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Nelson Valente
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDITORA PANORAMA
São Paulo
 
Este livro quer mostrar sob ângulos diversos, uma das figuras centrais de nosso palco político. As fotos que o compõem não são de cenas de filmes ou de peças teatrais. São de um grande comunicador que representa sua própria história. Uma história que poderia ser contada sumariamente assim: “era uma vez um professor de ginásio que foi eleito vereador, deputado estadual, prefeito, governador, deputado federal, presidente da república e novamente prefeito”.
Em Jânio falavam também os olhos, a expressão icônica do rosto e da figura e acima de tudo as mãos.
Jânio Quadros fundou todo um prestígio sobre uma forma de comportamento que a população não conhecia: a falta de linha de irreverência consigo mesmo. Fazia questão de ser povo, de se parecer com o que há de mais povo nesta terra.
O gesto em Jânio é um signo emitido com a intenção de comunicar, transferindo uma representação própria ou um estado interno para um outro ser. Naturalmente, para que a transferência tenha êxito, uma determinada regra habilite tanto o emissor quanto o receptor para entender a manifestação do mesmo modo.
Alheamento absoluto, desinteresse pelo que lhe vai em torno. Jogo cênico da figura que se isola e faz assim concentra-se toda a atenção do espectador.
Antes de ser presidente, governador, deputado federal, prefeito, deputado estadual ou vereador, Jânio era professor de português. Desde então sabia, e não esqueceu, que há em cada palavra ou gesto, uma força oculta, capaz de ser desencadeada a um mágico toque. Talvez por isso, ele mesmo compõe seus discursos mais importantes, dispensando zelosamente a colaboração de secretários. Artista completo, sua “parte” não está somente nas palavras: falam também os olhos, a expressão geral do rosto e da figura e acima de tudo falam as mãos.
Em Jânio, é óbvio que uma referência pode ser realizada apenas num processo de comunicação em que o emissor produz uma expressão para um destinatário em situação específica.
Apoiando nos votos e nos ombros de Marrey Jr., elegeu-se prefeito de São Paulo. Daí por diante ninguém mais o conteve.
Em horas trágicas ou solenes, a composição de sua figura parece levar um único fito: o desconcerto. O senso crítico era sua grande arma.
As contrações faciais e o olhar projetado ao infinito criavam, às vezes, a impressão de que Jânio se movia sob refletores de cena.
A composição da figura do artista varia conforme a natureza do espetáculo. O cabelo penteado, a barba feita, a gravata correta, o paletó abotoado, enfim, o ar distinto com que aparecia Jânio nas ocasiões especiais.
Padecia de leve estrabismo, mas o olhar interior estava certeiramente dirigido a um ponto único. Jânio sabia o que queria.
Muita caspa desprendeu-se dos cabelos de Jânio por ocasião da campanha à presidência da república. Eleito presidente, a importuna regrediu e o caso hoje exigiria apenas tesoura e pente.
 
Apresentação:
Corri bibliotecas, colhi depoimentos, li e reli centenas de revistas e jornais antigos e conversei muito com o próprio personagem. O ex-presidente sempre foi comigo por demais atencioso, relatou-me fatos que hoje tenho por obrigação passar através deste livro.
De todos os políticos que conheci, como pesquisador e autor de dez (10) livros sobre o ex-presidente , jamais convivi com pessoa tão inteligente e de personalidade tão complexa. Conhecia exatamente onde estava a tênue fronteira entre o pitoresco e o ridículo. Trabalhava a sua imagem sobre o fio da navalha.Por isso, foi o mais inusitado fenômeno da política brasileira, presença carismática junto ao povo e aos meios de comunicação. Desde que foi eleito vereador, em 1947, o futuro presidente já tinha por hábito escrever a colegas e subordinados. Foi por meio de uma carta escrita por ele em 1961 e entregue ao Congresso Nacional que Jânio deixou a Presidência. Para a renúncia, há mais de dezoito versões diferentes. As minhas pesquisas indicam que o ex-presidente Jânio da Silva Quadros tentou renunciar pelo menos onze vezes nos mesmos moldes e uma tentativa de deposição em toda a sua vida pública.Para não desmerecer sua biografia, recheada de renúncias, também desta vez Jânio abandonou a Prefeitura dez dias antes de completar o mandato, viajando para Londres ( renunciou por carta a Prefeitura por três vezes, mas Cláudio Lembo, rasgou-as e jogando-as no lixo). E os últimos dias de governo foram administrados por seu Secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Salvador Lembo ( ex-governador do Estado de São Paulo). O objetivo deste livro é demonstrar que a renúncia de Jânio da Silva Quadros foi um ato pessoal e suas entrevistas e seus bilhetinhos revelam o estigma e suas várias facetas na arte de renunciar.
Em Jânio da Silva Quadros: as linguagens verbal e não verbal são um campo minado por ideologias e pelo poder.
A função central da linguagem não é a expressão, mas a comunicação.
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas – é verdade que das mais importantes, da comunicação verbal. Mas pode-se compreender a linguagem “diálogo” num sentido lato, isto é, vão apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face-a-face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
Os “bilhetinhos” de Jânio da Silva Quadros, isto é, o ato da fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas, sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores etc.). Além disso, o ato de fala sob a forma de bilhete é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor, como as de outros autores: ele decorre, portanto, da situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é de certa maneira, parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.
Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política etc.). Mas essa comunicação verbal ininterrupta constitui por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado. Um importante problema decorre daí: o estudo das relações entre a interação concreta e a situação extralingüística – não só a situação imediata, mas também, através dela, o contexto social mais amplo. Essas relações tomam formas diversas, e os diversos elementos da situação recebem, em ligação co uma ou outra forma, uma significação diferente (assim, os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situação de comunicação artística diferem dos que uma comunicação científica). A comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação concreta. A comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode, evidentemente, isolar a comunicação verbal dessa comunicação global e perpétua evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias etc.), dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar.
Entretanto, a circulação da linguagem não verbal, na população, está praticamente restrita ao espaço da ilustração e, como tal, não recebe um tratamento adequado na sua formulação e, muito menos, na sua exploração. As imagens apenas acompanham a linguagem verbal, motivando-a para a imagético, como aproveitamento precário do jogo das linguagens, jogo este que possibilitaria ao pesquisador dar vazão à sua competência de leitor do mundo. A ausência da exploração do não verbal como um texto, reduz a um signo vazio de sentido, isto é, um mero objeto.
Para trocar idéias sobre as linguagens verbais e não verbais é imprescindível estar consciente da nossa percepção de mundo. Nossa sensibilidade nos dá condições de ir além do sentido que se possa querer atribuir a um texto, pois, formada pela incompletude para a condição da linguagem, ela está pronta para a leitura não como mero exercício de buscar resposta ou sentido, mas como experiência de produzir sentidos, de permitir a interação de sujeitos como uma prática plural da significação.
Inseridos numa época, impossível seria negar a nossa condição de sujeito. Refletindo sobre os “bilhetes”, não podemos deixar de reconhecer uma história de Jânio da Silva Quadros, que está além dos livros. Não quero, entretanto, negar a existência do que está ou poderia vir a ser dito, e sim constatar que há um olhar cuja percepção difere, em muito de outros olhares do passado. É o olhar de nossa experiência, de um passageiro de um mundo urbano, que cumpre a rotina do dia-a-dia, cercado por linguagens, portanto, as linguagens verbais e não verbais, é a identidade do indivíduo e, como tal, representa a ação do sujeito no percurso de sua experiência.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MARKETING POLÍTICO
 
 
Em 1960, o que era moderno e eficaz na campanha para a presidência da República como o rádio e os aviões DC3, tornou-se obsoleto ou ultrapassado na campanha de hoje. Na era das telenovelas, telepropaganda, telejornal, internet, televangelismo, o avanço tecnológico propiciado pela modernização do país, produziu a figura do telepolítico, personagem central das campanhas conduzidas, dirigidas pela televisão. Noventa anos depois da primeira disputa entre candidatos à presidente do Brasil – Hermes da Fonseca e Rui Barbosa em 1910 – o país elegeu um novo telepresidente: Fernando Collor de Mello.Depois Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Dos lombos de burro, cavalgados pelo presidenciável João Pessoa na campanha de 1929 aos jatinhos executivos usados pelos candidatos de hoje em seus deslocamentos de campanha, muita coisa mudou.
Disputa eleitoral e República não nasceram juntas. Campos Sales (1898), Rodrigues Alves (1902) e Afonso Pena (1906), os presidentes que vieram após os patriarcas Deodoro e Floriano, se elegeram sem fazer força. Nada de campanha, nada de batalhar voto nas ruas. A disputa lembrava mais as eleições indiretas do período militar, movida a acordos e influências internas. O primeiro embate eleitoral de verdade, colocou em campos opostos Hermes da Fonseca e Rui Barbosa em 1910. conhecido como bom de oratória, é provável que, se a comunicação eletrônica já existisse na época, o Águia de Haia tivesse sido mais bem sucedido. Rui Barbosa fechou seu escritório de advocacia no Rio e mergulhou na campanha, percorrendo os Estados do Rio, São Paulo, Minas Gerais e Bahia, utilizando-se de trem, vapor e até canoas. Sua campanha constou de 8 conferências e 15 discursos. Todo este tour de force, entretanto, não foi suficiente para derrotar Hermes da Fonseca, que preferiu ficar no Rio, costurando acordos e trabalhando as bases na capital federal, vencendo por 200 mil votos.
O político e erudito baiano não se conformou e voltou a tentar a presidência anos depois, desta vez disputando com Epitácio Pessoa. Mas havia alguma coisa nele que não cativava as massas e Rui amargou nova derrota depois de percorrer os mesmos estados. Conseguiu 120 mil votos contra 300 mil de Epitácio Pessoa, numa réplica da eleição anterior.
Os anos vinte também não premiaram os candidatos de melhor campanha. Embora Nilo Peçanha tenha fretado um navio para percorrer o norte do país em busca de votos – ampliando o raio de ação dos candidatos presidenciais que se limitava, até então, ao eixo Rio-Salvador – foi, Arthur Bernardes quem ganhou as eleições. Mais uma vez venceu quem se manteve mais próximo ao Distrito Federal, maior colégio eleitoral da época.
Campanha mesmo, para incendiar os ânimos da população e provocar algo parecido como o que temos hoje, só veio acontecer mesmo nas eleições de 1929. a intensa polarização entre Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal e o situacionista Júlio Prestes (apoiado pelo Presidente Washington Luís), que ganhou, mas não levou, acendeu a paixão política do país – levando-o, em seguida, à Revolução de 30 – e teve no rádio um aliado importante, ainda que embrionário.
O então presidente da Paraíba, João Pessoa, cogitado para vice-presidência da República na chapa de Getúlio, foi assassinado por um desafeto no calor dos acontecimentos políticos, quando tomava um sorvete na Confeitaria Glória, no centro do Recife, dando uma boa medida do clima passional que cercava a sucessão.
Como contribuição às campanhas políticas, a eleição de 29 introduziu, entre outras novidades, os grandes comícios, como o que Getúlio Vargas realizou na Esplanada do Castelo, no Rio, na época uma grande área vazia, mesmo tendo perdido as eleições – teve 700 mil votos contra 1,5 milhão de Júlio Prestes, em resultado até hoje contestado, que pode ter inaugurado as fraudes eleitorais – Getúlio inovou na campanha, imprimindo cartazes, usando o rádio com desembaraço e patrocinando a marchinha mais popular, entre os jingles que também aportavam pela primeira vez no cenário eleitoral. Escrita e interpretada por Lamartine Babo, a marchinha Gegê (Seu Getúlio) se sobrepunha ao Hino a João Pessoa, ao Hino a Juarez (homenageado o candidato menos votado, Juarez Távora) e à satírica Bico-de-Lacre Não Vem, em que Oswaldo Santiago usava o apelido do candidato governista Júlio Prestes para expô-lo ao ridículo.
A partir de 1945, o rádio passou a exercer papel decisivo nas eleições e, na bancada Constituinte de então, já constavam vários locutores, guindados à Câmara Federal pelas ondas médias do rádio. A campanha de 50/51 inaugurou a presença do locutor oficial nos comícios, que viria a ser difundida nas eleições posteriores, desde que Getúlio Vargas – eleito em 51 –, adotou o radialista Dalwan Lima, da cidade de Campos, no Estado do Rio, como locutor oficial da presidência. O mesmo Dalwan notabilizou-se como locutor dos comícios de Juscelino Kubitschek na campanha de 1955 que, vitorioso, também o empregou como locutor. Dalwan, um nome que se tornou célebre na história das campanhas de 1950, também subiu aos palanques na campanha de 60, quando Juscelino tentou como pôde eleger o Marechal Henrique Lott como seu sucessor.
Com a vitória e a posterior renúncia de Jânio Quadros, o locutor campista só retornou ao governo no período João Goulart, desta vez como assessor de Imprensa da presidência, dando uma demonstração da força do rádio nos acontecimentos políticos da época.
A campanha de 50/51 também consolidou as grandes excursões pelo país, o corpo-a-corpo pelo voto, o envolvimento dos candidatos com os eleitores nos grandes centros e pequenos vilarejos. O avião se insere como meio de transporte na caça ao voto e os candidatos são vistos, cruzando os céus da pátria em minúsculos teco-tecos e em modernos Super Convair.
A aventura aérea – freqüentemente por rincões onde os aeroportos eram simples campos de terra – salpicou a campanha de 1955 e também a de 60 de lances emocionantes, que variavam do risco real ao anedótico, em que o mais marcante parece ter sido a capotagem que o teco-teco que levava o candidato Adhemar de Barros sofreu ao tentar o pouso em uma pista de barro em Jacarezinho, no norte do Paraná. O monomotor acabou embicado na pista (com a cauda para o ar, como que plantando bananeira), mas o candidato saiu ileso, apenas com um corte na testa. “Só o peru morre na véspera”, declarou Adhemar aos jornais, na ocasião do acidente. Depois disso, ainda percorreu 52 mil quilômetros e amargou mais duas panes de avião, uma em Mato Grosso e outra na Bahia. Nem assim venceu as eleições.
A campanha de 1955 registrou ainda outro acidente envolvendo, desta vez, o candidato integralista Plínio Salgado, que a caminho de um dos seus 320 comícios para eleger-se presidente, capotou com o carro no interior de São Paulo, fraturando o nariz.
Em 1960, foi a vez do Marechal Lott fraturar uma perna no desabamento de um palanque em Minas Gerais.
O candidato udenista Juarez Távora, maior adversário de Juscelino na campanha de 1955, percorreu ao longo de 100 dias, 35 mil quilômetros de avião, trem e automóvel para visitar 315 cidades, a um custo de 15 milhões de cruzeiros. Mas a campanha mais instigante foi a de Juscelino.
Começando por Jataí, em Goiás, quando instado por um popular, comprometeu-se a transferir a Capital para Brasília, o candidato da coligação PSD/PTB realizou 293 comícios, fez 1.215 discursos, visitou 274 cidades, perfazendo o total de 382 horas de vôo. Juscelino, durante a campanha, utilizou três aviões, atravessando o país e estabelecendo dois recordes para vôos diretos de longa distância: de Manaus a Anápolis e de Belém a Belo Horizonte. Foi eleito em 3 de outubro de 1955 com 3 milhões de votos ou 33,8% do total.
Cinco anos depois, na campanha de 1960, Jânio Quadros, Henrique Lott e mais uma vez, Adhemar de Barros continuaram os longos corpo-a-corpo pelo país, disputando um eleitorado estimado já em 15 milhões de pessoas. Uma novidade foi introduzida por Jânio – que acabou vitorioso por esmagadora maioria: o Trem da Vitória, que percorreu São Paulo de ponta a ponta com o candidato a bordo. Em cada estação do estado que já era, então, o maior colégio do país, o trem parava e o candidato realizava um mini-comício, empolgando as multidões.
A disputa de 1960 introduziu a televisão na campanha – ainda que timidamente como o rádio em 1929 -, mas foi a precursora da parafernália de propaganda eleitoral que influenciou todos os pleitos da idade eleitoral moderna: cartazes a cores, faixas, objetos de campanha (escudos, vassouras, espadas, plásticos, botões etc.). Na área do jingle político, a campanha do candidato a vice João Goulart do PTB, produziu na voz do sambista Jorge Veiga, a mais célebre e popular marchinha eleitoral da história do Brasil. O candidato elegeu-se e ficou provada a eficiência do marketing político nas campanhas modernas sob a égide decisiva da mídia eletrônica. O símbolo da vassoura, que levou Jânio Quadros ao Planalto na mesma eleição, sinalizou também para os políticos que, a partir dali, além de plataformas de governo, repertório de promessas e qualidades pessoais, eles teriam que com um aliado novo e fundamental na conquista do voto: o profissional de propaganda e marketing. O que os políticos – e nem o Brasil – podiam imaginar era que as diretas seriam desativadas pelo golpe militar de 1964 e os especialistas em marketing aguardariam 28 anos para por em prática suas técnicas.
Em 1964, Jango foi deposto e os militares assumiram o poder, nele permanecendo 28 anos. A revolução foi incruenta em seus primeiros momentos, mesmo assim, as tropas do Exército cercaram o Congresso para impedir a reação dos representantes do povo. Uma vez no governo, os militares consolidaram a posição de Brasília como capital federal, tornando-a irreversível. Numa cerimônia que em certo sentido colocou o ponto final no regime discricionário, em abril de 1985, em meio à dor do povo brasileiro, Brasília fez o velório do Presidente Tancredo Neves. Ele não chegara a tomar posse, mas sua eleição representava o retorno à vida democrática do país. Em março de 1990, depois de fulminante campanha eleitoral em dois turnos, Fernando Collor de Mello se empossa na presidência da República para reiniciar a tradição dos presidentes eleitos diretamente pelo povo.
O Presidente Collor “o caçador de marajás”, é “cassado” pelo Congresso Nacional, assumindo a presidência da República o vice Itamar Franco.
Fernando Henrique Cardoso chega à presidência da República com o discurso de estabilização econômica: o plano Real. Em 1998 é reeleito para manter a estabilidade da moeda: o Real.Luiz Ignácio Lula da Silva é eleito Presidente, com a promessa de acabar com fome no Brasil e deflagrar as reformas, principalmente, as temidas reformas de base. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é reeleito à presidência da república, igualando-se ao ex-presidente FHC, em dois mandatos consecutivos.O presidente Lula e seu governo estão presos a ásperas condições políticas, sociais e seus sonhos e de pouca relação com a realidade. Lula está em boa companhia, com relação a esse equívoco, pois os demais planos de governo ( pelo menos os conhecidos) também parecem feitos para um país que não é o nosso.
 
 
Marketing Político II
A campanha começou em abril. À disposição de Jânio, a Varig colocou um DC-3 que percorreu o país inteiro até outubro. Mais de 400 municípios do interior foram visitados, todas as capitais de estados, algumas 3 ou 4 vezes. Em 1960 eleições se disputavam voto a voto, nos comícios. A televisão funcionava como mera curiosidade.
No avião de 30 lugares, iam jornalistas, cinegrafistas, repórter de rádio. A comitiva fixa era pequena: o candidato, a mulher, o secretário particular, um mordomo doublé de segurança, dois auxiliares e um locutor oficial para os comícios.
Às vezes, ia o candidato à vice-presidente e políticos ligados às regiões que seriam visitadas. Quando o trajeto compensava, mudava-se para um trem que percorria 10 ou 15 cidades, ora no interior de São Paulo, ora no Triângulo Mineiro, ora no Rio Grande do Sul. Não tinha chegado o execrável tempo da “erradicação dos ramais ferroviários antieconômicos”.
Nos clubes ou casas onde a comitiva almoçava e jantava, a ordem era servir feijão, arroz e carne. Nada de pratos apimentados ou sofisticados. Isto porque no Pará, o candidato e seus seguidores viram-se brindados com a cozinha local, pato-ao-tucupi a tambaquis e pirarucus, carne de tartaruga e caranguejadas. Na volta, a bordo do CD-3 todos passaram muito mal.
O candidato viajava nas primeiras poltronas, logo atrás da cabine dos pilotos, com a mulher ao lado e às vezes chamava passageiros para conversas, como deputados, senadores, governadores para conversar sobre política, condições do estado a ser visitado. Com medo das alturas, não permitia a abertura das cortinas da janelinha ao seu lado, não desatava o cinto de segurança e não dispensava as doses de uísque com gelo. Olhar a paisagem, uma das raras vezes, o encontro das águas do rio Solimões com o rio Negro, antes da aterrissagem em Manaus. Não se embriagava, ficava mais brilhante no comício e pouco mais vermelho.
Ao sair da aeronave, descontraía-se, com uma única exceção em Goiânia. No aeroporto, mais de 30 mil correligionários invadiram a pista quando ele descia a escada. O apertaram, abraçaram, rasgaram sua roupa e a solução foi voltar para o avião.
Comentou que pela primeira vez se sentia mais seguro lá dentro do que em terra. Não adiantou. A multidão entrou e arrancou-o do avião. O candidato, na confusão, aboletou-se na garupa de uma lambreta de serviço, dizendo ao estupefato motorista: “Toque” - “Para onde?” - “Não sei, para qualquer lugar”.
Quando Jânio Quadros chegava era o delírio. Fosse dia, fosse noite, não havia acontecimento maior. O povo bradava, gritava o nome dele até a exaustão física, acompanhando-o do aeroporto até o local do comício. Ao longo do percurso, mas lotadas de gente. Quando ia para hotel descansar, era obrigado a ir à janela, à sacada acenar com as mãos ou até aparecia com uma vassoura, que era o seu símbolo maior.
O locutor oficial Laércio Cortes anunciava os discursos de deputados e senadores que tinham vindo na comitiva, mas poucos conseguiam falar.
Jânio tinha muitas razões para querer bem o Rio Grande do Sul e os gaúchos e dizia: “- Minha sogra é gaúcha e eu gosto dela”.
Com essas palavras era entusiasticamente aplaudido pela multidão.
Em ocasiões especiais Jânio era o próprio avesso da comunicação, com tiradas imprevisíveis que levavam o povo ao delírio:
- “Minha política é simples como uma valsa antiga. Não há quem não lhe aprenda a música ou deixe de bailar o seu som. Nada tenho de providencial, carismático ou messiânico e garanto que sou muito menos louco do que devia e menos feio do que se propala. Defendo simplesmente a política do bom-senso na administração pública.”
O povo acompanhava o cortejo pelas ruas empunhando bandeiras, vassouras, broches, panfletos.
Durante um comício no Rio Grande do Sul, Jânio enfatizava, adjetivava:
- “Revolta-me ver a nossa moeda recusada nos balcões de todo o mundo como moeda falsa. E ela o é. Não se de nação que tenha progredido e prosperado efetivamente na voragem da inflação. Não creio no surto industrial que se faça à custa da agricultura e da pecuária.”
Era exatamente o que o povo queria ouvir.
 
MARKETING III
 
O presidente Café Filho organizou todo o seu Ministério, mas faltou a escolha do titular da Guerra. Foi aí socorrido pelo general Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar, que após sucessivas reuniões, sugeriu:
"Precisamos de um general apolítico, austero, severo, profissional e não comprometido. Proponho o nome do general Henrique Duffles Teixeira Lott".
Ele, até então, havia sido um militar estritamente confinado aos seus deveres militares. Havia lutado contra os revolucionários de 1930.
Feito ministro, começou a divergir do esquema militar que então sustentava o presidente Café Filho. Declarou-se de saída favorável à saída democrática, que trazia em seu bojo a candidatura do então Governador de Minas, Juscelino Kubitschek.
Quando se abriu a sucessão presidencial de 1955, ele era o homem forte.
O presidente Café Filho internou-se no Hospital dos Servidores do Estado, com um enfarte no miocárdio e foi substituído pelo Presidente da Câmara, o Deputado Carlos Luz.
Na noite de 10 de novembro de 1955, o General Lott compareceu a uma audiência com o Presidente interino no Palácio do Catete, que o fez esperar muito tempo na ante-sala. Ao recebê-lo, houve uma áspera troca de palavras entre os dois, que culminou com a demissão do general Lott e com a nomeação do general Fiúza de Castro, da reserva, para substituí-lo. Consultado no hospital, o presidente Café Filho aconselhou a imediata posse do General Fiúza. Mas o Presidente em exercício, Carlos Luz, achou que ele só deveria tomar posse no dia seguinte.
Voltando à sua residência oficial, na Tijuca, o general Lott viu que na casa do seu vizinho, comandante do I Exército, general Odílio Denys, a luz estava acesa. Dialogaram pelo telefone privativo: "Isto não pode ficar assim, com você, Lott, inteiramente desmoralizado. Bote a farda e vamos para o quartel general, porque as tropas já estão indo para a rua", disse Denys.
Desse contato, resultou que ambos saíram para o Ministério da Guerra, a fim de assumir o comando da revolução.
Enquanto isso, o presidente Carlos Luz tentava reunir forças para reagir ao contragolpe do general Lott. Convencido da inutilidade dessa reação, resolveu embarcar no cruzador Tamandaré, para tentar uma resistência a partir do porto de Santos. Mas retornou ao Rio, deposto.
Durante mais de 30 horas, o general Lott governou o Brasil, entregando o poder ao Presidente do Senado, o senador Nereu Ramos. Dez dias depois, o presidente Café Filho saiu do hospital e anunciou o seu propósito de reassumir o lugar interinamente por Nereu, que se mostrou disposto a devolver-lhe a presidência.
O general Lott, inicialmente, também estava disposto a isso :
"Afinal de contas, o Carlos Luz se impedira porque se encontrava em local incerto e não sabido. Mas o presidente Café Filho não está impedido pois, se encontra na cidade."
 
O Deputado José Maria Alckmin interveio: "Não está impedido? Pois vamos lá em Copacabana para ver se ele está impedido ou não."
Em companhia de Alckmin, Lott foi a Copacabana, viu o apartamento de Café Filho cercado de tanques e, conformou-se: "É, realmente está impedido."
Aí, o Congresso confirmou Nereu Ramos no posto, onde ele permaneceu até o dia 31 de janeiro, quando o transferiu a Juscelino Kubitschek.
Lott garantiu a posse e o governo de JK, durante o qual foi o grande condotieri. Não queria continuar no Ministério da Guerra, mas terminou aceitando o insistente convite do novo Presidente.
No dia 29 de janeiro de 1959, passou para a reserva no posto de Marechal e o seu nome já começava a se projetar para uma possível candidatura presidencial.
Não era o candidato da predileção de Juscelino, que o considerava com uma popularidade muito escassa e insuficiente para vencer Jânio Quadros, preferindo a candidatura de Juracy Magalhães, com apoio da UDN.
O próprio Lott confessaria depois porque aceitou a candidatura:
"Nunca tive propensão para a política e muito menos para ser candidato à Presidência da República. Consideram-me muito velho e achava que da política só havia recebido desilusões. Também não desejava ver-me face a face com os percalços de uma campanha eleitoral. Mas havia comandado a 2ª Região Militar em São Paulo e vira pessoalmente as ligações do Governador Jânio Quadros com as organizações comunistas, às quais dava dinheiro. Além do mais ele se considerava superior à média dos brasileiros e jactava-se disso. Desde já, temia pela sorte do Brasil se ele chegasse à Presidência da República. Por isso, resolvi enfrentá-lo, para evitar que o pior acontecesse..."
 
O marechal Lott já estava com sua campanha na rua, lançada pela Frente Parlamentar Nacionalista, com apoio declarado de Jango e de Brizola. Havia também o Movimento Militar Constitucionalista, que estivera por trás da entrega da espada de ouro, durante um agitado comício em que o marechal fizera seu début num palanque.
O PTB saiu na frente, levando como caudatários o PSD e o Partido Comunista Brasileiro, cujo líder, Luís Carlos Prestes, não se cansava de enaltecer as qualidades nacionalistas do candidato, no apoio às teses do Petróleo é nosso e na oposição ao FMI.
Para rechear ainda mais o leque partidário, o marechal recebeu posteriormente a adesão de outras siglas: o PSB (socialista), o PRP (integralista) e o PST.
A televisão e o rádio já eram então dois poderosos veículos de comunicação que começavam a substituir os grandes comícios. Mas a presença pessoal dos candidatos ainda rendia votos e era muito exigida pelos correligionários.
Falar um comício era um sacrifício para o marechal, que não estava acostumado àquele tipo de expressão. Ficava mais vermelho ainda do que era normalmente. As frases não lhe saíam com facilidade e o improviso não era o seu forte.
Quando tinha de fazer um pronunciamento, mais importante, preferia ler. Era mais fácil e seguro pois, a oratória nunca foi o seu forte.
Assim mesmo, fez uma campanha de âmbito nacional, indo a praticamente todos os estados, a fim de atender os convites dos diretórios pessedistas e petebistas, que não abriam mão de sua presença, sobretudo naqueles estados onde haveria também eleições dos Governadores.
A maioria das viagens era feita no lento bimotor DC-3, eram demoradas e penosas. Houve um dia em que o marechal fez um comício ao meio-dia em Porto Alegre, outro ás 5 horas da tarde em Curitiba e o terceiro à meia-noite em São Paulo, já com um público reduzido, em face do adiantado da hora.
Cometeu equívocos e deslizes imperdoáveis. Certa vez, em Campinas, saiu-se com esta:
"Estou muito feliz e honrado por voltar a esta terra onde passei alguns dias como comandante das tropas de ocupação, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932...".
 
Ou então, ao visitar Ribeirão Preto, capital da região produtora de laranja, aconselhou os agricultores locais a plantarem soja como a salvação da lavoura no Brasil. E em Ilhéus, centro da produção cacaueira, fez rasgados elogios aos cafeicultores de São Paulo.
Os líderes do astuto PSD só faltavam morrer de raiva e de desgosto. Parece até que o marechal fazia de propósito para mostrar independência: "Era impossível escolher um candidato que cometesse mais gafes do que ele".
No dia 23 de setembro, realizou-se um comício em São João Del Rey, terra natal de Tancredo Neves. Talvez, por isto, a afluência dos correligionários ao palanque foi tão grande que, a certa altura, os promotores da manifestação recearam pela segurança do coreto.
Quando o marechal chegou, a comitiva acrescentou alguns quilos no palanque, que não resistiu e desabou.
Foi um corre-corre pois, receava-se de um atentado contra o candidato, ato de sabotagem. O resultado foi: muitos feridos e o próprio marechal fraturou a perna.
Os partidário de Lott viram, no acidente, a gota de água que transbordou para o desânimo de todos. Era o prenúncio da derrota, que aconteceria dias depois, 3 de outubro de 1960.
Além de tudo isso, o DC-3 sofreu pane e as cidades mais distantes já não podiam ser atingidas. A solução foi percorrer de trem vários municípios paulistas sem a presença do candidato, cuja perna estava engessada.
Enquanto isto, do outro lado do campo, o candidato Jânio Quadros se esbaldava com a vassoura em punho, ameaçando punir os corruptos e os negocistas, cruzando o País em todas as direções, a bordo de um DC-3.
Em relação ao seu adversário, o militar digno, honrado e sincero, Jânio ainda se dava ao luxo de fazer ironias, quando, por exemplo, ao ser perguntado por que ainda não visitara a cidade paranaense de Campo Mourão, respondeu com sarcasmo: "Porque já mandei o marechal no meu lugar. E basta".
 
 
Marketing IV
Em 1953 a "dobradinha" Jânio-Porfírio ganha as eleições para a prefeitura de São Paulo na campanha do "tostão contra o milhão", já tinham posto à prova a eficácia da organização partidária. O fenômeno Jânio Quadros surgiu desse modo.
Em 1954, ano do suicídio de Vargas, a ascensão de Jânio continuou, com a sua eleição para Governador de São Paulo, derrotando a máquina eleitoral formada pelos partidos do centro, PSD e UDN, que apoiavam a candidatura Prestes Maia, além do populismo, trabalhismo e comunismo, que se aliaram em torno da candidatura Adhemar de Barros. Jânio capitalizara os descontentes, em todas as áreas, num salto da prefeitura de São Paulo ao palácio dos Campos Elíseos.
Na campanha presidencial em 1955, os partidos não se apresentaram coesos. O PSD tinha três dissidências importantes (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco). O PTB perdia substância em São Paulo, com o proletariado dividido e a massa urbana perplexa ante o apelo de Jânio Quadros em favor de Juarez Távora, a candidatura de Adhemar de Barros e a chapa pessedista-trabalhista, logo conhecida como "dobradinha" J.J. (Juscelino e Jango), afinal vitoriosa. A aliança PSD-PTB não assegurará uma base parlamentar suficientemente forte para que o governo leve a termo a reforma institucional que dê ao Presidente da república o comando da maioria parlamentar.
Foi uma campanha estranha e contraditória: havia o carisma do candidato, não reconhecido nacionalmente mas credenciado pelo seu governo em Minas Gerais e pela sua passagem na Prefeitura de Belo Horizonte. O nome de Juscelino era complicado de pronunciar, custo a se adaptar à fonética eleitoral. A estranheza da campanha, era que justamente o candidato que trazia mais empuxo de vitória fora considerado o "herdeiro do mar de lama" que causara o suicídio de Getúlio Vargas. A grande sombra do suicida pairou durante os meses de campanha. Chegou a ir além da própria campanha, pois, Juscelino, eleito, teve a vitória contestada e seriam necessárias duas mini-revoluções, ou melhor, dois golpes militares para que a vontade das urnas fosse reconhecida.
Nunca houve candidato presidencial tão sem chances com JK. As feridas provocadas pela crise de agosto de 1954 (morte de Vargas) estavam acesas. No poder haviam se instalado os conspiradores de agosto, a começar pelo presidente Café Filho, um vice que, no acesso da crise, deu o puxão final no tapete de Vargas, colocando-o à mercê dos sicários que desejavam apunhalá-lo politicamente. O chefe de sua Casa Militar, general Juarez Távora, era outro conspirador de primeira e última hora, bajulado pela UDN e dela bajulador: por sinal, ele acabaria como candidato da UDN para a sucessão de Café tornando-se o principal adversário de JK. Este vinha sofrendo o diabo para retirar sua candidatura em nome de dita união, que afinal se resumia em manter a UDN no poder através da nomeação de Juarez Távora para o cargo de Presidente da República.
Volta e meia, surgia um manifesto de generais, exigindo a tal união nacional. Valia tudo para afastar a candidatura de JK, na verdade, valia tudo para que não houvesse eleição. Felizmente para o Brasil, o candidato JK ia em frente. Ele havia dito aos generais que o pressionavam, na presença de Café Filho: "Deus poupou-me do sentimento do medo". Em fins de março de 1955, o PSD comprara um velho DC-3, prefixo PP-ANY, com capacidade para 16 pessoas, 2 camas ,2 mesas com máquinas de escrever e outros equipamentos de escritório. Aquela seria a casa do candidato nos próximos meses. A campanha começaria a 4 de abril em Goiás. A plataforma JK foi armada em torno de um programa, chamado de metas, ou seja, criar o desenvolvimento a partir do interior. A civilização não ultrapassara o nosso litoral e, através de construção de estradas e da instalação de uma indústria de base, o brasileiro deixaria de ser um pescador de siri – expressão que JK gostava de repetir, referindo-se à mania daqueles que só investiam ou produziam com direito à vista panorâmica para o mar.
No programa de metas não havia lugar para Brasília naquele 4 de abril de 1955, que marcou o primeiro dia de campanha do candidato pessedista. Não houve mas passou a haver. O PP-ANY se dirigia para Rio Verde, no interior goiano. Um temporal impediu que o aparelho pousasse na pista de terra. O jeito foi buscar um pouso alternativo em Jataí. Não havia palanque e a caçamba de um caminhão quebrou o galho.
JK discursou para os jataienses. O discurso não foi dos mais brilhantes, porque ele gostava de se preparar para enfrentar os problemas da comunidade, mas não houve tempo disso em Jataí. Ficou em generalidades. Mas este comício entrou para a história do Brasil. JK prometeu que cumpriria rigorosamente a Constituição e, de repente, um aparte no meio do povo: um cidadão, Antônio Carvalho Soares, conhecido como Toniquinho, coletor estadual, interpelou o candidato: "Se o senhor vai cumprir a Constituição, porque não cumpre aquele dispositivo que transfere a capital da República para o Planalto Central?"
Bom de bola, JK não deixou cair a peteca. Até aquele momento poderia ter pensado em tudo, menos naquilo: mudar a capital. Procurando identificar o interpelante, ele foi respondendo: sim, cumpriria a Constituição e o povo goiano poderia contar com ele; a capital seria transferida.
Aquela promessa feita em Jataí só poderia render votos em Goiás.
JK seguiu o seu estilo, foi em frente, visitou mais de 2.500 localidades pelo Brasil. O que marcou a sua campanha, não foi a campanha para ele ser Presidente, mas a campanha que fizeram para que ele não fosse Presidente da República. Por isso. Ele estava sempre ligado no Rio, onde governo, militares e UDN conspiravam contra ele. Todo mundo sabia que a mesa estava sendo posta para o General Juarez Távora, que mandava e desmandava no governo Café Filho. Havia reações aqui e ali, e o jeito foi lançar uma candidatura de ensaio, um boi de piranha suculento na pessoa do Governador de Pernambuco, Etelvino Lins. Com a falta de imaginação peculiar aos udenistas, ele contrapunha ao dinâmico Programa de Metas de JK o binômio Pão e Vergonha – versão piorada do binômio Energia e Transporte, que dera fama a Juscelino em sua passagem pelo governo de Minas Gerais.
JK durante os deslocamentos eleitorais só se alimentava de pão e arroz. Procurava se livrar das maioneses e quitutes da região alegando gastrite ou taxa elevada de colesterol. Como médico, a sua opinião era respeitada. Quando Juarez entrou na campanha, alegou uma colite e o menu obrigatório era frango cozido na água e sal, sem tempero. Não faltou gente que atribuísse a esse frango, a derrota de Juarez nas urnas. Esse frango tornou-se um dos mais eficientes cabos eleitorais de Juscelino.
A campanha de Juscelino acabou em Belo Horizonte, ao som do Peixe Vivo, que não pode viver fora da água fria. Eleito e diplomado ele pensou que a campanha havia terminado. Enfrentou, no entanto, em novembro dois golpes sucessivos para impedir sua posse.
Visando a esse objetivo era a emenda Hermes Lima, a mais importante de todas as emendas reunidas pela Comissão de Juristas constituída por Nereu Ramos, quando ministro da Justiça em 1956, para o estudo da reforma constitucional. O Congresso mostrava-se infenso a abrir mão de quaisquer das prerrogativas de que se investira em 1945, ao estabelecer um regime presidencialista semi-parlamentarizado. Não havia clima para a reforma constitucional. As emendas constitucionais da Comissão de Juristas tocavam em pontos nevrálgicos nas relações difíceis entre o Presidente da república e o Congresso Nacional, principalmente nos capítulos da constituição que diziam respeito à elaboração legislativa, discussão e votação do orçamento.
A dissolução partidária refletir-se-ia no parlamento, cindindo os 2 blocos que apoiavam o governo – PSD sob o comando de Vieira de Melo, e o PTB, liderado por Fernando Ferrari, jovem político do Rio Grande do Sul, em constante atrito com João Goulart e Leonel Brizola, que disputavam a mesma área eleitoral. Ferrari chefiou uma dissidência no PTB gaúcho e criou o Movimento Trabalhista Renovador (MTR). Pouco antes, com a "campanha das mãos limpas", conquistara o primeiro lugar entre os Deputados federais eleitos pelo seu estado. O pleito de 1958 foi de grande importância para a decisão final do eleitorado de 1960, já que se caracterizou como uma prova eliminatória para a sucessão presidencial, com eleições para Governadores e vice-Governadores em dez Estados. Fernando Ferrari lança sua candidatura à vice-Presidência da República, com um programa de governo próprio e definido, acenando para a redenção das massas rurais que vinham sendo esmagadas pelo desenvolvimento econômico, cujos efeitos repercutiam sobretudo, em São Paulo, base da ação política de Jânio Quadros. A Ferrari interessava a "dobradinha" com Jânio.
Jânio Quadros conseguira realizar um governo equilibrado, eficiente e progressista, pondo em ordem as finanças, num clima de confiança e de grandes investimentos públicos e privados. Jânio derrotaria mais uma vez os partidos para eleger o seu sucessor e garantir a continuação de sua obra governamental, na pessoa de seu secretário das Finanças, Carlos Alberto A. de Carvalho Pinto. Foi o único estado onde o situacionismo saiu vitorioso. Nos demais, ganhou a oposição.
O grande vitorioso do pleito foi, certamente, Jânio Quadros, não só em São Paulo, como no Paraná, onde recebeu a maior votação individual para Deputado federal, na legenda do PTB. Isso não significava a sua adesão ao partido, muito menos a João Goulart. Jânio afirmou em campanha:
"O PTB não pode ser quadrilha, deve ser partido. Venceremos esta eleição e desmoralizaremos os seus falsos dirigentes para formar um Partido Trabalhista baseado na força do povo".
 
 
Jânio exercia grande fascinação nas massas. Seu método de comunicação era singular. Magro, desalinhado, sua figura sofredora correspondia à imagem do povo sofredor. A sua popularidade constituía uma garantia de que continuaria no governo da República a mesma linha seguida em São Paulo, restabelecendo a ordem e o equilíbrio nas finanças públicas. Por toda parte se ouvia: "Jânio vem aí" e sua ascensão à presidência parecia inevitável.
Jânio é indicado em 1959 à presidência e seu vice foi o sergipano Leandro Maciel. Dias depois, Jânio renunciava à candidatura.
Em dezembro, contudo, Jânio reconsiderou sua atitude e voltou a ser candidato. A UDN retirou o nome de Leandro Maciel e escolheu Milton Campos para substituí-lo. Porém, Fernando Ferrari continuava a ser candidato, atraindo grande parte do eleitorado janista. Foi essa divisão que assegurou a vitória de Goulart. Juracy Magalhães congratular-se-ia com Kubitschek "pelas garantias constitucionais que ofereceu, fazendo realizar, pela primeira vez na vida da República, eleições limpas, posse segura e ambiente democrático perfeito. Kubitschek foi um pregoeiro do desenvolvimento econômico. Os anos do seu governo são marcados pelo otimismo que procurou incutir no brasileiro. O homem de Diamantina foi o primeiro a utilizar a televisão para prestar contas do que estava fazendo, a dialogar, a animar e a convencer de que dias melhores teriam de vir.
Kubitschek realizara uma proeza: cumprir o seu mandato até o fim, presidiu a campanha da sua sucessão e deu posse ao eleito na nova capital.
Em 1960, as eleições no Brasil coincidiram com as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. Os dois novos Presidentes tinham pouco mais de quarenta anos: Jânio da Silva Quadros e John Fitzgerald Kennedy.
Ao empossar-se na Presidência da República, a imagem que predominava na opinião pública era a seguinte: Jânio Quadros contava com 44 anos de idade; moço ainda, conquistava a suprema magistratura do País na base de suas qualidades pessoais, já que não se fizera, no curso de rápida vida pública, nem catalisador de tendências político-partidárias definidas, nem defensor, ostensivo ou velado, de grupos de pressão poderosos, visto como, ao contrário ousara apresentar-se sempre com ampla mobilidade crítica, verberando – através de pregação moral e de externados anseios de justiça social – partidos, tendências, instituições, correntes e indivíduos.
Jânio nasceu em 1917, era matogrossense e em 1939 formou-se em direito pela USP. Na capital bandeirante viria a exercer a advocacia e o magistério de português em alguns colégios da grande cidade, só ingressando na vida política em 1947, como vereador. Três anos depois, fazia-se Deputado estadual e em 1953 elegeu-se prefeito da cidade de São Paulo, a cidade mais próspera do Estado e do país.
Sua gestão como prefeito, viria abrir-lhe as portas de todas as possibilidades políticas no plano nacional. Graças à sua personalidade e a uma administração vigilante, pela execução de um programa de moralização dos serviços, pela lisura nos gastos do dinheiro público e pelo incremento dos recursos materiais e espirituais da cidade, se sagrava esperança coletiva, tanto que um ano depois podia apresentar-se com uma bagagem que o autorizava a aspirar a governança do Estado.
Sua vitória foi assegurada por pregação direta ao eleitorado, sua oratória política franca e sibilina, persuasiva e colorida, elaborada e pitoresca, oferecia às aspirações das classes médias e dos desiludidos dos corrilhos políticos, uma bandeira de austeridade, honestidade , trabalho fundamentos estes, de uma boa governança.
Jânio remodelou a máquina administrativa estadual, atacou obras fundamentais para o desenvolvimento de São Paulo, tornando-se com essa gestão, figura emergente de projeção nacional e símbolo carismático das classes urbanas pobres e médias de todo o país.
Findando o governo de São Paulo, abria-se-lhe o ensejo de candidatar-se à Presidência da República. Não o fez, porém.
Prosseguindo em sua carreira política, se candidatou a Deputado federal pelo Paraná: seu nome já era uma legenda, uma lenda nacional.
Ao término da gestão Kubitschek na Presidência da República, era consenso nacional a candidatura Jânio Quadros.
No dia 31/01/1961, em Brasília, acompanhado do vice-Presidente eleito João Belchior Goulart, jurou seu mandato perante o parlamento nacional e recebeu do seu antecessor, Juscelino Kubitschek de Oliveira, a faixa presidencial.
Rasgava-se para o País uma estrada límpida: um Presidente civil sucedia a um Presidente civil.
Três componentes iriam condicionar o bom êxito da administração Jânio Quadros e com ele, a viabilidade do desenvolvimento nacional até a plenitude das possibilidades intrínsecas ao sistema, sistema baseado na livre iniciativa, em que a criação das riquezas materiais e espirituais se faz através das relações entre empregadores, detentores dos meios de produção, e assalariados, mas sistema, acrescentemos, cujas possibilidades práticas e teóricas de expansão não se esgotam, desde que não afetada aquela relação básica, não entrando em jogo, nesse sistema, exeqüibilidade de mudanças quantitativas ou qualitativas, mesmo na estrutura, distribuição e relações dos detentores dos meios de produção entre si, caminho para a remoção dos seus elementos arcaicos.
Três componentes iriam condicionar o bom êxito prospectivo da administração Jânio Quadros: 1° um substancial incremento da eficácia da própria administração, habilitando-a, com funcionários e instrumentos, às novas necessidades que repontavam num País já com oitenta milhões de habitantes; 2° uma poderosa sustentação das forças econômicas e financeiras produtivas nacionais, capazes de manter uma taxa média de incremento do produto nacional bruto igual ou superior ao quinqüênio anterior, e de ampliar as possibilidades de emprego de uma população crescente a alta taxa média, com progressiva qualificação das mesmas possibilidades; 3° uma politização ou doutrinação dos grupos particularistas ou seções da classe dirigente e dos altos escalões das forças armadas, que se baseasse ou resultasse na convicção de que o desenvolvimento nacional devia ser essencialmente autógeno, auto-sustentado e, no limite do possível, auto-suficiente e o exercício da soberania nacional deveria desprender-se de quaisquer peias exógenas, diplomáticas e ideológicas ou financeiras e o exercício do poder civil deveria liberar-se do imobilismo já radicado então, em grande parte da classe dirigente, que tendia a ver nas mudanças das relações estruturais entre os detentores privados dos meios de produção, o equivalente da subversão dos próprios princípios da propriedade privada ou do capitalismo no país.
Jânio Quadros assume a Presidência da República com as características pessoais com que desempenhava, até então, o seu papel público e isto já se reflete na formação do seu Ministério, muito mais expressão de qualificações personalistas e de jogo inteligente de concessões aparentes a partidos, do que resultante efetiva das forças que o conduziram ao poder.
A rigor, Jânio, não sendo homem de partido, seu governo passaria desde o começo a ser resultante natural dessa carência de estruturação e via-se que a direção seguida para ser frutífera, teria que ser produto de uma atuação estruturada, em que ao Presidente da República deveria caber a ordenação geral.
Seu Ministério era integrado por homens provindos de quase todos os partidos nacionais escolhidos ao seu critério. Eram eles:
Clemente Mariani Bittencourt para a Fazenda
Afonso Arinos de Melo Franco para as Relações Exteriores
Oscar Pedroso Horta para a Justiça e Negócios Interiores
Francisco Carlos de Castro Neves para o Trabalho
Romero Cabral da Costa para a Agricultura
João Agripino Filho para Minas e Energia
Arthur Bernardes Filho para Indústria e Comércio
Brígido Tinoco para Educação e Cultura
Clóvis Pestana para Viação
Eduardo Catete Pinheiro para a Saúde
Três militares para as Forças Armadas: Odílio Denys para a Guerra, Sílvio Heck para a Marinha e Grum Moss para a Aeronáutica.
TREZE DAMAS GOVERNAM OS MINISTROS
 
1 – A SENHORA DO MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES é D. Ana Guilhermina Pereira de Melo Franco. Seu pai foi um magistrado, o desembargador Cesário da Silva Pereira. Conhecida na intimidade pelo nome de Aninha, pouco depois da lua-de-mel vai viver na Suíça, num sanatório, ao lado do marido, que fica gravemente enfermo, mas volta curado, em parte devido à sua extraordinária dedicação de esposa. Em sua residência, na Rua Dona Mariana, em Botafogo, existe uma das maiores coleções de imagens de Santa Ana esculpidas em madeira. Ela explica:
“Porque me chamo Ana, Afonso adquire todas as imagens dela que encontra nos antiquários.”
 
Além de presidir às lides domésticas como perfeita dona -de-casa, a senhora do chanceler gosta de fazer trabalhos manuais. É exímia encadernadora. E é também a secretária do marido, datilografando e revendo livros de Direito, Literatura, ensaios, peças de teatro, escritos políticos, etc. Datilografou aproximadamente 35 volumes. É mãe de dois filhos: um diplomata e o outro engenheiro da Refinaria Artur Bernardes. Tem uma verdadeira adoração por seus cinco netos.
2 – A SENHORA DO MINISTRO DA GUERRA é D. Helza Denys, mãe de cinco filhos (um dos quais é oficial de gabinete de Jânio) e avó de oito netinhos. Ela mesma incentiva a filha a estudar piano e é grande apreciadora da boa música. Muito dedicada ao lar e ao marido, D. Helza acompanha o Marechal em suas viagens à Brasília. Dedica-se a obras sociais em benefício do pessoal do Exército. Simples e afável, não se deixa envaidecer pela posição de alto prestígio ocupada por seu ilustre marido, velho soldado que, além de ser admirado e requerido por seus comandados, é também respeitado pela opinião pública brasileira. D. Helza não gosta de dar opinião sobre assuntos políticos. Porém, quando se faz alusão ao convite feito por Rachel de Queiroz, para que ocupe a pasta da Educação, e pergunta-se o que acha dos altos postos confiados a mulheres, declara:
“Os brasileiros em geral, são muito inteligentes e capazes. Não se justificam, por isso mesmo, quaisquer distinções entre os sexos. Mulheres também podem ser ministros.”
 
3 – A SENHORA DO MINISTRO DA MARINHA é D. Lígia Heck. Descendente de militares (neta do marechal Trompowsky e filha do marechal-do-ar Armando Trompowsky), casa-se com um militar, o almirante Silvio Heck. Há sempre alguém de sua família num dos ministérios. Agora é seu marido, cuja carreira parece perigar quando ele comanda o ²Tamandaré², com o presidente Carlos Luz e seus ministros a bordo. Tem dois filhos Carlos Eduardo e Gustavo Alberto. D. Lígia de há muito se dedica ao Serviço Social, fazendo enxovais para os filhinhos do pessoal da Armada. Perita no tricô, sua média é de seiscentos sapatinhos de bebês por ano. Aluna do Sion, estudou também canto e violino. Foi a professora de inglês e francês dos filhos. Sobre a viagem do “Tamandaré”, a 11 de novembro, diz:
“Silvio tinha ido dormir a bordo, pois tinha ordens de sair bem cedo. Não levei susto porque estava às voltas com os exames dos meninos e estudava com eles. Quando soube de tudo, por um telegrama, o caso já estava encerrado.”
4 – A SENHORA DO MINISTRO DA JUSTIÇA é D. Marta Autran Pedroso d’Horta. Muito simpática e gentil, é também espirituosa. Quando perguntada quantos filhos tinha, respondeu sem pestanejar: - “Apenas um: meu marido”. Nascida em São Paulo e aí tendo sempre vivido, está em Brasília e, embora tendo trocado planalto por planalto, não esconde a sua saudade. Sobre suas predileções declara:
“Gosto de minha casa, de ouvir meu marido falar, de minhas leituras, de meu sítio que há tempos não vejo, dos meus amigos, de minha sobrinha Gisele... E não desgosto de nada !”.
 
5 – A SENHORA DO MINISTRO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO é D. Sofia de Azevedo Bernardes. Figura da alta sociedade de São Paulo, onde nasceu, conquista prestígio na do Rio pelos seus apreciáveis dotes de inteligência e de criação. Felicíssima com as novas responsabilidades atribuídas a Artur Bernardes Filho, diz que se a ida definitiva de seu marido para Brasília for necessária está disposta a fixar residência lá com toda a alegria. E acrescenta:
“Para falar a verdade, gosto das cidades tranqüilas do interior, assim como da paisagem campestre. Por isso mesmo, passo mais tempo em minha casa de veraneio, em Correias, do que mesmo no Rio.”
 
