cantinho, na Rua do Loureiro, e passavam o mais do tempo na Relação. Ao fim de seis dias já o Munes requeria a soltura do preso, por falta de nota da culpa; mas a pronúncia chegou ao oitavo dia, da comarca da Póvoa. O preso agravou para a Relação. Era juiz-relator do agravo o conselheiro Fortunato Leite, natural do Douro, que, quinze anos antes, no reinado de D. Miguel, tinha sido amigo de Norberto Borges, e lhe devera a fineza rara de o avisar na véspera do dia em que lhe havia de cercar a casa por ordem do facinoroso corregedor de Vila Real, o Albano, que os liberais mataram, no meio de uma escolta, em 1836. Quando o relator folheava o processo, os apelidos do preso, a naturalidade, os pormenores, sugeriram-lhe memórias da sua perseguição em 1831, e o salvar-se tão extraordinariamente pela amizade do meirinho-geral. Informou-se e evidenciou que o Norberto Horges, de Alvações do Corgo, era pai do preso. Estava pois salvo o filho do seu benfeitor, sem grande violência à justiça, porque a pronúncia fora precipitada, irregular, as testemunhas citadas
E lavrou o acórdão muito recheado de grifo:
E, dilatando-se filosoficamente e chistoso, o juiz-relator adicionava, aconselhando, que seda bom e proveitoso que nas tenras selváticas do Minho se espalhassem muitos Miguéis daquela casta e feitio até que os novos Sebastianistas se convencessem de que somente assim poderiam arranjar um Miguel que lhes desse comendas, títulos, postos militares e prelazias.
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Os desembargadores, com o seu rapé engatilhado aos narizes, riram muito do final do acórdão, e, sorvidas as pitadas sibilantes, assinaram por unanimidade.
Reformada a sentença e pagas as custas pelo juiz da primeira Instância, Veríssimo foi posto em liberdade; e, quando chegou ao escritório do carcereiro Melo para se despedir, encontrou a Libânia de Covas desmaiada de júbilo, nos braços da mulher do chaveiro. Como era feliz, deixou-se ser mulher
O conselheiro Leite recomendou ao Munes procurador que lhe mandasse a casa o Veríssimo. O filho de Norberto apresentou-se timorato, receoso, com maneiras submissas, mas dignas de um Borges Camelo infeliz.
O desembargador explicou-lhe que o chamara para lhe fazer conhecer a dívida que lhe pagou, posto que as situações fossem muito diversas. Improperou-lhe serenamente o seu delito; estigmatizou a acção de permitir que o julgassem D. Miguel; falou acerbamente contra este tirano parricida, incestuoso, canalha, e terminou por lhe aconselhar o trilho da honra, o trabalho, e a expiação das suas irregularidades, mostrando-se digno da compaixão que lhe inspirara, despronunciando-o. Veríssimo beijou-lhe a mão, e recusou dez pintos que o conselheiro lhe dava
O Veríssimo recuava muito agradecido.
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O conselheiro Fortunato exerceu uma enérgica influência vitalizadora na nova encerebração de Veríssimo Borges e bastante na do Torcato Munes Elias.
Por mediação do bondoso desembargador, obteve o Nunes alvará de solicitador de causas nos auditórios do Porto. Ganhou boas relações. Era esperto, zeloso e pagava-se regularmente. Chamou para a cidade a mulher e os dois filhos Alugaram casa na Rua de Trás as duas famílias. Davam-se muito bem, e gastavam economicamente os 750$000 réis das Botelhas, de meias com os salários de procurador. O Veríssimo frequentava à noite o café das Hortas, jogava o quino e, de vez em quando, ia ao café da Rua de Santo António ouvir os demagogos dos manos Passos, que o festejavam e catequizavam. Dava-se com os Navarros, com o Almeida Penha, com os Peixotos vidraceiros Ele, sobpondo ao reconhecimento os escrúpulos de espião, contava ao conselheiro Leite, cabralista intransigente, os planos dos setembristas, os clubes, as lojas de carbonários, as tramóias arranjadas em Braga pelo barão do Casal, muito setembrista, padre Alves Vicente, de combinação com o Passos José, com o Faria Guimarães, com o médico Resende, com o Damásio, com o Alves Marfins. O governador civil, visconde de Beire, estava em dia com as conspirações da Viela da Neta
Veríssimo arrecadava uma gratificação, umas seis libras mensais, mesquinha paga dos serviços que fazia à ordem, à tranquilidade cívica da Rua das Flores e das Congostas.
