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'''O Corvo''' ('''''The Raven''''') é um poema do escritor estadunidense [[Edgar Allan Poe]] escrito originalmente em inglês. Na língua portuguesa encontra-se em duas traduções:
<[[Author:Edgar Allan Poe]] <br>
<[[Author:Machado de Assis]], translator
 
===* [[O Corvo - Tradução de Machado de Assis===]]
* [[O Corvo - Tradução de Fernando Pessoa]]
 
Tradução de O Corvo de Edgar Alan Poe
 
'''O CORVO'''
 
Em certo dia, à hora, à hora <br>
Da meia-noite que apavora, <br>
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga, <br>
Ao pé de muita lauda antiga, <br>
De uma velha doutrina agora morta, <br>
Ia pensando, quando ouvi à porta <br>
Do meu quarto um soar devagarinho <br>
E disse estas tais palavras: <br>
"É alguém que me bate à porta de mansinho; <br>
Há de ser isso e nada mais."
 
Ah! bem me lembro! bem me lembro! <br>
Era no glacial dezembro; <br>
Cada brasa do lar sobre o colchão refletia <br>
A sua última agonia. <br>
Eu ansioso pelo Sol, buscava <br>
Sacar daqueles livros que estudava <br>
Repouso (em vão!) à dor esmagadora <br>
Destas saudades imortais <br>
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora, <br>
E que ninguém chamará mais.
 
E o rumor triste, vago, brando <br>
Das cortinas ia acordando <br>
Dentro em meu coração um rumor não sabido, <br>
Nunca por ele padecido. <br>
Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito, <br>
Levantei-me de pronto, e "Com efeito, <br>
(Disse) é visita amiga e retardada <br>
Que bate a estas horas tais. <br>
É visita que pede à minha porta entrada: <br>
Há de ser isso e nada mais."
 
Minh'alma então sentiu-se forte; <br>
Não mais vacilo, e desta sorte <br>
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora, <br>
Me desculpeis tanta demora. <br>
Mas como eu, precisando de descanso <br>
Já cochilava, e tão de manso e manso, <br>
Batestes, não fui logo, prestemente, <br>
Certificar-me que aí estais." <br>
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente, <br>
somente a noite, e nada mais.
 
Com longo olhar escruto a sombra <br>
Que me amedronta, que me assombra. <br>
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado, <br>
Mas o silêncio amplo e calado, <br>
Calado fica; a quietação quieta; <br>
Só tu, palavra única e dileta, <br>
Lenora, tu, como um suspiro escasso, <br>
Da minha triste boca sais; <br>
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço; <br>
Foi isso apenas, nada mais.
 
Entro co'a alma incendiada. <br>
Logo depois outra pancada <br>
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela: <br>
"Seguramente, há na janela <br>
Alguma coisa que sussurra. Abramos, <br>
Eia, fora o temor, eia, vejamos <br>
A explicação do caso misterioso <br>
Dessas duas pancadas tais, <br>
Devolvamos a paz ao coração medroso, <br>
Obra do vento, e nada mais."
 
Abro a janela, e de repente, <br>
Vejo tumultuosamente <br>
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias. <br>
Não despendeu em cortesias <br>
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto <br>
de um lord ou de uma lady. E pronto e reto, <br>
Movendo no ar as suas negras alas, <br>
Acima voa dos portais, <br>
Trepa, no alto da porta em um busto de Palas: <br>
Trepado fica, e nada mais.
 
Diante da ave feia e escura, <br>
Naquela rígida postura, <br>
Com o gosto severo, - o triste pensamento <br>
Sorriu-me ali por um momento, <br>
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas <br>
Vens, embora a cabeça nua tragas, <br>
Sem topete, não és ave medrosa, <br>
Dize os teus nomes senhoriais; <br>
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?" <br>
E o corvo disse: "Nunca mais."
 
Vendo que o pássaro entendia <br>
A pergunta que eu lhe fazia, <br>
Fico atônito, embora a resposta que dera <br>
Dificilmente lha entendera. <br>
Na verdade, jamais homem há visto <br>
Coisa na terra semelhante a isto: <br>
Uma ave negra, friamente posta <br>
Num busto, acima dos portais, <br>
Ouvir uma pergunta a dizer em resposta <br>
Que este é seu nome: "Nunca mais."
 
No entanto, o corvo solitário <br>
Não teve outro vocabulário. <br>
Como se essa palavra escassa que ali disse <br>
Toda sua alma resumisse, <br>
Nenhuma outra proferiu, nenhuma. <br>
Não chegou a mexer uma só pluma, <br>
Até que eu murmurei: "Perdi outrora <br>
"Tantos amigos tão leais! <br>
"Perderei também este em regressando a aurora." <br>
E o corvo disse: "Nunca mais."
 
Estremeço. A resposta ouvida <br>
É tão exata! é tão cabida! <br>
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência <br>
Que ele trouxe da convivência <br>
De algum mestre infeliz e acabrunhado <br>
Que o implacável destino há castigado <br>
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga, <br>
Que dos seus cantos usuais <br>
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga, <br>
Esse estribilho: "Nunca mais."
 
Segunda vez nesse momento <br>
Sorriu-me o triste pensamento; <br>
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo; <br>
E, mergulhando no veludo <br>
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera, <br>
Achar procuro a lúgubre quimera, <br>
A alma, o sentido, o pávido segredo <br>
Daquelas sílabas fatais, <br>
Entender o que quis dizer a ave do medo <br>
Grasnando a frase: "Nunca mais."
 