Aliás, nesse momento, lá estão a mãe de D. Sofia e sua filha do primeiro matrimônio, Maria Helena. Pessoa de bom gosto, sua casa é um primor pela decoração e pela escolha dos móveis. Gosta de ler os clássicos e diz que a leitura é sua distração preferida. Afirma, aludindo à vida pública de seu esposo:
“A mulher de um político tem de ser compreensiva e solidária com o marido em todos os transes.”
 
6 – A SENHORA DO MINISTRO DA SAÚDE é D. Aracoely Gonzales Pinheiro. É paulista e já está morando em Brasília. Ao lado do marido, porém, acha tudo excelente. Têm quatro filhos: Moema, Edward Júnior, Milton e Robertinho. Por isso, D. Aracoely se preocupa com os problemas da juventude. Organiza clubes infantis em Belém e escreve um livro: “Conselhos à minha filha”. É formada pelo Instituto Profissional Feminino, em São Paulo. Fez curso de alimentação do SAPS, do Rio, e cursou a Universidade de Maryland, nos EUA. Suas leituras preferidas variam entre Machado de Assis, Amoroso Lima, Maritain, Saint-Exupéry, Hemingway e Fulton Sheen. Sobre a posição da mulher nos altos postos da administração declara:
“Desde que lhe sejam dadas oportunidades, ela realizará tanto quanto realizam as mulheres de outros países, como os Estados Unidos, Rússia, Alemanha e outras.”
 
7 – A SENHORA DO MINISTRO DA AERONÁUTICA é a D. Hilda Moss. Gaúcha, filha de um estancieiro dos pampas, foi educada na França, onde cursou o Sácre Coeur de Jésus. Viveu algum tempo no Chile, onde seu marido exerceu as funções de adido aeronáutico. Mãe de quatro filhos, é avó pela primeira vez. Uma avó enternecida com a netinha. Mora na residência oficial do ministro da Aeronáutica, no Galeão, onde recebe as pessoas amigas, com uma simplicidade encantadora. Uma de suas paixões é a literatura. Gosta de ler principalmente os autores clássicos, nas boas edições francesas, mas não desdenha dos autores contemporâneos. Declara:
“Travei meu primeiro contato com a literatura de Jorge Amado ao ler o seu livro ‘Gabriela Cravo e Canela’. É um romance tão notável que eu me passei de armas e bagagens para esse autor brasileiro.”
 
D. Hilda gosta imensamente de bom teatro e de concertos. Duas de duas filhas são casadas. Uma é estudante no Instituto Santa Úrsula. E a mais moça, de cinco anos, brinca com um sobrinho. Uma família feliz.
 
8 – A SENHORA DO MINISTRO DA FAZENDA é D. Clara Mariani Bittencourt. Nasceu na Bahia, mas vive no Rio há muitos anos, desde que seu marido foi ministro da Educação no governo Dutra. O casal tem oito filhos. Seis quase moços e dois meninos de 08 e 09 anos. Uma filha já se casou e casarão mais dois: um rapaz e Maria Clara, futura nora do governador Lacerda. D. Clara vive exclusivamente para o lar. Está ocupadíssima às voltas com o enxoval da filha. Acompanha o marido nas viagens que faz à Brasília. Colabora constantemente com obras sociais. Durante muitos anos, D. Clara Mariani Bitencourt foi presidente da Campanha Nacional da Criança. Prefere não aparecer em público.
 
9 – A SENHORA DO MINISTRO DE MINAS E ENERGIA é D. Lourdes Bonavides Maia. Pertence a uma tradicional família de professores da Paraíba. Ela mesma lecionou muito quando mocinha, até conhecer o jovem João Agripino que ingressava na política. Deixou seus alunos para ser dona-de-casa, mãe carinhosa e companheira de lutas do marido. O casal tem cinco filhos: quatro rapazes e uma menina de dez anos. D. Lourdes passa as férias, todos os anos, na Paraíba, onde visita sua mãe. Ela nutre grande interesse pelas atividades do esposo:
"Jamais deixei de ajudá-lo. E este auxílio vem principalmente da tranqüilidade que ele tem, sabendo que nossos filhos estão bem orientados e assistidos por mim nos estudos.”
10 – A SENHORA DO MINISTRO DO TRABALHO é D. Roselys Castro Neves. De ilustre família paulista, professora formada pela Escola Normal Sud Minucci, de Piracicaba, reside em São Paulo. O casal tem três filhos. Além dos afazeres de dona-de-casa, participa das atividades do marido e colabora em vários setores assistenciais. Acha que esposa de político deve renunciar aos seus interesses pessoais e pensa que tudo pode ser harmonizado com inteligência. D. Roselys está esperando que a residência de Brasília fique pronta. Então, irá em caráter definitivo para a capital. Gosta de música, trabalhos manuais e prefere os seguintes autores: Vieira, Fulton Sheen, Casimiro, Castro Alves, Machado e Pearl Buck.
 
11 – A SENHORA DO MINISTRO DA VIAÇÃO é D. Maria Heloísa de Gracia Pestana. Professora primária, formada no Instituto de Educação de Porto Alegre, e com cursos suplementares da Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte e do Curso Jean-Jacques Rousseau, na Suíça. O casal tem três meninas. D. Maria Heloísa trabalha no Ministério da Educação e Cultura e no INEP, realizando pesquisa sobre a situação dos prédios escolares, particulares ou públicos, em todo o Brasil. Publicou diversos trabalhos e pronunciou muitas conferências sobre educação. Conheceu o ministro Clóvis Pestana em Porto Alegre.
“Quando ele chega em casa, sempre diz: isto aqui é o meu paraíso.”
 
12 – A SENHORA DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO é D. Conceição Tinoco, neta e filha de políticos fluminenses. Seu pai, médico muito conhecido em Niterói, foi o diretor de Higiene do Estado do Rio. Nascida na casa em que ainda vive, D. Conceição foi vizinha de Nilo Peçanha, quando menina, e ainda guarda dele as mais vivas lembranças. Mãe de duas filhas gêmeas, uma loura e a outra morena, preocupa-se muito com os estudos de ambas. Uma termina o curso normal e vai ser professora. Como seu marido, por ser ministro, terá que morar em Brasília, está disposta a acompanhá-lo, mas conservando tal como está a residência de Niterói, em frente ao mar e ao lado do Clube Icaraí. A uma amiga, que a aconselhou a modernizar a antiga residência, deu esta resposta:
“A casa como está lembra a minha infância, meus pais e meus amigos que se foram. Quero-a assim. Nada como sentir saudades, folheando um velho álbum de retratos.”
 
Simples e inteligente, diz sobre a tarefa que foi entregue a seu marido:
“A educação é a chave dos nossos problemas. Haveremos de resolvê-los, se Deus quiser.”
 
Treze homens ajudam JQ a governar o Brasil. Mas, assim como o chefe da Nação tem ao seu lado a primeira-dama que governa o Presidente, as treze "ministras" governam os secretários de Estado. São as eminências cor-de-rosa da República, o gentil poder por trás do poder. Aqui estão elas, porém, em número de doze. É que a décima-terceira, a esposa do ministro da Agricultura, Senhora Romero Cabral Costa não foi encontrada.
Eis suas doze ilustres companheiras no mesmo plano de projeção nacional.
 
 
 
 
 
 
O Ministério de Jânio Quadros causou viva surpresa em certos círculos e grandes decepções à personalidades que esperavam ser contemplados na distribuição dos altos postos. O critério com que o novo Presidente da República o constitui parece ter sido o de incluir o maior número possível de elementos partidários, sem que, no entanto, tenham os escolhidos resultado de indicação dos partidos. Será difícil, porém surgirem impugnações por parte destes.
A União Democrática Nacional deu três ministros. Escolheu o presidente JQ o líder udenista na Câmara dos Deputados, João Agripino, para o novo Ministério de Minas e Energia. É um homem cercado da confiança de seu partido. Bacharel em Direito, Deputado em várias legislaturas, parlamentar dos mais ilustres e combativos, sua nomeação atende, também, às reivindicações do Nordeste, pois se trata de um filho da Paraíba. Sua escolha veio quando todos já esperavam que ele fosse o líder governamental na Câmara dos Deputados.
Outro Ministro udenista que é também homem do Norte, Clemente Mariani, ocupara a Pasta da Fazenda. É esta uma das raras vezes que um homem da região do cacau ocupa um lugar que tem cabido por tradições aos homens do café. Mas o Presidente da República já representava São Paulo, no Governo e isso é que tornou tal coisa possível. Deputado à Constituinte de 1934 e à Constituinte de 1946, Clemente Mariani foi um dos elementos que representaram a UDN no governo do marechal Dutra, quando o partido do Brigadeiro se compôs com o vitorioso de 1945. Ocupou, então, a pasta da Educação e Saúde (só depois desmembrada) e, desde que se afastou do Ministério deixou ostensivamente as atividades políticas. Tendo sido jornalista e ocupando uma das cátedras da Faculdade de Direito da Bahia, Clemente Mariani é, antes de tudo, um homem das finanças, um banqueiro bem sucedido, administrando, com grande tino, no Banco da Bahia, além de várias outras empresas, das quais agora se afasta para dar sua colaboração ao novo governo.
O terceiro ministro udenista é Afonso Arinos de Melo Franco Sobrinho, atual Senador pelo Estado da Guanabara. Anteriormente sua base política era o Estado de Minas, principalmente o Nordeste (Paracatu e adjacências). Antigo jornalista, crítico literário, historiador e biógrafo, é também professor de Direito e membro da Academia Brasileira de Letras. Com a nomeação de Afonso Arinos de Melo Franco Sobrinho, JQ fez um homem felicíssimo: o Sr. Venâncio Igrejas, suplente do novo chanceler, que nunca conseguira se eleger nem vereador, mas que agora dispõe de uma tribuna no Senado.
O Partido Republicano, que se cindiu, graças a uma manobra habilíssima do grupo janista, para acompanhar a candidatura de JQ, foi contemplado com o Ministério da Indústria e Comércio (desmembrado do Ministério do Trabalho). Recaiu a escolha de Arthur Bernardes Filho, antigo constituinte, deputado, senador e vice-governador do Estado de Minas Gerais. É o atual Presidente do PR, cargo outrora ocupado por seu ilustre pai, o ex-presidente Bernardes.
O Partido Democrata Cristão foi contemplado na pessoa do Deputado fluminense Brígido Tinoco, que fazia parte da dissidência janista do PSB, mas terminou por se desligar do socialismo e ingressar naquela legenda. Advogado, alto funcionário do Ministério do Trabalho (procurador) e professor de Direito, foi prefeito de Niterói, constituinte de 1946 e candidato derrotado em 1954, ao governo fluminense. Escritor premiado pela Academia Brasileira de Letras e pela Biblioteca militar (com um livro sobre Duque de Caxias) escreveu, a biografia de Nilo Peçanha. Antes de sua escolha, o nome de foco era o da escritora Rachel de Queiroz: JQ queria ser o primeiro Presidente a nomear uma mulher Ministro de Estado. Mas a autora de "O Quinze" retirara da política (na mocidade foi militante esquerdista), resistiu à tentação...
O Partido Trabalhista Nacional está representado no governo pelo Presidente da seção do Pará, Edward Catete Pinheiro. Deputado Federal, formado em Medicina, Catete Pinheiro era candidato a um lugar de menor gabarito, mas de grande importância para a sua região: o de diretor da SPVEA. Um dos problemas com que se defrontará: o de acabar com a filariose e a malária no Pará e nas regiões adjacentes. Essa nomeação rebentou como uma bomba nos círculos udenistas paraenses, pois o novo ministro é considerado o adversário número um do Deputado Ferro Costa, que foi um grande janista e lidera a UDN no Pará.
A dissidência do PSD do Rio Grande do Sul foi contemplada na pessoa de Clóvis Pestana, Ministro da Viação, no período final do governo do Marechal Dutra. Foi quem inaugurou a Estrada Presidente Dutra, entre Rio e São Paulo. Engenheiro civil, também formado em Direito, Clóvis Pestana pertence à representação do seu estado na Câmara Federal. É engenheiro da Prefeitura de Porto Alegre, já foi prefeito da capital gaúcha e era Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado quando o marechal Dutra o chamou para o Ministério.
Além desses ministros ligados às diversas agremiações partidárias, outros há que não pertencem a partidos. É o caso dos três ministros militares e de Pedroso Horta, Castro Neves e Romero Costa. Pedroso Horta é um dos grandes advogados de São Paulo. É o titular da Justiça e Negócios Interiores. Foi, por algum tempo, diretor da Guarda Civil, dirigiu a Companhia Municipal de Transportes Coletivos, da prefeitura de São Paulo (na administração Toledo Piza) e, embora tendo defendido Adhemar de Barros perante a Justiça, revelou-se um dos mais ardorosos janistas, prestando grandes serviços durante a recente campanha eleitora. Pedroso Horta foi diretor de "Última Hora", de São Paulo, da qual se desligou quando a empresa se comprometeu com a candidatura Lott. Castro Neves, que já pertenceu ao PSD e ao PTB, estando atualmente sem compromissos partidários. Foi Deputado estadual, secretário do governo na administração Lucas Nogueira Garcez e Secretário do Trabalho, na administração de Jânio Quadros. Dada a habilidade com que se houve nesse último posto, foi escolhido para ocupar a pasta do Trabalho. Romero Costa, usineiro em Pernambuco, considerado um técnico em assuntos agrícolas, foi indicado pelo Governador Cid Sampaio e pelo Deputado Maurílio Costa Rego, como homem capaz e de mentalidade evoluída. Não se trata, nesse caso, de escolha pessoal do Presidente da República, mas da aceitação por este de um nome avalizado pela situação política dominante em Pernambuco.
As pastas militares serão ocupadas pelo Marechal Odílio Denys, que serviu nos últimos meses do governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, com tanta isenção e critério que o novo Presidente lhe pediu que continuasse a ocupar a pasta da Guerra, pelo Brigadeiro-do-Ar Gabriel Grum Moss e pelo Almirante Sílvio Heck, duas personalidades de relevo na Aeronáutica e na Marinha.
Embora sem o título de ministros, há dois outros com poder e gabarito ministerial: o Chefe da Casa Civil e o Presidente do Banco do Brasil. A chefia da Casa Civil será exercida por Quintanilha Ribeiro. Formado em Direito, antigo Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, combatente da Revolução Constitucionalista de 1932, Quintanilha Ribeiro foi o Chefe da Casa Civil do Governador Jânio Quadros com tal eficiência que não surpreende a sua escolha para ocupar cargo semelhante junto ao Presidente, tanto mais que foi infatigável durante a campanha eleitoral. O Presidente do Banco do Brasil é o grande prestígio nos círculos financeiros de São Paulo, na qualidade de Presidente do Banco Sul-Americano S.A. e da Cibrex, além de diretor-tesoureiro da Companhia Territorial e Imobiliária Santo Amaro.
Tal é a equipe de Jânio Quadros. Para alguns, trata-se de um Ministério de experiência, a ser alterado, parcial ou mesmo totalmente, quando o novo Chefe de Estado tomar pé nos problemas nacionais e tiver sentido com intensidade as reações das correntes políticas. Para outros, porém, trata-se de uma equipe definitiva, preparada para entrar em ação sob o comando de um líder que sabe o que quer, quando e como.
 
Na cerimônia da transmissão da faixa presidencial falaram o Presidente egresso e o Presidente entrante. Juscelino desejou à Jânio uma administração fecunda. Jânio extremamente expressivo diz à Juscelino:
"O governo de Vossa Excelência, que ora se finda, terá marcado na história a sua passagem, principalmente porque, através de sua meta política, logrou consolidar em termos definitivos, no país, os princípios do regime democrático."
 
Desde o início, Jânio Quadros já encontrava dificuldades com o Congresso Nacional, principalmente, com as "forças opositoras". Tais "forças" queriam notadamente, de Jânio, o loteamento dos cargos no primeiro, segundo e terceiro escalão do governo. Jânio envergava, mas não quebrava.
Os famosos bilhetes de Jânio, personalissimamente endereçados, tinham acolhida, irônica ou pitoresca nas colunas dos jornais e eram recebidos pelo povo com misto de admiração, reverência, credulidade e de pilhéria. O funcionalismo público desde logo foi alvo da moralização, através de decretos que dispunham quanto ao cumprimento de horário de funcionamento das repartições públicas, quanto à exoneração ou à dispensa. Em suma, a máquina burocrática deveria ser qualificada e produtiva, sem alteração de sua estrutura e métodos, através de medidas de moralização e bons costumes.
Após dois meses e meio de empossado, Jânio se lançaria no primeiro grande ato presidencial, cuja seqüela marcaria os restantes meses de seu governo: a instrução 204, do Ministério da Fazenda, através da qual se processaria a reforma cambial. O próprio Presidente fez uma detida exposição dos motivos que levaram o seu governo a tomar grave passo com dois objetivos sucessivos: tornando reais os câmbios em causa, os custos iriam sofrer aumento, não só dos gêneros de primeira necessidade, mas também indiretamente pelo aumento de fretes e, após o que o governo ficaria habilitado a exercer real inspeção dos preços cobrados à população, objeto de especulação desenfreada do poder econômico.
Nesta altura, setores poderosíssimos da vida econômica e financeira do País reagiam de forma desfavorável.
O povo recebeu com assombro, tristeza e decepção as medidas, mas o Presidente tinha tal crédito que a massa popular tinha largo lastro de esperança e acreditava que "melhores dias viriam".
Em princípios de julho de 1961, o ministro Clemente Mariani anunciava ao País a instrução 208, complementando a 204, que procurava beneficiar o intercâmbio com os países integrantes da Associação Latino-Americana de Livre Comércio. Um mês depois, o Presidente reúne o Ministério para acertar as medidas de interesse nacional, dentre elas, a decisão de promover a reforma, pela atualização, do Direito Privado Brasileiro, que ficou sob a supervisão do ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta. Este nomeou comissões de juristas, escolhendo-os de maneira impessoal entre os luminares das letras jurídicas. O trabalho demonstrava a urgente necessidade de adequar-se a estrutura jurídica nacional à realidade dos tempos.
O governo começava a tomar posições nos problemas substantivos e aos poucos ia se endereçando aos problemas reais, mas de forma sempre assistemática. Um plano faltava, global. O economista Celso Furtado viria a encarregar-se dele, mas tinha convicção de que o plano jamais viria a ser seguido.
O CONCLAP – Conselho Superior das Classes Produtoras – durante a campanha, antecipou um documento extenso em que propunha um plano nacional de desenvolvimento. Jânio o recebeu, leu e o interpretou numa visão parcial e unilateral, mas, o que mais o irritara é que as sugestões eram absolutamente omissas em relação aos problemas estruturais do país. Ele se pronunciou e um dos parágrafos era o seguinte:
"Homens poderosos já me procuraram para expressar sua dessatisfação com o meu governo. Expliquei-lhes que só haveria dois meios de tolher os meus passos: depor-me ou assassinar-me, o que não me parece fácil".
A imagem do Presidente devia ser preservada. Governar, se vinha revelando cada vez mais difícil. Os desacordos com o parlamento e a situação minoritária do governo eram uma realidade que tendia a aumentar.
Cumpria tomar providências compensatórias. De duas ordens eram elas. Através das chamadas reuniões dos Governadores, em que Jânio Quadros se deslocava para um ponto do território nacional, quase sempre acompanhado de seu Ministério e se encontrava com os Governadores de determinadas regiões do país, onde eram tomadas decisões de interesse imediato para os Estados. Paralelamente, as famosas comissões de inquérito instituídas em comissões de sindicância, vinham a público com resultados. A história dessas sindicâncias ficará por largo tempo como objeto de polêmica, pois seu valor foi essencialmente controversível. É incontestável que se apurou irregularidades em alguns setores.
No parlamento, os debates suscitados em torno dessas comissões aprofundavam o hiato crescente entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo.
Na mensagem presidencial ao Congresso Nacional, datada de 15/3/1961, a política externa brasileira era considerada em vários parágrafos, em que, os seguintes princípios se afirmavam: 1° necessidade de estabelecer contatos comerciais e diplomáticos, com países de ideologias divergentes; 2° tais contatos eram a via empírica expedita para distender as relações internacionais e tornar possível a manutenção da paz; e 3° as Nações Unidas não haviam sido criadas para serem foro manipulável por um grupo de países de ideologias afins; cada País devia aí representar-se em função exclusiva dos seus interesses, desde que respeitando o princípio básico que estrutura o organismo internacional, o decidido apoio à causa da preservação da paz, através da certeza de que todos os diferendos internacionais podiam encontrar sua solução por via pacífica e jurídica.
Passados alguns anos já dos acontecimentos, é lícito reconhecer que no conjunto a política externa inaugurada como presidente Jânio Quadros e continuada, com alterações, até a deposição do presidente João Goulart, se caracterizou: primeiro pela relativa inalterabilidade das mesmas relações com todos os países capitalistas, inclusive os Estados Unidos da América, salvo, com relação à Cuba; depois pela intensificação das relações diplomáticas e comerciais com os países socialistas, aspecto positivo, tanto que desde então o País o vem mantendo e sustentando, quaisquer que tenham sido as modificações internas, pois o presumido se positivou, a saber, que pelo menos as relações comerciais seriam reciprocamente benéficas – ressalvado o não encaminhamento da questão das relações com a China Popular e a ruptura de relações com Cuba. Sob esse ângulo, o saldo foi duradouro. Outra é a questão de saber se o País estava em condições de tomar aquelas medidas.
Formulada assim, a questão assume caráter polêmico. Foi o que aconteceu.
À chamada missão João Dantas coubera a função exploratória no planejar, acordos comerciais do Brasil com a Bulgária, a Hungria, a Romênia, a Iugoslávia e a Albânia.
Concomitantemente, novas embaixadas brasileiras eram abertas em países do Terceiro Mundo, inclusive na África no Senegal, em Gana, na Nigéria, no Congo (Kinshasa).
Todas essas medidas eram recebidas pelo parlamento e pela grande maioria da imprensa brasileira como excentricidades e audácias periculosas, para as quais o País não estava preparado.
A invasão de Cuba, a 16 de abril de 1961, foi um dos pontos de precipitação da divisão ideológica interna no Brasil. Nessa divisão, duas figuras passaram a cristalizar os pólos de opiniões: o próprio Presidente Jânio Quadros e o governador da Guanabara Carlos Lacerda. A cisão entre o governo da Guanabara e o governo federal seria, daí por diante, um dos elementos que iriam emocionalizar a gestão da coisa pública no Brasil.
Tudo culminaria quando da passagem pelo Brasil de Ernesto Guevara, vindo de Punta del Este, no Uruguai, de Ministro da Economia da República de Cuba. Chegando à Brasília no dia 18/8/1961, a 19 recebia das mãos do Presidente Jânio Quadros a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.
O Governador Carlos Lacerda, na véspera da condecoração de Guevara, estivera com o presidente Jânio Quadros e com o ministro Pedroso Horta, ministro da Justiça, e obtemperara a ambos a sua discordância para com a política externa que vinha sendo seguida pelo governo federal. Essa divergência assumiria, ato contínuo, caráter acintoso, pois o Governador da Guanabara recebia em palácio, poucas horas depois de Guevara ter sido condecorado, ao líder anticastrista Manoel Antônio de Verona, a quem também conferia prebenda estadual.
Todos entraram na discussão do mérito de ambas as atitudes: parlamento, imprensa, opinião pública, forças armadas. Naquela altura, ninguém podia ter dúvidas de que a prova da viabilidade da presidência Jânio Quadros acabava de ser tentada. Era uma gota d'água que justificava o extravasamento de discordâncias e discrepâncias para com a condução dos negócios públicos. O Presidente exercia seus poderes constitucionais enfrentando todas as objeções. A partir daí, ver-se-ia se poderia continuar como o Presidente que quisera ser ou como o Presidente que queriam fosse.
Em torno da política externa brasileira, duas linhas de ação se desenvolveram: de um lado o governo da Guanabara procura incendiar os ânimos chegando a motivar no dia 21 de agosto, sessão secreta da Assembléia Legislativa da Guanabara, para pedir sua renúncia, ato de que recua logo em seguida, continuando sua pregação contra a política externa e seus condutores; de outro lado, o Presidente continua sua ação, tomando providências administrativas dos mais variados tipos como se o seu governo não sofresse o menor risco de continuidade: recomenda ao Itamarati e ao Ministério da Indústria e Comércio a negociação de acordo econômico com Cuba; instituiu o plano nacional contra o analfabetismo e delineia os problemas fundamentais que o Brasil deveria discutir na Assembléia Geral das Nações Unidas.
Carlos Lacerda, no dia 21 de agosto, recebeu a visita de vários militares das três armas, dos altos escalões.
Na noite de 24 de agosto, o governador Carlos Lacerda, como o fizera na noite anterior em São Paulo em longa palestra pelas televisões cariocas, denunciava conversações com o ministro da Justiça Pedroso Horta, conducentes à um golpe de Estado branco, segundo o Congresso teria seu recesso decretado, com apoio das Forças Armadas, enquanto o Executivo sob a direção de Jânio, promoveria uma série de reformas, que seriam submetidas a referendo popular.
Às primeiras horas do dia 25, por iniciativa de vários políticos, dentre os quais Carlos Lacerda, o deputado Armando Falcão, reunia-se à Câmara, convertida em Comissão Geral de Inquérito (iniciativa dos deputados José Maria Alckmin e Paulo Lauro) e convocava para depor, em plenário, o ministro Oscar Pedroso Horta. Isto foi feito sem que àquele titular fosse dada ciência prévia das questões que seriam propostas.
Circulava a notícia que outras convocações seriam feitas, inclusive a da esposa do Presidente, o que demonstrava o objetivo de quebrar a autoridade do governo, desmoralizando-o.
A crise deflagrada fora inevitável. A administração pública se fazia cada vez mais difícil, impossível. O governo encontrava-se desaparelhado e faltava a indispensável sustentação parlamentar. O mais grave era a discrepância entre as exigências político-administrativas e sócio-econômicas do País e por outro lado, a débil estrutura política-jurídica, constitucional e legal. O Presidente, o Ministro da Guerra e da Justiça examinavam fórmulas ou soluções tendentes a fortalecer a autoridade governamental. O que aconteceu foi frustrarem-se esses anseios de reforma institucional, ficando o governo com o seguinte dilema: permitir seu aviltamento pela Câmara ou implantar a ditadura. À ditadura recusou-se o Presidente.
Na manhã do dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros madrugava no palácio, em Brasília. São unânimes os depoimentos de seus auxiliares quanto à serenidade de que se achava penetrado. Em longa conversa com os colaboradores mais achegados, disse-lhes da determinação de renunciar e deu-lhes o texto autógrafo da sua renúncia, ordenando que preparassem a mensagem ao Congresso Nacional.
No tumulto que foi a sessão que tomou conhecimento da peça, prevaleceu a tese de que a única atitude que cabia ao parlamento era tomar conhecimento do fato, provindo de um ato unilateral e irretratável do Presidente da República, segundo a aplicação da Constituição: o vice-Presidente deveria assumir e com sua ausência, devia assumir o Presidente da Câmara dos Deputados.
João Goulart, o vice, estava em missão de boa vontade na República Popular da China. O Presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, pouco tempo depois assumia o mandato.
A renúncia tem recebido interpretações controversas e variadas: Jânio Quadros, um instável e emocional; um provinciano e desaparelhado; um pusilânime e timorato; maquiavélico. Tudo pode ter passado na mente de um homem em que, seis milhões de eleitores haviam depositado sua confiança e um sistema de lei deferira, uma soma definida de poderes.
Jânio procurou corresponder à expressão da vontade popular.
No curto tempo em que presidiu o país, transitou de medidas esparsas moralizantes para os lineamentos de um conjunto de providências e sucessivas medidas de reforma estrutural.
Já se compenetrara ele de que não podia haver dicotomia entre o plano externo e o interno. O arcaico era o interno. O Brasil se apresentava em plena expansão demográfica, cujo modelo cumpria superar: uma taxa de incremento demográfico; uma taxa de incremento do produto nacional bruto; uma taxa de incremento da riqueza dos ricos superior à dos pobres. Uma das formas de dinamização nacional deveria ser pela tomada de consciência da problemática. Através do debate far-se-ia a educação política coletiva, pois, um dos maiores males dos brasileiros era a ignorância geral do que se passava no grande mundo, o que lhes fazia supor – sermos uma grande nação, na verdade, éramos uma nação que tendia a quantificar-se, multiplicando-se em problemas sociais, cada vez mais graves.
O governo Jânio, dicotômico, no plano interno oferecia as perspectivas de superar a inflação galopante que tendia a instituir-se no país: o próprio Fundo Monetário Internacional e os mais influentes órgãos das finanças capitalísticas internacionais viam equilíbrio na sua gestão da vida financeira nacional. O futuro era o sombrio para Jânio Quadros. O presente era, se enfrentado com coragem, decisão e urgência, exatamente o componente que iria permitir à nação ter um futuro diferente daquele para o qual se estava encaminhando.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, através da CIA (Central Inteligence American) e de seu Presidente norte-americano John Kennedy, estavam interessados que o "regime" de Jânio Quadros tivesse êxito no Brasil. A proposta pelo embaixador americano era o de fechar o Congresso Nacional, porque havia um perigo de uma ditadura comunista no Brasil.
Jânio Quadros começou a duvidar das propostas do Presidente dos Estados Unidos, contudo, o golpe estava em marcha com o apoio logístico da CIA e Jânio não cedeu um milímetro de suas convicções pessoas, porque era um homem inteligente, de personalidade forte e coerente em sua linha política. Jânio pensou no povo brasileiro e não quis derramamento de sangue, contrariando os Estados Unidos e as Forças Armadas Brasileiras (tal fato vem ocorrer em 1964).
A renúncia foi assim, expressão de uma coerência de tipo heróico, no sentido carlyliano; Jânio Quadros acreditou que os destinos nacionais, dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal.
Jânio da Silva Quadros E
A CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO (1961)
 
 
Quando Jânio da Silva Quadros, o maior fenômeno eleitoral surgido na política brasileira do momento assumiu a presidência em janeiro de 1961, o Brasil estava submerso numa profunda crise econômica, o que propiciava o surgimento do janismo. Considerado um precursor do marketing político, falava à mídia e ao eleitorado por meio de imagens, símbolos e emoções. Ele tinha um repertório cênico e retórico de vocação populista, marcado por gestualidade ostensiva, vocabulário rebuscado e tiradas imprevisíveis.
O governo implantou imediatamente um austero e ortodoxo conjunto de medidas de estabilização econômica, com uma violenta desvalorização cambial, redução dos gastos públicos, controle da emissão monetária e redução dos subsídios ao trigo e ao petróleo para combater o déficit orçamentário calculado em Cr$ 123 bilhões.
Armado da famosa “tesoura”, o presidente podou o orçamento cortando vantagens e reduzindo verbas. As bases de sua atuação econômica estavam sintetizados nos “dez mandamentos de Jânio”: 1 – Congelamento das verbas dos fundos especiais; 2 – Revisão da política tarifária de modo a desonerar a União das subvenções que tinham distribuídos para cobrir déficit reais ou fictícios das várias empresas, incluindo os correios e telégrafos; 3 – Congelamento de despesas adiáveis, cortando verbas de auxílio, subvenções e indenizações; 4 – Reexame dos pagamentos e dos créditos especiais; 5 – Reexame das dotações orçamentárias destinadas a custeio de serviços, desenvolvimento econômico e social e investimentos; 6 – Revisão na nomeação de funcionários; 7 – Revisão das ajudas de custo, verbas de representação, gratificações, risco de vida e nível universitário; 8 – Corte drástico nas despesas em dólares com pessoal em funções no exterior; 9 – Prévia aprovação da entrega de recursos orçamentários destinados a obras, instalação, equipamentos e desapropriações de imóveis; e 10 – Eliminação de todos os gastos supérfluos.
Na sua intenção de eliminar o déficit público determinou um aumento das tarifas dos correios em quase quinhentos por cento em alguns serviços, sendo um dos mais afetado o de reembolso postal, fazendo com que em muitos casos a postagem custasse quase o mesmo preço do livro. Por determinação da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) as remessas de direitos autorais (entendidas como “royalties”) para o estrangeiro estavam bloqueadas, sem qualquer cobertura cambial.
As gráficas também fora penalizadas com a eliminação do câmbio preferencial que permitia a importação de bens de capital e matérias primas, provocando um aumento no preço de papel que subiu de 6 para 150 cruzeiros o quilo. Os custos do papel para os livros que em 1950 representava 10% chegaria a cifra absurda de 75%.
Para tentar aliviar a pressão do custo dos livros, especialmente os didáticos, sobre o orçamento familiar, Jânio assinou um decreto estabelecendo dois anos de validade para os livros adotados, autorizando a venda de livros pelas cooperativas escolares, congelou por cinco anos os programas de ensino e a distribuição de disciplinas por série, designando o Banco do Brasil para o financiamento da produção de livros didáticos.
A instrução 204 da SUMOC que se destinava ao reordenamento geral da política econômica do governo, provocou o encarecimento do papel em 170%, descapitalização das empresas, um aumento de 100% na taxa de câmbio o que inviabilizou as importações de livros, e um corte na modernização por falta de financiamentos a um brusco aumento de juros. A Câmara Brasileira do Livro elaborou um documento com as reivindicações do setor, entregue pessoalmente ao presidente, por uma comissão formada por José de Barros Martins, Ênio Silveira, Octales Marcondes Ferreira, Jorge Saraiva, Diaulas Riedel, Francisco Marins, Antônio Olavo Pereira, Theobaldo de Nigris e Mário da Silva Brito.
De fato houve duas entrevistas com Jânio da Silva Quadros. A primeira em abril de 1964, onde o Presidente afirmou que tinha urgência em coibir os abusos do poder econômico, relatando a enorme sangria feita no orçamento cambial do país através de dólares remetidos para fora do país e de que as medidas eram necessárias, ainda que duras, para sanear as finanças brasileiras. Como não houvesse medida concreta alguma para resolver o problema da Instrução 204 e o das Tarifas Postais, foi solicitada uma segunda entrevista à qual compareceram Mário Fittipaldi e Mário da Silva Brito em junho de 1961, já na gestão Octalles Marcondes, quando Mário Fittipaldi era o 1o. vice-presidente da CBL, no exercício da Presidência.
Nesta última audiência foi entregue a Jânio Quadros um memorial redigido pelo próprio Fittipaldi em que se propunha, para compatibilizar a indústria do livro com a instrução 204, o mesmo esquema de incrementos semestrais de 10% na taxa cambial, o que possibilitaria às editoras se adaptarem com a nova realidade cambial no prazo de cinco anos. O Presidente mostrou-se extremadamente favorável a essa idéia, tendo no mesmo momento – segundo os integrantes da CBL – por telefone, contatado o ministro da Fazenda, Clemente Mariani, no Rio de Janeiro. Após a entrevista, o Presidente ordenaria o congelamento das tarifa postais para o setor.
A secretaria da presidência providenciou um rápido transporte dos representantes da CBL até o Rio de Janeiro, onde o ministro os receberia em seu gabinete, tendo nesta ocasião tomado conhecimento do memorial. O documento entregue ao Presidente relatava as causas da restrita circulação de livros no Brasil, impedindo a democratização da cultura, a falta de financiamentos oficiais a juros menores que os praticados pelo mercado. Ressaltava que nos últimos dez anos nenhum editor tinha conseguido licença para importar máquinas reequipando sua indústria e a precariedade dos meios de comunicação.
Afirmava que e face da nova Instrução, o dólar livro que custava setenta e cinco cruzeiros e sessenta e oito centavos, iria até o fim do primeiro semestre a duzentos cruzeiros por dólar, o que representava um aumento aproximado de 170%, provocando com isto uma majoração brusca nos preços dos livros, redução do potencial econômico-financeiro das empresas editoras e uma estagnação do processo cultural brasileiro.
Solicitava ao governo créditos oficiais favoráveis para a aquisição de papel e máquinas, que o Banco do Brasil descontasse títulos comerciais no prazo máximo de doze meses, e que fosse dado às editoras, quanto às taxas de juros, o mesmo tratamento dispensado aos financiamentos e créditos agropecuários.
Explicava que o desaparecimento do dólar de custo inviabilizou a importação de livros, sem que isto signifique a possibilidade de substituir o livro importado pelo livro nacional, e que a demora de cento e vinte dias da remessa dos dólares para o exterior, impediria que editoras estrangeiras enviassem livros para o Brasil. Solicitava ainda a constituição de um “Fundo Nacional para a Indústria do Livro” para assistir e estimular a indústria e o comércio de livro com vistas a sua difusão.
Um outro problema criado para o setor pela política governamental foi a determinação através da Instrução204 do fim do subsídio à indústria de papel, sobre a argumentação de que esta beneficiava apenas uma empresa (a Klabin controlava 80% da produção nacional) e de que os jornais “gastavam muito papel inutilmente” (especialmente o antijanista O Estado de São Paulo).
A Câmara Brasileira do Livro iniciou uma articulação política em defesa do setor bem antes da entrevista presidencial que incluía a escritora Raquel de Queiroz, que tinha recusado um convite de Jânio para ser ministra da Educação por considerar-se “despreparada”, utilizando um artigo publicado pela revista Cruzeiro, onde se divulgou através de uma crônica chamada “Aqui D’El Rei Brasília”, os problemas do livro defendendo o setor editorial do colapso que se aproximava.
Através de entendimentos com o presidente Jânio Quadros a CBL conseguiu o congelamento das tarifas postais e a promessa de estudar o parcelamento da desvalorização cambial semestralmente, um subsídio ao papel e a criação junto à Carteira de Crédito do Banco do Brasil uma carteira especializada para o Livro. Quanto ao preço do livro didático, a proposta janista foi a determinação de um estudo para a adoção de um único livro para cada série e disciplina em todo o âmbito nacional.
Pouco antes de efetuar sua renúncia em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros ordenou a formação de um grupo de trabalho formado por escritores, livreiros e editores, coordenados pela Câmara Brasileira do Livro para estudar os problemas do livro no Brasil, processo que foi abortado pelo seu afastamento do poder.
 
 
 
BRASIL FICA DE BEM COM A URSS
 
Depois de 14 anos de relações cortadas, o Brasil vai reatar seus laços diplomáticos com União Soviética. A medida, determinada pelo Presidente Jânio Quadros ao Itamarati, foi anunciada durante a terceira entrevista coletiva concedida pelo Chefe da nação e é, talvez, a mais importante decisão tomada pelo governo brasileiro em matéria de política internacional desde a queda de Getúlio em 1945. O reatamento será feito por intermédio do Embaixador dos dois países em Washington, estando o embaixador brasileiro nos EUA apenas à espera de ordens para conversações finais com o representante soviético, o que será feito em pouquíssimos dias. Como no Brasil, os primeiros despachos chegados de Washington informam que os círculos diplomáticos e políticos norte-americanos não receberam com surpresa o reatamento, pois desde a campanha presidencial Jânio Quadros se mostrava favorável à retomada de posição em relação à Cortina de Ferro. Por outro lado, a recente visita ao Brasil de uma delegação soviética de Boa Vontade, durante a qual foram examinados os obstáculos existentes à reaproximação, muito contribuiu para a determinação da medida, que decorre de demorados estudos efetuados pelo Itamarati e relatados ao Chefe da Nação. As bases do reatamento, o tratamento de parte a parte no que diz respeito do número de diplomatas, liberdade de locomoção etc., também foram esclarecidos na entrevista do Presidente com a imprensa, durante a qual foram respondidas cerca de 17 perguntas dos jornalistas sobre política internacional e 24 sobre política nacional. Jânio Quadros asseverou que todas as limitações que a nossa representação eventualmente sofresse na URSS seriam limitações impostas aqui à representação daquele país. "E sobre o prosseguimento da diplomacia, essa reciprocidade estabelece-se com todos os povos, não representando nenhuma discriminação. As franquias, as prerrogativas de uma missão, em determinado país, são franquias ou prerrogativas que esse País transfere para sua missão no outro". Referindo-se à Assembléia Geral da ONU e à Conferência de Montevidéu, a realizar-se em agosto, o Presidente da República afirmou não lhe parecer muito fácil a sua ida à Nova Iorque, chefiando a delegação brasileira nas Nações Unidas: "É bem possível que no decorrer do ano deva eu fazer uma viagem a vários países da América do Sul. Há também a Conferência de Montevidéu, a instalar-se no próximo mês. A ida à ONU não me parece provável. O certo é que nossa delegação levará uma mensagem construtiva, ao longo de nossa política internacional". A uma pergunta da agência iugoslava Tanjung, o Presidente Jânio Quadros respondeu que vê com inequívoca simpatia os esforços da Iugoslávia, da Índia e do Egito no sentido de criarem entre os dois mundos - que ameaçam provocar uma conflagração de conseqüências imprevisíveis para a Humanidade - um terreno neutro, dentro do qual os desentendimentos e divergência possam ser examinados, equacionados e resolvidos. Sobre política interna, o Chefe da nação esclareceu que não procede qualquer relação entre a visita de João Goulart à China com os inquéritos mandados abrir pela Presidência da República. A Reforma Agrária está ultrapassando as correntes políticas, indo para a consciência nacional. "No meu entender é a mais urgente necessidade brasileira." Está satisfeito como seu ministério, e não pretende reformá-lo. Não crê também, que seu Plano Qüinqüenal esteja concluído antes do fim do ano: "será um Plano Quatrienal para mim". Depois, o Chefe da nação encerrou, sem responder às perguntas verbais.
 
 
 
A FRIEZA DE JÂNIO QUADROS
 
O processo eleitoral que levou Jânio Quadros ao poder, em 1960, começou nas eleições estaduais de 1958, quando a UDN – que sustentava a liderança da oposição – consegui eleger quatro Governadores entre dez, enquanto o PTB fez cinco. O PSD não fez nenhum. Os analistas políticos acreditam que o processo de renovação não se esgotou com a eleição de Jânio Quadros e deverá determinar alterações profundas no quadro parlamentar-federal e nos Estados – nas eleições de 1962. A atuação pré-eleitoral do Presidente da República, com a eliminação das forças políticas que faziam o papel de intermediárias entre os Estados e o Governo Federal, através de encontros diretos com os Governadores, vai aprofundar a marcha renovadora dos quadros políticos brasileiros. A primeira etapa desse plano é o encontro do Presidente com os Governadores. A segunda serão os encontros com os prefeitos, para atender a reivindicações conjuntas e específicas de cada região.
Ao sair para esses encontros, o Presidente da República tem como objetivo provocar o aparecimento de novas forças atuantes, libertando-se das cúpulas políticas que representam, nos Estados, uma fase superada do processo democrático nacional. Na sua campanha, Jânio Quadros procurou alianças com forças novas de todas as regiões e levou-as para a órbita de sua candidatura em função do programa de governo que propôs aos eleitores. No governo continua a desenvolver as mesmas linhas, na administração do País e na política externa, para assegurar a continuidade do processo de renovação nacional. Esta é a chave para algumas forças que apoiaram Jânio Quadros entender melhor a coerência, que lhes parece absurda, de cumprir tudo que prometeu, desde as sindicâncias ao reatamento com a URSS. Foi através da continuidade da palavra e da ação que Jânio Quadros, em seis meses de governo, consegui ampliar o apoio popular e reforçou seu potencial político, com a simpatia, cada vez mais franca e ostensiva, de setores populares que não votaram nele.
Jânio Quadros, na campanha, afirmou que não era candidato de nenhum partido e, eleito, anunciou que ia governar com todos os partidos. O critério de escolha de seus ministros foi o mérito individual de cada um. Como Presidente da República, Jânio Quadros está atuando dentro do mesmo princípio: somar as forças novas, que representam os anseios populares na fase atual do processo político brasileiro, libertando-as das cúpulas regionais que se beneficiavam do papel de intermediárias, nas reivindicações regionais junto ao poder central, para se manterem em prestígio político e eleitoral.
Quando Jânio Quadros estende a mão a Leonel Brizola, por exemplo, é porque identifica nele uma força nova do Rio Grande do Sul e do PTB gaúcho. O Presidente está exercendo o papel de parteira do processo renovador em todos os partidos, quando trata em igualdade de condições todas as forças políticas regionais. Seu empenho em completar o quadro renovador é uma contingência do governo que pretende realizar.
A melhor oportunidade são as eleições de 1962 e Jânio Quadros não vai perdê-la. Influindo no processo eleitoral, para assegurar o aparecimento de novas forças, mais representativas da opinião pública, que vem sofrendo um processo de atualização, Jânio Quadros procura garantir, de 1963 a 1965 – portanto, por três anos – um clima político e parlamentar em que suas iniciativas mais ousadas e renovadoras terão tratamento mais alto. Não precisará negociar, com as novas representações políticas, em termos antigos de troca de favores e de influência, para obter apoio às medidas de profundidade de que o Brasil precisa, que o povo reclama, mas que os quadros políticos superados teimam em negar.
A frieza do Presidente da República, nas relações entre o Executivo o Legislativo, é apenas um aspecto dessa linha que Jânio Quadros desenvolve: apressar a renovação parlamentar para garantir condições que permitam levar a termo as promessas que foram avalizadas por 6 milhões de votos.
 
ABREU SODRÉ E O DESAFIO DE JQ
 
Para o deputado Roberto de Abreu Sodré, o presidente Jânio Quadros, acaba de lançar a luva do desafio ao Congresso, ao determinar-se a promover as reformas fundamentais reclamadas pelo País e até hoje paralisadas no Congresso em dezenas de projetos.
"Se os atuais legisladores não aceitarem o desafio - diz o Presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo - dando ao presidente Jânio Quadros os meios legislativos que a democracia brasileira exige, eu não tenho dúvidas de que o povo, que caminha para uma politização quase completa, castigá-los-á com o voto, renovando em grande parte sem representantes."
E acrescenta:
"Apenas para mencionar alguns pontos básicos que há longos anos são objetos de debates e proposições e que não se materializaram até hoje, basta citar a regulamentação do direito de greve, a codificação do direito do trabalho, a disciplina da remessa de lucros para o estrangeiro, a reforma agrária, a alteração do sistema previdenciário brasileiro. Será que estas proposições, algumas já com um decênio no Congresso poderão continuar engavetadas?"
 
"O presidente Jânio Quadros – continua – que foi eleito como a grande esperança das multidões sofridas deste país, lançou o desafio, e eu tenho a certeza de que ele será aceito pelos nossos legisladores, que fornecerão à Sua Excelência a ferramenta necessária para a construção da democracia igualitária, justa e cristã de que tanto precisa a nação brasileira."
Embora admita francamente que o propósito de Jânio Quadros foi realmente o de promover a responsabilidade do Congresso perante a Nação, ao conclamá-lo para a realização das reformas, Abreu Sodré recusa a versão de que o Presidente pretendesse agravar o evidente desprestígio do Congresso, nos últimos tempos:
"Pelo contrário. Considero a ação do Presidente Jânio Quadros, lançando um apelo ao Congresso para o cumprimento do seu dever uma prova de absoluto respeito à casa dos representantes, que ele soube nobilitar como vereador e como Deputado."
"Alega-se também, que as reuniões periódicas de Governadores postas em prática pelo Presidente objetivam desprestigiar os Deputados que passaram a deixar de ser os intermediários entre os governos dos Estados e o governo da União. Devo dizer que não considero desprestígio algum ao parlamentar, pois na minha opinião, missão principal do Deputado é a sua ação no plenário e nas comissões, e não a de corretor ou despachante de interesses das partes. O Deputado se valoriza pela sua ação parlamentar e não pela sua presença no tráfico de influências algumas vezes condenáveis."
"A popularidade e o respeito junto aos eleitores só são duradouros quando conseguidos através do esforço parlamentar, pois, quando não é construído assim, ele é passageiro e obriga à renovação dos nomes, através da imposição democrática do voto. Não culpo os Deputados por esta situação. Culpo mais os executivos anteriores, que procuravam a estabilidade das maiorias parlamentares através da distribuição dessas 'benesses' por intermédio do representante do povo. O governo do Presidente Jânio Quadros, que considero o Deputado como uma figura respeitável, não o trata como uma mercadoria comprável através de favores. Por aí vemos que o Presidente da República, antes de adotar uma política de desmoralização de seus membros, procura valorizá-lo, por intermédio do respeito que devota aos representantes."
 
Abreu Sodré não crê que o ex-presidente Juscelino Kubitschek venha a disputar as próximas eleições paulistas, como candidato a Governador. Diz que o ex-Presidente não o fará, e mais por respeito ao PSD paulista do que "por um impedimento regionalista", pois, "São Paulo tem acolhido nos seus altos postos, homens vindos de outros estados - e a sua história o demonstra".
"A popularidade do ex-Presidente no meu Estado, que foi tão bem explorada do ponto de vista publicitário durante sua última visita à São Paulo, é bem facilmente explicável. O contraste entre as duas administrações - a anterior e a atual - não está ainda evidenciado. Estamos vivendo o ano de crédito aberto ao presidente Jânio Quadros em favor de uma política austera que exige sacrifícios de toda a população. Após este ano de sacrifícios necessários para por a casa em ordem, o contraste entre as duas administrações tornar-se-á perceptível a qualquer cidadão, então veremos o declínio da popularidade de Juscelino Kubitschek e a ascensão cada vez maior do presidente Jânio Quadros."
 
O governador Carvalho Pinto tem dito que o seu candidato ao governo de São Paulo, em 1962, é o José Bonifácio Coutinho Nogueira. José Bonifácio, entretanto, não parece contar com as simpatias do "janismo paulista" e o Presidente da República ainda não fez nenhum pronunciamento a respeito. Abreu Sodré, intimamente ligado à Jânio Quadros e aos esquemas do "janismo", não quis dizer qual o seu candidato:
"Sou um homem de partido e, tanto quanto de partido, sou um homem que pertence a um esquema político que vem reformando a democracia brasileira através da liderança de Jânio Quadros, no Brasil, seguida de Carvalho Pinto, em São Paulo. Se a candidatura de José Bonifácio vier servir a esses desígnios, encontrará da minha parte o mais franco e decidido apoio. O problema da sucessão paulista é um dos passos de maior importância em favor da consolidação da grande revolução democrática inaugurada por Jânio Quadros."
 