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Na contra-revolução de 9 de Outubro de 46, quando foi preso o duque, José Passos encontrou o Veríssimo na Praça Nova, chamou-lhe patriota, pôs-lhe a mão no ombro, sacudiu-o pelas lapelas, e disse-lhe que movesse, que agitasse as massas, porque o duque estava a desembarcar. Os sinos tangiam a rebate, a plebe ondeava para Vilar, num restrugir de tempestade, quando o Veríssimo e o Nunes procuraram o conselheiro Fortunato, que tiritava de medo com as suas enxúndias espapadas entre as filhas, numa consternação. Disseram-lhe que se iam armar para se constituírem sentinelas da segurança do seu benfeitor. O conselheiro abraçou-os muito comovido, numa excitação apopléctica.
Depois formaram-se os batalhões nacionais. Veríssimo e Torcato foram promovidos a tenentes do batalhão da Vista Alegre. Quando foi da refrega de Valpaços tinham compreendido inteligentemente que a retirada de Sá da Bandeira, da veiga de Chaves, era a fraqueza precursora de uma derrota. Conheciam o pérfido espírito do 15 e do 3 de infantaria
Quando o barão de Casal foi espostejar os miguelistas a Braga, os dois tenentes apresentados pediram vénia ao general para servirem na coluna do visconde de Vinhais;
Ainda assim não puderam esquivar-se a perseguir os realistas da comitiva de MacDonald, desde Vila Real até Sabroso; mas não desembainharam as espadas, porque o visconde de Vinhais os admitiu ao seu quartel-general, e os cadáveres que encontraram pela serra do Mezio até Sabroso, onde pereceu acutilado o caudilho escocês, eram façanhas das guardas avançadas. Os dois tenentes não deram nem tiraram gota de sangue nesta luta fratricida. Um triunfo a seco.
Concluída a guerra civil pelo convénio de Gramido, depositaram as armas e pediram empregos. O conselheiro Leite, o Casal, o Vinhais, o Alpendurada, o Carneiro Geraldes, o Joaquim Torcato, o centro cabralista recomendou-os à consideração magnânima de Sua Majestade. O Nunes, como sabia do foro, foi despachado escrivão de direito para a Estremadura, Veríssimo Borges obteve uma fiscalização rendosa dos tabacos e sabão em Trás-os-Montes; depois foi transferido, com vantagem, para a alfândega de Viana do Minho; e por último para uma direcção aduaneira do Ultramar. Ainda vivia há poucos anos, porque um jornal da localidade, debaixo de um símbolo fúnebre
Veríssimo Borges Camelo da Mesquita dá parte aos seus numerosos e respeitáveis amigos que foi Deus servida chamar à sua divina presença, hoje pelas 5 horas da manhã, sua chorada esposa D. Libânia de Covas Borges da Mesquita, a cujo cadáver, etc. Pelo seu profundo estado de consternação pede desculpa de cumprimentos.
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O jornal, depois de uns adjectivos lúgubres e velhos como a morte, acrescentava:
''A Ex.ma Srª D. Libânia, que todos choramos com seu Ex.mo viúvo, era uma senhora de esmeradíssima educação, pertencia à ilustre família dos Covas;
Veríssimo e Nunes podem ainda viver, porque eram robustos de corpo e de alma.
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