Assim posto, devaneando, <br>
Meditando, conjeturando, <br>
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava, <br>
Sentia o olhar que me abrasava. <br>
Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto, <br>
Com a cabeça no macio encosto <br>
Onde os raios da lâmpada caíam, <br>
Onde as tranças angelicais <br>
De outra cabeça outrora ali se desparziam <br>
E agora não se esparzem mais.
 
Supus então que o ar, mais denso, <br>
Todo se enchia de um incenso, <br>
Obra de serafins que, pelo chão roçando <br>
Do quarto, estavam meneando <br>
Um ligeiro turíbulo invisível: <br>
E eu exclamei então: "Um Deus sensível <br>
Manda repouso à dor que te devora <br>
Destas saudades imortais. <br>
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."<br>
E o corvo disse: "Nunca mais."
 
"Profeta, ou o que quer que sejas! <br>
Ave ou demônio que negrejas! <br>
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno <br>
Onde reside o mal eterno, <br>
Ou simplesmente náufrago escapado <br>
Venhas do temporal que te há lançado <br>
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo <br>
Tem os seus lares triunfais, <br>
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?" <br>
E o corvo disse: "Nunca mais."
 
"Profeta, ou o que quer que sejas! <br>
Ave ou demônio que negrejas! <br>
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende! <br>
Por esse céu que além se estende, <br>
Pelo Deus que ambos adoramos, fala, <br>
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la <br>
No Éden celeste a virgem que ela chora <br>
Nestes retiros sepulcrais, <br>
"Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!" <br>
E o corvo disse: "Nunca mais."
 
"Ave ou demônio que negrejas! <br>
Profeta, ou o que quer que sejas! <br>
Cessa, ai, cessa! (clamei, levantando-me) cessa! <br>
Regressando ao temporal, regressa <br>
À tua noite, deixa-me comigo... <br>
Vai-te, não fique no meu casto abrigo <br>
Pluma que lembre essa mentira tua. <br>
Tira-me ao peito essas fatais <br>
Garras que abrindo vão a minha dor já crua." <br>
E o corvo disse: "Nunca mais."
 
E o corvo aí fica; ei-lo trepado <br>
No branco mármore lavrado <br>
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. <br>
Parece, ao ver-lhe o duro cenho, <br>
Um demônio sonhando. A luz caída <br>
Do lampião sobre a ave aborrecida <br>
No chão espraia a triste sombra; e fora <br>
Daquelas linhas funerais <br>
Que flutuam no chão, a minha alma que chora <br>
Não sai mais, nunca, nunca mais!
 
===Tradução de Fernando Pessoa===
 
O CORVO <br>
(de Edgar Allan Poe) <br>
Tradução:Fernando Pessoa<br>
 
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,<br>
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,<br>
E já quase adormecia, ouvi o que parecia<br>
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.<br>
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.<br>
É só isto, e nada mais." <br>
 
 
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,<br>
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.<br>
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada<br>
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -<br>
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,<br>
Mas sem nome aqui jamais! <br>
 
 
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo<br>
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!<br>
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,<br>
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;<br>
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.<br>
É só isto, e nada mais". <br>
 
 
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,<br>
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;<br>
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,<br>
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,<br>
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.<br>
Noite, noite e nada mais. <br>
 
 
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,<br>
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.<br>
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,<br>
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -<br>
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais. <br>
Isso só e nada mais. <br>
 
 
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,<br>
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.<br>
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.<br>
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."<br>
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.<br>
"É o vento, e nada mais." <br>
 
 
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,<br>
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.<br>
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,<br>
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,<br>
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,<br>
Foi, pousou, e nada mais. <br>
 
 
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura<br>
Com o solene decoro de seus ares rituais.<br>
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,<br>
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!<br>
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."<br>
Disse o corvo, "Nunca mais". <br>
 
 
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,<br>
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.<br>
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido<br>
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,<br>
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,<br>
Com o nome "Nunca mais". <br>
 
 
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,<br>
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.<br>
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento<br>
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais<br>
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".<br>
Disse o corvo, "Nunca mais". <br>
 
 
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,<br>
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,<br>
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono<br>
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,<br>
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais<br>
Era este "Nunca mais". <br>
 
 
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,<br>
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;<br>
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira<br>
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,<br>
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,<br>
Com aquele "Nunca mais". <br>
 
 
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo<br>
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,<br>
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando<br>
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,<br>
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,<br>
Reclinar-se-á nunca mais! <br>
 
 
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso<br>
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.<br>
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te<br>
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,<br>
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"<br>
Disse o corvo, "Nunca mais". <br>
 
 
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!<br>
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,<br>
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,<br>
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais<br>
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!<br>
Disse o corvo, "Nunca mais". <br>
 
 
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!<br>
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.<br>
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida<br>
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,<br>
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"<br>
Disse o corvo, "Nunca mais". <br>
 
 
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!<br>
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!<br>
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!<br>
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!<br>
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"<br>
Disse o corvo, "Nunca mais". <br>
 
 
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda<br>
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.<br>
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,<br>
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,<br>
Libertar-se-á... nunca mais! <br>
 
==Ver também==
 
* [[Edgar Allan Poe]]
* [[Machado de Assis]]
* [[Fernando Pessoa]]
 
{{semcat}}
 
[[en:The Raven (Poe)]]