 
ALIANÇA PARA O PROGRESSO
 
Em agosto de 1961, os jornais e revistas de todo o mundo publicaram fotos procedentes de Punta del Este, famosa cidade praiana do Uruguai. Mas não de vedetes e estrelas de cinema, porém, de cavalheiros, profissionais da diplomacia, da política, das finanças, da economia, da sociologia, os quais sob aquele sol e aquelas águas acostumadas a banhar idéias mais curtas e cabelos mais compridos, estarão concentrados no emaranhado jogo de proposta e contraprospostas, de avanços e recuos de uma reunião internacional: a Reunião Extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social em Nível Ministerial.
Essa reunião tem uma história bastante comprida, a precedê-la, a própria história do pan-americanismo, com quase dois séculos de reuniões, tratados, declarações e idéias. O capítulo que abrange os nossos dias começa com a carta do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ao seu colega dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, datada de 28 de maio de 1958. Em essência a carta dizia: assim como uma corrente não é mais forte do que seu elo mais fraco, o mundo livre liderado pelos estados Unidos não poderia ser mais forte do que o mais fraco e o mais pobre dos países que o integram. E partindo daí lançava a tese de que o acelerado desenvolvimento econômico e social da América Latina deveria passar a ser considerado pelos Estados Unido como um problema político e estratégico da mais alta importância, peça de seu próprio sistema de segurança.
A essa tese o Brasil dava o nome "logan" de Operação Pan-americana e ajuntava que o desenvolvimento desta região ocidental não seria atingido, a menos que, a exemplo do que fizeram em relação à Europa depauperada que emergiu da II Guerra Mundial, os Estados Unidos, agora ajudados pelos próprios países europeus por eles reerguidos, passassem a falar e agir em matéria de ajuda à América Latina, em termos de bilhões e não mais de milhões. Antes de passar a palavra aos Estados Unidos, o Brasil enviou-lhes técnicos para lembrar-lhes que, do jeito que as coisas iam, a União Soviética sozinha, teria em 1980, renda per capita superior à renda per capita de todo o bloco de países ocidentais.
A disparidade entre países ricos e países pobres, bem como as relações de domínio e proteção, de exploração ou de solidariedade entre eles são coisas que sempre existiram, desde que o mundo é mundo o que em nossos dias há de novo nessas relações é, primeiro, que essa disparidade tende sempre a agravar-se, isto é, os países ricos se vão tornando cada vez mais ricos, distanciando-se dos que são pobres e, segundo, que graças à própria tecnologia que possibilitou esse estado de coisas, os países pobres não mais se conformam com sua própria pobreza. Daí resulta o dilema diante do qual se encontram os Estados Unidos; ou eles ajudam os países pobres a desenvolver-se ou, estes, para desenvolver-se, acabarão optando pela mudança das regras do jogo. Em outras palavras: eles se desenvolverão dentro do regime de vida ocidental, de preferência, ou fora dele, se necessário. Não faz chantagem quem diz aos Estados Unidos: "ajudem-nos ou não poderemos resistir ao comunismo". Pode parecer frase de chantagista, mas trata-se do desesperado apelo de um aliado, que é o que a América Latina nunca deixou de ser em relação aos Estados Unidos. Na base da decisão americana de tudo fazer por ver consolidar-se ao sul do Rio Grande uma civilização democrática e progressista, terá de estar o propósito de responder a essa ameaça.
Cada vez mais se generaliza a convicção de que o principal resultado da Operação Pan-americana tenha sido encontrar para os Estados Unidos uma atitude em relação à América Latina que, só mais tarde, eles adotariam. Pois, no plano das coisas concretas, os dois únicos frutos que resultaram da frondosa, magnífica e riquíssima árvore da Operação Pan-americana aí estão, não a afirmá-la, mas antes a negá-la: o Banco Interamericano de Desenvolvimento, cujo capital se reduz à soma de l bilhão de dólares, simplesmente ridícula diante da magnitude dos problemas em que se debate a América Latina, e ainda assim, metade do mesmo tendo sido realizado pelos próprios países latino-americanos, e a Ata de Bogotá, endosso que, em setembro do ano passado, os latino-americanos deram ao plano de 500 milhões de dólares para a América Latina, preparado às pressas por Eisenhower sob a ameaça de Kruchev de soltar foguetes contra Nova Iorque se os Estados Unidos agredissem Cuba. O plano foi feito, o endosso latino-americano foi obtido, mas o dinheiro ainda não veio para a América Latina. O capital de 1 bilhão de dólares para o banco Interamericano foi a negação mais categórica que se poderia contrapor a tudo que havia de essencial e profundo na Operação Pan-americana. Erraram os Estados Unidos ao propô-lo; erraram mais ainda os latino-americanos, ao aceitá-lo. Isso é tudo que resultou das reuniões do Comitê dos 21 criado pela Operação Pan-americana. É forçoso reconhecer que a dupla Eisenhower-Dulles não era terreno em que medrassem frutos aproveitáveis.
Eisenhower recebeu de Truman uma América Latina débil e subdesenvolvida, mas menos pressionada por problemas financeiros e mais esperançosa em relação à ajuda que poderia vir a receber dos Estados Unidos, e legou-a a Kennedy à beira da insolvência, ainda mais debilitada pelo pauperismo, hostil como nunca o fora antes e atingida, em Cuba, do mal que sempre se procurara evitar, o comunismo.
Kennedy, liberal ele próprio e cercado, na maioria dos liberais tem outra visão do problema latino-americano. A reunião de Punta del Este foi proposta por ele como o segundo dos dez pontos contidos no discurso que em 13 de março, pronunciou diante de todos os Embaixadores latino-americanos em Washington, exceto os de Cuba e da República Dominicana (relações diplomáticas rompidas), e no qual, após dizer que os povos deste Continente devem "proceder com ousadia, consoante o conceito majestoso da Operação Pan-americana", lançou a nova cruzada a que denominou "Aliança para o Progresso". São os seguintes, em resumo, os dez pontos mencionados por Kennedy: 1° elaboração de um Plano de Dez Anos, para cuja realização os Estados Unidos estarão prontos a prover recursos de alcance e magnitude comparáveis aos que destinaram à reconstrução das economias da Europa Ocidental (Plano Marshall); 2° convocação de uma reunião de nível ministerial do Conselho Interamericano e Social, no qual se iniciaria a elaboração desse grande plano, que constituirá a base da Aliança para o Progresso; 3° emprego de 500 milhões de dólares previstos na Ata de Bogotá; 4° apoio à integração econômica latino-americana; 5° colaboração do exame sério e minucioso dos problemas relacionados com o comércio exterior de produtos primários; 6° aceleração imediata do programa de emergência intitulado Alimentos para a Paz; 7° formulação de planos para o estabelecimento de laboratórios regionais na América Latina destinados à pesquisa em medicina, agricultura, física, astronomia; 8° aceleração dos programas de preparação pessoal especializado para dirigir as economias ora em desenvolvimento da América Latina; 9° reiteração do compromisso dos EEUU de defenderem qualquer nação americana cuja independência esteja ameaçada e apoio à proposta chilena de procederem os latino-americanos a uma "sensata limitação de armamentos". Além desses pontos, Kennedy a acenou com outro, que não escreveu: sua presença na reunião que convocara. Seria a prova provada de sua sinceridade de propósitos, uma homenagem à América Latina. Essa oportunidade já está perdida. Kennedy não irá a Punta del Este. É claro que as justificativas existem: a crise de Berlim, a possível ida de Fidel Castro; o fato do Congresso americano estar votando a lei de ajuda ao exterior e sua presença é indispensável etc.
Ao constatarmos a ausência de Kennedy, nos lembramos de que a ordem de invadir Cuba foi dada por ele após ter pronunciado o discurso da Aliança para o Progresso, poderíamos concluir que o êxito da reunião de Punta del Este começou a perigar mesmo antes dos delegados lá chegarem. Preferimos meditar nas palavras pronunciadas em 22 de julho por Chester Bowles:
"Sob o governo Kennedy, os Estados Unidos voltam a descobrir a América Latina. Houve uma mudança, e hoje é visível nos Estados Unidos um desejo de lutar contra a pobreza, contra a injustiça dos sistemas agrícolas e uma vontade de ajudar os novos governos democráticos. O mais importante é que repelimos a letargia, a apatia e o sentimento de indiferença que existia".
 
Guevara passou três semanas cheias de emoções políticas e pessoais (de 2 a 20/8/61), etapa mais emocionante de sua vida e quando o presidente John Kennedy lançou o ambicioso projeto da aliança para o Progresso, em Punta del Este, no Uruguai.
Os maiores países da América Latina, a Argentina e o Brasil, participavam das idéias gerais do projeto de Kennedy e seus presidentes pareciam manter vínculos invisíveis com o mandatário norte-americano. O fracasso da invasão contra Cuba enfraquecera Kennedy que, buscou uma aliança duradoura com os países do sul. Estes países eram governados por homens reformistas da nova geração, para eles apoiar Kennedy representava uma possibilidade de concluir seus períodos presidenciais seriamente ameaçados.
Guevara foi convidado verbalmente a visitar o Brasil, o presidente Jânio Quadros, pelo chefe da delegação e ministro da Economia Clemente Mariani. No dia seguinte, os brasileiros confirmaram oficialmente o convite como também ele teria um encontro com Arturo Frondizi em Buenos Aires.
O principal assunto destes encontros com Jânio e com Frondizi, era a Aliança para o Progresso.
Guevara fez uma análise minuciosa do projeto norte-americano, após sua exposição por Douglas Dillon. Comparou os progressos de Cuba em dois anos de revolução com os progressos prometidos à América Latina, mostrou-se cético sobre a possibilidade de que os fundos de ajuda mencionados chegassem algum dia a ser entregues, e esboçou as bases sobre as quais Cuba poderia voltar a considerar sua participação nos planos interamericanos. Sua intervenção causou forte impacto.
Guevara construiu uma peça oratória sumamente concisa, que se caracterizava pela economia de adjetivos e pelo tom elevado da crítica. Sentia-se que Cuba abria um compasso de espera às consultas pessoais que os presidentes Frondizi e Jânio Quadros queriam fazer por intermédio de Guevara e que, a idéia de um sistema pan-americano, reconstruído pelo espírito kennediano, não era totalmente desagradável a Cuba, com a condição que fosse respeitada a sua forma socialista de governo.
Guevara aplicou um golpe nos delegados norte-americanos, lendo um documento secreto relativo ao desenvolvimento econômico da Venezuela. Eles empalideceram e alegaram não ser um documento oficial norte-americano e sim a opinião de um funcionário. A polêmica provocada causou transtornos e continuou viva na Venezuela.
Entre os problemas criados pela visita de Guevara a Buenos Aires existia o relativo ao documento de identidade que ele ingressaria no país, utilizava-se de um passaporte, necessitando o visto na embaixada argentina em Montevidéu. Isso era exigido e cai por terra o segredo sugerido pelo presidente Frondizi e todos, inclusive a CIA, sabem que Guevara visitaria a Argentina.
No dia 18/8/61, Guevara viajou para Buenos Aires e lá foi recebido por uma pequena escolta sob as ordens do chefe da casa militar, no aeródromo de Don Torcuato, a uns 30 km da capital.
Guevara e Frondizi confidenciaram a portas fechadas durante 1 hora e 20 minutos. Os temas de desenvolvimento latino-americano foram os primeiros da conversa e o das questões econômicas. Mas o tema da entrevista era outro, ou seja, seria inaceitável que Cuba ingressasse numa organização militar extracontinental, que se incorporasse ao Pacto de Varsóvia. Se Cuba desse esse passo, seu retorno à família interamericana tornar-se-ia impossível.
Guevara responde que esta hipótese não ocorreu, mas é fato que cuba conta com assistência militar soviética e dos demais países socialistas.
Os dois discutiram apaixonadamente os temas latino-americanos, o presente e o futuro da Argentina e de Cuba. Enquanto conversavam, um furacão percorria os gabinetes dos ministros, os escritórios dos chefes militares, as agências informativas e as embaixadas.
Guevara deixa a Argentina e voa para Brasília. No dia 19/8/61, o presidente Jânio Quadros condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do sul, numa cerimônia improvisada no Palácio do Planalto. Ele ignorava que iria receber uma condecoração, mas também o caráter oficial do encontro. Ele não tinha como retribuir a condecoração, como é usual, e o discurso de Jânio foi breve. Preferiu Guevara retribuir com discurso breve, aceitando a distinção como entregue ao governo revolucionário e ao povo cubano, sem significado pessoal.
A conversa entre Guevara e Jânio girou sobre: a conveniência de não aderir ao pacto de Varsóvia, insinuações sobre a democracia representativa, porta aberta para Cuba na organização norte-americana.
No Rio de Janeiro e em São Paulo a repercussão foi forte com as massas nas ruas, bandeiras cubanas e retratos de Che Guevara. O escândalo estourou como na Argentina, e Jânio, uma semana depois abandonou o governo sob as ameaças da direita.
Frondizi recebeu tamanha quantidade de ataques que antes de completar sete meses, foi também derrubado. Já, Kennedy, a quem coube o papel equívoco de invasor armado e reabilitador diplomático, foi assassinado dois anos depois, numa confabulação obscura onde as relações com Cuba foram fator de suam transcendência.
Na vida de Ernesto Che Guevara, a inteligência e a violência se alternaram o tempo todo.
O ano de 1963 apresentou-se agitado em toda América Latina. No Brasil crescia a organização das ligas camponesas, sob a tolerância do presidente João Goulart, um nacionalista que se apoiava cada dia mais nos esquerdistas dos sindicatos e nos intelectuais.
Resumindo, onde quer que Che Guevara pousasse, aconteciam calamidades com conseqüências desastrosas, aqui no Brasil, foi condecorado por Jânio Quadros e cinco dias depois, a renunciar.
 
A EQUIPE DE JÂNIO
 
Somente dois andares apenas: o 3° e o 4". Mas dali partiam as decisões que tinham abalado o País. Naqueles pavimentos do Palácio do Planalto, estavam localizados os gabinetes do Presidente da República e dos seus auxiliares imediatos. Jânio e sua equipe ali trabalhavam sem pausa. Várias adaptações tiveram de ser feitas para dar o máximo de rendimento do Presidente com seus assessores. O Presidente anterior jamais usara aquelas salas, preferindo despachar mesmo no Alvorada.
A imprensa ali circulava livremente. Mas uma pessoa estranha seria obrigada, no hall da portaria, a identificar-se a comunicar o objetivo de sua presença, bem como a pessoa com quem desejava falar, a fim de saber previamente se podia ser atendida. Estas providências diminuíram consideravelmente o número de postulantes nos corredores do palácio. A coordenação do Presidente com seus auxiliares era perfeita e rápida. Em segundos, ele poderia ter junto a si qualquer um dos elementos da sua equipe. Bastava manipular a campainha, o telefone interno ou o telex a seu alcance. Desde as seis da manhã, a maioria dos assessores já estavam em seus postos, aguardando os chamados do Presidente. Outros dispunham de um perfeito sistema de comunicações, através dos quais, em seus apartamentos, de madrugada , recebiam um aviso do Alvorada, advertindo-lhes que o Presidente acordou e dirigia-se ao Planalto. Essa modalidade de despertador vinha funcionando a contento e evitando que algum auxiliar seja colhido dormindo quando o Presidente já estivesse trabalhando. Qual era a equipe de Jânio? Quem eram os homens que se moviam em seus bastidores? Eram poucos, mas eficientes e dedicados. E ainda: eram jovens, pois um levantamento feito sobre suas idades apurou que a média era inferior a 40 anos.
 
QUINTANILHA RIBEIRO - Chefe da Casa Civil. Era colega e amigo do Presidente desde a Faculdade de Direito. Exerceu cargo semelhante no governo de São Paulo. Não tinha limites a confiança e a estima mútuas que os unem ao presidente Jânio Quadros.
GENERAL PEDRO GERALDO - Chefe da Casa militar. Foi comandante do Colégio Militar. Tinha a seu cargo dezenas de providências importantes para o funcionamento da Presidência da República De pendiam dele vários inquéritos e sindicâncias.
JURAGI MAGALHÃES JÚNIOR - Subchefe da Casa Civil. Processos Administrativos de três ministérios passavam por suas mãos, a fim de chegarem ao Presidente devidamente informados. Trabalhava diretamente articulado com Quintanilha Ribeiro, em quem reconhecia extraordinárias qualidades de chefe. Era deputado estadual pela UDN da Bahia.
EMANUEL MASSARANI - Oficial de gabinete. Estava sempre a postos na ante-sala para atender aos chamados do Presidente. Ajudou-o eficazmente durante a campanha eleitoral, servindo como coordenador do serviço jornalístico. Também coordena a reportagem credenciada junto ao palácio. Era amigo dedicado e fraternal de Jânio Quadros.
SAULO RAMOS - Oficial de gabinete. Jornalista e radialista de renome em São Paulo. Acompanhou Jânio Quadros em várias excursões e na viagem à Cuba. Especializou-se em assuntos cafeeiros e assessorou o Presidente na matéria. Muito franco e leal na sua colaboração que o Presidente Jânio Quadros apreciava bastante.
JOÃO BRÁS - Intendente dos Palácios. Cumpria-lhe zelar pela ordem e funcionamento de todas as dependências onde a equipe janista tinha de locomover-se e trabalhar. São numerosos os problemas que a todos os instantes exigem a sua decisão. Verificava-se no Planalto que ele estava vigilante, pois a ordem era absoluta e não havia falhas.
DONA KALIME - Secretária da Casa Civil. Foi a primeira funcionária a usar "slack" no palácio. Já se dizia que ela é a mão direita do Quintanilha Ribeiro. Sua competência e capacidade funcionais despertavam grande admiração. Não existia horário para ela. Trabalhava o tempo necessário para aliviar o seu chefe de muitos assuntos. A secretária de Jânio Quadros era a senhora Fortunata.
J. PEREIRA - Oficial de gabinete recebeu e cumpriu diversas missões especiais, como por exemplo a do estudo da situação da Agência Nacional e a dos filmes estrangeiros na televisão. Era jornalista. Publicou um livro com os memorandos de Jânio Quadros.
CASTELO BRANCO - Secretário de Imprensa. Tinha a seu cargo os contatos com os diretores e principais redatores dos jornais, revistas, rádios e televisões. Competia-lhe também a organização das entrevistas coletivas. Realizava o entrosamento com os repórteres políticos. Servia de porta-voz presidencial, nos moldes da Casa Branca, em todas as oportunidades que Jânio Quadros não desejava envolver-se pessoalmente em algum desmentido ou pronunciamento feito através dos jornais.
RAIMUNDO SOUZA DANTAS - Oficial de gabinete. Trabalhava das 6h da manhã às 8h da noite. Jornalista e escritor, instalou-se numa sala contígua à do Presidente, que o chamava freqüentemente. Cuidou de todos os problemas dos negros junto ao presidente Jânio Quadros, mas também indicava e sugeria medidas de ordem geral. Abandonou seus empregos em jornais do Rio de Janeiro para atender ao chamado presidencial. Falava-se que lhe seria confiada importante missão junto às jovens nações africanas.
JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA - Secretário particular.
Assessorava o Presidente diretamente. Ajudava-o na organização das audiências. Tinha livre acesso a seu gabinete a qualquer momento. Desincumbia-se de missões especiais, como por exemplo, o assessoramento na elaboração da Mensagem ao Congresso. Tinha a seu cargo a correspondência destinada ao Presidente. Hábil, correto, dedicado, modesto, acessível, serviu também como elo de ligação entre o grupo renovador da UDN (governador Magalhães Pinto) e o presidente Jânio Quadros.
STEVENSON PROPÕE ALIANÇA PARA O PROGRESSO
 
Pela primeira vez, desde a inauguração da nova Capital, um visitante ilustre, representando um país estrangeiro em caráter excepcional, deixou de ser recebido em Brasília. O Sr. Adlai E. Stevenson, Embaixador dos Estados Unidos junto à ONU e enviado do presidente Kennedy à América do Sul, dividiu sua curta permanência no Brasil entre o Rio e São Paulo. Foi na Capital paulista que se deu o encontro cordialíssimo, com o presidente Jânio Quadros, com quem conferenciou exaustivamente. Em duas horas e meia, no Palácio do Horto Florestal de São Paulo , para onde o chefe do Governo brasileiro transferira provisoriamente o seu gabinete, passaram eles em revista os problemas de interesse dos dois países e do continente.
Com uma única exceção: o caso de Cuba, por demais grave, no entender de ambos, para ser objeto de conversações laterais.
Antes no Rio, já tinha o Sr. Stevenson, mantido entendimentos com o Chanceler Afonso Arinos, em sua mansão da Rua D. Mariana, em Botafogo, e com o Ministro da Fazenda, Clemente Mariani, em sua residência, na lagoa. Declarou Stevenson:
— "Discuti com o Chanceler Arinos os assuntos relacionados com a próxima Conferência de Montevidéu. O seu temário focalizará aspectos de vital importância entre os quais os da cooperação econômica ativa, a que damos o nome de Aliança para o Progresso. Cinco itens se destacam como os mais relevantes: 1) planejamento para o desenvolvimento econômico e social; 2) integração econômica latino americana; 3) problemas do mercado de produtos de base; 4) Revisão anual dos entendimentos; 5) divulgação e relações públicas."
As conversações com Clemente Mariani foram mais rápidas: o Sr. Stevenson logo se retirou, depois de ter credenciado um dos membros de sua comitiva, o Sr. Lincoln Gordon, para aprofundar os entendimentos.
O Sr. Gordon era assessor de assuntos econômicos do Presidente Kennedy e seria o próximo chefe da missão diplomática dos Estados Unidos do Brasil, como sucessor do Embaixador John Moors Cabot, que ia servir noutro posto. Professor de Econômica numa das grandes universidades de seu país, o Sr. Gordom era uma das principais figuras do atual "brain trust" da Casa Branca. Seu encontro com o titular da fazenda foi longo e reservado. Revelou o Sr. Stevenson:
— "A Aliança Para o Progresso tem objetivos do mais alto alcance. Um deste é criar possibilidades para que sob instituições livres, sejam transformadas as condições econômicas e sociais da América Latina de modo revolucionário. Esta é a verdadeira revolução da segunda metade do século XX: a que dará igual oportunidade a todos os povos e a todas as regiões, a fim de que usufruam plenamente os benefícios do desenvolvimento econômico e social. Mas teremos também que proteger a nossa liberdade contra os sutis ataques do comunismo que mascara sua penetração por trás de causas e objetivos com os quais estamos de acordo, para depois traírem os propósitos que fingem adotar. Nós, nas Américas, não gostamos de ditadura e tirania sobre a mente ou o corpo do homem. Governos policialescos, prisões sem forma de processo supressão da liberdade de palavra e de imprensa de reunião ou de culto a sociedade fechada em que só é verdade o que o Estado diz e toda a cruel disciplina do comunismo são os inimigos da liberdade e da dignidade individual assim como da independência nacional em que acreditamos. Se um homem perde a sua liberdade pouca diferença faz que ele seja próspero. Nossa meta deve ser liberdade com prosperidade - não a alternativa comunista de liberdade ou prosperidade."
Tendo recebido uma grande homenagem no Rio - o banquete oferecido pelo Itamarati - , no domingo o Sr. Stevenson seguia para São Paulo e, no Aeroporto de Cumbica, onde era esperado pelo governador Carvalho Pinto, foi diretamente para o Horto Florestal. O Presidente da República, já o aguardava. Pouco antes, Jânio Quadros passara longo tempo numa das alamedas solitárias e silenciosas, em profunda concentração. Havia ordem expressa para que ninguém se aproximasse. Estava, decerto, meditando patrioticamente sobre os problemas nacionais e inspirando-se para a conversa, a portas fechadas, com o enviado de Kennedy. Dessa reunião sigilosa, além de Jânio e Stevenson, partciparam apenas Lincoln Gordon, o Embaixador Ellis E. Briggs, Charles Cook, William Bradford e Francis Carpenter, assessores do embaixador especial. Ao fim de duas horas e meia de debate Jânio e Stevenson reapareceram sorridentes.
Declarou, então, o Presidente JQ:
— "O Sr. Stevenson, cujos pontos de vista estão invariavelmente voltados para os problemas sociais das Américas e do mundo, apresentou ao governo brasileiro algumas das suas idéias e dos pontos de vista do Presidente Kennedy. Acredito firmemente em relações cada vez mais próximas e íntimas entre o Brasil e os Estados Unidos, a bem da justiça, da paz e do progresso. O Sr. Stevenson vai deixar o Brasil cercado da estima, admiração e confiança, do nosso governo e da nossa gente."
O Sr. Stevenson também fez declarações sobre o encontro do Horto Florestal, dizendo que tivera satisfação em falar com o Presidente do Brasil e apresentar-lhe os cumprimentos de Kennedy.
— "Sinto-me reconfortado pela concordância entre os nossos pontos de vista e a principal preocupação de Jânio Quadros, de ver melhoradas as condições de vida neste país e nas Américas. Acreditamos que, a longo prazo, é esta a melhor defesa contra os extremismos, quer da esquerda quer da direita. Levo comigo, para os Estados Unidos, as mais gratas manifestações de solidariedade e a esperança de maior cooperação entre o meu país e o Brasil, os quais, como as duas maiores democracias deste hemisfério devem partilhar as responsabilidades e o cumprimento das obrigações voluntariamente assumidos."
Agradeceu o Sr. Stevenson, em declaração pública, a gentileza de Jânio Quadros, ao lhe dispensar "uma parte de seu valioso tempo". Frisou, ainda, a identidade de interesse entre o Brasil e os Estados Unidos, que sempre cooperaram, lealmente mantendo um sistema criado através de um século de esforços.
— "Confio em que lutaremos juntos por melhores condições de vida assim como pela liberdade e segurança nacionais. As grandes responsabilidades são ao mesmo tempo as bênçãos e os ônus que recaem sobre as grandes nações. O Brasil está destinado a exercer uma influência cada vez maior no mundo dos negócios como é justo que aconteça. Não apenas pelo tamanho gigantesco deste país mas em razão de sua vitalidade, energia e vigor espiritual. Visitar o presidente Quadros foi para mim um grande prazer e um grande privilégio. Deixo o Brasil cheio de admiração pela coragem e vigor de seus líderes na luta contra a pobreza, a fome, a doença e todos os outros problemas deste imenso país, assim como para estabilizar sua economia e consolidar a estrutura democrática do Brasil, base para uma genuína grandeza e independência. Tudo isso merece o nosso respeito. Nós, nos Estados Unidos queremos estar ao vosso lado nessa luta ajudando cada um a ajudar a si mesmo. Em conclusão: quero outra vez exprimir a gratidão do Presidente Kennedy e do meu governo pelas calorosas boas vindas que eu e meus companheiros recebemos. Somos especialmente gratos ao Chanceler Arinos e ao Ministro e a seus colaboradores e, acima de tudo, ao presidente desta grande República, um novo e poderoso líder dos povos livres do mundo: Sr. Jânio Quadros. Meu único desgosto é o de dispor de tão pouco tempo para aqui renovar tantas e tão preciosas amizades. Mas eu e todos os meus companheiros esperamos em breve ao Brasil!"
O Sr. Stevenson não escondeu sua grande surpresa por ver Jânio Quadros tão bem informado e atualizado a respeito dos problemas continentais.
 
A GRÃ-CRUZ DE CHE GUEVARA
 
CHE: — "Vim ao Brasil rever o meu bom amigo, Presidente Jânio Quadros."
0 primeiro encontro foi em Havana, no mês de maio de 1960 Jânio era apenas um candidato à Presidência da República, e o cubano, presidente do Banco Nacional do seu país. Reencontraram-se em condições diferentes. Jânio Quadros é o Presidente do Brasil e Ernesto Che Guevara, Ministro da Indústria e Comércio de Cuba. Vinha este de Punta del Este. Recebera do Sr. Clemente Mariani o convite oficial do Governo brasileiro para uma passagem por Brasília, onde Jânio Quadros gostaria de avistar-se com ele:
— "Terei muita satisfação em rever o meu amigo
Jânio" - respondeu.
Chegou-se a noticiar que o Presidente da República iria ao aeroporto recebê-lo. A notícia não era verdadeira. Isso implicaria em quebra de protocolo, uma vez que "Che" não era chefe de Estado.
Mas foi recebido em Brasília por várias autoridades. Grande número de populares estava presente. No encontro do Palácio do Planalto, ele e Jânio conversaram inicialmente a sós. Embora nada tenha transpirado da conversa, circulou depois no Palácio a notícia de que o ministro cubano havia agradecido vivamente ao Presidente a posição assumida pelo Brasil em favor da autodeterminação de Cuba. Exprimindo suas simpatias pessoais pelo grande colaborador de Fidel Castro, JQ condecorou o revolucionário cubano com a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, em breve cerimônia, a que tiveram acesso os jornalistas e auxiliares de seu gabinete.
Nesse momento, ainda não se tinha conhecimento de que uma séria crise se estava delineando nos bastidores da política nacional. Mais tarde irromperiam os seus primeiros sinais. Algumas horas antes da chegada do Britânia, em que viajara "Che" Guevara, tinha pousado no aeroporto militar de Brasília um jatinho que conduzira o Governador da Guanabara.
Garlos Lacerda rumou diretamente ao encontro do Presidente Jânio Quadros, depois de dizer aos jornalistas que viera tratar de importante assunto enquanto Ernesto Guevara foi para o Brasília Palace Hotel, após afirmar aos repórteres que vinha rever "um grande amigo". Pediu licença para descansar, pois o relógio já passava da meia noite e tinha audiência com o Presidente da República às primeiras horas da manhã seguinte. Além do mais, estava exausto pelos esforços despendidos na Conferência de Punta del Este, na inesperada visita a Frondizi e nos incidentes à sua saida de Montevidéu.
A essa altura, a portas trancadas, aprofundava-se a crise entre Jânio Quadros e Carlos Lacerda. A conversa entre ambos iniciou-se amistosa e serena, com frases bem humoradas de parte a parte. O bom humor começou a desaparecer quando tiveram que tratar do ponto nevrálgico: o Presidente sabia que o Governador no dia seguinte iria entregar as chaves da cidade do Rio de Janeiro ao anticastrista Manuel Verona e o Governador, por sua vez, também sabia que o Presidente, dali algumas horas, condecoraria, com a Ordem do Cruzeiro do Sul, o castrista Che Guevara.
A conversa, então, atingiu tom ríspido. Além de queixar-se do "esvaziamento" da Guanabara, o Governador disse francamente que não podia concordar com os rumos da política externa que o Brasil estava seguindo e muito menos se conformava com a outorga de tal condecoração a um homem que declarou poucos dias antes, em Montevidéu, procurara sabotar a ajuda norte-americana ao Nordeste. O Presidente argumentou que as diretrizes da política internacional eram atribuições específicas do seu cargo. Desejava exercê-las em toda a plenitude e não admitia interferência.
Quando Carlos Lacerda saiu da sala, visivelmente aborrecido, a crise estava bem configurada e ele, bastante decidido a adotar o que chamaria de uma "atitude grave".
Do palácio presidencial o Governador dirigiu-se à residência do Ministro da Justiça, com quem conferenciou até às quatro horas da madrugada. Passaram em revista sobretudo a repercussão que o dissídio entre os palácios da Guanabara e alvorada estava provocando nas forças armadas, já com rumores de conspirações e golpes. Este segundo encontro só serviu para convencer o Governador ainda mais da necessidade de adotar a "grave atitude". Estava sinceramente convicto de que nenhum entendimento seria mais possível entre ele e o presidente Jânio Quadros: declarou-se, então, decidido a renunciar ao Governo, para ficar com os movimentos livres e liderar a oposição ao que considera uma perigosa guinada do Brasil em direção à órbita soviética.
Do aeroporto o Governador telefonou ao Deputado Adauto Cardoso, comunicando a sua decisão. Recebendo um apelo para reconsiderá-la, embora permanecesse mais algumas horas em Brasília recusou-se a atendê-lo e às 7 horas e 30 minutos, tomou o avião para o Rio.
Neste exato momento o Presidente da República dizia, ao colocar em Che Guevara a faixa da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul:
— "Vossa Excelência tem manifestado em várias oportunidades o desejo de estreitar relações econômicas e culturais com o povo brasileiro. Esse é, também o nosso propósito e a nossa deliberação, assumida no contato que tive com o governo e o povo cubanos. O Governo e o povo brasileiro manifestam nosso apreço com essa alta condecoração.''
Guevara respondeu:
— "Como revolucionário, sinto-me profundamente honrado. Não posso considerar esta honra como pessoal, mas feita à nossa revolução, ao nosso Governo e ao nosso povo."
Carlos Lacerda voava então para o Rio onde chegou às 10 horas, rumando para a sua residência, a fim de reunir-se com assesores militares e políticos aos quais comunicou a sua decisão.
Simultaneamente, Jânio Quadros embarcava em Brasília para inaugurar um cais de minérios em Vitória e Ernesto Guevara almoçava no Riacho Fundo com o Prefeito do Distrito Federal, Paulo de Tarso. Em seguida sobrevoou a cidade num helicóptero e embarcou logo depois para Cuba. Deixava no Brasil, atrás de si, o rastilho de uma crise política quase tão grave quanto a que provocara na Argentina.
No outro pólo da agitação, Carlos Lacerda conferenciava com Clemente Mariani e mandava dois assessores para representá-lo no desembarque de Jânio Quadros, que chegou de Vitória às 14 horas.
A assessoria de imprensa do Palácio Guanabara comunicou oficialmente aos jornalistas que Carlos Lacerda iria entregar dentro de poucos minutos as chaves da cidade ao Manuel Verona. Já aí o palácio apresentava em seus corredores todos os sintomas da gravidade da situação: secretários chegavam e saíam, automóveis partiam em disparada, entravam os generais Cordeiro de Faria e Emílio Ribas, chefe do EMFA e do Estado Maior do Exército. A um repórter que lhe perguntou sobre sua renúncia, o Governador respondeu:
— "Não a confirmo nem a desminto."
Pouco tempo depois, entregando as chaves do Rio ao líder anticastrista, declarou:
— "Acentuo o respeito que temos pela autodeterminação do povo cubano, decidido a libertar-se da interferência estrangeira que ocupa ministérios numa Cuba já ocupada."
Aquelas palavras eram a réplica ostensiva à faixa que o presidente Jânio Quadros entregara pela manhã ao Ernesto Guevara.
Durante toda a noite de sábado a crise passou a ter dois pontos de fixação: os palácios da Guanabara e das Laranjeiras. Emissários e telefonemas estabeleciam a ligação entre ambos. Até que afinal, às 21:30h o carro do Governador saiu em direção à residência do Presidente.
Apos este segundo encontro, a crise amainou. O Governador voltou ao Guanabara, onde já se encontrava, entre outros, o general Ademar de Queiroz, e comunicou que, pelo menos por enquanto, a sua renúncia ficaria em suspenso. Não pretendia concretizá-la de imediato, face à conversa que acabara de ter com Jânio Quadros, durante a qual haviam conseguido estabelecer uma trégua.
Já eram quase 3 horas da madrugada de domingo quando Carlos Lacerda deixou o Guanabara de volta ao seu apartamento. Enquanto isto, Jânio Quadros já repousava nas Laranjeiras, após um dia exaustivo, que começara de manhã bem cedo em Brasília, continuara ao meio dia em Vitória e se prolongara pela noite adentro no Rio de Janeiro.
Dentro de poucas horas embarcaria ele com sua família de volta a São Paulo e Brasília. Havia assentado com Carlos Lacerda que viajariam juntos no Viscount, mas o Governador, que passou pelo aeroporto poucos minutos antes do embarque presidencial, argumentou que tinha de receber seu filho de volta da Europa e não podia ausentar-se do Rio. Além disso, tinha também, que falar na abertura do Quinto Congresso da ORIT, onde, na presença do Ministro do Trabalho, reafirmou a sua disposição de renunciar ao governo da Guanabara para ir à rua, a fim de "evitar que as esperanças do povo brasileiro sejam frustradas e desviadas de seus objetivos por uma política de capitulações sucessivas com as tiranias comunistas".
Eram 18 horas de domingo. Esse discurso do Governador provava que a crise entre ele e o Presidente da República fora apenas provisoriamente superada.
I
 
Jânio Quadros X Carlos Lacerta = Horta
 
 
Lacerda e Jânio nunca chegaram a ser amigos íntimos. Como governador da Guanabara e presidente da República, os dois homens públicos tentaram um caminho comum. A ruptura provocou uma crise nacional que desaguaria na Revolução de 64.
Em 1955, Lacerda já advertia: — "Se Jânio trair os meus ideais, terá que trair primeiro os seus".
O que atraiu Lacerda foi o poder que Jânio possuía de conseguir interessar um grupo de políticos num problema, a não ser quando este problema influía ou eleitoralmente ou servia para agradar a alguém que já estava ou que ia para o poder.
Jânio foi um dos raros homens públicos brasileiros, que tinha gosto pela política e também um interesse enorme pelos problemas, tinha apetite pelo poder, era voraz no desejo de fazer as coisas e de vê-las feitas.
Lacerda esperava que ao tomar posse, Jânio teria um grande Ministro - um excelente programa de governo, pois, ele trazia esta fama de São Paulo. No entanto, nomeou um ministério que, no geral, com algumas exceções, era bastante medíocre.
Para Jânio, o Brasil como um todo, era um objeto em sua mão e não propriamente uma nação que ele conhecesse. Tinha uma inexperiência quase infantil do Brasil.
Jânio começou mal. A impressão que causava no primeiro momento do governo foi a de um homem que tinha sido eleito, que tinha tudo para ser Presidente da República e que uma vez eleito pergunta:
— "Bem, agora o que se faz quando se é Presidente da República?"
Lacerda percebe que Jânio não sabia governar em regime democrático.
Jânio começou a fazer logo no início do seu governo reuniões de governadores de cada área. Fez no Amazonas, Nordeste e no Rio de Janeiro onde recebeu dos governadores memorandos com um dossiê mostrando os problemas principais. Ele lia e ouvia com extrema seriedade, atenção e Lacerda ficou certo de que interessava pelos problemas. No intervalo de uma dessas reuniões, Lacerda vai com Jânio ao Palácio das Laranjeiras, e lá começa uma conversa estranha: "Carlos, você está conseguindo governar a Guanabara?"
Lacerda disse: — "Bem, comecei outro dia e ainda estou
fazendo a Constituição."
Jânio replica: — "Pergunto se você consegue fazer alguma
coisa com esta Assembléia".
Para Lacerda seriam as primeiras insinuações de golpe muito embora, naquele momento não lhe ocorrera esta idéia, principalmente quando Jânio disse: — "Eu tenho a impressão de que vai ser muito difícil governar o Brasil com este Congresso."
Esta conversa ficou no espírito de Lacerda como uma espécie de sombra: não ainda uma assombração, mas uma sombra.
Carlos Lacerda esperou os primeiros tempos do governo Jânio mas nada acontecia. Só saíam: regulamentação do comprimento dos maiôs das misses, a proibição das brigas de galo, e uma espécie de exasperação crescente, uma impaciência com a imprensa.
Certa altura, Lacerda sente que alguma coisa de muito estranha estava se preparando. Certas providências. O desprezo dele pelo Congresso e as relações ruins deterioradas desde o início. Ele não se dignou mandar ao Congresso uma só mensagem como uma só lei de relativa importância. O Brasil carecia de leis mas na verdade Jânio não tinha se preparado para assumir a Presidência embora a almejasse desde que foi eleito vereador. Ele chegou ao governo como se aquilo fosse um prêmio da loteria, uma coisa inteiramente inesperada.
Lacerda achou que era dia e momento de se colocar as "cartas na mesa", de obrigá-lo a se explicar ou então... Ele telefona à D. Eloá tratando assuntos relativos à Legião Brasileira de Assistência e aproveita para lhe pedir que pessoalmente pedisse ao Jânio para lhe telefonar mas não queria interferência dos assistentes de gabinete.
Logo em seguida Lacerda recebe um telefonema de Brasília dizendo que o presidente ia mandar um avião para buscá-lo no dia seguinte.
Lacerda vai à Brasília e desembarca estando à sua espera no aeroporto o General Pedro Geraldo, Chefe da Casa Militar. Tomaram o automóvel e no caminho Pedro Geraldo conta a Lacerda que naquela manhã esteve no palácio, o ministro Che Guevara, que iria ser condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul por Jânio no dia 25/08/1961.
Lacerda pensativo, a caminho do palácio, ouviu mas achou que as preocupações que o levaram até lá eram mais graves do que a condecoração de Che Guevara. Lacerda fica no palácio onde um quarto preparado já o aguardava.
Jânio o recebe numa salinha e começam uma conversa, mais ou menos anodina.
Após o jantar Lacerda diz a Jânio que quer conversar sério pois, acha sua conduta estranha e gostaria de saber quais são realmente as suas intenções. Por outro lado Lacerda se encontrava numa situação moral muito difícil, pois sentia uma certa dose de responsabilidade na sua eleição. Gostaria de saber o que pretende fazer, pois, até aquele momento a não ser na pasta da Fazenda, Jânio não havia realizado nada.
Jânio o interrompe e o convida para ir ao cinema. Desceram e foram ao cinema de poltronas brancas, onde no braço das poltronas já estavam cumbucas de pipoca e castanha de caju. Jânio mandou buscar uísque e começaram a projetar o filme do Jerry Lewis. Jânio reclamou: — Tira esse palhaço! Ponham um filme de cowboy".
Lacerda pensa no que tem a falar com Jânio e não presta atenção ao filme. Tenta falar com Jânio que pretende renunciar ao governo, mas Jânio lhe diz que após o filme conversarão.
A uma certa altura ele chamou um daqueles contínuos e falou qualquer coisa baixo com ele. O contínuo retirou-se, mas voltou e disse: — "O ministro Horta está lhe chamando no telefone".
Lacerda desconfia e teve a impressão que Jânio mandou o contínuo ligar ao Ministro.
Na verdade Jânio queria ficar livre de Lacerda e de sua conversa. Ele volta e diz ao Lacerda que o Ministro Horta quer
que ele vá ao seu apartamento para uma conversa.
Lacerda diz: — "Jânio, não vim aqui falar com o Horta.
Não tenho nada para falar com ele. Vim aqui falar com você. Vim falar de governador a presidente".
Jânio disse: — "Mas gostaria que você fosse falar com ele. Me faça este favor".
Lacerda respondeu: — "Eu vou, mas volto".
E ele: — "Depois volte".
Lacerda vai ao apartamento de Horta para a conversa incumbida por Jânio. 0 Ministro Horta mostra a Carlos Lacerda a carta renúncia em 20/08/1961 com a data de 25/08/1961 e explica a Lacerda que seria uma tentativa de chantagear o Congresso Nacional para as profundas reformas que Jânio necessitava para governar o país.
Lacerda perplexo diante da proposta de renúncia no papel pensou: "Estou dono de um segredo que ainda não decifrei, mas desconfio."
Em dado momento Lacerda murmurou: "Venho conversar com o Presidente da República e ele me leva para comer pipocas no cinema".
Lá para as tantas, Horta e Lacerda berravam dentro do quarto, pois Horta estava ficando embriagado com a segunda garrafa de uísque. Aí Lacerda disse:
— "Horta, você está esquecido que estamos aqui aos berros num hotel em que se ouve tudo de ponta a ponta , e eu não sei quem está no quarto ao lado, nem quem está nesse andar. Estamos aqui, o Ministro da Justiça do Governo da República e o Governador do segundo estado do Brasil, discutindo como se fossem dois estudantes completamente irresponsáveis a política da UNE ou qualquer coisa até menos importante do que isso. Parece uma discussão de diretório acadêmico! Ou nem isso! Primeiro, acho que você não está num bom estado para conversas. Compreendo uma boa prosa em torno de um copo de uísque, mas esse não é o tipo de conversa a ser feita à base do uísque, não; nem às 3 horas da manhã. 0 presidente, evidentemente, evitou conversar comigo e mandou você. Mas não aceito intermediário para essa conversa. Não fiz uma ameaça vã de renúncia, como ele fez tantas. Tenho duas posições a tomar: ou renuncio, amanhã, ou vou hoje, de manhã para o Rio denunciar ao país o que vocês estão fazendo."
Alarmado, Horta disse a Carlos Lacerda que o presidente do Senado Auro de Moura Andrade já tinha conhecimento da carta renúncia e não havia nenhuma conspiração governamental.
De volta ao Rio de Janeiro, Lacerda põe em prática suas ameaças e vai para a televisão denunciar o que estava acontecendo em Brasília - uma conspiração.
No dia 25/08/1961 o Ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta ligou para Carlos Lacerda dizendo-lhe o seguinte: — "Estamos apenas lhe comunicando, em nome do Presidente da República Jânio Quadros, que acabo de entregar ao Congresso a carta-renúncia do Presidente" - e desliga o telefone.
Ingenuidade ou má fé?
Jânio sempre acreditou na má fé de seu Ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta que manipulava politicamente com Carlos Lacerda e Auro de Moura Andrade para depor Jânio da Presidência da República.
Naquela manhã de 25 de agosto, Jânio Quadros inclinou-se diante da Bandeira Nacional - O Batalhão de Guardas Presidencial formava na Esplanada dos Ministérios, em homenagem ao Dia do Soldado. Ele já havia tomado uma decisão irrevogável: iria renunciar à Presidência da República, para qual havia sido eleito, alguns meses antes, com a esmagadora avalancha de seis milhões de votos. Há pouco mais de sete meses de governo, havia tomado posse, numa solenidade realizada bem próxima daquela, como sucessor do Presidente Juscelino Kubistchek. Ele era o 25º homem a ocupar a chefia do governo. E Seria o primeiro a renunciar.
Aquele mês de agosto, que depois se consagraria como o mais azarento mês para a política brasileira, começara mal: e Governador Carlos Lacerda, que fora grande aliado de Jânio na campanha eleitoral, não poupava de críticas e de ataques ferozes.
O governador retirava do presidente o aval de confiança, com que o credenciara a candidato na Convenção da UDN, quando foram esmagadas as justas aspirações do Sr. Juracy Magalhães.
Assim como acontecera com o governo Café Filho, o governador da Guanabara logo depois da posse do presidente pelo qual tanto lutara voltava-se contra ele, no propósito de demoli-lo. A ruptura entre os dois verificara-se poucas semanas após a posse de Jânio na Presidência da República.
O governador Carlos Lacerda não se conformava sobretudo, com a nova orientação da política externa que o presidente classificava de independente, com a abertura no rumo do estabelecimento das relações diplomáticas com a Rússia e na direção de uma reaproximação com Cuba. As forças de esquerda tendo à frente o próprio Luiz Carlos Prestes não regateavam aplausos às novas diretrizes da política exterior, que o Chanceler Afonso Arinos executava a frente do Itamaraty, por delegação expressa do próprio Jânio.
A chamada ala conservadora da UDN logo se voltou para o exame das conseqüências de um ato revolucionário dessa natureza, capaz de alterar inteiramente o quadro da nossa política internacional.
Com a ajuda do capital europeu e fugir à pressão de dívidas amontoadas nos bancos norte-americanos. O Presidente Jânio Quadros acabou com os privilégios cambiais dos importadores e limitou a remessa de lucros para o Exterior e reatou relações diplomáticas com os países socialistas.
Tudo o que diziam não passava de um reflexo do comportamento do governo da União Soviética no plano internacional.
Jânio Quadros, de modo definitivo, deu um golpe certeiro no mundo das dúvidas que os nacionalistas mais esquerdistas alimentavam contra sua linha de comportamento, na política internacional.
Do ponto de vista da política interna, mesmo que a informação não refletisse inteiramente o propósito do Presidente Jânio Quadros ou que essa mudança de política financeira e internacional fosse capitalizar a seu favor setores resistentes qualquer contato com a sua pessoa.
O Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, adverte o Presidente Jânio Quadros através de uma cadeia de rádio e televisão e envia ao Brasil o embaixador Lincoln Gordon, que também é advertido severamente pelo Presidente Jânio Quadros.
O obstinado silêncio do Presidente Jânio Quadros leva os udenistas à beira de uma crise, resultando num clima de expectativa, no qual apenas alguns mais experimentados conseguem agir politicamente.
Alimentados pelos mesmos propósitos que os "Nacionalistas" do PTE, os renovadores da UDN também conhecidos como "bossa nova" preciptaram-se na convocação de uma reunião de bancada, diante da reserva de vastas áreas udenistas à propostas pelo Presidente Jânio Quadros, ora inteiramente isolado dos políticos e os mesmos apostando na instabilidade política reinante no país articulada por seu opositor Carlos Lacerda e o seu carrasco Oscar Pedroso Horta.
Além do mais, na política interna, a instrução 204, baixada pelo Ministro Clemente Mariani, causava desgostos generalizados, que eram acrescidos pela severa política dos bilhetinhos, com os quais o novo presidente da República trazia a administração pública em constante sobressalto pelas incertas que atingiam diariamente os chefes das repartições públicas.
O governador Carlos Lacerda revelou que Oscar Pedroso Horta - começou com uma conversa esquisita, na qual falava sobre a necessidade da mudança da Constitução e da necessidade de "chantagear o Congresso" com uma carta-renúncia datada de 25/08/1961 que o presidente do Senado já tinha conhecimento do teor da carta chantagem.
— "Como acreditar num bêbado contumaz." - ironizou Carlos Lacerda, referindo-se ao Ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta.
O Presidente Jânio Quadros, iria condecorar "Che" Guevara que transitava por Brasília, rumo a Havana, vindo da Conferência de Punta del Este. Iria entregar-lhe a Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau Grã-Cruz. Enquanto isto, estava previsto para o governador, nesse mesmo dia, no Rio, entregar ao líder anti-castrista Manuel Antônio Verona, a chave simbólica do Estado da Guanabara.
Lacerda, ao chegar ao portão do palácio e ao ver suas malas ali colocadas, considerou-se humilhado. Resolveu, então, reagir violentamente contra a tentativa de desmoralização à sua pessoa. Dirigiu-se ao Hotel Nacional, a fim de passar a noite.
Do Hotel, ligou para Horta, protestando contra a tentativa de desmoralização de que acabara de ser vítima e, que ao retornar ao Rio iria denunciar a trama presidencial elaborada por um alcoólatra.
Nova e a calorada discussão aconteceu entre os dois.
O Governador Carlos Lacerda convocou uma rede de rádio e televisão. Falou na noite do dia 24 de agosto, revelando a sua versão com Ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta em Brasília e o convite que havia recusado para entrar na conspiração. Durante 60 minutos Lacerda denunciou o Presidente Jânio Quadros como o principal líder de uma conspiração contra as instituições nacionais.
Jânio Quadros se retirou para o Palácio do Planalto com o General Pedro Geraldo, mal sabia ele estava, naquele instante, ao tomar conhecimento sobre as declarações do governador da Guanabara. Jânio ouviu todos, mas estava inabalável. Retirou-se para o Alvorada, onde se reuniu a D. Eloá e a D. Leonor, com as quais se dirigiu para o aeroporto e durante o trajeto, Jânio olhando para trás, pelo vidro do automóvel, fitou a silhueta de Brasília e sentenciou:
— "O atual Congresso está superado, não representa mais o povo. Cidade Maldita! Nunca mais porei os pés aqui."
Deixou no Palácio da Alvorada uma roupa e um par de sapatos .
Duas horas e meia depois, o Viscount presidencial descia na base aérea de Cumbica, onde se sucederia uma série de conferências políticas, com a presença, entre outros, dos Governadores Magalhães Pinto, Carvalho Pinto, Mauro Borges, Ney Braga e do Ministro Castro Neves, que ali chegou dirigindo seu próprio carro.
Enquanto isso, em Brasília, o Ministro Pedroso Horta se encarregava de fazer as últimas comunicações e articulações a todos os governadores de estado e levava pessoalmente ao presidente do Senado a carta renúncia do Presidente Jânio Quadros, da qual já tinha conhecimento 5 (cinco) dias antes - pelas mãos do próprio Horta.
 
 
INTERESSES
 
As horas que se seguiram à inesperada renúncia do presidente Jânio Quadros foram de pasmo e incerteza os fatos pareciam confusos e mal conhecidos. Sabia-se que o presidente dirigira-se, no avião presidencial, para São Paulo e corria que se encontrava detido no aeroporto da capital.
Não havia notícia de desordens graves no país, mas o ambiente de inquietação no Rio, centro político nacional, parecia pressagiar graves acontecimentos. As manifestações de protesto foram: greve de ferroviários na Leopoldina; manifestações populares contra a embaixada dos Estados Unidos da América, no Rio, e contra jornais ligados a Lacerda; demonstrações estudantis de apoio ao Presidente e de repúdio ao governador Lacerda. Nada perturbou a ordem pública. Os Governadores de Minas, Goiás e São Paulo esforçaram-se para que Jânio reconsiderasse. Jânio, mantinha-se firme na resolução.
A declaração de renúncia do presidente, autorizava a suposição de pressões insuportáveis sobre a execução dos planos de reforma democrática. O futuro era uma inquietante incógnita.
No meio político a confusão era grande e a desunião de interesses poderia levar o poder civil à anarquia, com a intervenção do poder militar.
Jânio fora à presidência por uma explosão eleitoral, que submergiu a coligação política de cúpula feita pelo PSD e PTB. A união do eleitorado se dera quanto ao nome do presidente, mas quanto aos partidos continuavam divididas as correntes políticas. Por isso Jânio ficara fraco dentro do legislativo o que foi fator de insucesso do seu governo.
Atendendo a interesses políticos, os partidos PSD e PTB uniram-se para tornar definitiva tal renúncia. A renúncia de Jânio era como a oportunidade mitológica: cumpria aos dois partidos majoritários agarrá-la pelos cabelos, antes que escapasse.
Pressentindo o desastre político, Afonso Arinos, ministro do Exterior, tentou ainda impedir que a renúncia se consumasse. Ele enviou um telex ao gabinete de Brasília, endereçado ao presidente do senado, Moura Andrade, solicitando-lhe que não tornasse irreparável o ato antes que a situação se esclarecesse melhor. Pediu ajuda ao governador de São Paulo, carvalho Pinto, que concordou com ela em declaração radiofônica.
Mar, Moura Andrade, pessedista e antijanista, tinha opinião oposta. Apressou-se em declarar aceita a renúncia. As forças reunidas do PSD e PTB queriam ver Jânio pelas costas, tanto que o portador do telex foi detido no congresso, como se estivesse portando documento subversivo. Mas, após afastarem o presidente, os dois partidos entraram em atmosfera de desconfiança, divergência e daí surge um novo movimento de aproximação desta vez entre o PSD e a UDN em torno da solução parlamentarista.
Alguns elementos do congresso eram partidários convictos da reforma institucional que pusesse termo à sucessão de ditaduras e golpes do presidencialismo, com o estabelecimento do governo de Gabinete. O líder moral, intelectual e político desse grupo era o deputado gaúcho Raul Pila, respeitado em toda a nação.
Por muitas vezes ele tentou introduzir o governo de gabinete na Constituição de 1946, renovou a tentativa em 1949. Foi rejeitada. Foi apresentada pelo autor novamente em 1952, em 1956 e em 1959.
Em 6/7/1961, Pila apresentava a sua proposta de reforma, acompanhada de 255 assinaturas que representavam mais de dois terços da Câmara e, portanto, a possibilidade de sua aprovação em uma só sessão legislativa.
No dia 25 de agosto, ao impacto da renúncia do Presidente, o senador Afonso Arinos iniciou sondagens em torno da possibilidade da aprovação de uma reforma parlamentar que pudesse evitar a ditadura militar. A salvação estava na mudança do regime. Muitos foram envolvidos no projeto e trabalharam para a redação do texto. Todos queriam uma solução conciliatória, o parlamentarismo. Tudo seria feito para evitar ao país um desfecho revolucionário ou inconstitucional. Não havia outra saída diante da crise. A emenda parlamentarista de 1961 surpreende ao leitor de hoje mais pelas suas qualidades que pelos seus defeitos.
 
 
DESMENTIDO
 
O professor Carlos Alberto A. de Carvalho Pinto foi a mola-mestra da administração Jânio Quadros, no governo do Estado de são Paulo.
Jânio confiou a Carvalho Pinto, notável economista e financista, a missão de traçar a política econômico-financeira do estado.
Carlos Alberto A. de Carvalho Pinto mereceu respeito e admiração de todos, porque no exercício de cargos como: Secretário das Finanças, Governador do Estado de São Paulo, Ministro de Estado e Senador da República, demonstrou o brilho de sua inteligência, a solidez de sua cultura e absoluta probidade no trato de coisa pública.
Carvalho Pinto foi o substituto de Jânio no Governo do Estado de São Paulo, recebendo todo o apoio. A estes dois homens deve-se uma fase áurea da história do Estado de São Paulo.
Quando Jânio renunciou à Presidência da República, muitas notícias foram divulgadas na imprensa sobre supostas declarações do governador Carvalho Pinto e de fatos que jamais ocorreram.
Houve quem maldosamente insinuasse um desentendimento entre Jânio e Carvalho Pinto.
O "Jornal da Tarde" publicou uma matéria sobre um possível pontapé em Carvalho Pinto aplicado por Jânio. O próprio governador desmentiu esta notícia; ele andou enfaixado, com uma costela, por causa de um acidente no palácio Campos Elíseos.
Houve também quem propalasse que Jânio portava, em Cumbica, a faixa Presidencial. Grandes mentiras contavam e contam até hoje.
Segundo Carvalho Pinto:
"Jânio, ao desembarcar em Cumbica, apresentava estado de espírito sereno, foi cordial e afetivo, mas marcado pela profunda emoção da atitude assumida. Não portava a faixa presidencial, encontrava-se com sua indumentária comum".
 
A Nação inteira não compreendeu o motivo de Jânio ter condecorado Che Guevara. Ele aproveitou a passagem de Che Guevara e, para tornar mais eficiente o pedido, que iria fazer ao ditador Fidel Castro, que através de tal condecoração visava obter a interferência do Ministro da Economia de Cuba para conseguir junto ao ditador Fidel Castro cessassem as perseguições contra o Bispo de Havana e a comunidade católica em Cuba, pois, poderiam ser fuzilados.
Em relação à condecoração, Carlos Lacerda manifestava-se contra.
Podemos concluir reconhecendo a inteligência fulgurante, a eloqüência e a bravura de Carlos Lacerda, qualidades estas que foram ofuscadas pelo seu espírito demolidor, contraditório, intrigante e ambicioso.
 
 
CAMINHOS DA REAPROXIMAÇÃO JÂNIO-JANGO
 
Seis meses de governo deram a Jânio Quadros a medida das suas possibilidades, da sua eficiência e das suas fraquezas e, tudo indica, ultrapassada essa fase de experimentação, em que foram colhidos razoáveis frutos de uma administração revolucionária, marcada pelo divórcio com a política, retorna-se, pelas informações, à preocupação de reformulá-lo.
Foi a reaproximação com o Vice-Presidente João Goulart o ponto de partida de um exame da situação geral. O Chefe do Governo e o seu substituto eventual tinham chegado a uma evidência: não podiam desentender-se, sem que os reflexos negativos desse desentendimento se projetassem de modo violento sobre a política internacional do Brasil.
De um lado, o Vice-Presidente preparava-se para ir à China e, do outro lado, o Governo organizava missão com o mesmo destino. Sendo João Goulart o Vice-Presidente, chefe de um dos maiores partidos brasileiros, logo se entenderia, no exterior, existir dentro dos nossos limites um conflito político insanável, que extravasava as fronteiras e se expunha à apreciação do estrangeiro.
A compreensão para o fato encontrava correspondência no sentido de áreas petebistas para com a linha da política internacional do presidente Quadros sem restrição, o único ponto de contato do PTB com o Governo. A reaproximação, nessas condições, efetivou-se sem maiores dificuldades.
Mas, restabelecendo-se o diálogo entre as duas principais figuras políticas do País, outros problemas foram examinados. Aparentemente satisfeito com a atitude que tomou com os partidos, os políticos, o próprio Poder Legislativo, ao qual não o liga senão um porta-voz, saído das fileiras udenistas, o deputado Pedro Aleixo, o deputado Nestor Duarte, há informações de que o Presidente se inclina à efetivação de uma política mais realista.
Nesse ponto é que entra como substância das especulações que estão sendo feitas, os entendimentos do presidente Jânio com João Goulart, ao contrário das primeiras informações, levadas a detalhes no que respeita à Previdência Social, à organização política do governo, à posição do PTB em face da conjuntura nacional.
A política do Presidente, tanto interna como externa, tem servido a João Goulart para sustentar a precária unidade do seu partido, com uma supremacia do bloco centrista, ao qual se liga com mais solidez. Partindo desse ponto, abre-se o caminho para um entendimento mais estreito entre o petebismo e o Governo.
Mostram as análises e se observa nos repetidos pronunciamentos presidenciais que a UDN pouco tem servido ao Governo no terreno parlamentar. Não souberam os udenistas vencer o espírito isolacionista do partido que se formou para o exercício da oposição sistemática, despreparado para uma colaboração eficiente com o Governo. Sem forças para vencer as incompatibilidades que alimentou com diversas correntes políticas, oferece o udenismo em flanco às surpresas que ocorrerão nos seis meses.
No pessedismo, o problema é colocado em termos de uma divergência interna. Seus quadros comportam, na realidade, um desentendimento profundo entre a cúpula dirigente e uma base insatisfeita, jamais reconhecida na hora da distribuição dos comandos. Há mesmo o choque do juscelinismo com o antijuscelinismo, a eclosão de velhas insatisfações, desajustamentos que encontram suas raízes na maneira por que foi contida a marcha da chamada "Ala Moça", apontada em 1955 como a base da sustentação da candidatura de Juscelino Kubitschek.
Os demais partidos, inexpressivos em número, não pesam nas considerações por falta de uma força aglutinadora que lhes desse, pelo menos, conteúdo ideológico.
Nessas condições, o Presidente, se tiver de reformular sua política, reestruturar o Governo, reformar até seu Ministério, terá que recorrer, como aconteceu com a UDN no começo do seu quinqüênio, a uma massa política que lhe ofereça margem para uma manobra de maior vulto do que uma simples troca de titulares de Pastas Ministeriais.
A reaproximação com João Goulart, efetivada no mais alto grau de cordialidade, segundo as informações, servirá como ponto de partida par um possível novo rumo do Governo, se as presentes condições se mostrarem inadaptáveis a um maior empuxo reformista, no que diz respeito à Reforma Agrária, à limitação dos lucros, à reforma bancária e outros problemas que se encravam nos subterrâneos das divergências e dos interesses que tumultuam o Congresso Nacional.
Como o PSD, possui o PTB a larga área do adesismo, contida apenas pela falta de uma oportunidade ou de um acontecimento alentador que facilite a caminhada para o Palácio do Planalto. Para muitos, o Presidente não encontraria dificuldades de reorganizar-se politicamente com novas forças. Fácil lhe seria convocar os partidos para um reexame de posições, sobretudo depois que deu provas materiais da obstinação com que executa a linha de política governamental em todos os planos.
Pelas informações, o conservadorismo do PTB teme ser envolvido no desgaste do pessedismo, teme ser arrastado ao mesmo declínio de prestígio popular, que parece irremediavelmente envolvendo os líderes do partido majoritário, donos de um estilo que não se renova e que, apesar de tudo, ainda se aceita como a maneira mais conveniente de tratar da sobrevivência do PSD.
Com o PTB e João Goulart, porém, há maior soma de afinidades facilitando um diálogo com o presidente Jânio Quadros, no entender dos observadores. Mesmo o conservadorismo do PTB está mais apto a admitir, esquemas que o udenismo dificilmente aceitará para uma luta de reformas.
Dizendo-se satisfeito com o Ministério, o presidente Jânio se exprimiu, quando da última conferência de imprensa, de modo a não excluir a possibilidade de revê-lo, de reestruturá-lo. E foi categórico, quando se reafirmou na política de aproximação com o Vice-Presidente da República.
São esses dois dados da maior importância apresentados nas considerações dos observadores dos movimentos presidenciais, movimentos esses indisfarçáveis, pois que implicam diariamente numa reafirmação de propósitos do Presidente da República.
O retorno de João Goulart da missão que o levou à China poderá dar-se, pelas informações dentro de um quadro absolutamente novo da política brasileira. Udenistas, sem que para isso tenham colaborado, talvez tenham de admitir sócios na tarefa parlamentar de sustentação do Governo. Caso contrário, diante de uma resistência maior terão que ceder ao processo de reformulação partidária que tudo mostra está-se executando à revelia das chefias e das lideranças, como se fosse imperativo de circunstâncias políticas invencíveis.
Contra a apatia partidária, a inércia dos políticos, destroçados pelas realidades que dominaram o pleito presidencial, o presidente Jânio, fortalece-se e dá provas de um prestígio popular cada vez mais sólido, nos seus aparecimentos regionais, nos seus contatos com os problemas mais populares.
No raciocínio dos petebistas, resistir a essa demonstração de força, ou contrariá-la, representará um perigo para o partido, que tem planos ambiciosos e prepara um candidato à Presidência da República.
A reaproximação do presidente Jânio com o vice João Goulart, não constitui um episódio sem conseqüências. Terá ele repercussões e resultará na inauguração de uma nova fase da política do governo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REPÚBLICA
 
O Brasil teve 34 Presidentes, em 118 anos de República. No início, o País viveu um período marcado por eleições fraudulentas, um acordo de oligarquias para manterem-se no poder e grande agitação militar. O ponto alto foi a ditadura de Getúlio Vargas. Passado o Estado Novo, a República vem sendo amadurecida a cada novo trauma e a cada eleição.
A formação acadêmica que mais se repete entre os Presidente é de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito). Dos 34 Presidentes que comandaram o país, vinte fizeram a graduação em Direito. É o caso de Arthur Bernardes (1922-1926). Em segundo lugar aparecem os militares. São nove. Para encerrar, Juscelino Kubitschek era médico, Fernando Collor, jornalista e economista, Itamar Franco, engenheiro e Fernando Henrique Cardoso, sociólogo.
Quinze dos 34 Presidentes foram eleitos pelo voto direto. Nove deles durante a República Velha, período de 1889 a 1930. Época em que apenas 3% dos eleitores votavam e o sistema era repleto de fraudes. Depois da II Guerra Mundial (1945), somente dois Presidentes eleitos pelo voto direto terminaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Fernando Henrique Cardoso é o terceiro (1995-1999).
Ninguém ficou tanto temo no poder quanto Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954). Somando seus dois períodos no governo, foram dezoito anos e sete meses no Palácio do Catete. A lei já previu mandatos de seis, cinco e quatro anos, como o sistema atual. João Figueiredo (1979-1985), o único a ter um mandato de seis anos, é o vice-campeão em permanência no governo. Fernando Henrique Cardoso, ao terminar o seu segundo mandato, em 2002, o superará.
A República nasceu com um movimento militar comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca e terminou em 1985 no governo de João Figueiredo, com nove intervenções militares. Seis Presidentes foram afastados do governo ou impedidos de assumir em conseqüências delas, como Washington Luiz em 1930. João Goulart, deposto pela revolução de 1964.
Em sete ocasiões, os vice-Presidentes foram acionados para assumir o cargo no impedimento do titular. Floriano Peixoto (1891) foi chamado para completar o mandato do marechal Deodoro da Fonseca, portanto, o primeiro e também a primeira renúncia no período republicano. José Sarney (1985-1990) foi o único vice a cumprir integralmente o mandato de cinco anos em substituição a Tancredo Neves (Presidente eleito pelo Colégio Eleitoral e não empossado na Presidência da República, Sarney é empossado para manter o processo de transição política no país).
Dos Presidentes que tomaram posse, em média aos 56 anos de idade, o mais jovem foi Fernando Collor (1990-1992), que tinha 40 anos ao tomar posse na Presidência da República. Entre os mais velhos: Nereu Ramos (1955-1956), Getúlio Vargas (1951-1954) e Ernesto Geisel (1974-1979) chegaram ao poder com 67 anos. Com a reeleição, Fernando Henrique Cardoso, nascido em 1931, entrará para a história nesse clube recordista e Luiz Inácio Lula da Silva, também.
Minas Gerais é o Estado que mais fez Presidentes. Foram oito, entre eles, Wenceslau Braz. Rio Grande do Sul, com seis e Rio de Janeiro, com cinco. Levando em consideração o local de nascimento de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, o primeiro radicado em Alagoas e o segundo em São Paulo, embora nascidos no Rio de Janeiro.
Durante a vigência da política do café-com-leite, na República Velha, em que se alternavam no poder paulistas e mineiros, cinco Presidentes foram eleitos sem disputar com ninguém. Eles eram candidatos únicos. Prudente de Moraes (1894-1898), o primeiro civil a chegar à Presidência da República, concorreu sem adversários e obteve mais de 80% dos votos.
Dos 33 Presidentes que o País teve, dez não completaram o mandato. O marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Jânio Quadros "forças terríveis" (1961) renunciaram. Affonso Penna, Getúlio Vargas "forças ocultas" e Costa e Silva morreram. Quatro foram depostos por golpes e Fernando Collor "forças daltônicas" sofreu impeachment. Alguns foram eleitos, mas não assumiram, como Tancredo Neves.
Fernando Henrique Cardoso é o primeiro Presidente a ser reeleito, dois mandatos sucessivos. Antes dele, Rodrigues Alves (1902-1906) ganhou uma segunda eleição, em 1918. Morreu antes de tomar posse. Getúlio Vargas, que chegou à presidência em 1930 no comando do golpe de estado que afastou Washington Luiz (1926-1930), voltou à presidência pelo voto direto em 1951.
O Presidente interino mais importante do País foi o paulista Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara em época turbulenta. Ele assumiu a Presidência interinamente quando Jânio Quadros renunciou, em 1961 e após o golpe de 1964, que derrubou João Goulart e depois entregou o cargo ao marechal Castello Branco.
 
 
CRISE REPUBLICANA
 
Golpe de 1891
Prometendo convocar novas eleições e fazer uma revisão na Constituição, Deodoro da Fonseca fecha o Congresso em 3 de novembro de 1891. Pressionado pela oposição é obrigado a renunciar vinte dias depois.
 
Guerra de Canudos
O líder messiânico Antônio Conselheiro funda no interior da Bahia o arraial de Canudos e defende a volta da monarquia. Depois de quatro expedições oficiais, a última delas enviada pelo Presidente Prudente de Moraes, em 1897, o governo consegue arrasar a cidade e matar Antônio Conselheiro.
 
Revolta tenentista
Na década de 20 explodem revoltas de militares insatisfeitos com as oligarquias da República Velha. Um de seus líderes é Luiz Carlos Prestes. Em 1924, os tenentistas tomam a cidade de São Paulo, mas são rechaçados por tropas do governo Arthur Bernardes.
 
Revolução de 1930
Nas eleições para a sucessão do Presidente Washington Luiz, Getúlio Vargas perde para o candidato governista, Júlio Prestes. Alegando fraude na votação, os getulistas promovem rebeliões em vários Estados até tomar o poder.
 
Suicídio de Vargas
No dia 5 de agosto de 1954, pistoleiros tentam assassinar o jornalista Carlos Lacerda, líder da oposição. Acusado de ter ordenado o atentado e pressionado por pedidos de renúncia, Getúlio Vargas suicida-se, no dia 24 de agosto (forças ocultas).
 
Renúncia de Jânio
Jânio Quadros assume a Presidência em janeiro de 1961. Condecora Che Guevara com a Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul e, sem maioria no Congresso, enfrenta dura oposição a seu governo e às principais reformas. Renuncia em 25 de agosto (forças terríveis).
 
Revolução de 1964
Os militares depõem o presidente João Goulart em março de 1964. Em 1968, o Ato Institucional n° 5 fecha o Congresso e cassa o mandato de vários Deputados.
 
A morte de Tancredo
Tancredo Neves ganha a eleição para Presidente no Colégio Eleitoral, derrotando seu principal oponente, Paulo Maluf e em 1985. Morre antes de tomar posse e quem assume o governo é o vice, José Sarney.
 
Impeachment de Collor
Sem maioria no Congresso Nacional, isolado, Fernando Collor, envolvido em uma campanha de desmoralização, como aconteceu com Getúlio Vargas e Jânio Quadros, leva Fernando Collor a renunciar diante das "forças daltônicas" à Presidência da República. O Congresso Nacional recusa sua renúncia, porque havia um processo de impeachment contra o presidente Fernando Collor de Mello, o vice, Itamar Franco assume.
 
 
O LADO CARICATO DOS PRESIDENTES
 
O vaidoso
Campos Salles demonstrava preocupação excessiva com as roupas e a aparência pessoal. Seus inimigos o chamavam de "pavão" e baiacu" (um peixe quando tocado incha).
 
O dorminhoco
A conhecida sonolência de Rodrigues Alves desde que ele foi ministro da Fazenda de Prudente de Moraes, divertindo os caricaturistas que o retratavam de gorro e camisolão.
 
O azarado
Hermes da Fonseca tinha a fama de não ter sorte: "pé frio". Certa vez depositou o dinheiro de um empréstimo oficial num banco russo que foi encampado pela revolução socialista e nunca honrou o depósito.
 
O nepotista
O cearense José Linhares, que assumiu em substituição à Getúlio Vargas, em 1945, gostava de empregar a família no governo. Em três meses de mandato, nomeou tantos parentes que o povo dizia: "Os Linhares são milhares".
 
O dançarino
Juscelino Kubitschek merecia o apelido "pé-de-valsa". Adorava serestas e não era difícil que embalasse a noite toda, dançando até as 5 da manhã.
 
Domador de Massas
Ninguém na história deste País arrebatou multidões tão apaixonadas, mão levantadas em aplausos e tão plenas de esperanças quanto ele. Tudo era ao vivo. Suas maneiras de convencimento eram devastadoras. O comício era o grande cenário; ele, o próprio espetáculo. Ele foi o nosso primeiro e grande comunicador político a utilizar técnicas não convencionais. Carregava nos tons da voz, que levantava no exato instante os temas da paixão. Despertava o ódio, açulava a revolta, levando multidões ao delírio. Em seguida, suavemente dizia o que todos queriam ouvir: a mensagem salvadora. A multidão, aquele mar agitado, parava para escutá-lo, subjugada. Assim era Jânio da Silva Quadros.
 
O esportista
Fernando Collor de Mello andou de jet ski, comandou um avião de caça, pilotou uma Ferrari a 200km por hora. Também apareceu em público jogando futebol, vôlei, tênis e correndo.
O forreta
Fernando Henrique admite que é pão-duro. Antes das eleições de 1994, contou que não tinha óculos reservas, simplesmente, porque não gostava de abrir a carteira para pagá-los.
 
 
A atuação das esposas dos Presidentes revela a trajetória da mulher na sociedade brasileira. Eis algumas delas:
 
Ana Gabriela de Campos Salles – mulher de Campos Sales (1898-1902), sua preocupação eram os afazeres domésticos do Palácio do Catete.
 
Nair de Teffé – casada com Hermes da Fonseca (1910-1914), era avançada para o seu tempo. Jovem e elegante, estudou na França, tocava violão, freqüentava bares, foi a primeira mulher a trabalhar como caricaturista na imprensa brasileira, gostava de teatro e música popular, promovia saraus no palácio.
 
Darcy Vargas – desempenhou papel social importante no governo de Getúlio Vargas (1930-1945- e 1951-1954), criando instituições assistenciais como a LBA – Legião Brasileira de Assistência.
 
Sara Kubitschek – apesar de manter as aparências protocolares, enfrentou brigas com Juscelino Kubitschek (1956-1961). Companheira leal, mulher de pulso forte, jamais perdoou as aventuras amorosas de JK.
 
Eloá do Valle Quadros – esposa e companheira de Jânio da Silva Quadros, ela o incentivou a ingressar na política. Foi Presidente atuante da LBA – Legião Brasileira de Assistência. Acompanhou a vida política de seu marido de vereador a Presidente e, mesmo doente, esteve presente em seu último mandato como Prefeito de São Paulo.
Segundo Jânio Quadros, foi D. Eloá quem o impeliu para a política. Ela foi sempre sua grande incentivadora. Jânio deve à D. Eloá e à sua mãe a vida pública. Ambas pareciam pensar pela mesma cabeça, pois, a concordância entre elas era absoluta. Sua mãe foi excelente e inesquecível.
Jânio gostava de contar como conheceu D. Eloá:
"Meu pai era médico e há muitos anos foi atender uma menina que estava com crupe. Crupe era então, uma moléstia fatal. Os anos rolaram depois disso, eu não conhecia a menina em apreço. Certa vez, eu me encontrava na sacada de nossa casa, no alto do Cambuci, quando a menina, já mocinha, 16 ou 17 anos, entrou com os pais. Iam todos fazer uma visita aos meus. Estava uniformizada com o cordão roxo que marcava as quintanistas de ginásio. Eu me virei para um amigo que estava na minha companhia e lhe disse apenas: vou casar com esta moça. Desci, conheci-a, nosso namoro foi rápido, o noivado mais rápido ainda, cinco meses e casamos. Já nem sei há quanto tempo tenho estado casado. Porque me parece que já nasci casado. Eloá foi sempre muito bonitinha, mas muito bonitinha mesmo e conservou os traços de beleza até o fim da vida, embora os cabelos inteiramente brancos. Não envelheceu no rosto, só nos cabelos. Eloá foi sempre disciplinada, ordenada, uma excelente dona-de-casa. Ela sabia bordar, tecer e tocava piano muito bem, além de ter uma excelente conversa."
Jânio lecionava no Colégio Dante Aleghieri, um dos melhores e mais caros de São Paulo. Os alunos desejavam que ele participasse das eleições a vereador, e D. Eloá passou a empurrá-lo para que ingressasse na política, afinal ele foi eleito, mais adiante, antes que terminasse o mandato, ele foi eleito Deputado, depois prefeito da capital, candidato a Governador, eleito Deputado do Estado do Paraná e depois eleito Presidente da República.
Quando Jânio renunciou à Presidência da República, não deu explicações à D. Eloá. Ele ligou para o Palácio, pediu para que ela arrumasse as coisas pois ele já não era Presidente e que o encontrasse no aeroporto. Ela não fez nenhuma observação. De certo porque acreditava no marido e porque sabia que sem a perda da dignidade, da honra Jânio não poderia continuar.
Se Jânio permanecesse na Presidência, iria se prostituir e seria mais um Presidente. Não um ex-Presidente. Seria mais um.
 
Maria Tereza Goulart – mais jovem e mais charmosa primeira-dama da História do Brasil; chegou ao poder aos 23 anos – era comparada com Jacqueline Kennedy. Pouco afeita à política, subiu apenas uma vez num palanque com o marido. Foi num comício em março de 1964, antes do golpe que derrubou João Goulart (1961-1964).
 
Yolanda Costa e Silva – religiosa, mulher de Costa e Silva (1967-1969) apoiou com entusiasmo a campanha de setores tradicionalistas contra uma suposta infiltração comunista nos meios católicos. Adorava moda e promoveu desfiles no palácio do governo.
 
Rosane Malta Collor – mulher de Fernando Collor de Mello (1990-1992) era forte, influente, muito elegante e moderna.
 
Ruth Cardoso – professora de antropologia, mulher de Fernando Henrique Cardoso (1995- ) sempre zelou pela privacidade familiar e pessoal. Investe seu tempo no Comunidade Solidária, um programa social que beneficia os municípios mais pobres do país.
 
ECONOMIA
 
1890 – Encilhamento
Na tentativa de diversificar a economia, restrita até então à agricultura, Rui Barbosa, ministro da Fazenda do governo Deodoro da Fonseca, promoveu uma reforma financeira, com estímulo ao crédito e à emissão de dinheiro, que ficou conhecida como "encilhamento". O efeito é negativo: ocorre uma febre de especulação na bolsa e uma onda de falências empresariais.
 
1898 – Saneamento de Campos Salles
Para sanear as finanças da República, abaladas com os gastos efetuados para conter as revoltas ocorridas no interior do país, Campos Salles negocia um empréstimo externo de 10 milhões de libras. A austera política consegue equilibrar as contas do Tesouro, mas mergulha o País na recessão. Ao deixar o governo, o Presidente é vaiado pelo povo.
 
1930 – Crise do Café
A produção de café no Brasil sobe a 28 milhões de sacas anuais, o dobro do que comporta o mercado externo. Para manter o preço do produto, o governo Vargas compra o excedente da produção e queima os estoques.
 
1961 – FMI apertando o nó
Jânio manteve-se silencioso durante os três meses entre a sua eleição e a posse. Viajou para a Europa afastando-se da especulação sobre seus compromissos e programas.
Seus partidários reclamaram a prolongada ausência, achando que deveriam planejar um ataque ao caos econômico que as medidas adotadas por Juscelino, já no fim do governo.
O afastamento do Presidente eleito era típico do estilo político.
A situação financeira foi descrita como "terrível" – 2 bilhões de dólares de dívidas externas a serem pagas no seu período presidencial das quais mais de 600 milhões a serem saldados dentro de um ano. J. Quadros lamentou: "todo este montante esbanjado em tanta publicidade e que nós temos agora, que levantar pacientemente, dólar por dólar e cruzeiro por cruzeiro. Temos gasto, confiando no futuro, mais do que a imaginação ousa contemplar". Atacou a administração Kubitschek em seu "favoritismo e nepotismo administrativo" e criticou seu predecessor pelo enorme déficit federal previsto para 1961.
O governo Quadros lançou imediatamente um programa antiinflacionário, mais completo, tentado desde 1945-55. Em março, Jânio Quadros anunciou uma reforma do sistema cambial, simplificando as múltiplas taxas e desvalorizando o cruzeiro em cem por cento. Verificou-se uma drástica redução de subsídios para importações, tais como trigo e gasolina, tendo dobrado o preço do pão, aumentado o preço do ônibus e outros transportes. O Presidente fez novos investimentos no setor exportador a fim de ajudar a superar a "insuficiência crônica das exportações" brasileiras. Essas reformas ajudaram para a aprovação do FMI, dando ao Presidente a renegociação das dívidas, coisa que Kubitschek não conseguira.
O novo Presidente começava então, a desenvolver o que pregara em sua campanha: uma restrição financeira dolorosa a fim de estabelecer as bases de um novo desenvolvimento. Embora a restrição de crédito, salários congelados e corte de subsídios de importação estivessem destinados a se tornar medidas impopulares, esse risco parecia possível dentro da euforia que cercava a área de Jânio no início de 1961.
 
1973 – Crise do Petróleo
Os países árabes produtores de petróleo, reunidos na OPEP quadruplicam o preço do barril. Os preços dos combustíveis disparam. O governo Ernesto Geisel investe no programa Pró-álcool.
1994 – Hiperinflação
Depois de 30 anos de inflação, o ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, lança o Plano Real. As medida surtem efeito. Quatro anos depois, a previsão de inflação anual é de apenas 2%.
 
1998 – Crise Financeira
Seguindo-se ao estouro da Ásia, o colapso da Rússia provoca pânico nos mercados financeiros mundiais. Contra os ataques especulativos, o governo Fernando Henrique Cardoso eleva os juros a 50% ao ano, mas os dólares continuam fugindo do país.
 
 
RETROSPECTIVA
 
Na década de 40. A Segunda Guerra Mundial marcou toda a geração. A derrota do nazi-fascismo em 1945, após a explosão de bombas atômicas no Japão, acelerou no Brasil a queda da ditadura de Getúlio Vargas. Tem início a Guerra Fria entre os EUA e a URSS.
No Brasil é instituído o salário mínimo (1940). Em 1946, criação do FMI (Fundo Monetário Internacional). A Índia conquista a independência em 1947. Criação do Estado de Israel em 1948. Em 1949, Revolução Comunista na China.
 
Na década de 50. A invasão da Coréia do Sul pelos comunistas do Norte dá início à Guerra da Coréia (1950-1953), primeiro desdobramento da Guerra Fria. Nos EUA, começa o marcanthismo, ofensiva anticomunista. No Brasil, o nacionalismo getulista cede lugar ao desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek. Getúlio Vargas se suicida (1954); Juscelino Kubitschek é eleito presidente (1955) e governa tendo como slogan "50 anos em 5". Fidel Castro toma o poder em Cuba (1959).
 
Na década de 60. Renúncia de Jânio da Silva Quadros (1961). Os militares derrubam João Goulart (1964) e iniciam um regime de "força" no país, contra uma possível ditadura comunista no Brasil e na América Latina. Em 13 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva, através do Conselho de Segurança Nacional, edita o AI-5, que fecha o Congresso e suspende direitos políticos. Fracassa a invasão da baía dos Porcos, pelos EUA (1961). Assassinato de Kennedy, presidente dos EUA (1963). Morte de Ernesto Che Guevara (1967).
 
Na década de 70. O país começa com a década sob o lema "Brasil, ame-o ou deixe-o" e termina com a volta dos exilados. Geisel inicia a abertura política (1974). EUA saem do Vietnã. Nixon renuncia após o Watergate.
 
Na década de 80. Os militares transferem o poder para os civis em 1985. Movimento pelas Diretas-já. Eleição de Tancredo Neves (1985). Jânio da Silva Quadros é eleito pela segunda vez em São Paulo à Prefeitura da Capital (1985). Eleição de Fernando Collor (1989). A queda do muro de Berlim. Fracasso do Plano Cruzado (1986) e o Brasil enfrenta sua maior recessão.
 
Na década de 90. Fernando Collor toma posse e sofre impeachment em 1992. Eleição de Fernando Henrique Cardoso (1994). Na economia, o Plano Collor (1990) a poupança dos brasileiros. FHC – Plano Real (1994) controla a inflação. O presidente Fernando Henrique Cardoso, consegue colocar o país nos trilhos do desenvolvimento e da comunicação. Sua diplomacia, suprimiu as barreiras comerciais e consolidou o processo de globalização na economia internacional. Em 1998, Fernando Henrique Cardoso é reeleito por voto direto.
 
 
 
 
 
Jânio Da Silva Quadros no processo de comunicação ?
 
 
Jânio da Silva Quadros é uma personalidade incomum, pois, examinando-se as personalidades históricas no mundo da política e das ciências em geral, podemos notar que em cada uma dessas personalidades conseguimos definir quem é populista ou pragmático.
O populista modifica o seu discurso, ajustando-o ao dia em que será pronunciado, diante das vicissitudes do momento e aos meios culturais, sociais e econômicos.
Refiro-me, neste caso, aos populistas astutos, prudentes, deixando de considerar certos tipos de populistas antigos e contemporâneos que praticam, ou praticavam, um só tipo de discurso, dentre eles alguns de passado não muito longínquo, que se mostravam cômicos e outros que apresentam um discurso puramente ideológico, imutável, já que procuram, em primeiro lugar, convencer a platéia quanto às vantagens da adoção dos seus objetivos ideológicos e, em segundo lugar, buscam a adesão e os votos.
O populista ideológico procura penetrar no conceito das populações mais simples, desprovidas de cultura, porque são manipuláveis e arrastadas facilmente para integrar-se a ideologias.
O discurso ideológico de esquerda, em geral, é contestador e contundente. Por isso atrai e carrega os indivíduos descontentes com a situação vigente, acreditando que as mudanças no sistema político social podem resultar em abrandamento da suas angústias.
O discurso pragmático é de conteúdo conservador; procura explicar o que se pretende fazer e, ao mesmo tempo se compromete a zelar pelos bens já existentes, neles incluindo-se o patrimônio institucional.
Quando um país passa pela fase de desenvolvimento, isto é, está saindo para a modernidade, observa-se a ocorrência de surpresas no comportamento de sua sociedade, seja no procedimento social ou político. Nessas mudanças de comportamento observa-se que as manifestações de caráter se enfraquecem, dando lugar a sentimentos moderados e cada vez mais nacionais.
Nesta situação transitória, ocorre o enfraquecimento das lideranças políticas, pois, à medida que o cidadão se torna mais consciente da realidade que o cerca, mais cresce o seu sentimento de autonomia e mais se distancia das lideranças políticas e vai desaparecendo o que chamamos de “voto cativo”.
Nesta fase os políticos populistas começam a sair de cena e cair no ostracismo e novos nomes surgem no horizonte nacional, porém, sem a estabilidade de permanência que caracteriza os chamados líderes carismáticos, conhecidos principalmente nos países do Terceiro Mundo.
O líder é atuante e o liderado é fraco e, naturalmente, dependente. Em situações semelhantes, a simples decisão de um líder pode ser fatal. Na condução ao sucesso, poderá ser aclamado por sua coragem e sabedoria; ao fracasso, tanto o líder quanto aos seguidores irão negar provavelmente que tal decisão tenha-se tomado livremente.
Jânio, considerado um líder carismático, com uma personalidade firme, contando com uma coalizão de grupos, resolve chegar às raias da tragédia da política brasileira: a renúncia.
O líder pode de forma significativa estabelecer diferenças numa série de conjecturas ao enunciar tomadas de decisões pessoais, em momentos de conjuntura crítica. Charles de Gaulle, Joseph Stalin, John Kennedy e Lyndon Johnson e cada um deles, em sua época, tomou uma ou várias decisões desse tipo. Foram pressionados até o máximo de suas resistências pelo peso da responsabilidade de tomar atitudes, enquanto outros vicejaram sob tais pressões.
 
 
Vejamos então, considerando-se as características que definem o populismo e o pragmatismo e as influências que exercem no contexto das Nações, como se poderá definir a personalidade do cidadão dentro do processo de comunicação.
Os princípios da comunicação seriam definidos, em seu conjunto, há algumas décadas passadas, como “Propedêutica”, que significam estudos preparatórios que servem de base para aprofundamentos de estudos subseqüentes. Por isso considero de grande importância que se encaixe este estudo enfocando o cidadão Jânio da Silva Quadros desde os primórdios da sua vivência pública:
1 – Foi eleito vereador da cidade de São Paulo, apresentando-se como cidadão pobre, dizendo-se igual e, portanto, defensor dos possíveis eleitores, utilizando, então, um discurso populista; chegando a deputado estadual repetindo o mesmo estilo e, em seguida, à Prefeitura da Capital;
2 – Logo em seguida, lançou-se candidato ao governo do Estado de São Paulo, empunhando a bandeira da “moralidade”, também populista;
3 – Terminado o mandato de Governador, elegeu-se Deputado Federal pelo Estado do Paraná;
4 – Em 1960, foi lançado candidato à presidência da República pela União Democrática Nacional (UDN), um partido de características marcadamente pragmáticas, recebendo completamente o apoio de mais alguns partidos;
5 – Jânio, que até então havia sobrevivido na vida pública através de um discurso populista, atraiu imediatamente as atenções, não só dos cientistas políticos do Brasil, mas também do Exterior, todos interessados em saber qual seria a linguagem que Jânio aplicaria, levada à campanha eleitoral por um partido organicamente pragmático.
Espanto geral entre os cientistas políticos!
Jânio enquadrou-se tranqüilamente ao esquema da UDN, propondo reformas modernizantes (objetivos permanentes da UDN), dando-lhes uma conotação de objetivos trabalhistas.
Jânio da Silva Quadros mostrou assim, ser capaz de agradar e convencer a um só tempo a gregos e troianos, colhendo votos de ricos e pobres, elegendo-se para a Presidência da República com mais de cinco milhões de votos, o que, para a época, era algo acima de quaisquer previsões.
Jânio da Silva Quadros expressa, ao mesmo tempo, linguagem verbal e não verbal, começando com uma oração verbal e terminando na forma não verbal, através de gestos e até de modificações no seu semblante, características nunca antes observadas em manifestações de caráter público.
Perguntar-se-á, então:
Jânio da Silva Quadros é produto da sua linguagem?
Resposta incisiva: Não.
Jânio da Silva Quadros é produto do meio e do momento. Como já mencionei neste trabalho, o Jânio populista consegue impressionar milhares de trabalhadores num determinado lugar e data e, poucos minutos após, e à pequena distância dali, consegue transmitir firmeza e confiabilidade a empresários e homens de negócios
Conhecedor dos problemas brasileiros, sempre foi capaz de dizer o que as pessoas esperavam e desejavam ouvir, expressando-se de acordo com o meio em que se encontrava, transformando tudo isto em votos de ricos, medianos e pobres.
Este comportamento “sui generis” sempre deu a Jânio da Silva Quadros u’a marca muito acentuada à sua personalidade, chamando a si a atenção da maioria das pessoas em todas as classes sociais.
Elegia-se pela via populista e governava pragmaticamente e seus eleitores não se sentiam frustrados, pois Jânio sabia conciliar os interesses de todas as classes, tornando-se cada vez mais respeitado.
Tomava medidas enérgicas contra ação de grevistas sem, no entanto diminuir sua popularidade e, se tivesse se candidatado à Presidência da República em 1989 teria voltado ao cargo, não só pelo seu carisma, mas também pela confiabilidade que sempre marcou suas atitudes.
Seu comportamento sempre apresentou, a cada dia, uma nova faceta, mostrando-nos que o Jânio que pensávamos conhecer no seu “todo” nos contradizia, nos surpreendia.
 
 
 
 
Jânio NO CONJUNTO DE COMPORTAMENTOS
 
 
Nas observações de comportamento, Jânio da Silva Quadros também é elemento a ser estudado.
Quando observado fora de pronunciamentos, em manifestações públicas, demonstra a figura de um cidadão pacato e até desinteressado. Sempre pareceu não se preocupar com sua aparência pessoal, apresentando-se costumeiramente com o colarinho e a gravata desalinhados, mostrando-se separado das exterioridades. Em eventos sociais seu comportamento é retraído e distante, parecendo estar fisicamente num lugar e mentalmente noutro.
Conclui-se, então, que esse distanciamento que Jânio demonstra parecendo estar mentalmente em outro lugar é uma evidência que ele não permanece ligado ao objeto em questão, mas sim aos seus signos. Daí a impressão de desligamento e desinteresse.
Há, portanto, um descompasso entre Jânio visível e o invisível. O Jânio visível é notado diante do objeto, mas o Jânio invisível já está há muito envolvido com os signos desse mesmo objeto.
Isso significa que, enquanto ele permanece visivelmente estático, sua mente continua caminhando e convivendo com os signos do objeto em evidência, dando-nos a impressão de que o indivíduo está diante do objeto real, concreto.
Aos olhos do observador do comportamento humano, se afigura que há entre Jânio e o objeto em questão um processo de abdução, mas, na realidade, o Jânio visível está do lado de cá e o Jânio invisível, mental, já transpôs o espaço subseqüente ao objeto e trilha o terreno dos signos.
Aqui, cabe uma observação elucidativa: às vezes, numa sala de aula, observamos um aluno que parece não estar interessado na aula que está sendo ministrada. Sua postura se afigura indolente, o que preocupa e quase sempre irrita o professor. Este então, solicita ao aluno que fale sobre o que ele, professor, acabara de dissertar. Para surpresa de todos, e muito mais do professor, o aluno acionado diz tudo sobre o que o professor falou e prossegue dando exemplos e formulando problemas e soluções. É que o indivíduo visível apresenta-se com aspecto desinteressado, indolente o que causa a impressão de irreverência e desconsideração, mas na realidade, é esse indivíduo o mais integrado naquilo que se está tratando, tão integrado que até já assimilou o que o professor ainda não disse.
É um falso ícone, porque a representação visível é exatamente contrária ao conteúdo real que está no invisível, isto é, o homem espírito e o homem pensamento.
Há casos em que o indivíduo parece estar dormindo, quando assiste à aula ou palestra. Permanece com os olhos fechados, dando impressão de desapreço. Mas, essa imagem pode não estar representando a realidade, uma vez que nos exercícios de aplicação do pensamento utilizados na prática da psicologia, para que a mente tire o melhor aproveitamento do seu potencial, ouve-se e mentaliza-se com os olhos fechados, pois assim, passa-se a ver com os olhos da mente tudo o que é captado pela audição.
Quando ouvimos com os olhos abertos, mesmo que estejamos dispensando total atenção àquilo que nos está sendo transmitido, não conseguimos assimilar tudo com absoluta eficiência. O meio ambiente, isto é, as coisas materiais, como uma parede, uma mesa, até uma figura estampada numa camiseta toma lugar no nosso consciente misturando-se ao objeto de interesse no momento, contaminando-o e tornando-o impreciso.
Quem assiste às aulas ou palestras com os olhos fechados, torna concreta em sua mente cada palavra proferida, dando forma e cores a cada uma e vê, ao mesmo tempo, todos os seus signos, dando também a estes, formas, tamanhos e cores. Tudo isso ao mesmo tempo em que as palavras representativas do objeto são proferidas.
Olhando analiticamente para um indivíduo com essa característica, só poderemos defini-lo como concreto/abstrato. Seu ícone de homem visível, concreto, palpável, completamente inverso ao homem invisível, homem espírito, absolutamente integrado ao objeto do momento, ou em questão, totalmente dissociado do meio que o cerca. Alheio a todos que o observam fisicamente, ignorando que ali está aquele mesmo indivíduo atento e ativo, assimilando cada palavra proferida, dando-lhes formas, tamanhos e cores, traçando linhas de interligação que as integram aos seus signos, tudo no tempo equivalente ao de um flash ou de um relâmpago.
Tal indivíduo consegue ver o mundo de uma só vez, com seu relevo, seus problemas e suas injustiças; vê a miserável estrutura moral da maioria dos homens a quem Cristo não conseguiu convencer; as enormes populações de alienados que a sociedade de consumo usa como objetos úteis aos seus propósitos; o desmoronamento dos costumes que inapelavelmente levará seus protagonistas a caminhos desconhecidos, inóspitos e vazios.
Os indivíduos que apresentam estas características são naturalmente calados. Estão sempre vendo coisas e situações que as outras pessoas só vêem quando são atingidas por elas.
Jânio da Silva Quadros é um desses pensadores de olhos fechados, que vê e grava em seu subconsciente, objetos e signos em forma cristalina, sem ofuscamentos, solidamente fixados.
DEFINIÇÃO DE Jânio da Silva Quadros NO CONTEXTO DA COMUNICAÇÃO
 
 
DISCURSO: Populista.
COTIDIANO: Pragmático.
COMPORTAMENTO SOCIAL: Introvertido.
COMPORTAMENTO POLÍTICO: Carismático
 
Jânio é produto de sua linguagem?
Não! Jânio é produto do seu pensamento abstrato, astuto o suficiente para manipular seu discurso, adaptando-o ao gosto das várias camadas sociais brasileiras.
 
CARACTERÍSTICA IDEOLÓGICA: Social democrata.
TENDÊNCIA NACIONAL: Presidencialista.
 
No decorrer de sua vida pública, Jânio foi rotulado como: comunista, socialista, reacionário e entreguista.
Mas todos esses rótulos eram falsos, uma vez que o social democrata é defensor da eficiência das leis vigentes, conservador na manutenção e aprimoramento dos costumes e sedimentação das estruturas familiar e social.
- Por que Jânio deve ser estudado no contexto da comunicação?
- Porque Jânio sempre aplicou, ao mesmo tempo, a linguagem verbal de expressão populista e a linguagem não verbal pragmática. Aquela, para satisfazer a platéia popular e esta, para causar boa impressão aos cidadãos mais esclarecidos.
 
CONTRADIÇÕES:
 
A proposta natural de um social democrata e sempre bem definida e pragmaticamente administrada. É de característica moderada.
O discurso populista é agressivo e de tendência nacionalista.
A administração social democrata é moderada e conservadora.
A administração populista é marcada por propostas mudancistas radicais e contestadoras.
 
 
 
"O português de Jânio Quadros"
Deonísio da Silva
"Autorizado por meus superiores aqui no Jornal do Brasil, obtive recreio, sinônimo de intervalo. E a coluna de hoje vai ocupar-se de Jânio Quadros. Fui aluno de Guilhermino César, em Porto Alegre, na mesma turma do atual vice-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Hohlfeldt. Pois Guilhermino César, que omitia o da Silva de seu sobrenome, jamais nos liberava para o intervalo, mas para o recreio.
Ora, intervalo veio do latim intervallum, designando espaço entre um valo e outro. Como tantas outras palavras, veio das lides militares, guerreiras. Os soldados construíam valos e paliçadas - alguns dicionários autorizam também a grafia antiga, palissada - para organizar a defesa nos campos de batalha. ‘Intervalo’ foi, pois, na origem, o espaço entre os valos ou entre as estacas. Já ‘recreio’ tem origem mais bonita. Você interrompe o que está fazendo e vai fazer outra coisa. Recreio procede de recrear, que em latim é recreare, cujo significado é fazer brotar de novo, tendo também o sentido de reanimar.
Para nós, seus alunos, era melhor ainda quando o mestre continuava o recreio na volta à sala de aula. E vice-versa. Era um encanto ouvi-lo. E assim registro que professores como Guilhermino César são lembrados a vida inteira. Vamos ao recreio e a Jânio Quadros.
Político dos mais controvertidos que o Brasil já teve, Jânio era professor de Português e de Geografia. E respeitava a norma culta de nossa língua em declarações, bilhetes, cartas, documentos, em tudo o que dizia e escrevia. Muitas de suas tiradas ficaram célebres.
Candidato a governador de São Paulo, enfrentou em Ribeirão Preto uma autêntica armadilha que lhe fora preparada por seu notório adversário, Adhemar de Barros. Também candidato, Adhemar paga um repórter para que vá à entrevista coletiva de Jânio, pedindo ao jornalista que faça uma única pergunta:
- O senhor sabe que a família interiorana é moralista e conservadora. Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe?
A resposta veio bem ao estilo de Jânio:
- Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
O flagrante revela um cuidado específico que Jânio Quadros tinha na colocação dos pronomes, um drama para jejunos em português. ‘Comê-lo-ia’ equivale a ‘o comeria’. A síntese, desjeitosa para a fala, que prefere ‘comeria ele’, soa pernóstica. Não em Jânio apenas, aliás.
Em outra ocasião, o humorista Leon Eliachar lhe pergunta:
- Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares?
Sua resposta:
- Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutila a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da idéia de movimento. (Atualmente, é mais usual boemia, sem acento.)
E provocando o candidato, Leon alude a famoso comercial:
- Só ESSO dá ao seu carro o máximo?
Jânio:
- Não entendi a pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio interpelante. Resta-me, pois, neste instante de perplexidade, o recurso à passagem de volta: só isso dá ao seu cargo o máximo?
Para terminar o recreio, que voltará na próxima coluna, vejamos o final da mesma entrevista. Leon Eliachar faz a última pergunta:
- O oval da ESSO é oval ou aval?
Jânio tira de letra:
- Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.
Nelson Valente, autor do livro Luz... Câmera... Jânio Quadros em Ação (o avesso da comunicação), de onde foram extraídos os trechos aqui citados, conclui piedosamente: ‘Ele podia dormir sem essa.’
Bom domingo a todos e até de repente!"
 
DE JÃNIO E DE LOUCO TODOS NÓS TEMOS UM POUCO
 
Um dia é da caça, outro do caçador... (diz o dito popular).
Leon Eliachar fantasiado de caçador e Jânio a caça.
- Fui armado com nada menos de 37 telefones. Jânio não era encontrado em nenhum Mas estava em todas as tevês: milagres a videoteipes. Nunca seu tempo foi tão curto como nesta campanha. Quando nos encontramos de madrugada, chegou com hora e meia de atraso - comenta Leon.
- Desculpe ter chegado adiantado - Leon justifica-se buscando uma resposta atravessada do controvertido político Jânio.
A conversa foi rápida: toma lá, dá cá.
LE: - O senhor tem senso de humor?
JQ: - Todos os homens supõem possuí-lo no mais alto grau e da melhor qualidade. Não faço exceção à regra. Devo reconhecer, entretanto, que um cigarro mofado me infelicita!
LE: - Se eleito Presidente da República, não acha mais conveniente trocar a "vassoura" por um "aspirador de pó"?
JQ: - Aspirador de pó falha, às vezes. Tem direito a curto-circuito. Carece de personalidade. É provido de um receptáculo de proporções diminutas. O aspirador de pó não passa de um demagogo da limpeza. Não cumpre o que promete e faz e promete demais. Prefiro mesmo a minha vassoura velha, mas provavelmente fiel.
LE: - Se o senhor ganhar as eleições, que bilhetinhos mandará aos candidatos derrotados?
JQ: - Vou ganhar as eleições. Não enviarei bilhetes a ninguém. O que espero é não enfrentar a continência de recebê-los, após o pleito.
LE: - Já pensou em distribuir os seus imitadores na televisão, para fazerem a sua campanha por todo o Brasil?
JQ: - Não. Temo que me aliciem, que me subtraiam o eleitorado, colocando-me, afinal, na situação inconfortável de precisar discutir com as minhas próprias caricaturas. Se não aprecio o espelho, pela imagem melancolicamente insatisfatória que me devolve, imagine as dificuldades com que vejo meus imitadores.
LE: - A "Voz do Brasil" devia ser patrocinada pela Petrobrás?
JQ: - A Petrobrás é uma coisa séria. A "Voz do Brasil" parece-me enfadonha. Às vezes, mostra-se útil, mas é raro. Como conceber que um programa docemente estático receba o patrocínio da empresa que desejamos sempre mais dinâmica?
LE: - Do jeito que as coisas vão, não acha que ganharemos com o suor do nosso rosto o pão nosso de cada dois dias?
JQ: - Infelizmente, não divido com seu otimismo. Do jeito que as coisas vão, acabaremos por não ganhar qualquer pão, preservado o nosso direito de suar à vontade.
LE: - Men insano in corpore SAM é o lema da juventude brasileira?
JQ: - Aqui, não participo do seu pessimismo, nem leio pela sua gramática latina. Acredito na juventude, particularmente na brasileira. Descresse dela, a minha atividade restaria sem sentido, objetivo, inane e estulta. Convido-o a não impor lemas ao futuro na expectativa de que ele se revele generoso, à hora de compor os nossos epitáfios.
LE: - Só ESSO dá ao seu carro o máximo?
JQ: - Não entendi pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio interpelante. Resta-me pois, neste instante de perplexidade, o recurso à passagem de volta: só ISSO dá ao seu cargo o máximo?
LE: - Qual a sua bebida predileta: cuba-libre?
JQ: - Não gosto de bebidas doces, são traiçoeiras.
LE: - Leva muito tempo para despentear o seu cabelo?
JQ: - Meu cabelo tem vida própria, economia própria, hábitos e caprichos que não discuto mais. Faz-me oposição intransigente, constante, comprometedora. Admite água e sabão. É, todavia, um rebelado contra o reacionarismo do pente, ao qual alude como a uma abominável força colonizadora.
LE: - Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares?
JQ: - Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutilam a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da idéia de movimento.
LE: - De Jânio e de louco todos nós temos um pouco?
JQ: - O prenome, tenho-o todo. De louco chamavam-me os que descriam dos programas que anunciei para a Prefeitura de São Paulo e para o Governo do Estado bandeirante. Cumpri os dois programas. Se duvidar, confira suas incertezas, colhendo o depoimento do povo. Um pouco? Por que um pouco?
LE: - Seu programa de governo será patrocinado?
JQ: - Sim, e pelo povo brasileiro.
LE: - Por falar em Cuba: cada povo tem o açúcar que merece?
JQ: - Não. Há os confinados ao açúcar amargo das rações insuficientes e há os que não dispõem de qualquer açúcar.
LE: - Opa, ia esquecendo: que acha da OPA?
JQ: - Vou realizá-la.
LE: - Acha que a revolução de Cuba foi uma barbada?
JQ: - Morreu tanta gente na revolução cubana, iluminada pela esperança de melhores dias para a Pátria a que todos tanto estremecem, que o movimento ainda hoje me emociona.
LE: - Dizem que o senhor é bom ator: será por isso que se interessa tanto pela classe teatral?
JQ: - Se exprimo, persuasivamente, em tons de sinceridade, as idéias nas quais acredito e que almejo transmitir aos outros, aceito e agradeço que me inclua entre os bons atores. Interessa-me a classe teatral, pelas mesmas razões que me vinculam aos artistas, aos intelectuais e até ao repórter. Deixo a seu cargo, e não deixo muito a pesquisa do motivo.
LE: - Se quem tem boca vai à Roma, quem tem bigode vai à Rússia?
JQ: - Nem a boca leva à Roma, nem o bigode conduz à Rússia, pelo menos, recorri a um "Mig".
LE: - O grupo do café anda querendo fazer média com o senhor?
JQ: - Grupo, comigo, jamais funcionou. Quando estudante, saturei-me de médias. Como indivíduo e como político, não sei prescindir de café.
LE: - Mais vale um helicóptero na terra do que dois voando?
JQ: - Sem dúvida.
LE: - O senhor tem esperança de chegar a JQ?
JQ: - Já cheguei.
LE: - Qual será o seu slogan: 50 anos em 5 ou 5 anos em 60?
LQ: - 5 anos em 5, mais o pagamento dos atrasados.
LE: - Se o que faltava ao Brasil era capital, depois de Brasília o que falta?
JQ: - Falta Brasília, para não falar do resto.
LE: - Há diferença entre nacionalismo, entreguismo e janismo?
JQ: - Há. Nacionalismo é profissão de fé. Entreguismo é traição à Pátria. Janismo é o fenômeno de transformação de um homem, obviamente inferior ao seu destino, no símbolo da renovação que o povo há de obter.
LE: - Os Presidentes da República gostam de se deixar fotografar ao lado de índios para provarem que o Brasil está de tanga?
JQ: - E a prova, acaso, alguém a reclama?
LE: - Não acharia mais justo trocar o "Ordem e Progresso" da bandeira por "O índio é nosso"?
JQ: - Não acho, não.
LE: - Acha que a indústria de automóvel é uma autopromoção?
JQ: - Acho que é promoção alheia.
LE: - Com quantas metas se faz um bom governo?
JQ: - Metas não fazem um bom governo. Um bom governo realizará as que se proponha, ou as que os antecessores lhe deixem como acervo, como espólio, talvez com fadário.
LE: - Para ser Presidente é preciso muita divisa?
JQ: - Sou a demonstração de que basta ser reservista de terceira categoria.
LE: - O oval da ESSO é oval ou é aval?
JQ: - Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.
Bolas, ele podia dormir sem ESSA. O tiro saiu pela culatra. Era o dia da caça.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Poucos contatos para se conhecer o “outro lado” de Jânio.
Ao longo da vida pública de Jânio, inúmeros jornalistas tentaram entrevistá-lo e descrevê-lo. Eis o político:
 
 
 
CHAPLIN & LINCOLN
 
 
Dizem que suas fontes de sabedoria jorravam em Cristo, Chaplin, Shakespeare e Lincoln. Quarteto heterogêneo, mas com predominante denominador incomum – conteúdo humano. Não se pode negar que soube escolher seus exemplos. Falavam também que pediu emprestado a Lenine algumas de suas táticas políticas (não ideológicas), mas não se até onde iam suas intimidades com o líder russo. Seu bigode, empréstimo solicitado a Nietzsche. Estranha salada da qual resultou uma das mais estranhas personalidades desta república.
Um líder.
 
 
ASCENÇÃO & CARREIRA
 
 
Vocês sabem quase tudo que sei sobre Jânio Quadros. Assim, vejamos como Jânio conseguiu subir nas árvores quase sempre flexíveis do poder. Árvores esguias às vezes, às vezes amplas de tronco, quebradiças, espinhosas de raízes ávidas ou de fartas raízes: vereador em novembro de 1947 com 1707 votos. Deputado estadual e 1950 com 17.840 votos. Governador do Estado de São Paulo em outubro de 1954 com 660.264 votos. Deputado Federal pelo Paraná em outubro de 1958 com 78.810 votos.
Como será sua conta de chegada em 3 de outubro?
Jânio obteve 5.636.523 votos em 1960 para Presidente da República.
 
 
LATIM & POESIA
 
Nasceu em janeiro, 25. Ano: 1917. Observem a coincidência: a 25 de janeiro comemora-se a fundação de São Paulo. Ouviu o galo cantar pela primeira vez em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Engatinhou em Curitiba. Em 1930, a família mudou-se para São Paulo. Depois: Lorena, Bauru, Garça, Cândido Mota. Novamente cidade de São Paulo. Jânio foi guri levado, cabeçudo, finca-pé. Não sei se os podres do Colégio Arquidiocesano chegaram a puxar-lhes as orelhas, mas os castigos se sucediam: decorar latim. Quousque tandem abutere. Virgílio. Horácio. Sabia poemas inteiros de cor. Talvez salteados. Daí as sementes de seus próprios versos. Fez poemas. Não sei se os recitava.
Mas falava como quem.
 
 
XADREZ & CARNAVAL
 
Em 1935, estava na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Fez política acadêmica. Foi primeiro-secretário “Alvarez de Azevedo” e do “XI de Agosto”. Havia três mulheres em sua vida: mãe, esposa e filha. Conheceu D. Eloá aos 21 anos. Ela, então brotinho de 15 anos, achou-o feio, mas alegaria mais tarde: quem vê cara não vê coração. Casaram-se em 1942. São felizes ao que sei, e se entendem bem. O Jânio de então decifrava palavras cruzadas, jogava xadrez, lia histórias policiais e freqüentava (sem dançar) bailes de carnaval. Num desses bailes, um frasco de lança-perfume explodiu perto dele. Vem daí o pequeno defeito que tinha numa das vistas.
Mas que não o impedia de enxergar longe.
 
 
NAVALHA & PENTE
 
Por motivos que ainda não descobri, era inimigo da navalha e do pente. Parece que a barba o protegia do frio, da garoa paulista, dos inimigos, de si mesmo. Dizem que barba é amiga de meditações profundas. Acaricia-la equivale a aprimorar idéias. Cofiar um bom cavanhaque, confessou-me certa vez um amigo do sul, o deixava afiado nos positivistas de sua cabeceira. O Jânio mudou ou foi mudado. Era barbudo, está escanhoado. Era pálido, está rosado. Era triste, está quase alegre. Era encurvado, está ereto. Era desconfiado, está mais ainda. Apresentava-se sempre bem barbeado, bem penteado, bem escovado, bem passado. Único senão à sua linha: usava suspensórios. Era quase elegante. Quase, eu disse. E as mulheres, principalmente suas eleitoras, já o consideravam quase bonito.
Quase, eu disse.
 
 
 
HONESTIDADE & TRABALHO
Observe-se que estou analisando seu lado humano, e não seu lado político. Brinca-se com um homem, mas não se brinca com suas idéias.
O cidadão Jânio Quadros, por ser incomum, admitia considerações incomuns. Com o político Jânio Quadros não me meto. Ou não me meto nesta seção. Ele afirmava que iria salvar o Brasil, que definiria nossas estações, porquanto vivemos em permanente inverno que considerava longo e tenebroso. Diz que quando ingressou na política foi com a intenção de demonstrar que o regime democrático exige apenas honestidade e trabalho. Sempre se preocupou com os problemas brasileiros, sempre amou a pátria embora não seja personagem de hino. Em 1939, seu colega Nelson Coutinho escreveu artigo que dizia assim: “Nele tudo é patriotismo, é nacionalismo exaltado, é vibração cívica...”.
Nunca dormiu em berço esplêndido.
 
 
CARISMA & DESTINO
 
Ficou em moda ligar o substantivo carisma à personalidade de Jânio Quadros. Quem não o entendia e o temia por não entende-lo, ia logo dizendo de boca meio adernada: “Sei lá,ele é meio carismático”. Nesse carismático vai um pouco de desconfiança, um pouco de intranqüilidade, um pouco de velada admiração. Jânio era um político que usava armas inusitadas. Sempre procurou fugir ao lugar-comum administrativo. Seus bilhetinhos ficaram famosos em São Paulo. Sua administração sacudiu o funcionalismo público. Muita gente teve medo dele e muita gente o admirava fundo. Também o chamavam de “messiânico”. Já foi imaginado de túnica branca e ampla, cabelo derramado pelos ombros, pregando às margens do rio Ipiranga.
Daria um bom apóstolo.
 
 
NERVOS & AUTORIDADE
Comia mal, bebia muito bem, dormia tarde, acordava cedo, era extremamente nervoso, mas não se considerava explosivo. Ou melhor: controlava as explosões, porque as temia. A explosão, dizia ele, exclui melhor decisão, melhor certeza, melhor juízo. Se era pai autoritário? Não se julgava. Se era marido exigente? Pensava que não. Diz que dava à filha e à esposa liberdade de gosto e preferência. Era condescendente com os namorados de tutu. Não a trancava em círculos de ferro. Procurava compreende-la e ser compreendido. Gostava muito de viajar. Teve a preocupação de correr mundo para aprender. Esperança de importar alguma coisa para nossa terra e nossa gente. Bisbilhotou o Japão, a Índia, a Rússia.
 
 
GURI & TOTÓ
 
Considerava-se homem de formação clássica. Foi professor de Português, Geografia e História. Tinha uma gramática expositiva concluída. Em economia dizia-se acadêmico. Gostava de ler biografias de homens fortes: Bolívar, Lincoln, Bismarck.
Detestava fazer compras ou ver vitrinas. Gostava de cães. Tinha alguns em casa: Guri e Totó, por exemplo. Nomes bem brasileiros. Ainda bem: “Sempre desconfiei de cachorro com nome sofisticado. Cachorro nacional tem que se chamar mesmo Joli, Sultão, Jagunço, Toco. Minha vizinha tem uma cadela chamada Blue Gardênia. Não confio nesse bicho. Conheço uma cadela chamada Sonata. Confio menos ainda”, parafraseou Jânio.
Os Quadros souberam batizar seus mastins. Bom sinal. Note-se: mesmo com bichos Jânio era intransigente – quis despedir os cães da Polícia Militar, quando governador de São Paulo, porque fracassaram na busca de criança perdida.
 
ÍNDIOS & VARGAS
 
Sentia-se atraído pelo oeste, pelos ocasos, pelas auroras, pelo céu, pelas nuvens livres do oeste. Entendia-se com índios. Era amigo de Cláudio e Orlando Villas Boas. Gostava de caçar em Mato Grosso. Atirava bem. A noite de 3 de abril de 1955 foi a mais dramática de sua vida. Seria ou não candidato à presidência da república? No último instante renunciou em favor de Juarez Távora. Licenciou-se do governo para fazer a campanha com o general. Perderam. Serviu o treino. Era amigo de Getúlio Vargas e isso lhe valeu expulsão do PDC (que depois reconsiderou a medida).
Dizia o Padre Arruda Câmara que ele não foi expulso, mas convidado a sair do partido.
 
CONFIANÇA & MEDO
 
Tinha a mais absoluta confiança no julgamento popular. Não acreditava que desta vez o povo se equivocasse. Seja qual for o resultado das urnas, porém, sentia-se inteiramente realizado como político. Aos 43 anos, fez o que muito político profissional não faria aos 80. lutou, foi atacado, atacou, voou (tinha medo de avião), usou caminhão, jipe, trem, vapor, talvez até bicicleta. Usaria patins se preciso fosse. Ou patinete, porque gostava muito de crianças. No fundo foi um lírico, na forma, um prático. Por quê? Porque tem sabido bitolar seus prováveis sonhos de grandeza numa realidade palpável. Quer dizer: quis ser vereador, foi; quis ser deputado, foi; quis ser governador, foi. Quer agora varrer a nação.
Varrerá? Sim. Foi Presidente da República e renunciou. Em 1985 seu último mandato foi como Prefeito da cidade de São Paulo.
 
PERSONAGEM & POLÍTICO
 
Assim é (mais ou menos), ou assim me parece ser o cidadão Jânio da Silva Quadros. O personagem é meu. O político pertenceu e pertencerá eternamente à história do Brasil.
Jânio da Silva Quadros
Nome do professor: Jânio Quadros, de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Data de nascimento: 25 de janeiro de 1917. Estava a pique de comemorar 43 anos. Fumava bastante. Gostava de conhaque. Acordava as 5 da manhã. Dormia três horas por noite. Lia sempre alguma coisa antes de dormir.
Quando estava no Governo de São Paulo, às 6 horas da manhã, já havia lido todos os jornais e se achava pendurado no telefone pedindo providências aos secretários para as reclamações que acabara de ler. Mandava investigar as denúncias. Inventava sistema de bilhetinhos e papeletas, em prosa ou em versos.
Gostava de qualquer comida, contanto que tinha bastante pimenta. De vez em quando pedia uma alpercata para folgar os pés. Encheu os Campos Elíseos de aves e bichos, inclusive o famoso cachorro de nome Totó.
Costumava datar, com dia e hora, todos os seus despachos, bilhetes, cartas e documentos. Quando estava trabalhando, detestava que o interrompessem com outros assuntos. Leu a Bíblia e Lincoln inteirinhos.
Uma das suas eleições mais difíceis foi a primeira, para Secretário do Centro Acadêmico XI de Agosto: fez uma campanha relâmpago com propaganda original. Derrotou o candidato adversário, que era cotadíssimo. Pôs uma fita no chapéu: "VOTE EM JÂNIO QUADROS". Sentou-se numa barrica em frente à Faculdade. Pediu voto por voto e venceu. Tomou gosto por essa história de ganhar eleições e não queria saber de outra coisa.
Quando vereador, chegava às 6 horas da manhã à Câmara Municipal, obrigando seu presidente a dar-lhe uma chave do prédio. Só voltava à noite para casa, pois as refeições eram feitas no próprio plenário, onde comia um sanduíche sempre presente nos bolsos do velho e roto casaco.
Só cumpriu um mandato inteiro: o de Governador. Os demais tiveram de ser deixados pela metade para cumprir outros maiores.
No trajeto entre Campo Grande e São Paulo, passou por Garças, Lorena, Bauru e Curitiba. Certa vez, um vereador adversário o agrediu no plenário, porque ele se opunha à aprovação de um projeto indecoroso. Como reação, passou os dedos pelo local de onde jorrava o sangue e tingiu de vermelho o aviso do projeto.
Duas grossas lágrimas rolaram-lhe dos olhos quando, um dia, recebeu de um jornalista a pergunta sobre se ele acreditava na profecia segundo a qual, à semelhança de Lincoln, chegaria ao poder no Brasil, mas seria nele assassinado.
Quando ouvia dizer que era doido, achava graça e lembrava-se sempre da frase de um amigo, calcada num célebre Julgamento de Jean Cocteau sobre Victor Hugo: "Jânio é um louco que se julga Jânio".
 
ACADÊMICO
 
Um fato transformou profundamente o pensamento de Jânio, levando-o a uma formação política alheia aos clássicos políticos surgidos no cenário eleitoral do país, que foi a leitura da vida de Abraham Lincoln, que apaixonou a mente de Jânio, que ele quase se identificou, quase se modelou à imagem e semelhança do grande presidente da nação norte-americana. A partir dessa leitura, Jânio ficou introspectivo, ensimesmado, embora não deixasse de ser afável. Um retrato de Lincoln foi colocado na parede da sala de sua casa. Ele decorou trechos inteiros dos discursos de Lincoln e os usou em campanhas eleitorais.
 
 
Filiação: Gabriel Quadros, médico, e D. Leonor da Silva Quadros.
Nascimento: 25 de janeiro de 1917.
Natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
 
A família transferiu-se para São Paulo em 23 de dezembro de 1930, pois o Dr. Gabriel instalava a clínica médica e a farmácia no Largo do Cambuci. Jânio foi matriculado, nesse ano, no Colégio Arquidiocesano. No terceiro ano escolar, a família transferiu-se para a cidade de Lorena, e Jânio foi matriculado no Colégio São Joaquim. A família morou em Bauru, Garça e Cândido Mota e voltou a São Paulo, de onde não saiu mais. Jânio concluiu, em 1933, no Colégio Arquidiocesano, o Curso de Humanidades (Ginasial).
Foi menino levadíssimo, e os padres o castigavam forçando-o a decorar trechos latinos.
Já rapaz, Jânio passou a ser calado, sempre lendo e ao lado da mãe.
Jânio foi criado como filho único (sua irmã, aos 15 anos, faleceu).
Em 1935, ele ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e, desde o início, militou na política acadêmica, apoiando uma das chapas para renovação da diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto.
Jânio saiu pela primeira vez nas colunas dos jornais em 19 de setembro de 1936, no Diário da Noite, ao qual concedeu entrevista.
Foi o primeiro secretário da Associação Acadêmica Álvares de Azevedo, e 1948.
Em 1939, ocupou esse cargo no Centro Acadêmico XI de Agosto e a cadeira Castro Alves na Academia de Letras da Faculdade de Direito, onde pronunciou brilhante discurso na posse.
Jânio bacharelou-se em Direito em 1939.
Tinha 21 anos quando conheceu, no Guarujá, Eloá do Valle Quadros e, em 1942, o casamento se realiza. O casal foi morar no Cambuci, na Rua Sinimbu, 198, em modesta casa.
Nessa época, Jânio lecionava Português e Geografia e iniciava banca de advogado.
O casal teve uma filha: Dirce Maria.
Antes de se envolver com a política, Jânio tinha distrações como: jogar xadrez, decifrar palavras cruzadas, ler histórias policiais, ir ao cinema e a bailes de carnaval.
Jânio Quadros, homem alto, magro, cabelos finos e compridos, bigodes caídos na boca, olhos grandes com estranho brilho, voz firme, convincente, pausada, sem gestos expressivos e extremamente nervoso. É simples até a extravagância. Dorme tarde. Gosta do campo, da caça, e detesta o mar.
D. Eloá descreveu Jânio com estas palavras: “Bom companheiro, feio, inteligente, bom pai, nervoso e desleixado”.
Jânio, ao ler a vida de Abraham Lincoln, transformou profundamente seu pensamento, o que o levou a uma formação política alheia aos clássicos políticos até então surgidos. A partir dessa leitura, ficou introspectivo, ensimesmado, embora afável.
Jânio Quadros não podia parar quieto, não podia deixar de ter atividades intensivas, causas que pudessem empolga-lo, pois a quietude o levava à melancolia.
Os alunos do professor secundário Jânio, no Colégio Dante Alighieri, entusiasmaram o mestre a aceitar a sua candidatura a vereador em 9 de novembro de 1947. Jânio dedica-se à campanha, tem o apoio de todos os ex-alunos e professores da faculdade.
Foi candidato pelo Partido Democrata Cristão e foi eleito vereador com 1.707 votos. Homem pobre, desconhecido, sem prestígio, chega ao plenário do legislativo da “cidade que mais cresce no mundo”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jânio VEREADOR
 
Posse: 1o. de janeiro de 1948, renunciando ao mandato em 12 de março de 1951 (assumindo a cadeira de deputado estadual).
 
Câmara Municipal
Em 1948, apresentou o maior número de requerimentos, discursos, indicações, projetos de lei, leis. Em 1949 dobrou o número de proposição. E, em 1950, apresentou ainda mais proposições nas sessões da Câmara Municipal, perfazendo a cifra de 2.007 proposições apresentadas no Palacete Prates, abordando uma variedade de temas e assuntos.
Jânio dedicou aproximadamente 18 horas diárias ao mandato popular, sem outras preocupações ou interesses, deixando de lecionar e fechando a sua banca de advogado. Ele se descuidou de si próprio, de sua vida privada, sacrificou mesmo o lar para dr integral desempenho à causa pública.
Jânio aparecia nas ruas, nos bairros, nas reuniões e até mesmo no plenário da Câmara Municipal de São Paulo numa figura quase espectral: cabelos compridos, despenteados, barba por fazer, roupa amarrotada, suja, gravata com laço feito há meses, enfim, um homem desleixado, “lutando até o limite extremo de suas forças pela causa comum”.
Jânio se tornou o mais fiel intérprete das classes mais humildes, daqueles pisados, com mágoas e sede de justiça.
Seu exercício de vereador não se restringia apenas ao interior da Câmara Municipal; saía para visitar, inspecionar inúmeros estabelecimentos ou setores que interessassem à vida da população. De fato, Jânio foi um dos mais característicos renovadores que já tivemos neste país. Tomou posição não poucas vezes em favor de causas aparentemente subversivas, mas, na realidade, profundamente democráticas.
A tecla em que Jânio batia, repetia, reiterava como uma obsessão, era aquela da recuperação moral e administrativa.
Finalmente, no dia 12 de março de 1951, apresentou à mesa requerimento renunciando ao mandato de vereador, por ter sido eleito deputado estadual com 17.840 votos em 3 de outubro de 1950.
 
 
DEPUTADO ESTADUAL
 
Jânio, em 13 de março de 1951, assumiu a cadeira de deputado estadual da Assembléia Legislativa do Estado, demonstrando desde o início que sua atuação seria a mesma desenvolvida na Câmara Municipal.
Jânio procedia da mesma maneira: recebia, abria, respondia e batia à máquina. Chegava às 7:30h e atendia 30 pessoas; às 12:30h almoçava; entre 13 e 14h examinava correspondência. Às 14:30h iniciava o expediente do legislativo estadual. Jânio falava todos os dias. Sua presença era como uma sombra pairando sobre os trabalhos da Casa do Povo. Qualquer abuso, tibieza, irregularidade, denúncia, covardia, e lá estava a sombra de Jânio em todos os cantos, nas comissões e no plenário. Os deputados o temiam mais que ao próprio diabo. Entre 15 e 16h, Jânio atendia mais 30 pessoas (intervalo das sessões da Assembléia). As noites eram reservadas para reuniões e conferências. Nas tardes de sábado, recebia os amigos em sua modesta casa. Aos domingos, costumava correr os bairros e ouvir os moradores e tomar-lhes as sugestões.
Em 18 meses de trabalho, são ao todo mais de 40 leis.
O seu partido, Partido Democrata Cristão, apresenta Jânio Quadros como candidato de confiança popular à Prefeitura de São Paulo e ele parte para a conquista do primeiro posto executivo de sua vida.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPANHA PARA PREFEITO
 
Por volta de 1928, a reforma constitucional levada a efeito cassou a autonomia da capital de São Paulo. Os prefeitos foram nomeados por governadores e interventores federais (após 1930).
Em 1945, com a volta do Brasil à normalidade democrática, o deputado Antônio Feliciano apresentou um projeto de lei que dava de novo autonomia às cidades de Santos e São Paulo.
O Partido Democrático Cristão lança seu candidato à Prefeitura paulistana, Jânio Quadros, que era o parlamentar mais combativo, mais agressivo e ativo do Palácio 9 de Julho.
Jânio não admitia colaboração com o governador do Estado, Lucas Garcez, que conseguira domínio completo do poder legislativo estadual através da Coligação Interpartidária, composta por 64 deputados. Por toda essa força, tudo indicava que Lucas Garcez chegaria à Presidência da República, seus candidatos venceriam e chegariam ao governo do Estado e à Prefeitura.
Entre vários indicados, a Coligação Interpartidária escolhe o professor Francisco Antônio Cardoso como candidato à Prefeitura de São Paulo e este instala seu comitê central à Rua 7 de Abril, contando com o apoio do mando oficial de São Paulo.
O candidato Jânio Quadros localizou o seu comitê central à Rua Augusta, 935, e era uma das figuras mais conhecidas pelo povo dos bairros humildes e afastados da cidade. Sua campanha se desenvolveu de rua em rua, de casa em casa. Por isso dizia: “Não ganho eleições em conchavos palacianos, ganho-as na rua!”, e bradava em praça pública: “Mais vale acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão!”
O povo acorria em massa aos comícios do candidato do PDC-PSB, com velas acesas nas mãos.
O candidato professor Cardoso dispunha de verbas enormes pra comprar espaços nos jornais, rádios, televisão e até cinema. O candidato Jânio apresentou a sua réplica: "O tostão contra o milhão!" Foi um dos slogans da sua memorável jornada para as eleições de 22 de março de 1953.
A máquina do Município estava arruinada, desmoralizada, corrompida, as finanças à beira da ruína e da falência. Cumpria uma nova política, recuperar moral e administrativamente o Município, os serviços públicos prestados pela Prefeitura. Para isso, seria necessária uma verdadeira limpeza, uma varredura em regra... a vassoura era necessária para varrer os ladrões, os negocistas, os relapsos, os ineptos, todos os que tiraram vantagens do poder, ao invés de servir ao povo.
Nas praças públicas, multidões se concentravam, todos vibravam com fala do novo líder. Era o despertar de forças surdas e inconscientes. Formava-se uma nova mentalidade social e política, e Jânio representava o protesto do povo, ele era o tostão humilde e explorado contra o milhão dos poderosos. Empunhava a vassoura que prometia, à luz das velas, como um bruxo, varrer os corruptos e ladrões, os políticos desonestos.
“Recuperação moral e administrativa!”, dizia Jânio nos comícios, com voz firme, enérgica, sincera.
Ele teve que superar várias resistências, pois os seus inimigos tentaram indispô-lo de toda forma possível contra o povo paulista. Alardeavam que ele era mato-grossense; quiseram impugnar sua candidatura no Tribunal Regional Eleitoral; acusaram-no de ter o apoio dos socialistas, o que era contrário à fé católica; falara que era um homem feio, magro, mal vestido, mal barbeado, demagogo etc.
No dia da eleição, Jânio declarou: “Como simples expressão dos homens e mulheres de bem, empenhado na recuperação moral e administrativa deste Município, aguardo o resultado com humildade, mas com confiança”.
A 22 de março de 1953, quando se desferiu a eleição, Jânio foi votar na Escola Brasílio Machado, à Rua Galvão Bueno, 707, às 16:20h. O povo, fotógrafos, jornalistas cercavam o edifício, aguardando a sua chegada.
Jânio chegou na companhia de Marrey Júnior e de sua esposa Eloá Quadros. Estava doente, afônico, abatido pela dura campanha, deixara o leito para vir botar. A multidão o recebe com entusiasmo, o que comove D. Eloá. Conduzido à 30a. Sessão Eleitoral, diante da cabina, Jânio pergunta: ”Vocês têm aí uma das minhas cédulas?”
As eleições foram a 22 de março de 1953 e, no dia 24, os jornais já publicavam a vitória de Jânio Quadros em manchetes espetaculares. O povo se manifestava em passeatas nos bairros e no centro da cidade.
 
O resultado proclamado pelo TRE:
Jânio QuadrosFrancisco A. CardosoAndré Nunes JúniorOrtiz Monteiro 284.922 votos115.055 votos18.663 votos3.756 votos
 
Estes resultados provaram a falência dos partidos políticos no Brasil, bem como a destruição da “máquina eleitoral” que todos os velhos políticos supunham invencível.
O povo encontrou em Jânio o seu líder, aquele que poderia superar um estado de coisas já falido e ultrapassado. Todas as condições sociais existentes colaboraram para a reação popular. Para o povo, Jânio era o mais fiel intérprete das suas aspirações.
Adhemar de Barros declarou à imprensa, ao saber do resultado: “O resultado das urnas é o desabafo do povo”.
Já o governador Garcez foi honrado e franco, dizendo: “Os votos foram contra o meu governo. Recebo-os com serenidade”.
O senador Assis Chateaubriand disse:
“- Estamos diante de um fenômeno dos mais impressionantes da vida política brasileira. Vimos um homem sozinho, capitaneando um partido minúsculo, derrotar o conjunto de oito partidos, que dispunham das simpatias de poderosos jornais, de uma imensa rede radiofônica e outros recursos de propaganda”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jânio, PREFEITO DE SÃO PAULO
 
A posse de Jânio na Prefeitura da Capital paulista se deu a 8 de abril de 1953 e inaugurou um novo estilo de governo. Trabalhava das 7 horas da manhã até às 10 horas da noite. Às quartas-feiras e aos domingos dava audiências ao povo nos diversos bairros, prestando contas da sua administração à população. Dava audiências particulares às pessoas que o procuravam.
Jânio procedeu a uma varredura na Prefeitura de São Paulo, chegando até a ser impiedoso, tal o rigor que empregava na sua administração, mas necessitava cumprir a promessa de campanha: ”recuperação moral da administração da cidade”.
Jânio, ao assumir, encontrou o setor econômico-financeiro em déficit tremendo, mas, através da mais rigorosa economia de gastos e corte de despesas dispensáveis ou adiáveis, já em dezembro de 1953, o orçamento d Prefeitura acusava saldo.
Jânio procurou melhorar os bairros da periferia, os bairros proletários, de gente humilde, os mais populosos. Ele angariou a simpatia e confiança das massas trabalhadoras esquecidas.
Um dos problemas mais graves da época era a situação da companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), e Jânio comprou 600 ônibus novos, recuperou a maior parte da frota paralisada, valorizou e aumentou o salário dos empregados da CMTC e, assim, consegui contornar e resolver os problemas.
Outra preocupação de Jânio foi o embelezamento dos parques, praças e jardins públicos, o que dava novo aspecto à fisionomia da metrópole bandeirante.
Jânio foi áspero com as empresas estrangeiras, como a Light e a Companhia Telefônica, que não cumpriam os contratos, aplicando multas, chamando-as ao cumprimento dos compromissos.
Recolheu carros oficiais desnecessários e os vendeu em concorrência pública.
Outra novidade é que Jânio cortou qualquer espécie de lançamento de pedra fundamental de obras, inaugurações, corte de fitas, o que era comum entre administradores passados, para efeito de propaganda das “realizações da administração”.
Jânio termina com os “atravessadores” no setor de abastecimento de gêneros e verduras, o que foi objeto de grande sensação e polêmica na opinião pública e nos jornais.
Algumas atitudes abalaram profundamente a opinião pública, como a punição que Jânio deu a Adhemar Ferreira da Silva (atleta, campeão olímpico de salto triplo), pois este se afastou do cargo que exercia na Prefeitura Municipal sem autorização. O Prefeito assim explica:
“- Infelizmente era um funcionários relapso. Compreendo que seja um grande atleta, que muito bem representou o Brasil nas provas olímpicas, mas a Prefeitura ainda não é clube de atletismo, de sorte que, para o bom cumprimento de meu programa, fui obrigado a afastá-lo”.
Um fato marcante na época foi quando Jânio mandou interditar a Casa de Apostas do Jockey Club de São Paulo, pois esta não oferecia a segurança necessária, em virtude da precariedade do prédio em relação ao número de pessoas que ali entravam.
Assim foi o prefeito Jânio Quadros.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jânio EXPULSO DO PDC
 
O PDC lança Jânio Quadros a concorrer às eleições de 3 de outubro de 1954 para governador de São Paulo.
Jânio ingressou no PDC em 1947 e levou esta legenda como vereador, deputado estadual e prefeito de são Paulo.
Após indicar o nome de Jânio a governador, dias depois, o PDC o expulsava do partido, alegando que Jânio coordenava sua própria candidatura, não dava ouvidos, não cumpria compromissos e alegava que o PDC lutava por idéias e não em torno de pessoas.
O partido lançou Jânio a candidato no dia 7 de janeiro de 1954, inesperadamente. Todavia, Jânio não concordou que o candidato a vice-governador da chapa saísse também dos quadros do partido. A situação agravou-se e, no dia 30 de janeiro, romperam-se os últimos liames: o PDC expulsou Jânio Quadros do partido com grande espalhafato dos jornais, provocando um escândalo político de grandes proporções.
O próprio Jânio ficou profundamente chocado com a atitude dos velhos companheiros de luta, e os jornalistas só conseguiram do prefeito a seguinte frase: “Não confirmo e não desminto nada. Sou um homem muito feliz”.
A partir daí, Jânio não foi mais visto. Sumiu da Prefeitura e de sua casa. Cria-se um suspense e logo vem a resposta: daria uma entrevista coletiva à imprensa no dia 4 de fevereiro de 1954, em sua residência à Rua rio Grande, 812, às 20 horas.
É lógico que os fatos por ele expostos foram contestados pelos seus ex-partidários e pelos Drs. Queiroz filho, André Franco Montoro, governador Garcez, deputado Juvenal Sayon.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPANHA PARA GOVERNADOR
 
Saindo do PDC, Jânio apoiou-se nas legendas do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e mais o Partido Trabalhista Nacional (PTN). Este passou a ser o bloco chamado “janista”.
Nas eleições de 3 de outubro de 1954, houve quatro candidatos ao governo do Estado: Jânio Quadros, pelo PSB e PTN; Prestes Maia apoiado pelo governador Garcez; Adhemar de Barros; Wladimir Piza.
Jânio Quadros mandou fazer 2 milhões de vassourinhas, o símbolo de sua campanha. Os cartazes de sua propaganda tinham uma grande vassoura fazendo correr os ratos (políticos) assustados. No interior aparecia a frase: “Jânio vem aí!”. A campanha se desenvolveu nos moldes da que o levou à Prefeitura de São Paulo.
Ninguém acreditava na vitória de Jânio, porque todos sabiam que no interior do Estado havia a influência de delegados, escrivãos, coronéis, que eram ligados ao governador Garcez, o qual apoiava Prestes Maia. Todos sabiam que só ganhava no interior quem tinha a máquina montada, a famosa máquina eleitoral.
Outra força na época estava com Adhemar de Barros, que já fora ex-interventor no Estado e ex-governador do Estado. Seu partido era organizado tanto no interior como na capital: Partido Social Progressista.
Jânio não tinha partido forte, não tinha amigos em todos os cantos do Estado. Como pretendia, então, ganhar as eleições?
Todos os prognósticos falharam e Jânio passou por todas as cidades do interior de São Paulo em comícios espetaculares. Ele repetia a frase maliciosa dos seus adversários nos comícios nas praças:
“– Dizem que quero ganhar essa eleição com a palavra, com a conversa. E como queriam que eu ganhasse as eleições? Com palmadinhas nas costas? Com churrascos? Com chopadas? Com dinheiro gasto em propaganda paga, cuja origem ninguém confessa?”
Jânio atacava o governador Garcez e, conseqüentemente, seu candidato Prestes Maia, dizendo que este pretendia ser o “continuador de obras inexistentes, com finanças públicas à beira do descalabro”.
Já sobre Adhemar de Barros, como respondeu a processo-crime de automóveis adquiridos ilicitamente, embora o Supremo Tribunal tivesse declarado ser ele inocente, Jânio dizia:
“– Aprendi, no berço, com minha mãe, que não há homem meio honesto e meio desonesto. Ou são inteiramente honestos ou não o são.”
Alguns setores começaram a espalhar mentiras a respeito dos bens de Jânio. Este deu à publicidade a sua “declaração de bens”.
No auge da campanha, aconteceram três episódios marcantes: atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, morte do major Rubens Vaz, renúncia à própria vida de Getúlio Vargas. Estes impactos foram de grandes proporções e atingiram os candidatos.
As eleições de 3 de outubro de 1954 revelaram os seguintes resultados:
Jânio QuadrosAdhemar de BarrosPrestes MaiaWladimir Piza 660.264 votos641.960 votos492.518 votos79.783 votos
 
Jânio derrotou Adhemar por 18.304 votos.
Jânio ficará no Palácio dos Campos Elíseos até 31 de janeiro de 1959.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MANDATO DE GOVERNADOR
 
No dia 31 de janeiro de 1955,às 8 horas da manhã, o prefeito Jânio Quadros entregou a sua renúncia à Prefeitura de São Paulo, a fim de ser empossado no cargo de governador do Estado.
Em sessão extraordinária, às 9:30h, Jânio dirigiu-se à Assembléia Legislativa do Estado, juntamente com o Sr. Porfírio da Paz, vice-governador, onde prestou o compromisso constitucional.
Dirigiram-se a seguir ao Palácio dos Campos Elíseos, para as cerimônias de praxe, onde o governador Lucas Nogueira Garcez transmitiu o cargo a Jânio da Silva Quadros.
Já no dia 7 de fevereiro de 1955, o governador Jânio concedia a primeira entrevista coletiva à imprensa, na qual esclarecia que as finanças públicas haviam sido encontradas à beira da ruína e ao secretário da Fazenda, professor Carlos Alberto de Carvalho Pinto, todos deveriam consultar antes de qualquer medida econômica-financeira.
Logo depois, 11 mil servidores extranumerários foram dispensados, num gesto firme de uma administração ímpar na história política. Foi uma medida de economia. Logo que as condições financeiras melhoraram, o governador readmitiu todos os dispensados que desejaram retornar.
O professor Carvalho Pinto foi um eminente técnico em finanças, e as características da sua política econômico-financeira eram: a) evitar o quanto possível a majoração de impostos; b) solução dos problemas administrativos dentro dos recursos orçamentários; c) compressão de despesas, demitindo funcionários supérfluos; d) recuperação da confiança da opinião pública através do pagamento pontual de todas as compras; e) fiscalização constante e implacável do pessoal e dos serviços executados.
As preocupações do governo paulista eram três: recuperação econômico-financeira, saneamento moral e obras realizadas em favor do povo.
Jânio Quadros, em seu mandato de governador, aplicou a lei S/C Ltda. qualquer espécie de contemplação, moralizou impiedosamente a administração pública, colocou-se ao lado dos funcionários honestos e trabalhadores.
Jânio, QUASE CANDIDATO À
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
(Juarez Távora)
 
No dia 3 de abril de 1955, sábado, cerca das 21 horas, grande massa popular se aglomerava defronte à sede do governo estadual. Jornalistas, fotógrafos, locutores aguardavam ansiosamente a decisão do governador Jânio Quadros: seria ou não candidato à Presidência. Este era o dia da decisão, pois o candidato deveria se desincompatibilizar do cargo para concorrer ao pleito em 3 de outubro de 1955.
Todos se agitavam. Alguns apostavam que ele seria candidato, outros não, pois estava há dois meses como governador e “cumpriria o mandato do primeiro ao último dia”.
Finalmente, após longa espera, Jânio recebe a imprensa para seu pronunciamento, no qual deixou claro que, apesar de todas as garantias, segurança e êxito que lhe trouxeram em relação à campanha para a Presidência, ficava como governador do Estado de São Paulo, porque necessita promover a recuperação administrativa, econômica, financeira e moral de nossa terra e manteria fidelidade aos anseios paulistas. Permaneceria no ponto que o povo lhe havia confiado.
Passou a apoiar Juarez Távora, que entrou na luta. Saiu derrotado da campanha, mas levou a melhor das impressões do governador Jânio Quadros.
 
 
CAMPANHA EM FAVOR DE JUAREZ
 
03/10/1955 – resultado do pleito para presidente:
 
Juscelino KubitschekJuarez TávoraAdhemar de Barros 3.060.899 2.601.1662.221.123
 
Jânio empenhou-se até o extremo limite de suas forças, na mesma luta do general Juarez Távora, por quem tinha grande admiração.
 
 
Jânio DEPUTADO FEDERAL
 
Deixou o governo paulista em 31 de janeiro para assumir a cadeira de deputado pelo Paraná, que conquistara em 3 de outubro do ano anterior, com o recorde estadual de 78.810 votos. Em abril, o Partido Trabalhista Nacional lançou-o candidato à sucessão de Juscelino Kubitschek. Apoiado pelo PDC, começou a campanha, mas renunciou em 25 de novembro, numa manobra que levou Carlos Lacerda a promover uma bem-sucedida campanha para que reassumisse a candidatura. Conquistou também o apoio da UDN e do PL.
Jânio jamais foi ao Congresso Nacional. Aproveitou para viajar pelo mundo com a mulher Eloá e a filha Dirce Tutu Quadros.
Jânio disputou nove eleições:
1947 – eleito vereador suplente em São Paulo (PDC);
1950 – deputado estadual de são Paulo (PDC-PSB);
1953 – eleito prefeito de São Paulo (PDC);
1954 – eleito governador de São Paulo (PSB-PTN);
1958 – eleito deputado federal (PTB);
1960 – eleito presidente da República (UDN-PDC-PTN-PSB);
1962 – ficou em segundo lugar na eleição para governador de São Paulo (PTN-MTR);
1982 – foi candidato ao governo do Estado de são Paulo pelo PTB – terminou a disputa em terceiro lugar; e
1985 – eleito prefeito de São Paulo (PTB).
 
Em setembro de 59, Jânio voltou de viagem à Europa e começou sua campanha para a Presidência da República. Com os principais partidos políticos (UDN e PSD) enfraquecidos, a candidatura de Jânio – que sempre se manteve à margem dos partidos – começou a ganhar espaço.
As promessas de austeridade econômica e política externa independente eram as linhas de sua plataforma política.
O apoio de Carlos Lacerda foi decisivo para que Jânio conquistasse a UDN, formando uma ampla coligação, que incluía PDC, PTN, PL e PR. Seus adversários eram o marechal Henrique Lott (psd-ptb) E Adhemar de Barros (PSP).
Com um programa que se distanciava da UDN (ele defendia o controle das remessas de lucro ao exterior), obteve apoio do PTB.
Em outubro de 60, aos 43 anos, Jânio foi eleito com 5.636.623 votos (48,2%), contra 3.846.825 de Lott.
Nos sete meses em que ocupou a presidência, Jânio tomou medidas para promover o “saneamento moral da nação”. Introduziu a censura “moralizadora” da TV e proibiu as brigas de galo, a propaganda comercial em cinemas, os desfiles de misses com maiôs cavados, o uso de lança-perfume no carnaval e as corridas de cavalos em dias úteis.
Sua cruzada começou no dia da posse, em 31 de janeiro de 61, com a criação de cinco comissões de sindicância para apurar irregularidades no governo de Juscelino Kubitschek. Até 31 de março, Jânio criaria mais 28 comissões de sindicância e inquérito, todas presididas por militares.
A intensa utilização de oficiais das Forças Armadas em sua administração e o temor do envolvimento de nomes do governo anterior em processos acirrou a hostilidade dos congressistas.
Jânio não fez questão de aprofundar relações com o Congresso. Ele recebia deputados federais duas vezes por mês e senadores uma, em audiências coletivas.
No plano externo, Jânio anunciou em 6 de fevereiro que adotaria uma política de neutralidade. Negou-se a apoiar a invasão de Cuba pelos Estados Unidos no dia 16 de abril. Também enviou missões comerciais aos países então comunistas (URSS, Bulgária, Hungria). Pretendendo ampliar a presença brasileira na África, o governo abriu embaixadas no Senegal, Gana, Nigéria e Zaire.
Em 19 de agosto, condecorou Ernesto Che Guevara, então ministro da Economia de cuba, com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, provocando protestos dos militares e da UDN.
A política econômica de Jânio teve como principal objetivo o combate à inflação, que havia atingido 30,6% ao ano em 1960, a redução da dívida externa e a diminuição do déficit orçamentário. Apesar de a economia em 61 ainda experimentar uma taxa de crescimento em torno de 7% ao ano, o déficit orçamentário atingia nesse ano a marca de Cr$ 113 bilhões (valores da época).
O ministro da Fazenda, Clemente Mariani, adotou uma política recessiva. No dia 1 de março, anunciou uma reforma cambial. O cruzeiro foi desvalorizado em 100% em relação ao dólar.
Foram eliminados os subsídios para importação do trigo (o que provocou um aumento no preço do pão), petróleo (aumento da gasolina) e dos bens de produção sem similar nacional.
Jânio enviou ao Congresso dois projetos polêmicos – a lei antitruste, que visava “embaraçar a criação ou funcionamento de monopólios”, e a lei de remessa de lucros, que só foi aprovada no governo de João Goulart.
Seu relacionamento com o Congresso foi se deteriorando. Ele estava praticamente isolado no Palácio do Planalto, quando renunciou na manhã de 25 de agosto. Sua saída foi precipitada por um discurso do então governador do antigo Estado da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN).
Na noite anterior, Lacerda usou uma cadeia estadual de rádio e TV para acusar Jânio de tramar um golpe contra o Congresso. Ele soube do discurso na manhã do di seguinte. Reuniu auxiliares e disse que iria renunciar.
Jânio sempre conseguiu criar fatos políticos. Usava a vassoura como símbolo da promessa de “varrer” a corrupção. Como ninguém, ele falava com a mídia e com o eleitorado por meio de imagens. Ao pendurar um par de chuteiras na porta de seu gabinete na Prefeitura em 86 – indicando disposição de se aposentar – conseguia o efeito desejado: políticos e jornalistas passavam a especular sobre o gesto. Jânio não saída do noticiário. Ele cultivava também uma imagem austera. Sua mulher, Eloá, sempre viveu na sombra de sua carreira política. Estava próxima quando o marido precisava. Segurava o microfone nos comícios, cuidava de sua roupa e da alimentação. Jânio morreu apenas dezesseis meses depois da mulher.
A marca de Jânio sempre foi a surpresa. Apesar de conservador, encontrou-se com o ex-guerrilheiro Che Guevara. Inspirado no ídolo Abraham Lincoln deixou a barba crescer imitando o seu estilo. Colocou uma estatueta do ex-presidente dos EUA em sua mesa. Ao assumir a Prefeitura, desinfetou a cadeira usada pelo seu adversário Fernando Henrique Cardoso. O candidato do PMDB havia se deixado fotografar na cadeira dias antes da eleição. Suas expressões animavam os fotógrafos. Irritado ou de bom humor, sempre oferecia um bom ângulo.
A renúncia à Presidência da República em razão de pressões de “forças terríveis” foi um mito mal digerido pelos próprios janistas.
Os mais fiéis seguidores de Jânio acreditariam no máximo que na manhã de 25 de agosto de 61 o presidente acordou deprimido, tomou umas e outras e redigiu a carta que chutaria para os ares o mandato legitimado pelas eleições de 3 de outubro de 60.
A história foi, no entanto, mais trivial. Centralizador e autoritário, Jânio enxergava o Congresso como um obstáculo para o exercício de seu estilo de comando. Um golpe de Estado permitiria o fechamento da Câmara e do Senado e ele exerceria o poder de forma discricionária.
O raciocínio de Jânio e de seu grupo mais próximo de assessores – como o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, e o chefe da Casa Civil, Quintanilha Ribeiro – era de que as Forças Armadas se veriam encurraladas caso ele abandonasse o Executivo.
Elas se recusariam a empossar o primeiro homem na linha sucessória, o vice-presidente João Goulart (Jango), originário do getulismo e adepto de um trabalhismo que tinha o apoio do leque de organizações da esquerda.
Prova cabal de que a renúncia não foi um gesto individual de um presidente destemperado: a carta em que a decisão seria tornada pública estava desde 20 de agosto em poder de Horta.
Ele a mostrou a um grupo de conspiradores que se reuniu na casa de um industrial em Bertioga (SP). Entre os participantes do encontro estava o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (PSD-SP), e o ministro da Guerra, Odílio Denys.
O golpe começou a falhar pela não adesão do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Grum Moss. Ele e o então governador de São Paulo, Carlos Alberto Carvalho Pinto, eleito pelo janismo e escudeiro do presidente, abortaram do roteiro a cena que teria uma importância fundamental.
Jânio planejava, já com a renúncia divulgada em Brasília, aterrissar no Aeroporto de Congonhas, onde o Viscount presidencial seria cercado pelas “massas” – o que seria o pretexto para voltar ao poder “nos braços do povo”.
Moss e Carvalho Pinto forçaram a aeronave a descer em Cumbica, base aérea na época isolada na zona rural.
O senador Moura Andrade também roeu a corda. Convocou imediatamente o Congresso, fez a leitura da carta de renúncia e declarou vaga a presidência.
Desencadeou assim o processo de negociações que levaria os militares a aceitarem Jango no Planalto, em troca da limitação de seus poderes pela aprovação da emenda parlamentarista.
 
 
OS PASSOS DA RENÚNCIA
 
3 de outubro de 1960
Jânio é eleito presidente
31 de janeiro de 1961
Toma posse
15 de março
Envia ao Congresso projeto de nova lei antitruste
7 de julho
Manda ao Congresso projeto de lei sobre remessa de lucros ao exterior
19 de agosto
Condecora Ernesto Che Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul
24 de agosto
Carlos Lacerda, governador da Guanabara, faz violento ataque ao governo federal em discurso na TV
25 de agosto
Jânio renuncia
 
 
Jânio DERROTADO
 
Com a renúncia de Jânio deixando o país perplexo, Jânio retorna ao Brasil em 1962 e declara ser candidato ao governo do Estado de São Paulo para derrotar Adhemar de Barros.
Carvalho Pinto apoiava José Bonifácio que fatalmente seria eleito se Jânio não fosse candidato.
A bem da verdade, Jânio quis demonstrar e dar o troco ao governador Carvalho Pinto.
Com a divisão dos votos, Jânio embora sabendo que iria perder as eleições, porém, sai vitorioso pela derrota de Carvalho Pinto deixando seu adversário Adhemar de Barros ser o governador do Estado.
 
 
CASSAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS
 
Com o regime militar instalado, o alvo da repressão eram os políticos.
Pelo primeiro Ato Institucional, baixado em 10 de abril de 1964 pelo governo militar, tinha prazo até 15 de junho para cassar mandatos e direitos políticos.
O presidente Jânio Quadros encabeçou a relação publicada em 8 de junho. Em 15 de junho de 1964, já haviam sido cassados os mandatos e direitos políticos de 337 pessoas, entre as quais os ex-presidentes João Goulart (exilado em Montevidéu), Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek de Oliveira, 6 ex-governadores e 55 deputados federais e senadores.
O congresso nacional seria fechado em 15 de outubro de 66.
 
 
30/4/84 - CONFINAMENTO
 
“- Quem não muda, não acompanha o tempo, não vive. Estou mudado, estou mais seguro, tranqüilo e sábio. Sábio principalmente porque sofri muito e ninguém aprende a sofrer. Por outro lado, não voltei às atividades políticas, sempre as exerci, mesmo após a renúncia. Não se esqueçam de que tive meus direitos políticos suspensos pela chamada Revolução de 64. sou um dos brasileiros que a Revolução confinou: fui punido com quatro meses de confinamento em Corumbá. Entretanto, a Revolução se perdera ao longo de seu processo histórico e eu fui um dos primeiros a perguntar por que ocorrera então. Quando fui punido, estava consciente que a punição era uma espécie de distinção, de medalha, que eu mais adiante iria colocar no peito quando isso fosse possível e quando pudesse sustentar minhas idéias com autoridade e responsabilidade.”
 
 
DERROTA PARA FRANCO MONTORO
 
Em 1982, Jânio é candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo PTB.
Nas danças e contra-danças, Jânio mais uma vez é derrotado por seu ex-amigo André Franco Montoro. Diante da indecisão e o voto vinculado, Jânio faz diversas articulações dizendo ser e não ser candidato ao governo do Estado.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jânio PRIORIZOU OBRAS VIÁRIAS NA PREFEITURA
GRANDES PROJETOS CARACTERIZARAM SEGUNDO MANDATO
 
Com 1.572.260 votos (38% do total), Jânio da Silva Quadros, candidato do PTB, foi eleito prefeito de São Paulo em novembro de 85, vencendo os candidatos do PMDB, Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Matarazzo Suplicy do PT.
Pela segunda vez ocuparia a Prefeitura de São Paulo. Em sua primeira eleição, em 1953, obteve 272.649 votos pela coligação PDC-PSB. Questionado pelos jornalistas após sua segunda vitória sobre seu programa de governo, Jânio disse laconicamente: “- O programa sou eu”.
Sem um programa de governo definido, escolheu atitudes e frases de efeito para ocupar o noticiário. No dia de sua posse, em 1o. de janeiro de 1986, munido de uma lata de inseticida, “desinfetou” a cadeira de seu gabinete, onde Fernando Henrique Cardoso sentara antes da eleição.
Jânio desenvolveu uma estratégia de marketing que o manteve nas manchetes dos jornais. Ao assumir a Prefeitura, voltou de uma viagem à Inglaterra com a barba crescida, semelhante à usada pelo presidente norte-americano Abraham Lincoln, a quem sempre admirou. Esteve no exterior durante 170 dias (20%) de seu mandato.
Proibiu bicicletas, skates, sungas e biquínis no Parque Ibirapuera. Voltou a redigir “bilhetinhos” para transmitir ordens a subordinados.
Mandou pintar os ônibus municipais de vermelho e construiu, como em Londres, ônibus de dois andares, logo batizados pelos paulistanos de Dose Dupla. Multou pessoas e pendurou chuteiras na porta de seu gabinete – símbolo de que não iria mais disputar eleições. Projetos de porte, como o Plano de Urbanização do Tietê, do arquiteto Oscar Niemeyer, não saíram do papel.
Como prefeito, Jânio interferiu na paisagem urbana de São Paulo ao mandar derrubar os casarões da Rua da Assembléia, na Bela Vista (região central de São Paulo). Ao descobrir atrás deles um muro de arrimo em forma de arcos, cantou vitória. Mandou ilumina-los e os transformou em atração turística.
Sua grande proposta administrativa aconteceu em 87, quando quis implantar um ambicioso programa viário, orçado inicialmente em US$ 350 milhões (que incluía a reurbanização do Anhangabaú e túneis sob o Rio Pinheiros e o Parque Ibirapuera). As obras ajudaram a endividar a Prefeitura.
 
 
 
 
 
A multidão entrava em êxtase
 
 
A multidão permanecia gritando "Jânio! Jânio! " Procurando fazer-se ouvir acima da algazarra, e percebendo que o candidato chegava, o locutor seguia sempre o mesmo ritual:
"Atenção, Piripiri! Atenção, Piauí! Atenção, Nordeste! Atenção, Brasil! Vai falar aquele que foi vereador, Deputado estadual, prefeito de São Paulo, Governador de São Paulo, Deputado federal e agora, aos 44 anos de idade, é o futuro Presidente do Brasil!"
Essa frase jamais conseguiu ser dita de enfiada, porque, à menção de cada degrau da carreira política do candidato, era o delírio. Senhores da classe média, terno, gravata e chapéu, misturavam-se a operários, peões de obra, lavradores, estudantes e madames cheias de jóias. Padres e freirinhas apontavam o eleito de Deus, a dezenas de fiéis que haviam trazido incorporados. Funcionários públicos, pequenos e grandes empresários, crianças – todos e quantos mais lá estivessem faziam então silêncio absoluto ao sinal ríspido de Jânio, com as mãos, anunciando que ia falar. Ouvia-se, então, as moscas voarem. A massa já estava sob seu poder.
Raras vezes o País viu orador tão brilhante. O discurso era o mesmo, com pequenas adaptações para o momento e a região. Moralidade, ordem, autoridade, lei e sacrifícios. Recuperação nacional. Ladrões na cadeia, em especial os grandes. Atravessadores e especuladores no pelourinho. Vassouradas inesquecíveis a torto e a direito. Nada havia de ridículo no gesto que sempre repetia, de levantar a vassoura acima dos ombros. Era o êxtase.
Falava da inflação, da necessidade de "por a casa em ordem". Prometia reformas estruturais na economia e direitos sociais mais amplos para o trabalhador. Finanças em equilíbrio, arrancando aplausos demorados dos conservadores participação dos empregados nos lucros das empresas, levando os esquerdistas às nuvens. Nova política externa, onde o Brasil não seria mais escravo dos Estados Unidos, mas, nem por isso, se tornaria escravo da União Soviética. Elogiava Fidel Castro e prometia silos e escoamento da produção para o fazendeiro. Reforma agrária para o camponês.
Havia, em suas palavras, um prato para cada gosto. Uma ilusão para cada sonhador. Todos terminavam por identificar, nele, o seu modelo de Presidente, ainda que, descuidadamente, não atentassem para os outros modelos, que serviam aos outros grupos.
Era respeitoso. Jamais agrediu adversários, mesmo quando agredido. Em Itapipoca, no Ceará, foi precedido no microfone por um Deputado federal, que discursava chamando Juscelino Kubitschek, então Presidente, dos piores nomes. Jânio não gostou e começou a desviar a atenção da massa. Um menino vendia balas, ao lado do palanque. Mandou chamá-lo enquanto o orador, meio desconcertado, prosseguia em suas perorações. Escolheu demoradamente uns caramelos e, quando o Deputado, numa insistência desmedida, estendeu as mãos para falar que o governo tinha as dele sujas de sangue, não teve dúvidas: tacou-lhe dois caramelos por entre os dedos, o que fez todo mundo rir e acabar o discurso.
D. Eloá a tudo assistia, meio aturdida e espremida nos pequenos palanques. Ficava bem atrás do marido. Quando ele se voltava para ela, esticando o braço, trazendo-a para perto do microfone e abraçando-a, os jornalistas já sabiam: era hora de deixar o local a qualquer custo e risco, encontrar um táxi ou um motorista entusiasmado em transportar para o aeroporto aquela gente que ficava tão próxima do candidato. Porque eram as palavras finais, que duravam pouco. Depois delas, Jânio seguia direto para o DC-3. Quem já estivesse a bordo continuava a viagem, quem não estivesse ficava, porque ele não esperava ninguém. Certa feita, José Aparecido de Oliveira, secretário particular, foi deixado em Cascavel, no Paraná, só conseguindo alcançar a comitiva dois dias depois, no interior do Rio Grande do Sul.
"Minha esposa me pediu que dirigisse as última palavras à mulher brasileira, a verdadeira dona da vassoura, aquela que jamais se dobrou às agruras da vida e trabalha, duro, todos os dias, construindo a grandeza do país..."
 
Era a senha, que os jornalistas ouviam já ao longe, rezando para que o motorista fosse bom e não se deixasse ultrapassar pelo carro de Jânio, logo a seguir desembalado. Só no último comício de cada dia, noite alta, não precisavam correr para o aeroporto. Nem por isso conseguiam ficar na praça ou chegar a algum bar ou restaurante.
Era hora de outra correria, então para o posto telefônico, onde companheiros da mesma jornada de trabalho se tornavam inimigos, cada um querendo precedência para falar com as sedes de seus jornais, para a transmissão dos acontecimentos do dia. Não chegara o tempo dos satélites, do telex, dos computadores e de toda a parafernália eletrônica que hoje torna amenas as atividades de comunicação. Nem microondas havia. As ligações demoravam 5, 6 ou mais horas, conectadas do fim do mundo para o Rio ou São Paulo. Não havia furos, cada jornalista ficava sabendo da matéria do outro, mesmo se estivesse na calçada do posto telefônico.
Perigos? De vez em quando. Voando de Cuiabá para Rondonópolis, o DC-3 ficou perdido. Voava há duas horas, todos apreensivos, o combustível ia acabar. Fernando Correia da Costa, candidato a Governador do Mato Grosso, vai para a cabine ajudar os pilotos, enquanto Jânio, branco feito uma cera, tenta levantar o ânimo dos jornalistas e comenta: "Estamos perdidinhos, meus amigos, perdidinhos". Correia da Costa manda seguir um rio, lá em baixo, guia-se por uma cadeia de montanhas ao longe e, no fim, surge a cidade. Quando o avião desce, uma surpresa: não havia um só correligionário esperando. Vem o vigia do aeroporto e explica, tomando um susto ao ver Jânio: "Aqui não é Rondonópolis. É a cidade de Mineiros, em Goiás..."
Sobrevoando Salvador, num Convair da Real Aerovias, o trem de aterrissagem baixava mas não fixava. Todos a bordo ouviam o bater surdo das rodas voltando ao compartimento de onde deveriam sair, enquanto o piloto gastava combustível para descer de barriga. Lá embaixo, na pista, ambulâncias e carros de bombeiros. O avião desceu, em manobra arriscada, onde o trem de aterrissagem foi fixado pelo atrito com o chão. Jânio, outra vez, quis levantar o moral: "Meus amigos, não foi nada".
Atrás dele, pela primeira vez, outra voz tornou-se mais aguda e irritada, tendo o todo-poderoso candidato que se curvar a ela, entre sorrisos amarelos. Era D. Eloá botando para fora tudo o que trazia na garganta, por conta do sofrimento de tantos meses. Como todos os maridos, mais cedo ou mais tarde, Jânio recebeu sua quota de desaforos e agüentou calado.
Outra passagem engraçada foi com o candidato à vice-presidência, Milton Campos que ouviu da aeromoça a pergunta se estava com falta de ar e respondeu: "Falta de ar, propriamente não, minha filha. Estou mesmo com falta de terra..."
Alagoas, conturbada com Arnon de Mello (pai de Fernando Collor), Governador jurado de morte por adversários políticos de Palmeira dos Índios, onde Jânio chegou para um comício. O prefeito local, Robson Mendes, prometera: "Nem Jânio, nem Arnon falam da minha cidade. Dissolvo o comício à bala". Na hora, meio dia, um sol de matar, tropas do 20º Batalhão de Caçadores cercam a praça principal e o palanque. O candidato fala, o prefeito some.
O mês de setembro de 1960 foi uma loucura. Dormia-se no avião, que viajava à noite, para ganhar tempo. Uma viagem entre Recife e o Rio levava seis ou sete horas. Para diminuir a irritação de que toda a comitiva ia sendo tomada, desse ritmo intenso, Jânio levantava um pouco a disciplina a bordo. Mandava servir bissextas doses de uísques aos jornalistas e até se divertia com as "eleições" que faziam em trajetos longos. Ganhou quando eles votaram para Presidente. Só não gostou quando os repórteres elegeram o mais grosso da comitiva: ele mesmo.
Nos últimos dias de campanha, ninguém tinha mais dúvidas de que estava eleito. Não se apresentava mais como candidato, mas dizia em praça pública: "Quem lhes fala já é o futuro Presidente da República".
Era mesmo. Ou foi, até que renunciou, sete meses depois da posse...
 
Jânio foi o mais inusitado e significativo fenômeno da política brasileira do pós-guerra, em sua ânsia de substituir, com novas roupagens, a presença carismática de Vargas junto ao povo, e na política brasileira.
Filho da redemocratização, ele sintetizou como ninguém a democracia de massas da República de 1946 – com suas fragilidades, seus desenganos. De fato, sua trajetória meteórica o fez único, entre os grandes, a exercer todos os Argos públicos pela via eletiva, literalmente “nos braços do povo”.
Começando como vereador em 1948, foi logo a seguir deputado estadual, e primeiro prefeito eleito em São Paulo desde 1930, para chegar a governador e, final, presidente da República no curto espaço de doze anos. Em 1960, quando se elegeu, tinha apenas 43 anos de idade.
Nesta súbita ascensão sobrou-lhe talento de comunicador e de marketing político. Faltou, porém, a sabedoria da experiência que foi o grande trunfo de Vargas. Sua renúncia, em realidade, foi uma pálida réplica do suicídio – ambos indicadores de que o talento não substitui as instituições – e que o carisma – como tão bem advertiu Maquiavel – não garante a fidelidade dos súditos.
Esta figura tão meteórica sobreviveu milagrosamente a duros revezes e ao longo ostracismo: depois da renúncia em 1961 foi derrotado por Adhemar de Barros em 1962 e por Franco Montoro e 1982, acumulando duas derrotas sucessivas para o governo de São Paulo, no espaço de 20 anos.
Mas mesmo assim, manteve-se sempre à sombra de uma possível presidência, que justificou inclusive sua cassação pelos militares em 1964. nos anos de isolamento, enfrentou a adversidade com contenção e recato surpreendentes – até conseguir, afinal, reeleger-se prefeito de São Paulo em 1985.
A rapidez da ascensão teve como contra partida a obstinação no desterro. Por estas e outras razões o fenômeno Jânio Quadros – que tantas vezes se confundiu com o histriônico e o patético – precisava ser levado muito a sério. Pelo que releva de nossas estruturas mentais e políticas, de nossas fantasias e destemperos. E como parte integrante de uma cultura que não encontrou ainda a maneira estável e consistente de ser moderna.
Jânio fracassou em sua estratégia de construir um novo populismo pós-Getúlio, que seria a síntese do moralismo conservador da UDN com as reformas de base do PTB.
Combateu a corrupção, o sindicalismo oficial, o corporativismo estatal com o marketing teatral do estado – espetáculo. Vassouras, bilhetinhos, brigas de galo, sinalizavam, no entanto, um desejo de renovação geracional que também nos atinge hoje, marcando exageradamente a fronteira entre os de ontem e os de hoje.
Mudanças nos costumes políticos não o impediram, porém, de perseguir o tônus da linha getuliana, em torno da grandeza nacional e da presença do líder. Esta era a razão do fascínio por Nasser, Guevara e Fidel Castro, postulando para seus países, e para si mesmo, um honroso lugar no mundo.
É de notar que, trinta anos depois, tantos indícios do mesmo fenômeno estejam ainda entre nós, confundindo-se com o nosso presidencialismo que parece ter mais os vícios do que as virtudes de sua matriz inspiradora norte-americana.
Em primeiro lugar, a ojeriza aos partidos e aos políticos, justificada em parte, por sua estrutural inconsistência. Jânio perambulava por eles com desenvoltura, fazendo alianças as mais imprevisíveis, que cobriram da UDN ao PTM – tanto os programas quanto as siglas.
No mesmo governo, o controle da remessa de lucros combinava-se com uma ortodoxa e liberal política monetária e tributária. Defendeu também, como poucos, a reforma agrária, tentando estender, com o auxílio da Igreja, o populismo de Getúlio ao campo. Embaralhava, “avant la lettre”, a perplexidade da esquerda com a indignação da direita que, afinal, o derrubou.
Outra prática decorrente originária do castilhismo gaúcho, e que nos chega até hoje, foi a hostilidade ao Congresso, atualizando assim uma vocação bonapartista de executivo reformista e imperial em permanente confronto com o conservadorismo das representações regionais: o Congresso conservador tem sido o calcanhar de Aquiles do presidencialismo populista brasileiro.
São as “forças terríveis porque ocultas elas nunca o foram”, como diria mais tarde o próprio Jânio, que tentou, em vão, uma aliança com os governadores para neutralizar a Câmara e o Senado. Foi, afinal, o Congresso que o derrotou, primeiro satisfações e humildade, depois aceitando, sem hesitações, a renúncia.
Gostamos, aparentemente, do presidencialismo autoritário, mas não a ponto de querer dormir todas as noites com ele. À democracia entre nós tem sido, por isso mesmo, um ringue de intermináveis lutas entre poderes, frágeis, que se digladiam. Que os destemperos e extravagâncias do velho Jânio não nos impeçam hoje de reconhecer sua extraordinária de perceber e criar fatos políticos.
 
 
Por formação e por tendência, Jânio, ao longo da sua vida política, jamais escondeu ou disfarçou o pensamento que tange às coisas do interesse público.
Jânio dizia:
"Tenho desgostado a alguns e contrariado a não poucos. Faço-o insatisfeito por vezes, das insatisfações que provoco, mas recolhendo, no extremado culto da verdade, a certeza de não enganar os que me interpelam, a segurança de não ludibriar o Povo.
Semelhante norma de conduta submete-me, amiúde, a querelas
doutrinárias, facilmente arredáveis ou postergáveis.
Ao falso, prefiro o genuíno, ainda que áspero. Ao polido, o exato. Ao fosco, a crua luz do sul".
 
No ano derradeiro em que Jânio foi Presidente, ele foi inquirido por centenas de jornalistas nacionais e estrangeiros, através do rádio, do cinema, da televisão e da imprensa. Respondeu a resmas de questionários, os quais se estendiam, de intrincadas questões filosóficas, econômicas e financeiras, até seus hábitos pessoais.
Proferiu centenas de discursos em universidades, sindicatos, associações de classe, ruas e praças. Foi uma terrível maratona física e intelectual.
Os temas agradavam Jânio e foram estes:
 
 
 
Política Interna
 
"Não foi inadvertidamente que disputei uma cadeira de Deputado federal, pelo meu Paraná, sob a legenda do Partido Trabalhista Brasileiro.
Fi-lo, ciente da implicação ideológica, inclusa no gesto. Estou convencido de que a era do liberalismo econômico jaz sepulta nas cinzas da Primeira Guerra Mundial deste século. O aprimoramento técnico da indústria, a mecanização da agricultura, o processo de acúmulo e de concentração de capitais, criaram para as nações a necessidade de interferir no setor econômico, orientando, ordenando, contendo e harmonizando interesses que se fizeram conflitantes.
A extensão do extermínio de 1914, mobilizando imensas massas humanas, nos vários continentes, para um sacrifício simultaneamente estúpido e heróico, deu-lhes com a consciência da precariedade da vida, a noção, sempre mais arraigada, de que todos tem direito aos benefícios da civilização e do progresso.
Às reivindicações individuais e de classe correspondeu, para o Estado, a contingência de eliminar ou de arbitrar os atritos.
A revolução industrial de nossa época, gerando riquezas em ritmo alucinante, completou os termos da equação sócio-econômica que demanda desdobramento e solução.
Capital é trabalho acumulado. Quem o acumula, entretanto, não é o trabalhador. Não o desfruta, pois, quem precipuamente o cria.
Tenho, de igual passo, afirmado, reinteradamente, que sou favorável à livre iniciativa, com as restrições impostas pela segurança da nação e pelo interesse social.
Reitero e ratifico a minha fidelidade a esses princípios.
Não sou liberal, nem sou marxista.
A terminologia política a quem muitos continuam apegados, na velha Europa, não tem mais o sentido lógico que assumiu em certa fase da história das idéias. Os conceitos que alicerçaram esquerda e direita, na fase que culminou com o embate entre fascismo e bolchevismo, mudaram de natureza, em conseqüência da Segunda Guerra Mundial e da explosiva evolução que se opera em nossos dias, e que também a nós nos abarca.
De um lado, vemos tradicionais partidos socialistas da Inglaterra e da Alemanha, revendo postulados fundamentais de seus programas, mas, de outro lado, assistimos – sem que os preceda um ideário nítido – a saltos sociais da envergadura dos operados no Egito, na Índia, em Cuba, na África.
A mentalidade política se refaz ao empurrão dos acontecimentos, e destes deverá resultar uma nova definição para velhos problemas.
Nem mesmo as supostas "cortinas" separam homens e não-homens, e a impossibilidade de uma direção monolítica para os povos se evidencia na rebelião iugoslava, na insurreição húngara, na afirmação de independência da Polônia, no atrito entre a China e a União Soviética, com o corolário das crises que proliferam nas organizações partidárias internacionais que se inspiram no exemplo desses países.
Sou democrata, adepto do sistema representativo da interdependência dos poderes, de eleições secretas e livres, dos mandatos a prazo determinado, dos intangíveis direitos individuais, da liberdade de pensamento. E me confesso cristão, católico apostólico romano.
Para mim, a ordem social sobrepõe-se à ordem econômica; para mim, o homem é primeira e principal afirmação da sociedade.
Não acredito em ditaduras.
As exercidas em nome de uma classe, traem-lhe as prerrogativas mais elementares. Negam-lhe a liberdade de trabalho. Destroem-lhe os sindicatos. Proíbem-lhe a luta pelo acesso legítimo. Convertem em crime o que é de direito. Cerceiam a livre expressão do pensamento. Suprimem as assembléias. Desmancham a família. Subtraem, ao convívio humano, o calor da amizade e a ternura da confiança.
As ditaduras exercitadas a pretexto de interesse nacional cometem as mesmas ferocidades, incidem em violências idênticas.
Abomino o terror em que ambas se esteiam, o dogmatismo que as informa, a cruel inumanidade em que se comprazem.
Atenho-me, como candidato à Presidência da República, nesta época de transição de que participamos, a normas gerais enquadradas nas experiências que outros povos realizam, e que se situam sob o signo do humanismo.
Povo jovem e dinâmico, com direito a aspirar a uma posição de relevo no mundo moderno, não podemos deixar de simpatizar com os outros povos que se encontram em posição próxima da nossa, e que lutam pela própria independência e pelo progresso social.
Não sou o único a não ter, hoje, um rótulo estritamente ortodoxo para a posição em que me situo.
O século XX tem sido um crematório implacável de filosofias políticas, e é preciso, para que encontremos o justo caminho, que, servidos por mente arejada, animados de ideais amplos e generosos, guiados por espírito de luta e afirmação, dispostos a encarnar a soberania da Nação, ávidos de liberdade e só entendendo a política em função do amor ao povo – não nos metamos, por vontade própria, em prisões que por toda a parte estão sendo arrebentadas.
Presidente da República, não saberia, em nenhuma hipótese, envidar os destinos da Pátria, em fórmulas obsoletas ou em experiências perigosas.
A prudente atitude de Alberto Pasqualini, diante dos interesses contraditórios que o Estado precisa compor, se me afigura do melhor alvitre, nesta vertente da história.
O aparente ecletismo desta posição não resulta de vontade minha, mas de conjuntura internacional. Ela tem como objetivo primeiro o resguardo dos mais legítimos interesses de nossa comunidade, que deve participar e beneficiar-se da mutação que se opera na face do mundo, sem desnecessariamente isolar-se ou perder-se por descaminhos que a nada conduzem.
Neste particular, louvo a sabedoria do legislador constituinte.
Aliás, outras tarefas, mais imperativamente imediatas, reclamam a atenção do homem público brasileiro.
Precisamos arrancar esta Nação, sem perda de tempo, do atoleiro do subdesenvolvimento que lhe entrava o progresso."
Desenvolvimento
 
"À geração contemporânea coube a indeclinável incumbência de remover barreiras.
Este é o instante em que o Brasil precisa firmar-se definitivamente, como nação e como cultura, no mundo ocidental.
O papel que nos está reservado na América cresce de importância cada dia, diante da paisagem política que se conturba nas lindes continentais.
O Brasil não deve mentir à esperança de outros povos. Mas, via de conseqüência, não pode mentir à esperança de seus próprios filhos. Não recuaremos, porque chegamos até aqui. Não recuaremos, porque estamos dispostos a todos os sacrifícios para atingir o completo desdobramento da potencialidade do nosso solo e subsolo e da capacidade da nossa gente.
As dificuldades naturais de desbravamento de um País de porte gigantesco como o nosso, só podem ser superadas mediante a aplicação sistemática dos seus recursos, em obediência a uma hierarquia de prioridades. A ausência da Administração nos problemas da educação e da saúde, agravando, criminosamente a grande chaga da nossa atualidade, realizou, também, um dos maiores escândalos dos nossos dias.
Ao governo não lhe será lícito, a qualquer título, ainda que sonoro ou pomposo, procrastinar o atendimento das necessidades basilares de saúde, educação e cultura.
A Federação deverá constituir uma expressão vigorosa e harmônica no seu conjunto, elidindo-se as fundas arritmias de seu crescimento.
É imperioso renivelar vastas áreas demográficas do País em que o poder aquisitivo é semi-asiático e, o padrão de vida, por conseqüência, jaz em escalões que não se ajustam à dignidade humana. a fome, o analfabetismo e as endemias estão ainda presentes, em várias regiões, corroendo a fibra da raça.
A tomada de consciência destes problemas, pela opinião pública, representa um passo que se dá na solução deles. Sabemos o que somos e sabemos o que queremos ser.
Com este propósito a incandescer o nosso entusiasmo e a redobrar as nossas forças, implantaremos a moralidade administrativa. Sanearemos a moeda. Equilibraremos o orçamento público, proscrevendo os gastos supérfluos ou adiáveis. Conteremos a inflação que corrompe os costumes e flagela os humildes em benefício de poderosos.
Daremos à agricultura e à pecuária, que tudo nos tem dado para ser o que somos, tratamento generoso de assistência técnica e financeira, a fim de que prossigam com vigor renovado na marcha do nosso enriquecimento.
Para a indústria em geral e, sobretudo, a indústria de base, para o comércio interno e o de exportação, alinharemos todos os estímulos de que carecem, na sua missão fecunda de produzir e distribuir riquezas.
Aos trabalhadores além da aposentadoria e assistência médico-hospitalar dos Institutos, tornadas efetivas, além das vantagens de uma previdência social escoimada de compadrio, de filhotismo, de corrupção, tranqüilidade mediante a garantia de salários hábeis a mantê-los, e a suas famílias, em padrões crescentes de bem-estar, participando da evolução do País.
As tarefas de soerguimento econômico, de saneamento financeiro, de recuperação do homem, de expansão industrial, de amparo à agricultura, de revisão dos transportes, de desenvolvimento das fontes de energia, o cumprimento, em suma, das diretrizes do governo, anunciadas em Recife, nos mobilizarão, de imediato."
 
 
 
Política Externa
 
"Emprestaremos desusado relevo ao comércio internacional, abrindo as portas do Brasil para o mundo, numa afirmação categórica de que somos um povo livre.
Povo livre, que, livre de medo, conduz o seu destino.
Cumpriremos, agora, a decisão do Príncipe Regente, baixada desde 28 de janeiro de 1808.
A Nação, entretanto, tem deveres para com a América.
O momento é oportuno para que se fique sabendo o que proponho e o que pretendo para as nossas relações com os demais povos americanos. Já o afirmei, solenemente. Repito-o, agora, mais uma vez.
Julgo não haver outro instrumento de ação política, no
âmbito continental, senão a Organização dos Estados Americanos. Aí, e só aí, devem ser solucionadas as eventuais controvérsias entre nações irmãs.
O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, a Carta da Organização dos Estados Americanos e o Pacto das Soluções Pacíficas de Bogotá conformam o nosso sistema de segurança coletiva, consagrado pela Carta das Nações Unidas. Se avançamos na estruturação político-jurídica do Continente, resta ainda um campo enorme a conquistar: o da nossa expansão econômica. Só ela libertará os povos latino-americanos da miséria, conseqüência do dramático problema do subdesenvolvimento. A este respeito não pode haver contemporizações. A América Latina tem pressa e tem consciência de sua força.
Pretendo, pois, apoiar a Operação Pan-Americana, que visa a integração econômica, cultural e política de nossas Pátrias em um quadro de planejamento harmonioso de execução possível em breve prazo.
É evidente que nossos esforços resultarão improfícuos, se não contarmos com a cooperação e compreensão dos nossos irmão do Norte, por vezes imperfeitamente esclarecidos sobre a necessidade imperiosa, incontornável de eliminação de tantas áreas de pobreza.
Concorre, para isso, talvez a concepção unilateral de que só ao capital privado compete papel básico na luta em prol do futuro latino-americano.
Tal não se dá.
O deslindamento destas questões demanda a cooperação de Estado a Estado. Exige-a. Não é outra a causa de a Operação Pan-Americana alicerçar-se numa política global do hemisfério. Os esquemas de ajuda dos Estados Unidos remanescerão ineficazes, se não forem substituídos os princípios que os norteiam.
Daí as crises periódicas que afetam o Continente.
A reunião de Bogotá, neste particular, teve os contornos e as meias tintas promissoras de uma aurora inesperada. Nela, falamos a linguagem franca e cordial dos que, efetivamente, se querem entender. Aguardaremos, contudo, antes de mais largos entusiasmos, os seus resultados práticos.
Nação independente, soberana, o Brasil prescinde da liderança internacional de qualquer potência. Sabe onde estão os seus direitos e os seus interesses. Não os aliena. Não os sub-roga.
Mas, e por igual, fiel às suas tradições, aos seus compromissos, é avalista determinado e espontâneo da intangibilidade do Continente. Aqui, ninguém interferirá.
Não há lugar, na América, para o exercício de curatelas européias ou asiáticas, a nenhum título.
Sempre soubemos, nesta comunidade de Nações livres, solucionar as pendências emergentes, diria inevitáveis, sem que tais desacordos justificassem malignas intervenções extracontinentais.
Não as concebo, nem as tolero. Insisto, entretanto, em que a melhor, quiçá a única maneira de exorcizarmos os fantasmas que rondam o Continente, está na imediata efetivação da OPA.
Povos economicamente desenvolvidos, libertos da miséria e do medo, aptos a se realizarem, não teme, e por isto mesmo, não agridem.
Tarda, por outro lado, que fortaleçamos as nossas relações comerciais, para não falarmos nas culturais, com os países da Europa e da Ásia.
Temos caminhado para trás, nos nossos processos de intercâmbio e de trocas, suplantados até pelo atilamento e pela tenacidade de diplomacias mais bisonhas, embora mais resolutas do que a nossa.
O mundo africano, hoje desperto, ao qual venho aludindo insistentemente, desde os pródromos desta campanha, reclama, por sua vez, a nossa atenção devotada!
Não me alongarei sobre tema tão amiúde por mim ventilado. Deploro que os fatos estejam confirmando os meu vaticínios. Continuo, de resto, a acreditar que o Brasil é o mediador melhor qualificado para as jovens democracias africanas."
 
 
"Meus senhores.
Dez dias nos separam da eleição do futuro Presidente da República.
Tenho consciência de que conduzi a campanha, como me propusera, num plano de rigorosa elevação.
Assim procedendo, não fiz favor. Cumpri, apenas, a minha obrigação tal como a entendo.
Seria insincero, se não lhes confessasse o quanto me custou, por vezes, impor silêncio ao ímpeto de revide, de repulsa à ofensa não provocada.
Logrei faze-lo.
Os pleitos devem aprimorar a prática do regime. E um povo não se educa com o espetáculo deprimente e desprimoroso da permuta de injúrias entre opostulantes à primeira magistratura da Nação.
Não quero vencer nas urnas porque os meus competidores sejam ineptos ou indignos. Quero vencer sim, mas se o povo julgar que o meu passado de administrador me habilita ao exercício do mandato maior. Quero vencer, sim, mas se o povo achar que as soluções por mim preconizadas, para os problemas nacionais, sobrelevam as dos outros candidatos. Quero vencer, sim, mas por força dos valores positivos. Nunca, pela dos negativos.
Esta nação não precisa propor-se moratória moral, concordata política, falência de qualquer ordem ou natureza.
É uma grande Nação, tão afortunada nas suas riquezas morais, quanto no inesgotável patrimônio ético-espiritual da sua gente.
Fui injuriado, difamado e caluniado, nestes últimos meses. Sei que isto é da mecânica das democracias.
Deploro que não tenham sabido respeitar a honra do cidadão, as fronteiras sagradas do meu lar. É contingência a que se sujeitam todos os candidatos, na medida da educação política dos adversários.
Não a maldigo. Mal próprio do regime democrático, só é possível no amplo quadro das liberdades democráticas. Por mais amargos que sejam os percalços deste regime, eu o prefiro, tão estranhamente quanto possível ao cérebro e ao coração do homem, a qualquer outro já experimentado.
As amarguras pessoas, entretanto, estou certo de que não se depositarão como ressaibos perenes ao termo da porfia eleitoral. A alma sempre se refaz dos agravos que não merece.
Às vésperas do pleito, resta-me uma última energia para estas palavras a todo o País.
Confio em que o clima de garantias e respeito às liberdades não sofra atentados. A opinião pública já não os toleraria. Pelos seus órgãos de expressão, ela está vigilante.
Não tenho razões para descrer do papel que toca aos responsáveis pela ordem pública. Exprimo, ao mesmo tempo, a minha confiança nas Forças Armadas, conscientes do papel que lhes compete.
Quero crer que o povo compareça às urnas sem sombra de ameaça ao sagrado dever cívico que lhe toca neste momento.
Pela pureza do rito institucional responderá a Justiça Eleitoral, que honra os nossos foros de País civilizado.
Sei que, mais uma vez, a soberania popular livremente expressa, me convocará, dentro em pouco, para o exercício de árdua missão. Estou consciente da responsabilidade do alto mandato que a vontade da nação me entregará. Mais uma vez, espero em Deus que não a decepcionarei.
O que me preocupa e inquieta, nesta hora undécima dos nossos comícios é a ajudácia, que alguns ousaram de atirar estados federados uns contra outros, na caça de sufrágios fugidios.
Por que faze-lo?
Por que intrigar províncias irmãs?
Acaso o milagre da unidade nacional não é mais importante do que as nossas modestas personalidades?
Não quero, porém, converter esta festa que confraterniza a crítica e a ação numa crítica à ação dos meus adversários.
As urnas e o futuro nos julgarão, a eles e a mim.
O que quero, ao cabo destas singelas confidências, é exortá-los a acreditar no Brasil e nos brasileiros, recordados de que a Pátria é eterna e nós, os indivíduos, somos transitórios."
 
 
OS 10 MANDAMENTOS ECONÔMICOS DE Jânio
 
Em seu último pronunciamento público, no dia 4 de março de 1961, ao ser inaugurada em Barretos, no Estado de São Paulo, a Décima Exposição de Animais e Derivados, o Presidente Jânio Quadros disse que haveria de levar sua obra até o fim para desse modo possibilitar aos brasileiros dias seguros e abundantes. Não entrou em detalhes. Não disse quais eram os seus planos. Nem a ocasião era própria para fazê-lo limitou-se a falar numa pátria mais farta, mais justa e mais feliz. Ele tinha, no entanto, diretrizes firmemente traçadas no domínio econômico e financeiro. Diretrizes constantes de dez pontos fundamentais que poderíamos chamar “Os mandamentos Econômicos de Jânio”. Esses “Dez Mandamentos” seriam a base de sua ação, rigorosa e implacável, na primeira fase do seu Governo, e mais larga na segunda fase, em que o desafogo, criado pelas economias e cortes de verbas, possibilitaria uma política de grandes realizações. Eram estes os princípios inscritos nas “tábuas da lei” do novo Chefe do Governo.
 
1. Congelamento parcial das verbas dos fundos especiais (que são vários, sendo um deles, o Fundo Rodoviário).
2. Revisão da política tarifária (abrangendo o conjunto de estradas de ferro da Rede Ferroviária Federal, da Marinha Mercante) de modo a desonerar a União das subvenções que vinham distribuindo para cobrir déficits reais ou fictícios de várias empresas de cabotagem e dos Correios e Telégrafos.
3. Congelamento de despesas adiáveis, bem como aplicação de cortes às verbas de auxílios, subvenções e indenizações (inclusive redução do tempo de Serviço Militar de dez para oito meses: economia de 320 milhões).
4. Reexame dos restos a pagar e dos créditos especiais, para atendimento apenas dos casos inevitáveis e urgentes.
5. Reexame das dotações orçamentárias destinadas a: I) custeio de serviço; II) desenvolvimento econômico e social; III) investimentos, a fim de cortá-las em pelo menos 30% (em setembro seria feito novo exame dessa rubrica).
6. Revisão na nomeação de funcionários, para conservar os estritamente necessários à continuidade do serviço, redistribuindo-os de acordo com as necessidades das repartições.
7. Revisão das ajudas de custo, verbas de representação, gratificações, risco de vida e nível universitário.
8. Corte drástico nas despesas em dólares com o pessoal em função no exterior (nesse domínio já foi decidida a extinção de escritórios comerciais que o Ministério da Indústria e Comércio mantinha em vários países, a redução dos vencimentos dos professores brasileiros que o Itamaraty mandou para o exterior e a verba de representação dos diplomatas, além de ter sido elevada para Cr$ 200,00 (duzentos cruzeiros) a base do cálculo para a conversão em dólares de todos os ordenados dos diplomatas).
9. Prévia aprovação da entrega de recursos orçamentários destinados à obras, instalações, equipamentos e desapropriação de imóveis.
10. Eliminação de todos os gastos supérfluos quer em moeda nacional, quer em dólares.
 
A esse decálogo, Castro Neves, Ministro do Trabalho que não escondia suas tendências esquerdistas, nem sua admiração pelo líder fidelista Ernesto Che Guevara, sugeriu que fosse acrescentado mais um item:
- Ajuda dos capitalistas nacionais para o financiamento dos serviços e empresas do Estado.
A obtenção de tal ajuda teria que ser compulsória e o autor da sugestão diz porquê:
“- Geralmente, nos programas de economia, o couro de onde sai a correia é o do operário. Por que, então, não obrigamos o capitalista a ajudar o esforço nacional, de que é um dos maiores beneficiários? Foi por isso que sugeri que os homens do capital fossem obrigados a financiar os serviços e empresas do Estado. A fórmula que me parece ideal é esta: um convite aos empreiteiros e contratantes do Estado para que subscrevam 10% de ações nas sociedades de economia mista necessitadas de capital. Essa percentagem poderia, posteriormente elevar-se na proporção direta dos créditos que esses empreiteiros tinham a receber”.
Adepto dessa medida, Artur Bernardes Filho, titular da Indústria e Comércio, foi ainda mais longe, chegando a sugerir um aumento para 30%, sob a alegação de que nenhum homem de negócios verdadeiramente patriota, se furtaria a contribuir para o êxito de uma cruzada em favor do desenvolvimento nacional. A sugestão não foi, porém, inscrita nas “tábuas da lei”. Ficou de parte, talvez para ser reexaminada, em ocasião oportuna.
Clemente Mariani, Ministro da Fazenda, com seu espírito prático, objetivo e realista, estava pressionando os colegas no sentido que organizassem sem demora os programas de economia em suas respectivas pastas, a fim de que fossem discutidos tão urgentemente quanto possível. Seriam, então, fixadas as “cotas globais” de despesas com livre trânsito para o ano. Em seguida, cada Ministro dividiria a “cota global” de acordo com uma escala de prioridades, a ser rigidamente obedecida por seu Ministério. Só assim não haveria confusão ou balbúrdia no programa de economias. Com esses apertos, o atual déficit orçamentário poderia ser reduzido à metade. Além da compressão das despesas orçamentárias, seriam também disciplinadas com o máximo rigor as operações de crédito dos bancos oficiais, dos Institutos de Previdência e das Caixas Econômicas. Um decreto regulamentaria as normas específicas do Plano Geral de Economia, com o princípio da distribuição parcelada da despesa e a exigência, sempre, de autorização presidencial para quaisquer liberações de verbas. Só seriam feitas exceções em casos de calamidade pública ou de força maior. E, ainda assim, mediante cortes compensatórios.
Quanto ao regime cambial, Clemente Mariani resolveu tomar uma atitude mais rigorosa que a do seu antecessor, fixando a taxa fiscal em Cr$ 225,00 (duzentos e vinte e cinco cruzeiros). Em razão disso, o dólar do câmbio-livre, que chegara a baixar para 206 cruzeiros, teve novo impulso para o alto, estando, agora a 230 cruzeiros. A queda talvez tenha sido o resultado das notícias divulgadas a respeito do oferecimento de um empréstimo norte-americano de US$ 100.000.000,00 (cem milhões de dólares), ao nosso país. Adolfo Berle Júnior, ex-Embaixador dos Estados Unidos no Brasil e Coordenador de Assuntos Interamericanos (lugar exercido, no Governo de Roosevelt, por Nelson Rockefeller), veio ao Brasil expressamente para entrevistar-se com o Presidente Jânio Quadros. O encontro em Brasília foi cordial, mas não teve resultados positivos. O Chefe do Governo não quis aceitar uma ajuda de caráter particular, que beneficiasse apenas o Brasil, e declarou que só a aceitaria se tivesse um caráter geral, beneficiando também as outras repúblicas do continente, com as quais o nosso país assumiu compromissos através da OPA (Operação Pan Americana). Por outro lado, o Presidente Jânio Quadros também se recusou a aderir a idéia de uma convocação de reunião especial da OEA (Organização dos Estados Americanos), a fim de serem estudadas providências contra o Governo de Fidel Castro. A atitude de Jânio Quadros era a de que a questão entre os Estados Unidos e Cuba não era um problema continental, mas uma questão bilateral. E que, desde que Fidel Castro não tentasse exportar o seu regime, não haveria motivo para que a OEA se reunisse a fim de estudar sanções, ou coisa parecida. Não houve, porém, nenhum incidente: apenas uma troca franca e leal de impressões. Era duvidoso que os Estados Unidos estendessem seu oferecimento a toda a coletividade das nações continentais. Mas a vontade, é que uma negociação particular e exclusiva conosco, liquidaria realmente a OPA, a que o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira dispensou o seu melhor interesse.
O Governo começou a fazer, no domínio financeiro, aquilo que o próprio Jânio Quadros uma vez definiu como o ato de “chuçar a onça com vara curta”. Ele sabia que mexia com uma casa de marimbondo ao revolver toda a situação econômica do país. A esta altura, pareciam imprevisíveis as conseqüências de seus atos. Mas o Governo não tencionava perder de vista os graves riscos que estavam correndo e pretendia ficar muito atento para que não sobreviesse, como um desastre, o apavorante fantasma que se denominava depressão econômica.
 
 
Jânio: "O Brasil já tomou ciência do seu destino."
 
 
— "Mas o que eles desejam sobretudo dizer-lhe é que este almoço corresponde à fé e à confiança que milhões de brasileiros depositam em sua pessoa quando fizerem um sinal ao lado do seu nome na cédula do dia 3 de outubro."
Todo o estado-maior da Oposição estava presente: Senador Milton Campos, candidato à Vice-Presidência; Deputados: Magalhães Pinto, Carlos Luz, Emílio Carlos, Adauto Cardoso, Srs. Aliomar Baleeiro, Castilho Cabral, João Neves da Fontoura, Arnon de Melo, Bernardes Filho; Sra. Eloá Quadros e sua filha Dirce Maria; Brigadeiro Guedes Muniz, Coronel Adil de Oliveira, Srs. Oscar Pedroso Horta, José Aparecido de Oliveira, Augusto Marzagão, Pereira Lira, Abreu Sodré; o representante do Governador Carvalho Pinto, Sr. Plínio de Arruda Sampaio, além de dezenas de Jornalistas, radialistas, cinegrafistas e fotógrafos.
— "O momento, para todos, é particularmente importante. Falo à imprensa responsável, consciente do papel que lhe cabe na elaboração da opinião pública. Daqui me dirijo ao povo brasileiro, que vive e sofre, nesta hora, tantos problemas vitais do seu destino nacional. Foi desse mesmo povo que recebi, por desígnio da Providência, o terrível encargo de, democraticamente, disputar a Chefia da Nação."
E continuou:
— "Nada melhor, assim, que esta oportunidade. A imprensa está a refletir a grande inquietação da hora. Inquietação feita de temor e de esperança, aqui no Brasil, e lá fora, no Continente e no Mundo. No Brasil, suportamos as contingências de grave conjuntura. Ao inegável índice de progresso econômico, não corresponde, infelizmente, o necessário índice de bem-estar social. Ousam o pregão da desordem. Ousam inquietar e provocar. As cassandras choram antecipadamente. Surgem os falsos profetas de tragédias que a Nação repele, e nem os mais insensatos arriscariam desejar."
O menu foi escolhido muito a propósito: camarões com arroz e champignons à Carvalho Pinto, frango com arroz e petit-pois à Magalhães Pinto, doce de coco à Milton Campos, vinhos do Rio Grande, águas de Minas Gerais e café de São Paulo. A data dizia assim: "Rio de Janeiro, há 66 dias do pleito presidencial de 1960".
Jânio Quadros pronunciou o mais importante dos discursos de sua campanha eleitoral:
— "Este é com efeito um país que já tomou ciência do seu destino. Vencemos o ciclo historicamente fatal das insurreições no qual se inscrevem as arrancadas heróicas de 22, 24, 30 e 32. Ao reconquistar as liberdades, em 1945, a Nação trazia bem viva a idéia de sua realidade social e se preparava, com a assimilação de conquistas políticas para a batalha pacífica de seu desenvolvimento."
Disse depois que nesse período se inseria a sua carreira política. Não lhe faltava o convencimento desses solenes deveres. Os mandatos que lhe foram confiados ele os exerceu sem perder de vista o sentido da majestade institucional.
— "Fala por mim a obra realizada. Fala por mim, sobretudo, porque mais recente e mais árdua, a administração de São Paulo, na qual a restauração do princípio de autoridade, o trabalho de equipe e a recuperação da moralidade administrativa prepararam a minha sucessão a um homem de melhor estirpe: o Governador Carvalho Pinto. É da soberania do povo, expressa nas urnas, que me advêm a energia e a confiança que a graça de Deus preservou ao longo de minha vida pública. Não conheço o ressaibo do ressentimento nem o amargor da derrota. E se a minha crença nos valores democráticos não se amesquinhou pelas considerações personalistas, só encontrou razões para fortalecer-se na luta que é o meu clima. Não é outro o motivo por que jamais me faleceu o apoio popular.
Passando depois ao exame da situação internacional, Jânio Quadros revelou todas as diretrizes da política externa que pretendia seguir em seu Governo, caso fosse eleito.
Afirmou que o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, a Carta da OEA e o Pacto de Bogotá, eram as três colunas mestras do sistema continental de segurança coletiva, consagrado pela Carta da ONU. Declarou que a América Latina tinha pressa de desenvolver-se e era justo que não aguardasse nem contemporizasse. Disse que iria prestigiar a OPA, porque só o planejamento outorgaria a integração econômica, cultural e política do Continente. Assegurou que não considerava suficiente aos objetivos da Operação Pan-Americana o novo plano anunciado pelos Estados Unidos. Abordou em seguida o problema cubano.
— "A tragédia de Cuba, que gerou a figura, entre heróica e romântica de seu condutor, ameaça todo o sistema continental. Poderá, se mal examinada, jogar por terra a laboriosa ação político-jurídica da OEA. Cuba não reclama pressão nem justifica sanção de qualquer espécie. Cuba exige compreensão. Não se cuide de puni-la, mas de auxiliá-la. Hostilizá-la será como competi-la a procurar ajuda e segurança fora do hemisfério.".
 
Jânio: nova bandeira
 
Jânio fez questão de empunhar bem alto, para não cair, o estandarte da UDN.
Nem nos arroubos de moço, imaginou que terminasse empunhando este pavilhão.
Quando terminou a convenção udenista, entre muita gente satisfeita, um homem estava feliz e contente. Durante vários dias e noites ele dedicara todos os seus minutos à tarefa de garantir a unidade do seu partido e evitar que amanhecesse, no dia seguinte, despedaçado. Entre as muitas emoções daquela hora, uma quase o fazia baquear, no momento exato em que proclamou os resultados vitoriosos da chapa Jânio-Leandro Maciel. Viu, então, que as galerias e o plenário da convenção se levantavam num movimento espontâneo para entoar o Hino Nacional, enquanto as bandeiras do Brasil e da UDN tremulavam sobre o recinto e os lenços brancos acenavam de novo na arrancada desta quarta tentativa para chegar ao poder. A fala com que se dirigiu aos convencionais, logo depois, estava visivelmente emocionada. Era a fala de um mineiro simples e sóbrio, chamado José de Magalhães Pinto, presidente de todos os udenistas, chefe, artífice e condutor da UDN - feliz fiador de uma reunião que esteve a pique de soçobrar.
0 soçobro não houve. É que de todos os Estados chegaram milhares de udenistas e de convencionais interessados em contribuir com sua presença e seu voto para que a UDN escolhes se o melhor caminho na encruzilhada a que fora conduzida. Bem poucas convenções foram tão importantes quanto esta que acabou de encerrar-se. Bem poucas encontraram diante de si tantas dificuldades e tantos embaraços.
Em determinado momento, não faltou quem previsse a iminência de uma grave cisão nas suas fileiras, com o impasse que ele abria diante das candidaturas paralelas, simultâneas e rivais de Jânio Quadros e Juraci Magalhães. Os adversários estavam naturalmente satisfeitos com esta perspectiva que se abria aos seus olhos em face dos desentendimentos na área da 0posição.
Mas o bom-senso de uns, a habilidade de outros e o desprendimento de todos fizeram com que, depois de algumas renúncias e de muitos esforços, a UDN pudesse finalmente caminhar para uma decisão de unidade. E este renascer das suas mais autênticas esperanças ficou diretamente ligado à consagração com que ela homologou, por 205 votos, contra 85 dados ao Governador Juraci Magalhães, a candidatura presidencial de Jânio Quadros.
Já nos debates inaugurais da convenção udenista, verificou-se que ela transcorreria num ambiente de entusiasmo incomum. No relatório com que abriu os trabalhos, Magalhães Pinto disse que suas primeiras palavras não eram de saudação, mas de esperança e de confiança na lucidez e na coragem dos seus companheiros.
— "Reunimo-nos de novo dentro de uma conjuntura que não apresenta horizontes renovados e mais limpos. Cumpro o dever de acentuar as naturais preocupações que sugerem os dados negativos da atualidade brasileira. Vivemos perigosamente. Os problemas econômicos e sociais transformaram-se em agentes da intranqüilidade e da desesperança. Aos partidos políticos - estuário das reivindicações coletivas - cabe nesta hora a tarefa histórica da sobrevivência do regime. A UDN, com a graça de Deus, não há de faltar à democracia e ao povo. Somos Oposição. Oposição serena, embora justa. Somos, antes de tudo, legalistas. O partido estará aberto a todos os democratas, inclusive aos adversários, para a defesa das instituições."
O tom em que falou o presidente foi o apropriado a um relatório isento e imparcial. Ainda dentro desse diapasão de concórdia, falaram os vários oradores inscritos para cumprir o ritual de uma convenção: o Senador Afonso Arinos saudou os convencionais; o Deputado Herbert Levy saudou os Governadores da UDN; em nome de uns e de outros, agradeceram respectivamente José Sarney e o Governador Dinarte Mariz.
Ainda se fizeram ouvir os Deputados João Agripino, apresentando o regimento da convenção, e Meneses Côrtes, entregando um memorial com 25 mil assinaturas de udenistas em favor da candidatura Jânio Quadros.
Já aí começava a batalha entre juracisistas e janistas. A cada menção dos nomes de seus respectivos candidatos, ouviam-se vaias e aplausos, que se digladiavam no meio do recinto e ecoavam lá em cima, na abóbada do Palácio Tiradentes.
Foi nesse ambiente que o Governador da Bahia começou a falar abrindo os debates políticos propriamente ditos:
— ''Defendendo para mim, dentro do meu partido, o que os meus companheiros da maioria defendem para seu candidato, face à Nação: o dever da presença. Ninguém tem o direito de arredar a candidatura Jânio Quadros do panorama sucessório, como ninguém tem o direito de afastar o meu nome do exame da convenção. Ao, merecer a preferência dos meus companheiros para a condução da nossa luta, traçamos uma estratégia de fazer o nosso partido "crescer para vencer"; crescemos e criamos, indiscutivelmente, possibilidades de vitória. Na hora de consegui-la, porém, quando com mais uma carga poderíamos decidir a nossa sorte, preferimos entregar a bandeira a quem não pode sentir paixão pelas nossas cores. Não tenho a pretensão de querer, a essa altura, convencer mais algum companheiro. Está esgotada a minha dialética. Já não há argumento a opor ou a reforçar. Assinalamos com a presença, no pleito partidário, o direito de poder perguntar sempre ao candidato preferido na maioria udenista:
— "Que fizestes, Sr. Jânio Quadros, do apoio que vos deu a UDN?". Que me importa perder? Tenho direito a tudo, menos o de decepcionar uma parcela do povo brasileiro que confia em mim."
Em meio à intensas manifestações das galerias, Juraci Magalhães prosseguiu na leitura de seu discurso, para advertir sempre que na hora do desalento o povo terá memória e há de se lembrar desta convenção... Alertou o seu partido. Convocou os companheiros ao raciocínio frio:
— "Não serei atendido, porém Deus queira que os acontecimentos provêm, amanhã, a sem-razão do que eu previa: curvar-me-ei a esse milagre."
Já durante o discurso de Juraci Magalhães, registraram-se incidentes na assistência e alguns entreveros no plenário. O calor dos debates, aumentado pela temperatura ambiente, haveria de atingir o auge quando o Deputado Carlos Lacerda subiu à tribuna para dizer ao Governador da Bahia que ambos mantinham suas divergências, embora ele, mais inexperiente, devesse ter cometido demasia. Mas não estava ali para examinar candidaturas à luz de méritos pessoais, e sim defender a única aliança capaz de mudar a face do Brasil:
— "Aqui decidiremos se o nosso partido vai com o povo para a vitória ou se vai suicidar-se com o Catete."
O ex-Deputado Aliomar Baleeiro quase toca fogo no recinto quando perguntou ao Sr. Carlos Lacerda onde estava Jânio Quadros ao tempo em que a UDN se encontrava palmilhando o território nacional através das "Caravanas da Liberdade". Quem respondeu pelo orador foi o Deputado José Bonifácio:
— "O Sr. Jânio Quadros estava em São Paulo, realizando o programa da UDN."
Ao longo de vários minutos, o presidente da convenção tentou amainar a tempestade e só a muito custo o conseguiu. Vários apartes cruzaram-se no plenário: dos Srs. Adauto Cardoso, Jair Martins, Aliomar Baleeiro, José Bonifácio, até que o Governador Cid Sampaio, num dramático apelo, pediu que a unidade do partido fosse preservada a qualquer preço. Mas antes que os ânimos se acalmassem Juraci Magalhães ainda teve tempo de protestar contra uma caricatura publicada no jornal de Carlos Lacerda, em que aparece sendo varrido pela vassoura de Jânio Quadros. O deputado-jornalista pediu desculpas ao Governador, se a charge fosse mesmo insultuosa.
Os debates do primeiro dia terminaram com o Deputado João Agripino fazendo um discurso apaziguador, enquanto nos bastidores se obtinha a desistência de nove oradores que poderiam prolongar e aprofundar indefinidamente as discussões.
No domingo à tarde, houve a votação. Convencionais janistas eram aplaudidos pelas galerias, enquanto os eleitores de Juraci Magalhães recebiam palmas e vaias.
 
 
O equilíbrio do começo e a disparidade do fim
 
A apuração foi eletrizante no começo, quando o Governador da Bahia assumiu a dianteira até o 15º voto, cedendo-a daí em diante ao seu antagonista, que se distanciou progressivamente, até serem proclamados os resultados: Jânio, 205; Juraci, 85; em branco, 3. Para Vice-Presidente: Leandro Maciel, 254; João Agripino, 21; Fernando Ferrari, 1; Clemente Mariani, 1; em branco, 6; e nulos 8. A proclamação do resultado seguiu-se o cântico do Hino Nacional por todos os presentes, de pé.
Os trabalhos vespertinos foram encerrados com mais um discurso pacifista de João Agripino. Os convencionais rumaram da Câmara para o aeroporto, a fim de receberem o candidato eleito que chegava de São Paulo.
A sessão noturna caracterizou-se por muitos discursos e maiores entusiasmos, que foram num crescendo à medida em que entravam em plenário, pela porta dos fundos, o Brigadeiro Eduardo Gomes, o ex-Governador Leandro Maciel e o Deputado Jânio Quadros. Todos os três foram recebidos com chuvas de pétalas, enquanto o ex-Governador de São Paulo era arrastado com dificuldade até a mesa, onde chegou, em meio a intenso delírio. Aí desfraldou a bandeira brasileira e empunhou o estandarte da UDN. Abraçou-se a Magalhães Pinto e Leandro Maciel. Ao ver Juraci Magalhães também à mesa, dirigiu-se para cumprimentá-lo. Fitaram-se os olhos durante meio minuto. O Governador baiano disse-lhe: — "Muito obrigado.", e encarou-o demoradamente.
Seguiu-se uma série de oradores: Sandra Cavalcanti, saudando as mulheres udenistas; João Agripino, agradecendo aos convencionais; Carlos Lacerda, falando em nome do Distrito Federal; Luiz Garcia, recepcionando Eduardo Gomes, Cid Sampaio, saudando os dois candidatos escolhidos; o Brigadeiro, o ex-Governador Leandro Maciel e Jânio Quadros, agradecendo as saudações e os votos.
 
 
Crê em muitas coisas e descrê de outras
 
 
Jânio Quadros leu o seu discurso:
— "Nunca presumi, sequer nos arroubos de moço, que me coubessem, um dia, a honra e responsabilidade de deter a confiança desta legenda, e conduzir-lhe a bandeira. Pois bem, neste passo, afirmo solenemente que não a deixarei cair.
Quis, porém, a Providência, cujos caminhos surpreendem, que um matogrossense, criado no Paraná, e ex-Governador dos paulistas, viesse, apontado pelo clamor telúrico da nossa gente e pela generosidade dos dirigentes políticos, para disputar a chefia da União."
Relacionou depois as coisas em que não acreditava: nas vantagens do ilícito, mentira das promessas, desmaios da autoridade, pensamento coartado, desordem administrativa, incontinência orçamentária, ditaduras, tráfico de influências, privilégios ao arrepio da lei, previdência social das espórtulas constrangedoras, sindicatos violentados, farsa da intervenção nos preços, latifúndio anti-social, distorção da liberdade.
Mas crê no império da Constituição, moeda sadia, eficiência e moralidade burocráticas, livre empresa, defesa do solo e da Petrobrás, que é a sua melhor expressão, nos cuidados ao homem do campo, na força incoercível do povo, manifestação da Onipotência Divina. E numa divergência aos adversários:
— "Já me chegam, vindas da sarjeta, as primeiras injúrias. Concito os que as arremessam a que se detenham na meditação do desserviço, que a ninguém dá rendimento, mas abre feridas que mesmo cicatrizadas, marcam indelevelmente, com prejuízo para a concordância nos esforços - que cumpre ser de todos - de construção do País."
E quando a Convenção udenista terminou, um processo novo acabava de instalar-se na mecânica da escolha dos candidatos presidenciais. Findara a era dos nomes pré-fabricados e das candidaturas saídas dos bolsos do colete. O candidato da UDN estava ali escolhido numa convenção, democraticamente processada e livremente debatida. Ganhou quem tinha mais votos, e perdeu quem era minoria. Essa bossa nova talvez sirva de modelo para outras convenções de outros partidos e inclusive da própria UDN. Mas ela serviu sobretudo para colocar a sucessão presidencial dentro dos rumos definitivos e verdadeiros, na proporção direta em que vão sendo afastadas todas as tentativas de desviá-la do seu curso, através dos apelos já tão desmoralizados em favor do congraçamento e da união nacional.
 
O Marechal Denis já dera a "deixa"
 
A "deixa", entretanto, foi dada pelo próprio Marechal, quando um jornalista perguntou se sua candidatura era inarredável:
— "Não pedi para ser candidato. Insistiram muito para que eu o fosse. Mas se quiserem me dar uma carta de alforria, agradecerei bastante."
Sabia-se que naquele momento a declaração estava pronta. O Marechal, porém, esperou uma ocasião mais propícia para fazê-la. Essa oportunidade surgiria exatamente no dia seguinte, quando chegaria ao Rio e Juraci Magalhães, que ainda na Bahia, através do telefonema de um amigo seu, residente no Distrito Federal, tomou conhecimento das declarações que o Ministro da Guerra iria fazer.
Já na véspera, à noite, jantando na residência do Deputado Drault Ernani, Amaral Peixoto referia-se ao documento. O Presidente da República estava presente ao jantar. No dia seguinte, indo esperar o Governador da Bahia, no aeroporto, Amaral Peixoto voltava a anunciá-lo à diversas pessoas, avisando-as de que o pronunciamento do Marechal seria "logo mais à tarde".
E foi. Convocando a seu gabinete os jornalistas ali credenciados, o Ministro da Guerra entregou-lhes as cópias de sua declaração, em tom de diálogo com a imprensa e já com as perguntas e respostas bem preparadas. Informa-se que na sua redação colaborou decisivamente um outro Ministro: o da Justiça. E na formulação de todo o plano teriam cooperado muito, dois homens de Pernambuco: o General Cordeiro de Faria e o Deputado Etelvino Lins.
 
 
O tom das respostas de Jânio
 
O certo é que Jânio Quadros foi apanhado de surpresa. Sabia que alguma "bomba" estava sendo preparada no laboratório do PSD, como sabia que outras mais continuariam sendo manipuladas.
Sua reação, por isto, foi branda a princípio, como se ele quisesse sondar o terreno que pisava. Mas foi contundente, como se desejasse deixar bem claro que não receava nenhuma violência contra sua candidatura.
A redação das três notas que divulgou com intervalos de horas era de sua exclusiva autoria. Mesmo tendo ouvido algumas opiniões de conselheiros e de líderes da UDN, fez ele questão de imprimir um cunho essencialmente pessoal às suas respostas. Uma delas foi escrita de um jato, no ímpeto de um impulso do seu temperamento. Estava convencido de que nem sempre as melhores habilidades políticas trazem os maiores efeitos eleitorais. E o que ele procurava em síntese era mostrar aos seus eleitores que toparia a luta da sucessão no terreno em que seus adversários a quisessem colocar.
Muitos conselhos recebeu. O mais freqüente, todavia, apontava-lhe o mesmo caminho que Juscelino Kubitschek palmilhara como candidato: o caminho da virilidade e do destemor, contra todas as pressões militares que tentaram afastá-lo do pleito. Jânio estaria, assim, fazendo o que Juscelino fez em quatro anos.
Entre uma e outra de suas respostas, surgiu um fato novo: o desaparecimento de seu quarto, no Hotel Glória, de uma carta de João Neves da Fontoura. Poucas horas depois, o fac-símile do documento aparecia publicado num vespertino que o combate. Soube-se mais tarde que o autor da proeza fora um repórter da "Última Hora", que vira a carta no apartamento do candidato e não resistira à tentação de dar o "furo". O jornal ouviu opiniões jurídicas sobre as conseqüências da divulgação do documento, se ele fosse falso, poderia ter sido posto bem à mão do repórter para fazê-lo cair numa armadilha. Mas João Neves foi ouvido previamente pelo telefone e, sem saber que o documento já havia sido interceptado, confirmou que realmente escrevera à Jânio Quadros. A autenticidade estava, assim, comprovada. Mas o destinatário tratou imediatamente de desfazer os efeitos da divulgação, ao dizer que na carta existia até uma censura por ele não ser tão nacionalista quanto o desejava seu autor.
Não se confirmaram depois os rumores de que o Marechal Denis teria ido à presença do Presidente da República para protestar contra certos trechos das respostas de Jânio Quadros. O próprio Marechal tratou de desmentir essa versão. De modo geral, os comandos militares estiveram completamente alheios à movimentação política.
Enquanto isto, o PSD procurava dar maiores conseqüências à "renúncia" do seu candidato. O Ministro da Justiça esteve com Magalhães Pinto, após conferenciar com Juraci Magalhães, e disse-lhe que os chefes pessedistas estavam dispostos a "apoiar" a candidatura do Governador da Bahia.
Quem não gostou desta segunda etapa do plano foi o Marechal Lott, ao saber que ela acabara de ser preparada numa reunião no Palácio das Laranjeiras, sob a presidência de Juscelino Kubitschek e com a presença de Amaral Peixoto, Armando Falcão e Santiago Dantas. Comunicou-lhes que os termos da sua proposta inicial estavam sendo completamente desvirtuados. Só pretendia renunciar se houvesse uma união nacional, com a retirada de todas as candidaturas. Já que Jânio Quadros não saía, ele desejava permanecer.
Houve uma reviravolta geral. O Ministro Armando Falcão paralisou sua ação de desdobramento. Amaral Peixoto desmarcou um encontro que solicitara à Magalhães Pinto. O Deputado Abelardo Jurema foi chamado às Laranjeiras para que fizesse um discurso, na Câmara, de exaltação ao Marechal e de ataque a Jânio Quadros. Os Deputados Último de Carvalho e Bento Gonçalves foram à presença do Ministro da Guerra hipotecar-lhe a sua incondicional solidariedade.
Do ponto de vista partidário e político, um dado era certo: Juraci Magalhães ganhara terreno. Preparou ele um manifesto que seria lido na convenção, onde diria que nada menos de seis partidos (PSD, PTB, PR, PSP, PRP e PRT) o querem como candidato. Faltava apenas que seu próprio partido o queira também.
Permaneceria candidato depois da convenção, mesmo que seja nela derrotado? Sua conduta posterior estava na dependência de dois ou três fatos que deveriam acontecer. Mas dependeria sobretudo do modo como for tratado pelos convencionais e do número de votos que obtivesse. Em face desses dados, ele veria se podia ou não ser candidato ao Palácio do Catete, mesmo contra a UDN.
 
 
Jânio e o trem da vitória
 
 
Era quase meia noite em Marília. O vento soprava forte e frio. A comitiva após o comício, dirige-se para o embarque. Na estação ferroviária, um casal de operários e um padre esperavam o candidato para batizar a filha que, minutos após, receberia o nome de Eloá Fátima Cristina. O frio e a noite não impediram a singela e comovente homenagem do casal Juvenal-Ramona Silva ao casal Jânio-Eloá Quadros. E ali mesmo na estação, onde estacionava o "Expresso da Vitória", os padrinhos seguraram a vela. Depois, o silvo da máquina anuncia que a comitiva vai partir em direção à próxima escala do itinerário. Jânio descobriu no trem de ferro um novo e eficiente instrumento de propaganda eleitoral. Com ele, já cortou São Paulo de ponta a ponta, em um rush que lhe valeu milhões de votos. Pois aquele trem em disparada, parecia que era movido a jato.
Em cada cidade, ele tinha uma mensagem nova para lançar. E quando passou por São José do Rio Preto, disse:
— "Ninguém ouvirá de mim uma só provocação a qualquer dos meus adversários. Não importa que me injuriem ou me provoquem, porque entendo que a hora presente é tão grave que só com a discussão das idéias poderemos encontrar o caminho que convém à Pátria. Não podemos sequer olhar para trás, pois 65 milhões de brasileiros confiam em nosso critério de governo. O povo é que vai examinar a
conduta de cada candidato. Para isso ele se reúne nas praças públicas e os ouve. Todo o Brasil é testemunha de que percorro o território nacional discutindo idéias, examinando problemas, procurando soluções. Mas reconheço que não sou onisciente. Esta campanha é cívica e para que seja cívica, deve ter um caráter educativo."
A multidão acabara de carregá-lo de dentro do trem, puxado por uma máquina a vapor, para um caminhão levando-o a percorrer assim as ruas de Rio Preto até a Praça Dom José Marcondes, onde se realizou grande comício.
Mas há outras cidades onde o candidato se dirige aos eleitores da própria janela do trem, pois não há tempo para saltar: dezenas de outros pontos de parada estão pela frente e é necessário se prosseguir para o cumprimento de todo o itinerário no prazo previsto.
Através de 460 quilômetros, Jânio percorreu toda a chamada Alta Araraquarense, que era e é uma das mais ricas regiões de São Paulo com eleitorado denso e esclarecido.
Em Catanduva, foi arrancado da janela e conduzido à Praça 1° de Maio, onde 15 mil pessoas o aguardavam:
— "Não desejo chegar à Presidência da República senão para realizar algumas reformas substanciais nos métodos políticos e administrativos. Mas essas reformas só serão possíveis se contar com o apoio maciço do povo brasileiro. Não pretendo apenas ser Presidente. Se for para me eleger e não fazer as reformas que pretendo, prefiro abrir mão até da candidatura. Farei em ponto muito maior o
que consegui fazer em São Paulo. Só aceitei a candidatura quando os partidos me libertaram de todos os compromissos, que são apenas com minha consciência e com o povo brasileiro. Não adianta votar só na pessoa do Presidente da República. É inútil substituir nomes, cidadãos ou indivíduos. 0 que estamos precisando é substituir métodos."
0 "Expresso da Vitória" concluiu em Araraquara a excursão de 48 horas, durante a qual Jânio Quadros falou em 41 cidades, numa média de quase uma cidade em cada 60 minutos, incluindo as horas da noite.
Também fulminante foi a ofensiva na região da Paulista, que ele visitou, num trem, de ponta a ponta. Em Tupã, afirmou:
— "Desde 1930, São Paulo não dá um Presidente da República. Naquele ano, foi derrubado um paulista nascido em Macaé. Em 1960, trinta anos depois, é candidato a Presidência um paulista nascido em Mato Grosso. Parece uma resposta do destino, com o dedo grosso de Deus. 0 que prometo é a Presidência exercida por um amigo de vocês. Verão o Presidente com muita freqüência, caminhando com o povo sem nenhuma formalidade, porque tem confiança nos seus concidadãos e porquê sabe que eles o estimam e respeitam."
Dracena era uma cidade de apenas 14 anos de existência, com oito mil eleitores, e distante 700 quilômetros da Capital de São Paulo:
— "Quero formular um pedido. Não percam um único voto. Onde quer que se encontre um amigo, um parente, um conhecido, um companheiro, procurem essa pessoa e conquistem esse voto. Precisamos obter em São Paulo uma votação maciça. Cada um deve ser o marechal de nossa causa."
Já havia passado anteriormente pelas cidades de Pacaembu, Irapuru, Junqueirópolis, Lucélia, Parapuã, Marília, Pompéia, Brotas, Itirapina, Rio Claro, Limeira, Dois Córregos. Em Adamantina, declarou:
— "Prometo um Governo sem ódios e sem paixões, que ofereça ao povo a vida melhor a que tem direito e no qual o Presidente compreenda que é apenas um representante por poucos anos. Sei que irei sofrer na Presidência, mas alguém precisa levar a cabo a tarefa. As portas do Palácio, em meu Governo, estão permanentemente abertas. Sou o resultado de uma verdadeira revolução que os trabalhadores promoverão contra os políticos que há 30 anos não cuidam dos interesses populares. Estou convencido de que a revolução iniciada a 22 de março na Capital paulista alcançou toda a Nação. Estou pronto, como instrumento dela, para levá-la à república. Não prometo nenhum milagre, nem soluções instantâneas que tragam a felicidade merecida pelo povo. Mas prometo aos brasileiros, onde quer que se encontrem, um Governo honesto e justo, por eles reclamado, para o seu progresso e seu desenvolvimento."
As cidades iam ficando para trás. Em cada uma delas, um comício-relâmpago, apertos de mão, autógrafos, flâmulas, saudações no alto-falante. Centenas de quilômetros eram percorridos em cada 24 horas. O "Expresso da Vitória", em São Paulo, já não podia mais parar.
 
 
JÂNIO NOS BRAÇOS DO POVO
 
 
Ao desembarcar em Santos a bordo do "Durango", Jânio recebeu verdadeira apoteose. Ali estavam figuras da mais alta representação, a começar pelo governador Carvalho Pinto e seus secretários (embora demissionários), presidentes de partidos, deputados e senadores. Mas, além dos políticos, na expectativa da constituição do novo Ministério, era formidável a massa popular, vibrante nas ovações ao nosso novo Presidente.
Os jornalistas e cinematografistas fizeram verdadeiro acerco a Jânio. Estavam desconfiados de que ele desembarcaria, não em Santos, mas em São Sebastião, Ilha Bela ou Bertioga, descendo do navio em escaler, para fugir ao assédio da imprensa. Convenceram-se, porém, de que o desembarque se realizaria normalmente em Santos, quando souberam que, em lanchas, a filha do Presidente e seu esposo, o radialista Alaor Gomes, assim como o governador Carvalho Pinto, já tinham ido ao encontro do "Durango". Além destes, também subiram a bordo os Srs. Athié Jorge Cury, Quintanilha Ribeiro, Oscar Pedroso Horta e Abreu Sodré, figuras prestigiosas da política paulista.
Durante 15 minutos, Jânio conferenciou, a bordo, com o governador Carvalho Pinto e com o general Stênio Caio de Albuquerque Lima, comandante do II Exército, sediado em São Paulo.
Sempre sorridente ao ser cumprimentado pelos jornalistas, dizia o novo Presidente a um por um:
— "Entrevista, só coletiva. Provavelmente, às 16 horas, na Associação do Professorado. Mas não prometo em definitivo. Posso revogar minha decisão."
E, realmente, revogou. Jânio Quadros não quis, desde logo, fazer declarações políticas, ou revelar qual fosse o Ministério que trouxe no bolso. Só disse, peremptoriamente, que ia anular nomeações feitas à granel.
0 desembarque foi um espetáculo de impressionante vibração. Mal chegou Jânio ao alcance da massa popular que se aglomerava no cais de Santos, muitas mãos se estenderam para ele, não só para cumprimentá-lo, mas para carregá-lo em triunfo. Foi assim, nos braços do povo, que JQ atravessou a faixa que separava o "Durango" dos armazéns do porto santista. Gritos entusiásticos se faziam ouvir a todo o instante. Vivas e aplausos prolongados saudavam o novo Presidente. - Jânio já está aí! Jânio já está ai! Jânio já está aí! "viva Jânio! viva o Brasil!" - eram algumas das exclamações mais freqüentes. Foi um delírio. Poucas vezes um homem público às vésperas de subir ao poder teria recebido uma consagração tão expressiva quanto aquela.
 
 
 
A PRIMEIRA POSSE EM BRASÍLIA
 
TRÊS HOMENS E UM MOMENTO HISTÓRICO
 
A capital que JK construiu e inaugurou a 21 de abril de 1960 viveu o seu segundo grande dia, com a cerimônia da primeira posse presidencial. Posse de um Chefe de Estado eleito no mais livre de todos os pleitos da nossa história política. 0 presidente Juscelino Kubitschek de 0liveira saiu, Jânio Quadros entrou e João Goulart continuou. Pela primeira vez desencontraram-se os naipes políticos: o Presidente e o Vice-Presidente saíram de chapas opostas. Tudo isso é sinal dos tempos novos do Brasil, uma democracia que se consolidou.
Era feriado em Brasília. Havia bandeira em todos os edifícios.
A aglomeração no centro da cidade, principalmente em frente ao Palácio do Planalto era enorme. 0s candangos, aos milhares, afluíram da Cidade Livre e das cidades satélites para a Praça dos Três Poderes. Curiosidade imensa: todos queriam ver JQ, sucessor de JK.
Tanto Jânio Quadros, eleito Presidente da República para o período de 1961 a 1966, quanto João Goulart, Vice-Presidente, reeleito, estavam no exterior, quando o Superior Tribunal Eleitoral proclamou o resultado do pleito de 3 de outubro de 1960 e mandou lavrar seus diplomas. Sem estes, não poderiam ter tomado posse, como tomaram, a 31 de janeiro de 1961. Por isso, foram ambos buscar os importantes documentos, cuja entrega ao Superior Tribunal Eleitoral, presidido pelo Ministro Ari Franco, realizou no próprio dia da posse, pela manhã. Uma nota inesperada da cerimônia foi o discurso, fora do programa, que o novo Presidente da República proferiu, de improviso, em louvor da Justiça Eleitoral, sob cuja tutela um homem da oposição alcançara o Poder. Encontrando-se com o João Goulart, Jânio Quadros tratou-o de forma afetuosa e, ao apertar-lhe a mão, declarou-lhe:
— "As divergências não nos separam."
Eram precisamente 11 horas e 5 minutos, quando o Presidente Jânio Quadros entrou no recinto da Câmara dos Deputados, para prestar o juramento exigido pela Constituição da República. Ovacionado longamente, acenou para as galerias. O Congresso Nacional estava reunido, sob a presidência do senador Filinto Müller, Vice-Presidente da Câmara Alta e Presidente das duas casas do Legislativo em suas sessões conjuntas. Diplomatas, governadores, presidentes de partidos políticos, ministros e congressistas enchiam o recinto. Com a Mesa e o plenário de pé, em voz firme e pausada, escandindo as sílabas, o Presidente Jânio Quadros proferiu as palavras que a Carta Magna insere como compromisso dos Chefes de Estado:
— "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República, observar suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência.
Depois, foi a vez de João Goulart, reeleito:
— "Prometo exercer o cargo de Vice-Presidente da República com dedicação e lealdade!"
Novos aplausos. Leitura do termo de posse e o Hino Nacional, encerrando a cerimônia, sem discursos.
Centenas de vassouras surgiram no meio da multidão postada na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto quando o Presidente Jânio Quadros despontou, ao lado de JK, no alto do palanque oficial. Gente de todos os Estados e delegações de cidades próximas foram à Capital para saudar o novo Presidente e desde a manhã panfletos haviam sido lançados, com frases e versos de elogios a JQ. Eram precisamente 12h e l7m quando Jânio e Juscelino apareceram perante o povo. A Banda dos Fuzileiros Navais entoava uma marcha militar. A multidão acenava com pequenas bandeiras coloridas e erguia faixas. Uma delas dizia:
"O governo do povo é aquele que é apoiado pelo povo."
No dia da posse, em meio à agitação reinante, aos aplausos, às explosões de civismo e às execuções dos hinos, pouca gente se lembrou de perguntar por Dirce Maria, a bonita Tutu, filha do Presidente. Mas, na Capital da República, acompanhada de seu marido, o Jornalista Alaor José Gomes, e da avó, ela seguiu, um tanto à distância, as solenidades da investidura de seu pai. Simples e modesta, Tutu saberia apenas pela leitura dos jornais, como seus pais passariam os dias em Brasília. Ela e Alaor continuaram residindo em São Paulo, no Bairro do Itaim, longe das recepções e do protocolo oficial.
 
 
 
 
Jânio Quadros no seu primeiro discurso depois da posse:
a ordem era apertar o cinto
 
Com uma flor na lapela, o Presidente Jânio Quadros dizia que seu caminho não seria de rosas.
— "Estou preparado para tudo até para o sacrifício total, a fim de que as minhas obrigações, contraídas solenemente, possam ser resgatadas!" - exclamou o Presidente Jânio Quadros, ao fazer o seu primeiro discurso desde o dia de sua posse.
O Chefe do Governo fez na Festa da Uva, em Caxias do Sul, várias afirmações importantes sobre os rumos que pretendia imprimir nos negócios do país. Quanto à sua determinação, não quis deixar dúvidas no espírito público, declarando que a obra que o esperava era ingrata e áspera. Por isso mesmo, não acreditou que, dentro de alguns meses, seria o mais popular dos presidentes que o Brasil já teve. O conteúdo dessa oração não constituiu propriamente uma surpresa. Dias antes, em Brasília tinha sido realizada uma reunião coletiva do Ministério. A portas fechadas, Clemente Mariani, Ministro da Fazenda, fizera longa exposição sobre os atuais problemas financeiros. Analisar o orçamento da União para 1961, evidenciando o seu caráter altamente deficitário.
Quando terminou a reunião, um repórter presente ouviu um dos Ministros, que saíam, comentar com o titular de outra pasta:
— "Quer dizer que a palavra de ordem é apertar o cinto..."
Antes mesmo dessa reunião ministerial, através de uma série de providências sintomáticas Jânio Quadros mostrara, de fato, disposição inequívoca de apertar o cinto até o último furo.
 
A SALVAÇÃ0 D0 CRUZEIR0
 
Sua atitude encontrava um apelo histórico: vinha com a mesma firme intenção de reorganizar as finanças e sanear a moeda com que subiu ao poder o paulista Campos Sales. Clemente Mariani teve, junto dele, papel correspondente ao de Joaquim Murtinho. Seria o médico do cruzeiro, como este foi outrora, o médico do mil-réis debilitado. Para os grandes males, grandes remédios. E o atual governo não hesitaria em aplicar uma terapêutica heróica. De início, havia recomendado a todos os serviços providências drásticas no sentido de serem evitadas despesas supérfluas. Mil e uma medidas para diminuir os gastos da Nação foram ordenadas. Com uma só penada, dispensou Jânio Quadros milhares de servidores da União e das autarquias, admitidos nos últimos quatro meses do governo passado. Não titubeou o Presidente em suprimir lugares de adidos militares no exterior e de propor a substituição de alguns oficiais de patente mais baixa, para tornar menores as despesas. A fim de poupar dólares, dispensando funcionários de escritórios comerciais no exterior, fez regressar tradutores da "Military Review", que realizavam nos Estados Unidos trabalho que aqui mesmo poderia ser feito, cancelou a participação dos pára-quedistas brasileiros em manobras de conjunto na Zona do Canal do Panamá e, ainda, fez cortar em 30% as verbas de representação dos diplomatas e em 20% os salários dos professores das cadeiras de Estudos Brasileiros em missão no exterior (um destes, o que ensinava Português na Academia Naval de Anápolis, nos Estados Unidos, foi dispensado). Isso, evidentemente, era apenas um pano de amostra, uma simples indicação do que viria depois.
 
AS DÍVIDAS E OS CREDORES
 
Jânio Quadros, como Campos Sales - o negociador do "funding Loan" -, preocupava-se profundamente com os compromissos do Brasil no exterior. Ainda no discurso proferido, acentuou que esses compromissos - "aí estão sem que tenham sido honrados e sem que em futuro próximo possam ser honrados". Por isso mesmo, o cinto do Brasil será apertado sobretudo no ponto em que as despesas significam o sacrifício de divisas.
O déficit orçamentário era calculado em Cr$ 123 bilhões, sendo Cr$ 73 milhões à conta de encargos previstos e Cr$ 50 milhões à conta de encargos não previstos. Mas no discurso de Caxias do Sul, o presidente Jânio Quadros pintou uma realidade ainda mais impressionantes:
— "Ai está o orçamento da União com um déficit igual ou superior ao da própria lei de meios. Não hesito em estimar esse déficit em mais de duzentos bilhões de cruzeiros."
Era um desequilíbrio que o novo governo queria atenuar o mais possível. E só poderia fazê-lo mediante toda a sorte de poupanças e restrições. Através de uma rigorosa contenção das despesas (30% de cortes nas aprovadas, plano de prioridade para os investimentos, supressão de todo e qualquer pagamento à conta de verbas orçamentárias destinadas a outros fins, como por exemplo, as de vencimentos e salários do pessoal contratado, esperava Jânio Quadros reduzir sensivelmente o déficit espetacular, em que se refletia e atabalhoamento com que o Congresso Nacional elabora a lei orçamentária. Outras medidas, de política monetária, seriam postas em prática, para combater a inflação. Contudo, não podia o novo Governo fugir, de pronto, ao tradicional recurso das emissões. 0 Ministério da Fazenda, autorizou o Banco do Brasil e a Caixa de Amortização a que lançassem no meio circulante mais Cr$ 7 bilhões de papel-moeda.
 
NEGÓCIOS COM OS ESTADOS UNIDOS
 
Pretendia Jânio Quadros, fazer um grande esforço para aumentar a arrecadação, combatendo, por todas as formas, a sonegação de impostos. Todavia, não seriam lançados tributos novos.
Qualquer inovação ou majoração fiscal só entraria em vigor depois de ter figurado na lei orçamentária. Mesmo que o Presidente fizesse proposta nesse sentido e o Congresso a aprovasse, em 1962 as majorações poderiam ser cobradas. 0 Governo, sem esperar pelo próximo exercício, procuraria tomar medidas imediatas e urgentes, reclamadas pela emergência que enfrentava. No conjunto dessas providências estavam: 1) atenuação do ritmo da construção de Brasília (Jânio Quadros já lançava um apelo em que pede a colaboração da iniciativa privada) e 2) a regularização dos nossos débitos no exterior. Com este propósito, Clemente Mariani viajaria para os Estados Unidos. 0 Presidente considerava altamente necessária a ida do gestor da pasta das finanças para conversar com os nossos credores norte-americanos. Quanto a isso, não receava explorações de fundo nacionalista, aliás descabidas no momento em que se lançava a uma política externa ousada, colocando o Itamarati em órbita própria. Se a viagem era necessária, que fosse Clemente Mariani. Ele tinha as bênçãos do Presidente e os votos de sucesso. Chegou a ser noticiado que, antecipando-se à viagem do Ministro da Fazenda, personalidades norte-americanas tinham oferecido ao nosso Governo um empréstimo na base de 100 milhões de dólares. Mas a verdade é que, nem de Washington, nem de Wall Street, chegou tal oferecimento. O que havia era boa vontade dos nossos credores e do próprio Governo norte-americano. Uns e o outros colocaram o problema em termos de grande elevação, através de cartas pessoais à Jânio Quadros e por meio dos canais diplomáticos. Clemente Mariani não faria exigências ao Governo norte-americano. Tentaria concluir um "gentlemen's agreement" para o qual se apresentará bem preparado, levando em seu volumoso dossiê todos os elementos necessários a tal empreendimento. O mais provável é que surjam um esquema de pagamentos, semelhante ao que Osvaldo Aranha negociou também em Washington, durante o primeiro Governo de Getúlio Vargas.
 
OBRAS E REFORMAS
 
O programa de economias não permitia grande profusão de obras públicas federais, mas não significaria paralisação completa do Ministério da Viação. Seriam executadas as obras que pareciam mais indicadas, dentro de um sistema de prioridade, que permitiria a concentração dos recursos disponíveis em determinadas tarefas. Clóvis Pestana, titular daquela pasta (que já lhe era familiar, pois a ocupara durante uma parte do Governo Dutra), recebeu instruções para concluir as obras da estrada Rio-Bahia (pavimentação) e de outras rodovias, executar as obras do porto de Mucuripe (Fortaleza) e cuidar do reaparelhamento e de nossas ferrovias.
No Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o Ministro Oscar Pedroso d'Horta estava dando especial atenção ao problema da reforma da nossa legislação, em grande parte atrasada, ou mesmo obsoleta. Estavam sendo estudadas as reformas do Código Civil, do Código Penal, dos Códigos de Processo Civil e do Processo Penal, da lei de menores, do Código do Trânsito, da lei de contravenções, etc, de modo a atualizá-las, e em certos casos, dar ao Estado novos instrumentos de ação.
No campo da política exterior, Jânio Quadros, decidiu que o Brasil devia manter relações com todos os povos, sem fazer discriminações baseadas nas diferenças entre os seus e o nosso regime. Deu instruções ao Chanceler Afonso Arinos de Melo Franco Sobrinho, para encaminhar o reatamento das nossas relações com a Bulgária, Romênia, Hungria e URSS, estudar o reconhecimento da China continental e dar apoio ao Congo e aos povos africanos em sua luta contra o colonialismo. Para tratar daqueles reatamentos, seria mandado um delegado do Governo à Europa.
— "É possível que as nossas relações diplomáticas sejam estendidas, também à Alemanha Oriental."
Algumas reações contrárias se fizeram sentir nos círculos conservadores e nos meios católicos, mas o Chanceler Afonso Arinos deu a entender, em entrevista coletiva, que os planos governamentais, no tocante à política exterior, não seriam modificados. "0 Brasil pode estabelecer relações com os países da área comunista porque se sente forte e nada natural", o próprio pensamento do Presidente da República sobre o assunto. A fim de aplainar o terreno para as relações com a União Soviética, Jânio Quadros mandou cassar as credenciais dos representantes diplomáticos da Estônia, Letônia e Lituânia, províncias russas que o Tratado de Versalhes tinha convertido em estados-tampões e que a URSS reabsorveu ao fim da Segunda Grande Guerra.
 
 
VASSOURA EM AÇÃO
 
 
Eleito sob o signo da vassoura, prometendo um governo de estrita moralidade, Jânio Quadros, logo nos primeiros dias de seu Governo, desfechou uma grande ofensiva de sindicâncias e inquéritos, escolhendo invariavelmente como membros das comissões destes um oficial de forças armadas (para dar à investigação caráter imparcial e não político), um bacharel (para ficar atento aos aspectos jurídicos) e um contador (para cuidar do aspecto financeiro, não deixando passar camarão pelas malhas). Os inquéritos visaram as administrações do IBGE, da COFAP, da SPVEA, do IAPM, do IAPB, do IBC, do Instituto de resseguros, do IPASE, da Rede Ferroviária Federal e outros órgãos. As mais simples sindicâncias tiveram por objetivo a Cidade Livre (Núcleo Bandeirante), os escritórios comerciais, os ministros para assuntos econômicos, o hospital do IAPETC, a Loteria Esportiva (Toto-Ben), os carros oficiais, os aluguéis dos institutos e até a exploração irregular de pedreiras. Transmitindo suas recomendações em bilhetes e assinando prazos aos ministros, o presidente Jânio Quadros já fazia saber que não aceitaria delongas e, menos ainda, o silêncio como resposta. Quer que as suas indagações sejam respondidas, dentro dos prazos dados. E respondidas por escrito, uma vez que por escrito foram formulados. O sistema é bilhete contra bilhete.
 
DEPOIS DAS VACAS MAGRAS AS VACAS GORDAS
 
Armado de tesoura, podando o orçamento, cortando vantagens, reduzindo verbas, Jânio Quadros estava disposto, no entanto, a fazer com que a máquina governamental produzisse o máximo.
Queria acelerar a marcha da administração, o funcionamento dos diversos órgãos federais. Para começar, exigiu mais trabalho do funcionalismo, modificando os horários das repartições. A sua ação nesse particular teve início quando, mandou exigir mais duas horas diárias de trabalho dos médicos lotados no Hospital Regional de Brasília, autorizando a dispensa imediata dos que se recusassem à prestação de serviços. Sabia que haveria queixas e reações, como estava havendo. Mas ele mesmo é quem dizia que sua obra ''não pode ser levada a cabo sem que interesses sejam contrariados sem violenta e teimosa oposição". E avisa:
— "Enquanto eu tenha força e me sinta prestigiado pela população, hei de promovê-la com o propósito de incluí-la a qualquer custo e por qualquer preço". A ordem era, portanto, apertar o cinto. Nesta emergência, o Governo prometia num novo slogan - um ano de austeridade, para quatro de prosperidade. Vale dizer: apertar o cinto agora para folgá-lo depois.
 
Embaixador negro
 
Embora, aos poucos, aquela mentalidade, cultivada pelo próprio Barão do Rio Branco, fosse desaparecendo, nenhum Presidente, antes de Jânio Quadros, pensara em nomear um homem negro para a chefia de missões diplomáticas, ainda que em nações de homens também negros ou amarelos, como a Abissínia e outras. Quando o atual Presidente revelou a decisão de desviar o seu então oficial de gabinete Raimundo Souza Dantas, jornalista e escritor, para uma das jovens nações da África, como embaixador do Brasil, a notícia ecoou como uma bomba.
Seguiram-se semanas de terríveis apreensões para
o candidato, dependente de exame e aprovação pelo Senado. Correram boatos idiotas, por entender que recebera tratamento discriminatório, com a designação de um embaixador negro pelo fato de ser uma nação de negros. Desmentindo o boato, correu outro: o de que o Senado, prevenido contra o Governo de Jânio Quadros, iria rejeitar as indicações de todos os embaixadores
escolhidos politicamente, fora da carreira diplomática. A rejeição do nome do Brasil em Bonn deu visos de verdade ao que se propalava. 0 candidato a embaixador em Gana sabia que teria de preparar-se bem para poder triunfar das reservas do Senado, contra as suas ligações com o Presidente e contra a sua cor.
 
Disciplina e Trabalho
 
O Presidente da República e D. Eloá Quadros ficaram hospedados na Praia de Tambaú . Nos poucos momentos de folga, eram vistos em ligeiros passeios pela praia e tomando água de côco. Receberam presentes de côcos que levaram para Brasília. O Presidente da República fez uma visita de surpresa ao 1º Grupamento de Engenharia do Exército, declarando em improviso aos oficiais que o receberam:
— "Enfrento uma fase tumultuosa nestes primeiros meses de Governo. O cargo que exerço é transitório e passará. Os senhores permanecerão em seus postos, garantindo a disciplina e o respeito. A verdadeira independência do Brasil, que é a econômica, ainda não foi conquistada. As Forças Armadas têm um grande papel, cumprindo a lei e garantindo a harmonia entre o Presidente da Repúplica e os soldados."
Nos passeios e testes de popularidade a que se submeteu nas ruas de João Pessoa, Jânio Quadros saiu-se otimamente. Riu muito ao ler uma faixa que assim o saudava: "Jânio Trabalha mesmo. Vamos trabalhar, pessoal ."
 
Brasil / Rússia
 
 
Em São Paulo festejava-se a reaproximação de Jânio Quadros com antigos companheiros socialistas de lutas memoráveis. Divergências posteriores os separaram. Mas agora se re encontravam em torno de pensamentos e diretivas comuns. Em meio ao natural contentamentos Jânio Quadros anunciou:
— "O reatamento das nossas relações com a Rússia está bem mais próximo
do que muita gente imagina."
Sabia o Presidente da República que dali a dois dias chegaria a Brasília a missão soviética enviada por Nikita Kruchev para conversar com ele e acertar os detalhes finais do reatamento. O Governo brasileiro tinha pleno conhecimento de que a missão trazia amplos poderes para dar às conversações um gabarito de alto nível, pois era composta de funcionários de grande prestígio no comando soviético: Mikail P. Georgedze, secretário do Presidium do Soviete Supremo da URSS e presidente da Associaçao dos Amigos da América Latina; D.D. DegtJor, vice-presidente do Comitê das Relações Exteriores; A.F. Dobryin, embaixador; N. Mostovers, do Instituto de Economia Mundial e de Relações Internacionais de Ciências; sra. M.A. Ostapenko, membro do Soviete Supremo; Romanovski, vice-presidente do Comitê para as Relações Culturais com o Exterior e Khnenikov, membro do Soviete Supremo.
Houve um desencontro entre a missão soviética e o Presidente brasileiro, que teve de voar num jato para São Paulo a fim de conhecer sua neta. Mas, pelo telefone, falando com Brasília, ele pediu encarecidamente:
— "Faço questão de conversar com os russos. Peçam-lhes que me esperem até amanhã. Preparem as honras de estilo e as continências militares para recebê-los no Palácio do Planalto. Quero também condecorá-los. "
 
 
Dramático
 
O caso humano mais lamentável foi o de um auxiliar de Jânio Quadros que, após várias semanas de gestões, havia conseguido finalmente um apartamento em Brasília. Preparara a mudança dos móveis e dissera à mulher que saísse de São Paulo com os filhos ao seu encontro. Duas horas depois do seu telefonema, sobreveio a renúncia. E quando ele conseguiu novamente falar pelo telefone com São Paulo, já estava a família na estrada, a caminho de Brasilia seguida por toda a mudança rodando em cima de um caminhão. Vários governos foram interrompidos bruscamente em nosso País. Os antecessores de Jânio Quadros fora: Pedro I, que renunciou, como Imperador, em 1831, frente a uma revolução popular e nacionalista; D. Pedro II, deposto em 1889 pelo Exército; Deodoro da Fonseca, em 1891, deposto pela Marinha e elementos do Exército; Washington Luís, deposto pelo Exército e Marinha, para por termo à Revolução de 1930; Getúlio Vargas, deposto em 1945, e levado ao suicídio, em novo período de governo em 1954; Café Filho, declarado "impedido", depois de um pronunciamento militar; Carlos Luz, também "impedido", quando em exercício, como substituto de Café; e, por fim, Jânio Quadros, o único cuja renúncia se deu sem tropa na rua e sem intimações prévias.
Durante nada menos de vinte minutos, na presença dos outros dois ministros militares, o Marechal Odilio Denys fez um dramático apelo ao ex-Presidente Jânio Quadros para que não consumasse o seu propósito de renunciar.
Jânio fugiu do carnaval
 
 
Alheia aos festejos carnavalescos, a família Jânio Quadros passeou em São Vicente.
— "Vim descansar durante o carnaval e não me afastarei desse propósito."
Refugiado no apartamento do Deputado Abreu Sodré, em
São Vicente, o Presidente Jânio Quadros só ia à rua para breves passeios pela manhã e à tarde. Trajando roupa esporte percorria a pé as ruas da ilha Porchat, sempre aplaudido e cumprimentado pelos transeuntes. Por vezes saía com D. Eleá, D. Leonor (sua mãe) e "Muriçoca", o cãozinho que lhe foi ofertado pela Rainha Elizabeth. Sentado na balaustrada da ilha Porchat, Jânio conversou com os jornalistas. Nenhum deles se atreveu a a inquirí-lo sobre política. Todavia, diziam-se que Jânio flcou contrariado com a vitória de Prestes Maia na convenção da UDN que o indicou como candidato do partido à sucessão municipal. Indagado sobre o que fazia quando ficava no apartamento respondeu:
— "Leio e estudo alguns processos que precisam de rápido andamento."
Num dos seus passeios matinais, passou por uma banca que vendia peixes e encomendou algumas dúzias de ostras. Após o carnaval, um helicóptero o levou de São Vicente a Cumbica, de onde regressou a Braíilia. O cerco dos jornalistas foi grande, mas o dos políticos não ficou atrás. Jânio entretanto, não recebeu ninguém, excetuando-se aqueles a quem mandou chamar.
 
 
Jânio: uma questão de ícone
Jânio era o primeiro a chegar e o último a sair.
O Presidente revelou-se verdadeiro campeão de resistência, durante a Conferência dos Governadores de São Paulo, Guanabara e Estado do Rio, no Palácio Itamarati. Durante os exaustivos trabalhos, esteve sentado numa cadeira quase vinte horas, ouvindo um contínuo bombardeio de cifrões e de palavras. Houve, em toda a Conferência 186 intervenções verbais, com o caráter de discurso, uns mais breves, outros mais longos. O Governador da Guanabara, surpreendeu pela breviloquência , não indo além de cinco minutos em sua saudação ao Presidente. A reunião provou que o silêncio nem sempre é de ouro, pois foram com palavras expressivas, sublinhadas por gestos dramáticos, que tão poucos Governadores obtiveram tantos bilhões em benefício de seus governados.
Uma coisa era certa: os encontros mensais do Presidente com os Governadores entravam numa fase de resultados positivos e de consequênclas excelentes para seus promotores e participantes.
Não havia mais intermediários entre o Governo Central e os Estaduais. A Federação começou a funcionar dentro de um clima de contatos diretos, que desfaziam os mal-entendidos, evitavam as intrigas, facilitavam os entendimentos, suprimiam as delongas.
Quem estava justamente preocupado com isto eram os deputados e senadores, que deixavam de representar as aspirações dos seus Estados e de seus Governadores junto à União e que perdiam assim o grande pretexto para as suas influências e prestígios de natureza eleitoral. Em vez de utilizar-se das suas mediações, o Presidente foi ao encontro dos Governadores e recebeu os Prefeitos, resolvendo com eles, frente a frente, os seus problemas e reivindicações.
O êxito do encontro da Guanabara foi completo. Nada ficou sem solução. Os poucos pedidos desatendidos não tinham maior significação dentro do volume e do conjunto gerais de projetos.
Dos três Governos participantes, o mais aquinhoado - e, por isto o mais feliz, com os resultados da Conferência - era justamente o da Guanabara. Desfizeram-se assim os receios de que as divergências entre Jânio Quadros e Carlos Lacerda com relação à política externa pudessem sem prejudicar o mais novo Estado em suas reivindicações.
Mesmo antes do Presidente pisar o solo da Guanabara, gestões previas haviam assegurado um clima de cordialidade para as conversações. Carlos Lacerda comparecera à televisão e solicitara uma trégua de 48 horas aos seus inimigos enquanto conversava com o Presidente, prometendo voltar à luta logo depois.
Quando Jânio Quadros desceu no aeroporto militar, apertou efusivamente a mão de Carlos Lacerda. Eram os dois companheiros de campanha eleitoral, ambos vitoriosos, que se reencontravam, depois de separados por Cuba e Fidel Castro. Iam agora tratar de problemas públicos e haveriam de sentar-se, com isenção de ânimo e boa vontade, em torno da mesa comum.
Outra verificação pode o Presidente fazer logo de saída: a de que o ambiente no Rio de Janeiro não lhe era hostil. Ao longo da avenida do aeroporto, o povo saudava o visitante como se quisesse traduzir nessa saudação as esperanças de solução de seus problemas mais angustiantes.
A cerimônia de instalação do encontro do Itamarati foi rápida. O anfitrião foi sóbrio na saudação feita:
— "Vossas Excelências estão em casa. Os ausentes desta Conferência nos acompanham, os surdos escutam, nesse desafio para solucionar os problemas."
Jânio Quadros declarou em resposta que aquela reunião haveria de produzir bons frutos:
— "O meu Governo tem poucos meses e dias. Não elaborou o orçamento que está executando. Logo após sua instalação, viu-se na terrível contingência de adotar medidas econômicas e financeiras. Esta tranqüilo com sua consciência: cumpre o dever como Deus permite
e espera um crédito de confiança a que faz jus pela sua firmeza e impessoalidade. Tenham os Governadores aqui presentes a segurança de que o que se puder fazer será feito."
No dia seguinte, começou a distribuição dos auxílios. Cada ministro opinava sobre as sugestões dos respectivos grupos de trabalho. O primeiro foi o da Educação, Brigido Tinoco. A Guanabara conseguiu verbas num total de Cr$ 233 milhões para escolas, mas não obteve três auxílios para esportes, pleiteados pelo Sr. João Havelange.
O Governador da Guanabara conseguiu aprovação integral para o programa de investimentos na energia elétrica, num total superior a Cr$ 10 bilhões . Aprovaram-se também os estudos para instalação de uma usina de energia atômica na região Centro-Sul, de uma usina de asfalto, de um Centro de Pesquisas da Petrobrás e de uma indústria petroquímica. O Estado de São Paulo viu atendida sua única reivindicação de maior vulto: um empréstimo de Cr$ 12 bilhões e um aval do BNDE para US$ 100 milhões destinados à construção da Usina de Urubupungá.
No último dia da Conferência, Jânio Quadros anunciou bem alto:
— "Cr$ 15 bilhões para melhores condições do transporte aos trabalhadores, necessárias à normalidade da vida carioca e mesmo à própria estabilidade do País."
O Estado da Guanabara recebia assim um apoio maciço para melhorar os seus transportes suburbanos.
Quando Jânio Quadros encerrou a Conferência, ao meio-dia do sábado, haviam sido distribuídas algumas dezenas de bilhões de cruzeiros, com boa vontade e compreensão recíprocas. O Presidente da República entre uma e outra reuniões, ainda encontrou tempo para manter diversos contatos no Palácio das Laranjeiras, onde se hospedou. antes mesmo do início da Conferência, ele já havia conversado, em particular, com cada um dos três Governadores, acertando previamente todas as decisões que seriam tomadas em seguida no plenário da Conferência.
À saída do Itamarati, Jânio Quadros foi sempre muito aplaudido. Homens simples esperavam-no à porta para saudá-lo. Outros aproveitavam a oportunidade para apresentar-lhe seus pedidos e apelos, que eram atendidos na medida em que o Presidente conseguia falar-lhes no trajeto até o automóvel.
Os Governadores não esconderam seu contentamento diante do sucesso da Conferência. Receberam mais do que esperavam e além do que pediram. Celso Peçanha confessou que Jânio Quadros atendeu a pedidos que não constavam sequer da agenda, enquanto Carlos Lacerda afirmava que agora a Guanabara estava integrada na Federação.
No Copacabana, foi oferecido um jantar aos participantes da Conferência. Jânio Quadros não compareceu. Mas esteve presente à solenidade de diplomação da turma do Instituto Rio Branco, perante a qual fez um discurso sobre o novo estilo da diplomacia brasileira.
Quando embarcou para São Paulo, sempre aplaudido, deixava atrás de si, na ex-Capital da República, um rastro de bilhões de simpatia.
O encontro dos Governadores com o Presidente da República na Guanabara foi um sucesso administrativo, político e popular. Administrativamente, resolveram-se problemas que por outras vias levariam anos para se chegar a uma solução, se chegassem. Politicamente, o Presidente logrou de certa forma ampliar sua influência e suas atrações sobre o Governo do Estado do Rio, ao mesmo tempo em que desfazia as arestas e diminuía as fricções que o separavam do Governador da Guanabara .
Populisticamente, Jânio Quadros pode realizar em pessoa, um teste de grande significação para seu Governo, colhendo na rua os aplausos e o carinho que a rigor ele próprio não esperaria, em face das duras providências adotadas no inicio do seu mandato.
 
CURIOSIDADES DA CONFERÊNCIA
 
*O Presidente Jânio Quadros era sempre o primeiro a chegar ao Palácio do Itamarati: às 6 da manhã já estava esperando pelos Governadores junto ao lago do jardim, consultando o relógio de bolso.
*O Presidente aprovava as reivindicações com um lápis vermelho e vetava com um lápis preto. Na sua frente, haviam 5 lápis vermelhos e apenas 2 pretos...
*O Ministro Castro Neves (Trabalho) foi escolhido pelas funcionárias do Itamarati como "o mais elegante da Conferência".
*Quando ouvia um "aprovado" de Jânio Quadros, o Governador Carlos Lacerda sorria e esfregava as mãos de contentamento, ou levantava o polegar da mão direita.
*Enquanto se desenvolviam os trabalhos no plenário, nos fundos do Itamarati, próximo à garagem, um homem nervoso e preocupado tentava consertar um pequeno defeito no carro presidencial. Era o chofer de Jânio Quadros.
*O Sr. João Havelange saiu muito contrariado. O Presidente não dera muita BOLA para as suas reivindicações esportivas.
*Na sessão de encerramento o Governador Celso Peçanha chegou 20 minutos atrasado. Sentou-se à mesa e, depois, reparando que não falara com ninguém, levantou-se e foi cumprimentar o Presidente. Jânio esticou a mão direita e com a esquerda puxou o relógio do bolso, não dizendo absolutamente nada.
 
 
 
 
EFEITO LEITE COM CAFÉ
MINEIROS X PAULISTAS
 
O Estado de São Paulo fora banido do comando da República pela revolução vitoriosa. Os gaúchos de lenço vermelho em volta do pescoço derrubaram o homem do cavanhaque. Não era um paulista de nascimento. Mas, embora filho de Macaé, Washington Luís representava São Paulo como se fosse um descendente dos bandeirantes, um paulista de quatrocentos anos. Singularmente, não tivera a preocupação de trazer paulistas para a Capital da República. Seu Ministério, sem colorido regional, tinha homens de vários estados. Fora o descobridor de Getúlio Vargas, colocando-o no Ministério da Fazenda, entregue, depois ao fluminense Oliveira Botelho. Fora o descobridor de Otávio Mangabeira a quem confiara o Ministério das Relações Exteriores. E de Victor Konder, a quem chamara para o Ministério da Viação e Obras públicas. Um mineiro, Viana do Castelo, era o seu Ministro da Justiça. O que ele desejava para São Paulo era apenas o poder central. Quis fazer o seu sucessor na pessoa de Júlio Prestes, mas a revolução não deixou.
Com Getúlio Vargas, deu-se a ascensão dos gaúchos, como em nenhuma outra oportunidade da nossa história. Uns foram ministros de Estado, como Osvaldo Aranha, Maurício Cardoso, Antunes Maciel e Souza Costa. Outros, embaixadores, como Aranha, Batista Luzardo, João Neves da Fontoura. Outros, diretores de serviços públicos importantes como Napoleão de Alencastro Guimarães. Ou ministros do Supremo, como Plínio Casado, ou do Tribunal de Gontas, como Rubem Rosa, ou diretores do Banco do Brasil, como Leonardo Truda. Interrompeu-se, assim, por largo tempo, a gangorra política de São Paulo-Minas Gerais. Mesmo com a reconstitucionalização do País, depois de Dutra, voltou Vargas ao poder, continuando o predomínio dos gaúchos. Ao ser eleito Kubitschek de Oliveira, os mineiros, contidos desde 1926, fim do governo Bernardes, se espalharam, descendo quase em massa da montanha para o Rio. Minas Gerais teve então em seu poder várias pastas e outros importantes postos públicos. No Ministério das Relações Exteriores esteve Negrão de Lima, depois de ter sido prefeito do Rio e antes de ir servir como embaixador em Lisboa. No Ministério da Fazenda esteve José Maria Alckmin, logo no início do governo de JK. No Ministério da Educação Clóvis Salgado, substituído, ao ter que se desincompatibilidade, por Pedro Paulo Penido, também mineiro, que exerceu, ainda, a pasta da Saúde Pública. No Ministério da Guerra esteve o mineiro Henrique Lott. Na Casa Civil, antes de Osvaldo Penido, o mineiro Vitor Nunes Leal, nomeado depois Ministro do Supremo, como antes também o fora o mineiro Antonio Vilas-Boas. Na Biblioteca Nacional esteve o mineiro Celso Cunha. No Instituto Nacional do Livro, o mineiro José Renato dos Santos Pereira. Como governador provisório do Estado da Guanabara, o mineiro José Sette Camara. E como diretor da SURSAN, o mineiro João Augusto Penido. O Tribunal de Contas da União recebeu como reforço mais alguns ministros mineiros, como Gustavo Capanema e Ciro dos Anjos. Os nomes do ex-deputado Bolivar de Freitas, nomeado para uma missão diplomática no exterior, e o do escritor Murilo Rubião, que chefiou um escritório do Ministério do Trabalho em Madri. E Israel Pinheiro, prefeito de Brasília (depois de ter sido o seu infatigável construtor).
Em 31 de janeiro de 1961, um mato-grossense de nascimento, mas paulista adotivo, recuperou para São Paulo o bastão de comando extraviado desde a queda de Washington Luis. Estava desfeito o encanto. Quebrara-se o tabu. E ia começar um verdadeiro "changez de places", para os que não tinham a vitalicidade assegurada. Embora não tendo tal como o paulista de Macaé, constituído um governo de fundo regionalista, pois destinou ao Nordeste, a Minas, Bahia, Rio Grande do Sul e Estado do Rio de Janeiro cargos da maior importância, o novo Presidente Quadros levou consigo para Brasília uma equipe de paulistas jovens e trabalhadores, que conhecia bem de perto, e com os quais estava em contato desde os seus tempos de vereador, deputado, prefeito e governador.
Os mineiros começaram a ceder lugar aos paulistas, distribuídos por diversos postos, segundo as qualidades e as aptidões de cada um. Pode-se dizer que JQ teve, para com os seus companheiros de campanhas políticas em São Paulo, a mesma espécie de atenção e solidariedade que Juscelino Kubitschek de Oliveira ao revalorizar a contribuição dos mineiros à nossa vida pública. O "staff" paulista de Jânio Quadros seria, decerto, bem maior, se alguns não tivessem preferido continuar a prestar serviços ao Presidente fora do governo. Era o caso de Lino de Matos, Castilho Gabral, Emílio Carlos e Hélio Muniz, que recusaram os convites que lhes foram feitos para ocupar altas posições. 0 grupo paulista do novo governo inclui, porém, entre outros, os seguintes nomes:
1. OSCAR PEDRO HHORTA, Ministro do Interior e Justiça. Advogado e Jurista de grande nomeada, diz-se que lhe caberia uma das futuras vagas no Supremo Tribunal Federal, onde já pontificaram altas expressões jurídicas paulistas, como Laudo de Camargo, por exemplo.
2. CASTRO NEVES, Ministro do Trabalho. Antigo colaborador de Jânio Quadros como Secretário do Trabalho e Secretário do Governo de São Paulo.
3. QUINTANILHA RIBEIRO, Chefe da Casa Civil da Presidência. Foi também um dos auxiliares mais eficientes do atual Presidente quando governador.
4. JOÃO LEOPOLDO DE FIGUEIREDO, Presidente do Banco do Brasil. Figura de projeção nos altos círculos bancários de São Paulo e ex-diretor do Banco do Estado.
5. BRIGADEIRO FARIA LIMA, Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Aviador e engenheiro, embora nascido em Vila Isabel, bairro carioca, era fazendeiro em São Paulo e ali fez, como o próprio Jânio Quadros, a sua vida política, como eficiente Secretário da Viação e Obras Públicas de dois governos
6. PAULO DE TARSO, Prefeito de Brasília. Jovem político que teve uma rápida ascensão como um dos valores morais e intelectuais do Partido Democrata Cristão, pertencia à bancada federal paulista antes de assumir o cargo.
7. ARARIPE SERPA, Subchefe da Casa Civil da Presidência da República. Deixou um mandato de deputado, para aceitar esse posto e colaborar no governo que resultou da campanha de que foi um dos esteios.
8. EMANUEL, MASSARANI, um dos oficiais de gabinete que trabalham em permanente contato com o Presidente. Era o branco da sala preto e branco, fazendo "pendant' com o escritor negro Raymundo de Souza Dantas.
9. CLÓVIS GARCIA, diretor do Serviço Nacional de Teatro. Foi o colaborador do governo Jânio Quadros como diretor da Comissão Estadual de Teatro, de São Paulo e presidente do Instituto de Previdência do Estado. Teria o Rio de Janeiro como o centro de sua atuação.
10. SAULO RAMOS, oficial de gabinete.
11. J. PEREIRA, oficial de gabinete. É o autor do livro "Bilhetinhos de Jânio" e foi chefe da Censura de Diversões Públicas de São Paulo, no governo Carvalho Pinto.
12. JOÃO BRÁS, auxiliar da Presidência da República.
13. FLÁVIO TAMBELLINI, diretor do Grupo de Estudos Cinematográficos, nomeado em substituição ao mineiro Geraldo dos Santos Pereira.
Não foi, porém, apenas no domínio do Executivo que São Paulo retomou o comando. Sem a intervenção direta de Jânio Quadros, mas, inequivocamente como um reflexo da nova situação, a mesma coisa se deu no Poder Legislativo. No Senado, um representante paulista, AURO DE MOURA ANDRADE, deslocou da primeira vice-presidência o mato-grossense Felinto Muller. E o paulista RANIERI MAZZILI foi, mais uma vez reeleito presidente da Câmara dos Deputados e, conseqüentemente, para a segunda vice-presidência da república (ao senador Moura Andrade corresponde a 3ª vice-presidência da república). Detinha São Paulo, assim, além da Presidência da República, a alta direção do Poder Legislativo (excluída a presidência do Senado, que caberia, constitucionalmente, a João Goulart, vice-presidente da Nação). Restava, apenas, o Poder Judiciário. E não era sem certa malícia que começavam a surgir rumores de que um paulista o Ministro CANDIDO MOTA FILHO, membro da Academia Brasileira de Letras e ex-professor de Direito do atual Presidente da República, poderia ser eleito para a presidência do Supremo Tribunal Federal. Anunciou-se que, João Goulart, ora na Fazenda do Torto, iria se mudar para o município paulista de Araraquara, tencionando fazer do Estado de São Paulo, onde teve 1 milhão e 100 mil votos, a sua base política. A hora era paulista, por excelência, e ele teria compreendido que suas aspirações à Presidência da República só poderiam cristalizar-se se conseguir uma penetração vigorosa nos redutos eleitorais paulistas. Teria ele dito aos amigos:
— " Vou para a toca do leão."
Mas vários leões paulistas, uns na toca, e outros ao longe, de atalaia, em posição de mais alta importância, velariam no sentido de evitar que o comando da República escapasse facilmente de São Paulo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A REVOLUÇÃO DE Jânio QUADROS
 
Houve um determinado momento em que, de tão emocionado, Jânio quase chegou ao choro, e proclamou:
“- Pela primeira vez na história desta Pátria instituiu-se um governo sem compromissos com partidos ou grupos. A esperança do povo no meu governo exige que não haja mais delongas nessas reformas. A conjuntura revolucionária que a Pátria atravessa dá-me a convicção de que é necessário promover e executar, com urgência, essas reformas estruturais, cujo cumprimento me dá a segurança de que não faltei ao meu dever. Assumimos compromissos nas praças públicas com as multidões anônimas, do Sul, do Norte, do Leste e do Oeste. Essas promessas serão cumpridas. Porque promessa é como título de banco: vence em prazo certo.”
Foi dramático o tom destas palavras. À exceção do Ministro Afonso Arinos, estavam presentes todos os Ministros de Estado, além do Presidente do Banco do Brasil, do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, do superintendente da SUDENE. Jânio Quadros fez questão que o seu secretário particular e seu secretário de imprensa, pela primeira vez, ouvissem o que ele tinha a dizer:
“- A confiança do povo mantém-se íntegra, apesar das medidas impopulares de ordem financeira que fomos obrigados a adotar. Confio no regime. Esta convicção me dá a tranqüilidade de que posso fazer um governo honesto e democrático. Estou assim fortalecido no propósito de seguir até o fim pela trilha que escolhi.”
Depois, o Presidente Jânio passou a examinar os itens de sua reforma.
 
1 – ESTATUTO DA TERRA
Tratava-se de uma denominação diferente para um assunto antigo: o da reforma agrária. Desde que foi a Cuba em companhia do Deputado Francisco Julião, o Presidente tomou conhecimento direto do problema que suscitara o aparecimento e a ampliação das ligas camponesas. Quando chegou ao Governo, estava, portanto, bem ciente da situação de miséria e desamparo de certas áreas rurais do País, sobretudo aquelas mais sujeitas a um regime feudal de exploração do trabalho humano, como acontecia nas regiões canavieiras. Daí a pressa em elaborar o Estatuto da Terra, que disciplinasse em bases mais humanas as relações entre o camponês e os donos da terra. A experiência vitoriosa de São Paulo seria desenvolvida no resto do país com as adaptações regionais de cada Estado. Ao lado dela, como providências paralelas, estavam sendo determinadas as instalações de agências do Banco do Brasil, fixas ou volantes para levar o crédito ao pequeno produtos e agricultor, no local do seu trabalho, nas granjas e fazendas. Jânio Quadros presidiu a instalação da Comissão de Amparo à Produção Agropecuária (CAPA), integrada pelos Ministros da Fazenda e da Agricultura, além do Presidente do Banco do Brasil, investida de PODERES INÉDITOS para resolver os problemas da produção pecuária e agrícola. As ordens presidenciais foram taxativas:
“- Do contrário, em alguma serra perdida poderia emergir, a qualquer momento um Fidel Castro brasileiro.”
 
2 – REFORMA BANCÁRIA
O Banco do Brasil sofreu modificação profunda em sua orientação. Já não era mais uma empresa destinada a obter lucro em suas transações, mas um estabelecimento que tinha por objetivo financiar a produção. “- Estejam certos de que temos compradores para tudo quando produzirmos” – disse o Presidente. O Banco do Brasil passaria a ser um agente da produção em larga escala das coisa que o País necessitava para seu consumo interno e sua exportação. – “Produzir, cada vez mais, produzir tudo, sem receio e sem timidez” - era o slogan lançado na última reunião ministerial. O Governo tinha os planos para criação imediata de dois novos bancos. A organização de um deles – o de Exportação e Importação – foi recomendada a um grupo de economistas de São Paulo, em colaboração com Técnicos do Ministério do Exterior, por causa da natureza diplomática e econômica de que se revestia. O outro foi solicitado a especialistas dos Ministérios da Fazenda e da Agricultura: o Banco Rural. Com esses dois novos instrumentos, além do Banco Central, que seria criado posteriormente, Jânio Quadros esperava dinamizar a política de crédito interno, tornando-a maleável e elástica, como estímulo ao verdadeiro produtor em vez de incentivo aos especuladores e aos investimentos imobiliários, ao mesmo tempo em que se aparelhava para regular, através de um estabelecimento de crédito as operações de importação e exportação, que ficavam esparsamente confiadas a diversos órgãos (CACEX, Carteira de Câmbio etc.).
 
3 – LEI ANTITRUSTE
O Governo tinha urgência em cobrir os abusos do poder econômico. Nesse sentido, mandou mensagem ao Congresso. Provocou reações com tal decisão, mas se manteve firme e decidido a levá-la às últimas conseqüências. João Agripino, Ministro das Minas e Energia, em face do seu prestígio parlamentar e de suas ligações em todas as bancadas do Congresso, foi pessoalmente incumbido de comandar a articulação, em nome do Executivo. O projeto emperrou na Comissão de Economia onde o Deputado Jacob Frantz (PTB da Paraíba) apresentou um substitutivo, gerando-se, então, forte controvérsia em torno do seu artigo 22. As bancadas do PTB e do PSD entraram em crise, retirando-se os trabalhistas da comissão em sinal de protesto. Voltaram quatro dias depois, graças a gestões apaziguadoras, e o projeto deveria retomar seu curso. Dentro de 15 dias, com novo período de freqüência obrigatória e de comparecimento maciço, a Câmara deveria aprovar a Lei Antitruste, com a qual o Governo tencionava desencadear a sua ofensiva contra os excessos dos detentores de grandes capitais e empresas. Simultaneamente, como medida complementar, seriam revistas as tabelas do imposto de renda. João Agripino encarregou o Ministro da Fazenda de fazer essa revisão. Os técnicos em problemas de impostos estavam debruçados sobre as tabelas, tornando-as mais rigorosas para os lucros extraordinários e aliviando-se para os salários e vencimentos. Aos ricos caberia uma cota de participação bem maior na recuperação financeira do País.
 
4 – REFORMA DOS CÓDIGOS
quem ficou encarregado deste item foi o Ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta. Tornara-se necessário criar comissões de coordenação para cada código a ser revisado. O Professor Alberto Muniz da Rocha Barros, que ficara como coordenador-geral, sugerira a descentralização dos trabalhos, através das várias comissões. Foram então convidados juristas de renome para cada uma delas: Orosimbo Nonato, Orlando Gomes, Bulhões Pedreira, Nelson Hungria, Caio Mário Pereira, Silvio Marcondes, Alfredo Buzaid. Tornava-se necessária a verba para instalação dessas comissões. O Ministro da Justiça fez o pedido e o Presidente da República determinou na mesma hora que o Ministro da Fazenda atendesse a solicitação. Os anteprojetos levaram ainda alguns meses para ficar prontos. É que, em certos casos, a legislação estava tumultuada, esparsa, confusa e contraditória. Certos códigos tinham dezenas de anos e até mais de século de vigência. Estavam desatualizados e deformados.
Cada um deles, isoladamente, seria obra para todo um Governo. Mas o Ministro da Justiça estava esperançoso de que ainda no seu mandato, Jânio Quadros poderia sancionar os novos Códigos Civil, Penal, Processual Civil, Processual Penal, das Contravenções, do Trabalho, Comercial.
 
 
 
5 – REMESSA DE LUCROS AO ESTRANGEIRO
Este problema era considerado pelo Governo como “fundamental para a defesa da economia do País”. O anteprojeto de lei estava pronto. Tornou-se aconselhável, entretanto, submetê-lo a um estudo final do Ministério da Fazenda e em outros órgãos especializados. Mas, por todo o mês de julho de 1961, Jânio Quadros teria mandado ao Congresso a mensagem que reuniria num só texto os três anteprojetos elaborados, por setores do Executivo. Com ela, o Governo iria ao encontro dos anseios de toda a corrente nacionalista do Parlamento, que há tempos se vinham batendo pela necessidade de disciplinar o retorno dos lucros das empresas estrangeiras. O levantamento feito pelos técnicos do Ministério da Fazenda comprovou enorme sangria, diariamente feita no Orçamento cambial do país, através dos lucros remetidos para fora do Brasil pelas companhias estrangeiras. Em alguns casos, positivou-se a suspeita de que muitas dessas empresas já mandavam para as suas matrizes, como lucros, importâncias correspondentes a quinze vezes o capital com que aqui chegavam para iniciar suas atividades. Caberia ao Congresso responder ao desafio do Governo e aprovar o projeto o mais rapidamente possível, ou então arcar com a responsabilidade de protelá-lo por muito tempo. De qualquer maneira, Jânio Quadros acreditava que teria cumprido com o dever que lhe tocava de provocar uma solução urgente para o assunto, capitalizando assim em seu favor mais esta iniciativa de fundo nacionalista, com a qual se apresentaria diante da opinião pública de todo país, como o grande defensor da economia nacional, diante da evasão e dos abusos de empresas estrangeiras.
 
6 – REFORMA ADMINISTRATIVA
 
- “Encontrei a máquina oficial emperrada, dominada pela burocracia. Mas não posso me conformar com isto.”
Esta declaração do Presidente da República foi feita em tom patético. Apelava para cada um dos ministros no sentido de que tratassem de desburocratizar o ministério, a fim de que os processos tivessem tramitação simples e urgente. João Agripino, aparteando, revelou que vem encontrando grandes dificuldades em elaborar as reformas que lhe foram confiadas justamente por causa das absurdas e irritantes barreiras burocráticas. O sistema dos bilhetinhos, instituído pelo chefe do Poder Executivo com a finalidade de abreviar e simplificar a tramitação administrativa estava sendo complementado por seus contatos diretos através do telex e pelos encontros com os governadores de Estado.
“- Precisamos ganhar a batalha contra a morosidade e o comodismo na execução dos objetivos governamentais. O meu Governo, verdadeiro milagre pela legitimidade das fontes em que hauriu o Poder, aceitou o desafio de renovar, revolucionar, liquidar as perecidas rotinas e promover o progresso nacional.”
Pediu a cada ministro, que levasse a cabo, no semestre agora iniciado, as tarefas que lhe cabiam. Frisou que o ministério não tinha compromissos com pessoas, nem com grupos nem com partidos. O governo só estava comprometido com os milhões de brasileiros que o elegeu e que nele confiava. Quanto aos ministros não podiam ter outro compromisso, que não fosse com o chefe do Governo e, através dele, com os mesmos milhões de brasileiros. Jânio Quadros foi ainda mais severo quando disse:>
“- Não peço nada a Vossas Excelências ou a ninguém que eu mesmo não faça: chego a este palácio às 6 horas da manhã e saio dele já baixada a noite.”
 
7 – REFORMA DO ENSINO
Jânio Quadros estava vivamente preocupado com os erros que se acumularam ao longo de muitos anos na educação dos brasileiros. Estudou-os e verificou que ainda havia tempo para operar-se uma grande renovação nos métodos, nos currículos e nos processos pedagógicos em vigor no país. O Ministério da Educação seria mobilizado para uma campanha de envergadura nacional. A renovação começaria em Brasília com a instalação da sua universidade, cujo projeto estava paralisado na Câmara. Esse projeto datava do governo anterior. A UDN resolvera entravá-lo e, estava sob o impulso do novo governo, decidiu facilitar sua aprovação. O projeto foi aprovado em primeira discussão. A pedido do Deputado Raul Pila, foi concedida uma segunda discussão para votação final, que deveria verificar-se dentro de mais uns 20 dias. A área para a Universidade de Brasília foi doada pelo Presidente Jânio Quadros, através da NOVACAP. O plano urbanístico, de autoria de Lúcio Costa, estava pronto. O projeto seria concluído dentro de poucas semanas, possibilitando sua execução gradual e progressiva. O Governo não hesitou em convocar para esta tarefa os professores Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que dele divergiam, mas cuja colaboração foi por ele julgada indispensável à reforma do ensino brasileiro, sobretudo no setor universitário. O objetivo da reforma era tornar a educação no Brasil mais moderna, funcional, prática, simples, direta e útil.
 
8 – PLANO Qüinqüenal
Não houve nenhum receio de usar a denominação que podia ser mal interpretada e pior aceita: Plano Qüinqüenal. Uma equipe de jovens técnicos e estudiosos trabalhou de dia e de noite, silenciosamente, numa sala imediatamente contígua ao gabinete presidencial para concluir o plano de obras do Governo Jânio Quadros constituiu um grupo de especialistas, sem distinção de cor partidária nem de crença política. Chamou aqueles que considerou capazes de cumprir a tarefa da planificação. E pediu-lhes que começassem imediatamente a trabalhar.
Deu-lhes instalações bem próximas do seu gabinete, para que o contato fosse mais facilitado. Enquanto o Plano Qüinqüenal era um trabalho muito amplo, detalhado e importante, não ficou pronto, foi elaborado, como solução provisória, um Plano de Emergência. Em 1962, começaria então a fase executória do Plano de Cinco Anos. Mas, Jânio Quadros só teria quatro anos de mandato. Para ele, esse detalhe não importava. O ano complementar caberia ao governo do seu sucessor, para que concluísse as obras iniciadas. Era com este espírito de continuidade que a Assessoria Técnica da Presidência da República trabalhou intensamente alguns dados da duplicação da quilometragem de estradas pavimentadas, triplicação do potencial hidrelétrico, construção de milhares de escolas, aumento da rede hospitalar, desdobramento das ferrovias “Planejar para executar” – foi o seu lema.
 
 
 
Jânio vai ao Oeste
II Reunião de Governadores
 
Houve entusiasmo no reencontro com os conterrâneos. Ao desembarcar no aeroporto de Cuiabá, Jânio Quadros, Presidente da República, reencontrava-se com o seu velho
Mato Grosso, que conhecera nos tempos de criança. Avistando um
grupo que se postava nas imediações acenou com a mãe saudou-o:
— "Olá, conterrâneos . "
Ali estava ele marchando para o Oeste e realizando
a Segunda Reunião de Governadores. A primeira fora no Sul. Esta agora verificava-se na região mais ocidental do país, com os Governadores de Mato Grosso, Goiás, e Territórios de Rondônia e Acre.
Mais de 300 funcionários estaduais, federais e voluntários foram mobilizados para colaborar com a II Reunião de Governadores. Uma equipe de taquígrafos e datilógrafos reduziu a termo todas as decisões. Dezenas de jornalistas afluíram de Brasília, do Rio e de São Paulo para reunir-se aos seus colegas do Oeste na cobertura do encontro.
Os participantes trabalharam intensamente durante dois dias, a fim de reduzir o prazo de duração do encontro, em benefício de maior rentabilidade dos seus trabalhos e decisões. O presidente Jânio Quadros, logo no primeiro dia, chegou ao local da reunião as 6 horas da manhã. Estava bem disposto e melhor penteado. Como não encontrasse nenhum dos governadores,dirigiu-se a pé à Igreja do Bom Jesus, onde assistiu ao final da missa, ajoelhando-se e rezando, fervorosamente, para espanto de algumas filhas de Maria, que não contavam com tão ilustre companhia em hora tão matinal.
Às 7, os Governadores Fernando Correia da Costa e
Mauro Borges chegaram para a reunião em companhia dos seus assessores. Logo em seguida, chegaram também os governadores de Rondônia e Acre, Major Abelardo Mafra e Coronel Fontenele de Castro. Estranharam eles que Jânio Quadros tão madrugador, ainda não estivesse a postos. E, justamente quando estavam comentando esse detalhe, foram surpreendidos com a notícia de que o Presidente já se antecipara a todos e fora à igreja para dar tempo a que eles chegassem.
Do ponto de vista prático e concreto, a reunião foi muito produtiva. Dezenas de decisões ficaram transpostas para o papel e começarão a ser executadas já esta semana. Dentre elas, a principal foi a da criação de uma Superintendência do Desenvolvimento da região Centro-Oeste, nos moldes da SUDENE. Seu executor seria um economista de grande gabarito.
Outras providências: instalação de 60 salas de aula no interior de Mato Grosso; aumento da merenda escolar para 60 mil crianças da região; criação da Inspetoria Seccional de Corumbá co-profissional em Cuiabá; criação da Faculdade de Agronomia de Campo Grande e da Faculdade de Filosofia de Cuiabá; construção de quatro centros de erradicação do analfabetismo no interior de Goiás; construção de uma rede de ginásios, alguns industriais, além da Escola Superior de Rio Verde; instalação de 50 salas de aula e um centro de educação física no Acre, além de 70 cursos de alfabetização de adultos; criação da Escola Técnica de Comércio do Rio Branco; vinte cursos de alfabetização de adultos, um centro de educação física e uma escola artesanal em Porto Velho; uma rede de postos de saneamento em redor de Brasília; Cr$ 94 milhões para o hospital de Cuiabá; conclusão da usina da cachoeira de Dourados; uma usina na foz do rio Feliz; sistema de navegação nos rios Araguaia e Tocantins; dez patrulhas rodoviárias; rodovia Anápolis-Ceres; aeroporto internacional em Rio Branco; rodovia Rio Branco-Abunã; saneamento do Acre, com o combate à malária; amparo à indústria extrativa da borracha e castanha; um cais em Porto Velho; recuperação da navegação fluvial no rio Guaporé; rodovia Brasil-Peru; penitenciária agrícola de Mato Grosso; conclusão do Núcleo Colonial Bernardo Sayão; agências do Banco do Brasil e Crédito da Amazônia, Banco de Desenvolvimento Econômico do Centro.
Os Ministros da Agricultura, Educação, Saúde, Minas e Energia e o presidente do Banco do Brasil fizeram exposições suscintas sobre as reivindicações locais. O Presidente aprovou generosamente muitas delas, que os próprios governadores não esperavam.
Os jornalistas não tiveram livre acesso a todos os debates e decisões. Só depois de apresentados alguns relatórios é que receberam permissão para entrar na sala, em companhia dos fotógrafos. A grande dificuldade com que lutaram os repórteres foi a de comunicações telegráficas entre Cuiabá e as outras capitais .
O presidente Jânio Quadros era sempre um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair do Palácio Alencastro, onde se realizaram as reuniões. Recusou-se sempre a pagar dívidas anteriores ao dia 31 de janeiro.
— "Já não consigo parar as minhas, como então pagar a dos outros?" E explicava que o verdadeiro governante do País era o Ministro da Fazenda e não ele.
Definindo o sentido daquela reunião, declarou o Presidente da República que, ao longo de sua vida, tinha manifestado constantemente a sua fé no interior da nação. E relembrou:
— "Há alguns anos, comparecia eu a uma reunião de governadores da bacia Paraná-Uruguai, em Goiânia, e lá tive oportunidade de declarar, no discurso de encerramento, quando nem se cogitava ainda desta soberba iniciativa que é a fixação da Capital da República no Planalto, que se impunha ao Governo dirigir a Pátria de costas para o mar. No interior, estão as nossas esperanças e reside o nosso futuro. Esperanças de bem-estar, de abundância, de prosperidade, de justiça social. É impossível levantarmos no Brasil uma estrutura industrial forte e estável no abandono da agricultura,da pecuária, das riquezas naturais e no esquecimento do Oeste."
No último dia da reunião, cujos debates terminaram às 24 horas, Jânio Quadros estava visivelmente fatigado. Empenhara-se a fundo em todas as discussões, participando das opiniões emitidas e anotando-as num bloco que sempre trazia consigo. Levou-o para São Paulo, onde passaria o fim de semana.
 
 
Jânio - Chegava a hora do Nordeste
III Reunião dos Governadores em João Pessoa
A proposta do Governador Cid Sampaio de que se dessem 100 bilhões de cruzeiros para a salvação do Nordeste mereceu uma resposta seca do Chefe do Governo:
— "Não há dinheiro, não pode recorrer a novas emissões, não existe desenvolvimento à base de papel pintado e há um déficit de 150 bilhões no orçamento atual."
E concluiu com firmeza:
— "Meu interesse pelo Nordeste não tem um sentido eleitoreiro. Já sou o Presidente. Sou o homem sem futuro."
0 Governo transferiu-se em massa para João Pessoa com um só objetivo: a recuperação total do Nordeste.
Apesar disso, o Presidente da República atendeu a 55% dos pedidos de verbas feitos pelos Governadores de Pernambuco, Paraíba e Fernando de Noronha, respectivamente, Srs. Cid Sampaio, Pedro Gondim e Jaime Augusto. Voltando ao Nordeste, já como Presidente, Jânio Quadros deve ter pensado consigo que muito errado andaram seus adversários quando afirmaram que a Instrução 204 fizera o Governo desgastar a sua popularidade por toda aquela região. A reunião dos Governadores, em João Pessoa, valeu como um teste decisivo. Cerca de 50 mil pessoas postaram -se no trajeto que começa no aeroporto Santa Rita e termina no centro da Capital paraibana. Jânio Quadros percorreu-o num jipão aberto, tendo o Governador Pedro Gondin a seu lado. Foi muito aplaudido em todo o percurso.
Afirmava-se mesmo que nem Getúlio Vargas, no auge de seu prestígio, teve uma acolhida tão calorosa como a do atual Presidente da República. A retribuição do presidente Jânio Quadros ao carinho do povo foi completa. Relembrando os áureos tempos de candidato, apertava mãos que lhe eram estendidas, beijava crianças e abraçava homens simples e rudes. Dona Eloá tambem se desdobrava para atender as homenagens que ia recebendo a cada instante. A cidade de João Pessoa recebeu uma grande enchente. Além dos componentes da comitiva presidencial, afluíram para a Capital da Paraíba, jornalistas, homens de governo , técnicos, representantes dos Governadores vizinhos, funcionários e assessores da III Reunião de Governadores.
RESULTADO: o problema da hospedagem agravou-se muito. Os aposentos do único grande hotel estavam completamente lotados ou reservados há mais de uma semana. Vários jornalistas e funcionários tiveram que ficar hospedados em residências particulares ou em dependências do palácio do Governo. Outros participantes da reunião preferiram instalar-se no Recife e deslocar-se para João Pessoa todos os dias, através da estrada pavimentada que une as duas cidades, gastando duas horas no trajeto. Vários ministros participavam da comitiva e da reunião: Clemente Mariani, João Agripino, Romero Costa, Castro Neves, Clóvis Pestana, Bernardes Filho, Grum Moss e Brígido Tinoco, além de Celso Furtado e do General Pedro Geraldo de Almeida. Vários observadores dos Governos estaduais também compareceram: 6 do Ceará, 4 de Sergipe, 2 do Rio Grande do Norte, 1 da Bahia e outro do Piauí. A SUDENE enviou 12 técnicos. Várias Assembléias legislativas também se fizeram representar.
 
O encontro Jânio-José Américo
 
Os Governadores Cid Sampaio, Pedro Gondim e Jaime Augusto - (Território de Fernando de Noronha) - haviam realizado uma reunião na véspera para assentarem diversas providências e coordenarem as reivindicações.
No dia seguinte, foram ao aeroporto receber o Presidente da República e sua comitiva. No palácio do Governo ficaram postados numa sacada, de onde assistiram ao desfile militar em sua homenagem. Logo em seguida, rumaram para o Teatro Santa Rosa, onde se inaugurou a conferência.
No Palácio da Redenção, Jânio Quadros encontrou - se com o ex-Governador José Américo, ao qual saudou efusivamente, convidando-o a conhecer Brasília. José Américo, que já foi indicado pelo Chefe do Governo a assumir a embaixada do Brasil na Bélgica, aceitou o convite presidencial e viajou de volta no Viscount para o Distrito Federal.
O Governador Pedro Gondim declarou em seu discurso, que pela primeira vez o Nordeste estava otimista e confiante no auxílio do Poder Central para a solução dos seus múltiplos problemas. Respondendo ao discurso, Jânio Quadros agradeceu em seu nome e no nome dos seus Ministros a calorosa e fraternal acolhida que o povo lhes dispensou. Considerou esse entusiasmo como um incitamento a que continue no mesmo estilo para executar a missão que lhe foi confiada.
Os Grupos de Trabalho foram instalados e começaram imediatamente suas tarefas, nas dependências da Faculdade de Direito, tendo como coordenador-geral o Chefe do Gabinete Militar da Presidência.
Enquanto isto, Jânio Quadros mantinha conferências privadas e separadas com os Governadores Cid Sampaio, Pedro Gondim e Jaime Augusto no gabinete particular do Presidente da República, instalado também na Faculdade de Direito. Sucederam-se as reuniões dos Governadores com seus Secretários para o debate dos temas que estavam sendo apreciados pelo Grupo de Trabalho.
A reunião plenária do dia seguinte contou com a presença do Presidente da República. As diversas comissões constituídas tiveram hora certa para apresentação dos assuntos: a primeira foi a de Agricultura, seguindo-se as de Saúde, Educação, Minas e Energia, Fazenda, Viação e Obras Públicas, Previdência Social.
No plenário, podiam ser vistos, entre outros, Celso Furtado (SUDENE), Faria Lima (BNDE), Leandro Maciel (IAA)e João Leopoldo Figueiredo (Banco do Brasil).
Muitas decisões foram aprovadas pelo plenário, com
base nas sugestões feitas pelos Grupos de Trabalho e pelas Comissões: Cr$ 380 milhões para os Centros Educacionais de João Pessoa e Campina Grande; Cr$ 20 milhões para o Ginásio Industrial de João Pessoa; nomeação de 72 professores para as faculdades da região; inclusão do Território de Fernando de Noronha na região abrangida pela SUDENE; Cr$ 8 bilhões para aplicação pela SUDENE e de Cr$ 40 bilhões em futuro próximo; uma fábrica de borracha sintética e outra de café solúvel para Pernambuco; a criação de um Fundo Rotativo de Financiamento no total de Cr$ 3 bilhões, dos quais Cr$ 500 milhões seriam entregues imediatamente pelo Ministério da Fazenda para Pernambuco; Cr$ 130 milhões para a Universidade da Paraíba; financiamento da produção de algodão ardósio; instalação de dois postos de vigilância agroanimal; núcleos-modelo de colonização no alto sertão pernambucano; reforma do Instituto de Educação do Recife, da Escola Industrial Agamenon Magalhães, auxílio à Escola Profissional Feminina; Cr$ 95 milhões para as linhas de transmissão e estações abaixadoras de energia em vários municípios e regularização do sistema de eletrificação de João Pessoa e Gampina Grande; carta geológica do Nordeste; Cr$ 6 bilhões em cinco anos para eletrificação de Pernambuco; Cr$ 60 milhões para os serviços de águas e esgotos de João Pessoa; Cr$ 80 milhões para o saneamento de Campina Grande.
 
 
Jânio ficou satisfeito com o
"encontro de irmãos"
 
 
A recepção de Jânio Quadros só foi comparada em entusiasmo, à que os maranhenses proporcionaram à Getúlio Vargas há 15 anos. Por várias vezes, Jânio Quadros fez com que seu automóvel se detivesse diante de grupos de manifestantes, para confraternizar pessoalmente com eles. Em certo momento, abraçou-se comovidamente a uma criança que se acercou do seu carro e com ela ficou abraçada durante bastante tempo.
Na opinião unânime dos que participaram do encontro em São Luiz, a V Reunião dos Governadores foi a mais bem organizada. 0 Presidente da República deu à Newton Belo e Chagas Rodrigues muito mais do que eles pediram. Ao primeiro concedeu verbas e auxílios que, somados, orçavam em torno dos Cr$ 30 bilhões. E ao segundo, cerca de Cr$ 22 bilhões. Destino e aplicação: estradas, hospitais, creches, ginásios, produção agrícola, maternidades, açudes, barragens, ligações ferroviárias, carnaúba, babaçu, portos, escolas.
— "Estou satisfeito com este encontro de irmãos" - disse o Presidente da República, no encerramento dos trabalhos.
A comitiva presidencial preparava-se para deixar São Luiz, quando ali aportou o navio mandado pela Petrobrás para iniciar os trabalhos de sondagens e perfurações na região, por ordem expressa de Jânio Quadros, que não escondia sua satisfação em ver a presteza com que se cumpria uma providência, por ele determinada.
Ainda em São Luís, teve ele conhecimento da chegada ao Brasil do cosmonauta Gagarin. Referiu-se ao seu feito com entusiasmo por entender que a façanha abre novos e poderosos horizontes à ciência humana. E logo em seguida acrescentou que teria grande satisfação ern receber o herói soviético em Brasília.
 
Jânio deu bilhões ao norte
 
A V Reunião de Governadores com o Presidente da República iniciou-se sob o signo de uma frase pronunciada pelo presidente Jânio Quadros logo no início dos trabalhos em São Luís do Maranhão:
— "Este quadro de miséria e de pobreza nega o regime que cada um de nós deseja ver robustecido e perpetuado.
O Presidente da República foi recebido naquela cidade com espontâneas e comovedoras demonstrações: por todo o trajeto do Aeroporto de Tirirical ao Palácio
dos Leões o povo não se cansou de aplaudi-lo. Na Praça Pedro II, ele passou revista um contingente da Polícia Militar e, quando a banda de música acabava de tocar o Hino Nacional, o povo rompeu os cordões de isolamento para abraçá-lo.
 
 
O Presidente afirmou que a miséria e a pobreza eram a negação do regime
 
Dezenas de cartas lhe foram entregues. Outros tantos autógrafos lhe foram solicitados. Jânio Quadros atendia a todos com grande simplicidade e boa vontade. Posou ao lado de uma criança e beijou outra.
Na sessão solene no Teatro Artur Azevedo, ao instalar aa reunião, disse entre outras coisas que ali estava com humildade.
— "Não está ao nosso alcance reformar, instantaneamente, como desejava, o quadro doloroso de pobreza, de ignorância, de enfermidade e de injustiça, que contemplo por toda parte na vasta Pátria comum. Mas o governo pode, e o fará, estender as suas mãos, para que as populações desassistidas participem realmente dos direitos e das vantagens da democracia."
Sob grandes aplausos, afirmou que, com o propósito de possibilitar a todos o acesso à melhoria e progresso da vida, o Governo Federal se hospedava na imortal São Luís, senhora das melhores tradições do novo civismo e da nossa cultura.
— "Tenham os governadores que aqui se encontram a segurança de que aquilo que se acha ao nosso alcance será feito no benefício destes Estados."
Ao chegar àquele local, forte aguaceiro desabou sobre a cidade. Nem por isto era pequena a multidão comprimida ao longo das ruas e na praça fronteira. Jânio Quadros estava febril. Fez questão de frisar este detalhe aos governadores para mostrar que nem mesmo doente deixara de cumprir seu dever para com o Maranhão e o Piauí.
Reuniu-se ele, isoladamente, com os Governadores Newton Belo e Chagas Rodrigues. 0 primeiro apresentou reivindicações num total de Cr$ 21 bilhões e o segundo solicitou Cr$ 7 bilhões. 0 gabinete presidencial foi instalado na sala 810, do Edifício João Goulart.
No Plano Quinquental de 200 páginas, apresentado pelo Newton Belo, estava dito que a estrutura econômica e social do Maranhão, permaneceu inalterada há 100 anos. Em apenas quatro municípios existia água encanada, só um tinha rede de esgotos, e 80% da população vivia em estado de subnutrição.
Quanto ao Plano do Piauí, solicitou principalmente a construção de açudes e barragens, a instalação de agências postais-telegráficas, aeroportos, frigoríficos, hospitais.
Sobre o porto de Itaqui, no Maranhão, disse Jânio Quadros que "ele agora sairá por bem ou por mal, pois se trata de ponto de honra para seu governo."
Compareceram os Ministros do Trabalho, Aeronáutica, Agricultura, Saúde, Minas e Energia e Educação, os comandantes militares da região, parlamentares, diretores do Banco do Brasil, presidentes do Institutos de Previdência e o Governador do Pará.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Política nacional
Jânio da Silva Quadros escreveu um dos capítulos mais extravagantes da história da política nacional. Empossado na Presidência da República, na esteira de uma bem-sucedida campanha eleitoral, ele renunciou misteriosamente apenas sete meses depois, em 25 de agosto de 1961. Na definição de um ex-prefeito de São Paulo, o brigadeiro Faria Lima, Jânio “deu um salto, mas esqueceu de colocar a rede”. O próprio ex-presidente nunca se preocupou em esclarecer o porquê de sua decisão. No bilhete de renúncia, disse que era pressionado por “forças terríveis”. Hoje, a tese mais aceita entre historiadores e cientistas políticos é a de que Jânio Quadros esperava fortalecer o seu poder. Segundo essa versão, o presidente não acreditava que dariam posse a seu vice, João Goulart, que estava em visita à China comunista. O Congresso não aceitaria a renúncia, uma movimentação popular garantiria a sustentação do renunciante e ele ficaria com poderes mais amplos para governar.
O processo eleitoral que levou Jânio Quadros ao poder em 1960, começou nas eleições estaduais de 1958, quando a UDN – que sustentava a liderança da oposição – conseguiu eleger quatro governadores entre dez, enquanto o PTB fez cinco. O PSD não fez nenhum. Os analistas políticos acreditam que o processo de renovação não se esgotou com a eleição de Jânio Quadros e deverá determinar alterações profundas no quadro parlamentar – federal e nos Estados – nas eleições de 1962. a atuação pré-eleitoral do presidente da República, com a eliminação das forças políticas que faziam o papel de intermediárias entre os Estados e o Governo Federal, através de encontros diretos com os governadores, vai aprofundar a marcha renovadora dos quadros políticos brasileiros. A primeira etapa desse plano é o encontro do presidente com os governadores. A segunda, serão os encontros com os prefeitos, para atender a reivindicações conjuntas e específicas de cada região.
Ao sair para esses encontros, o presidente da República tem como objetivo provocar o aparecimento de novas forças atuantes, libertando-se das cúpulas políticas que representam, nos Estados, uma fase superada do processo democrático nacional. Na sua campanha, Jânio Quadros procurou alianças com forças novas de todas as regiões e levou-as para a órbita de sua candidatura em função do programa de governo que propôs aos eleitores. No governo continua a desenvolver as mesmas linhas, na administração do país e na política externa, para assegurar a continuidade do processo de renovação nacional. Esta é a chave para algumas forças que apoiaram Jânio Quadros entender melhor a coerência, que lhes parece absurda, de cumprir tudo que prometeu, desde as sindicâncias de cumprir tudo que prometeu, desde as sindicâncias ao reatamento com a URSS. Foi através da continuidade da palavra e da ação que Jânio Quadros, em seis meses de governo, conseguiu ampliar o apoio popular e reforçou seu potencial político, com a simpatia, cada vez mais franca e ostensiva, de setores populares que não votaram nele.
Jânio Quadros, na campanha, afirmou que não era candidato de nenhum partido e, eleito, anunciou que ia governar com todos os partidos. O critério de escolha de seus ministros foi o mérito individual de cada um. Como presidente da República, Jânio Quadros está atuando dentro do mesmo princípio: somar as forças novas, que representam os anseios populares na fase atual do processo político brasileiro, libertando-as das cúpulas regionais que se beneficiavam do papel de intermediárias, nas reivindicações regionais junto ao poder central, para se manterem em prestígio político e eleitoral.
Quando Jânio Quadros estende a mão a Leonel Brizola, por exemplo, é porque identifica nele uma força nova do Rio Grande do Sul e do PTB gaúcho. O Presidente está exercendo o papel de parteira do processo renovador em todos os partidos, quando trata em igualdade de condições todas as forças políticas regionais. Seu empenho em completar o quadro renovador é uma contingência do governo que pretende realizar.
A melhor oportunidade surge nas eleições de 1962 e Jânio Quadros não vai perde-la. Influindo no processo eleitoral, para assegurar o aparecimento de novas forças mais representativas da opinião pública, que vem sofrendo um processo de atualização, Jânio Quadros procura garantir, de 1963 a 1965 – portanto, por três anos -, um clima político e parlamentar em que suas iniciativas mais ousadas e renovadoras terão tratamento mais alto. Não precisará negociar com as novas representações políticas, em termos antigos de troca de favores e de influência, para obter apoio às medidas de profundidade de que o Brasil precisa, que o povo reclama, mas que os quadros políticos superados teimam em negar.
A frieza do presidente da República, nas relações entre o Executivo e o Legislativo, é apenas um aspecto dessa linha que Jânio Quadros desenvolve: apressar a renovação parlamentar para garantir condições que permitam levar a termo as promessas que foram avalizadas por 6 milhões de votos.
A renúncia tem sido objeto de interpretações das mais controversas, segundo perspectivas, as mais variadas: desde as de tipo psicologizante – Jânio Quadros, um instável e emocional, exasperado ante as resistências, preferiu capitular; Jânio Quadros, provinciano e desaparelhado, tomava consciência de sua incapacidade; Jânio Quadros, pusilânime e timorato, abandonava o barco antes que o afundassem, passando pelas de tipo condicionante = Brasília, a isolada e isolante, era a fonte da ingovernabilidade do país ao mesmo tempo em que causa da emocionalidade dos dirigentes -, até as do tipo maquiavélico – Jânio Quadros, em verdade, como de duas vezes anteriores, manobrava com o espectro da renúncia para poder retornar na crista da onda da reação popular, com a soma de poderes sem os quais não via a possibilidade de gerir o país, poderes que o sagrariam como ditador.
A mente humana comporta, mesmo quando obsessivamente a povoa uma linha mestra de raciocínio, concomitâncias emocionais ou fantasias periféricas e paralelas. Tudo pode ter passado pela mente do homem em quem, num dado momento, seis milhões de eleitores haviam depositado sua confiança e um sistema de lei deferira, nominalmente, uma soma definida, mas enorme, de poderes.
Dentro dessas coordenadas, Jânio Quadros procurou corresponder a si mesmo, correspondendo ao que presumia ser a expressão da vontade popular e ao mandato que recebera.
No curto lapso de tempo em que presidiu o país, transitou rapidamente de medidas esparsas moralizantes, para os lineamentos de um conjunto de providências que se afeiçoariam num corpo conseqüente que deveria desembocar em sucessivas medidas de reforma estrutural.
Já se compenetrara ele de que não podia haver dicotomia entre o plano externo e o interno. E o arcaico era o interno. O Brasil se apresentava como uma sociedade em plena expansão demográfica, cujo modelo subdesenvolvido cumpria superar: uma taxa de incremento do produto nacional bruto que, em momentos áureos, não superara a média de 5% e, verossimilmente, uma taxa de incremento da riqueza dos ricos superior à dos pobres, de tal modo que, não obstante o potencial incremento global per capita, na prática os ricos tendiam a ser mais ricos e os pobres mais pobres. A saída ou seria catastrófica ou, para evita-la, cumpria dirigir no interesse nacional algumas dessas tendências. Uma das formas de dinamização nacional deveria ser pela tomada de consciência da problemática. Através do debate do foro internacional far-se-ia, porque apaixonadamente conspícuo, a educação política coletiva, pois um dos maiores males dos brasileiros do comum como sobretudo das chamadas elites, era a ignorância geral do que se passava no grande mundo, o que lhes fazia supor sermos uma grande nação, quando éramos, em verdade, uma nação que tendia a quantificar-se, pauperizando-se e multiplicando-se em problemas sociais cada vez mais graves.
As resistências que encontrou – precisamente as mesmas para as quais não estava aparelhado, porque não chegara à Presidência como expressão de forças sociais coerentes corporificadas numa doutrina ou plano de ação global – lhe ofereceram sempre uma oportunidade: é que seu governo dicotômico, no plano interno oferecia as perspectivas de superar a inflação galopante que tendia a instituir-se no país: o próprio Fundo Monetário Internacional e os mais influentes órgãos das finanças capitalistas internacionais viam equilíbrio na sua gestão da vida financeira nacional. Sob tal aspecto, essas resistências não se manifestariam, porque poderiam compadecer-se com o seu governo. Faltar-lhe-ia, tão só, um ato de acomodamento: que se acomodasse nas suas veleidades com relação à política externa; que se comportasse nas suas intenções de olhar para as grandes massas populares; que planejasse, para o futuro, as chamadas reformas estruturais, quando o país, naturalmente, viesse a poder recebe-las. Ora, precisamente o futuro era o sombrio para Jânio Quadros. O presente era, se enfrentado com coragem, decisão e urgência, exatamente o componente que iria permitir à nação ter um futuro diferente daquele para o qual, “naturalmente”, se estava encaminhando.
Já então, em verdade, se compenetrara Jânio Quadros de que lavrava uma fundamental contradição no sistema institucional: de um lado, havia o curso à Presidência da República, de outro lado, a organização do poder legislativo expressa pelos partidos políticos. Presidente da República, que aspirasse ser efetivamente vinculado a seu povo, tinha que necessariamente dirigir-se, em verdadeiro plebiscito, a esse mesmo povo, acima dos partidos, fragmentados por sua impotência de galvanizar as grandes necessidades políticas e sociais, e por isso mesmo destituídos de programação. Em contato com o povo, o Presidente da República tendia a prometer-lhe aquilo que eram as mais profundas aspirações populares, promessa, entretanto que se frustrava. É que, enquanto a eleição presidencial era plebiscitária, universal, direta e secreta, ainda que viciada pelo chamado poder econômico, paralelamente o Poder Legislativo se pulverizava na representação do voto proporcional partidário, carente de programação nacional. Nessas condições, quando empossado, se o Presidente quisesse propor legislação reformista profunda, encontraria, fatalmente, um Legislativo subdividido em partidos teoricamente nacionais, na prática multiplicados ou esfarinhados nas suas expressões regionais, estaduais ou municipais – em que timbrariam as reivindicações de tipo personalista.
O vício, politicamente, era estrutural. Seria para vence-lo, mister uma grande modificação no próprio sistema do poder. E o ideal, a seu ver então, no Ocidente Moderno, era representado pela constituição Francesa arrancada aos franceses pelo presidente De Gaulle, modelo que iria permitir no Brasil, que a mesma força popular que consagrasse um Presidente da República elegesse também a maioria parlamentar que o acompanhasse nas reformas estruturais. A aspiração era, em princípio, legítima; mas a impotência de realiza-la era óbvia.
Nessa altura, Jânio Quadros não viu como malograr nos seus objetivos, ainda que com sacrifício próprio. Posto em movimento o esquema, compenetrados e ajustados os ministros militares quanto a esse objetivo essencial, a sua consecução não poderia falhar.
Seu raciocínio foi o seguinte: primeiro operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório,haja vista que João Goulart, distante na China, não permitiram, as forças militares, a posse e, destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula em conseqüência da qual ele mesmo emergisse como institucional, ou bem, sem ele, as Forças Armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em conseqüência, depois, a um outro cidadão – escolhido por qualquer via – presidir ao país sob novo esquema viável e operativo: como, em tudo, o que importava era a reforma institucional, não o indivíduo ou os indivíduos que a promovessem, sacrificando-se ele ou não se sacrificando, o essencial iria ser atingido.
O plano, porém, falhou exatamente na vacilação dos chefes militares.
João Goulart, compadecendo-se com a reforma parlamentarista, desfez, talvez sem sabe-lo, todo o plano concertado.
De tudo, dois saldos negativos ficariam a pesar no futuro: primeiro, o país continuaria inviável como sistema de poder, incapaz de promover por via pacífica as reformas de que necessitava; segundo, já agora era certo de que o centro do poder se deslocara, por um longo período, par a alçada militar – que esperaria maior ou menor tempo mas viria à tona como a só alternativa para aquela inviabilidade.
A renúncia foi, assim, expressão de uma coerência de tipo heróico, no sentido carlyliano; Jânio Quadros acreditou que os destinos nacionais num dado momento dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal.
Faltou-lhe, porque disso não proviera, o sistema de forças políticas que o amparassem nessa direção.
Faltou-lhe, porque não quis trair a própria imagem, a vontade de querer continuar a ser Presidente, ao preço de acomodação.
Para ele, dirá sempre, a política não é a arte do possível, se o possível é condicionado pelo caduco; é, sim, a arte do possível dentro das necessidades globais – algumas das quais estavam clamando por urgentes decisões, que o sistema de forças vigentes rejeitava.
O professor Carlos Alberto A. de Carvalho Pinto foi a mola-mestra da administração Jânio Quadros, no governo do Estado de São Paulo.
Jânio confiou a Carvalho Pinto, notável economista e financista, a missão de traçar a política econômico-financeira do Estado.
Carlos Alberto A. de Carvalho Pinto mereceu respeito e admiração de todos, porque no exercício de cargos como: Secretário das Finanças, Governador do Estado de São Paulo, Ministro de Estado e Senador da República, demonstrou o brilho de sua inteligência, a solidez de sua cultura e absoluta probidade no trato de coisa pública.
Carvalho Pinto foi o substituto de Jânio no governo do Estado de São Paulo, recebendo todo o apoio. A estes dois homens deve-se uma fase áurea da história do Estado de São Paulo.
Quando Jânio renunciou à Presidência da República, muitas notícias foram divulgadas na imprensa sobre supostas declarações do governador Carvalho Pinto e de fatos que jamais ocorreram.
Houve quem maldosamente insinuasse um desentendimento entre Jânio e Carvalho Pinto.
O “Jornal da Tarde” publicou uma matéria sobre um possível pontapé em Carvalho Pinto aplicado por Jânio. O próprio governador desmentiu esta notícia; ele andou enfaixado, com uma costela, por causa de um acidente no palácio Campos Elíseos.
Houve também quem propalasse que Jânio portava, em Cumbica, a faixa Presidencial. Grandes mentiras contavam e contam até hoje.
Segundo Carvalho Pinto:
“- Jânio, ao desembarcar em Cumbica, apresentava estado de espírito sereno, foi cordial e afetivo, mas marcado pela profunda emoção da atitude assumida. Não portava a faixa presidencial, encontrava-se com sua indumentária comum.”
 
A Nação inteira não compreendeu o motivo de Jânio ter condecorado Che Guevara. Ele aproveitou a passagem de Che Guevara e, para tornar mais eficiente o pedido, que iria fazer ao digitador Fidel Castro, que através de tal condecoração visava obter a interferência do ministro da Economia de Cuba para conseguir junto ao ditador Fidel Castro cessassem as perseguições contra o Bispo de Havana e a comunidade católica em Cuba, pois, poderiam ser fuzilados.
Em relação à condecoração, Carlos Lacerda manifestava-se contra.
Podemos concluir reconhecendo a inteligência fulgurante, a eloqüência e a bravura de Carlos Lacerda, qualidades estas que foram ofuscadas pelo seu espírito demolidor, contraditório, intrigante e ambicioso.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Renúncia
Este livro tem por objetivo desenvolver uma do aspectos do processo de comunicação em Jânio da Silva Quadros e o estigma da renúncia através de entrevistas e de seus bilhetinhos. A renúncia tem recebido interpretações controversas e variadas: Jânio Quadros, um instável e emocional; um pusilânime e timorato; maquiavélico. Tudo pode ter passado na mente de um homem em que 6 milhões de eleitores haviam depositado sua confiança e um sistema de lei defirira uma soma definida de poderes. ”. Até hoje a renúncia de Jânio – que ainda se elegeria prefeito, em 1985, para depois encerrar a carreira política – não foi bem esclarecida. Numa de suas várias entrevistas, ele afirmou:
“- A minha renúncia é mais límpida que a do proclamador da República, Deodoro da Fonseca, que renunciou à presidência a favor de Floriano Peixoto. A minha renúncia tem a altura da de Rui Barbosa, quando deixou o Senado Federal e, possivelmente, da de Getúlio Vargas, quando deixou a vida.”
Um outro ponto polêmico, que sempre deixou o ex-presidente irritado, foi o da expressão: “forças ocultas”, que ele teria usado ao renunciar. Jânio explicou várias vezes que, na verdade, falou em “forças terríveis”.
“- O que não é possível é alguns onagros (sinônimo de burro) virem me perguntar sobre forças ocultas. Eu nunca usei esta expressão.”
Seu primeiro comunicado foi dirigido ao Congresso em um curto bilhete: "Nesta data e por meio deste comunicado estou deixando com o Ministro da Justiça os motivos para o ato pelo qual renuncio a meu cargo de Presidente da República".
Em uma segunda carta, um pouco mais longa que a primeira, Jânio ratificava o ato usando palavras que seriam mais tarde objeto de acesa polêmica: "(...) Forças terríveis se levantam contra mim e me infamam ou me intrigam até com a desculpa de colaboração".
. No bilhete de renúncia, disse que era pressionado por “forças terríveis”. Tempos mais tarde, tripudiou:
– Fi-lo porque qui-lo.
Mais adiante, negou que tivesse proferido tal frase e chegou a corrigir a gramática:
Fi-lo porque o quis.
Existem muitos acontecimentos na história política do Brasil que ainda não foram bem esclarecidos. A renúncia do presidente Jânio Quadros e a posição do Congresso Nacional, que em poucas horas declarou a vacância do cargo, e a indicação a Ranieri Mazzili, presidente da Câmara Federal, para substituí-lo, pontificou o terremoto político que se abateu sobre o País em 1961. O vice-presidente, Jango Goulart, viajando pela China, recebeu de imediato o veto dos militares. Estava criado um grande impasse que foi sendo amainado pela pressão popular. Os militares tiveram que aceitar o jogo político, de onde nasceu, pela criatividade do PSD, o regime parlamentarista. Jango seria o novo presidente, mas não governaria. O governo seria parlamentarista tendo Tancredo Neves como primeiro ministro.
Em São Paulo, o governador Carvalho Pinto, criatura moldada e levada ao poder por Jânio Quadros, tentou fazer com que o presidente voltasse atrás em sua renúncia. Fez articulações políticas. Mas o presidente do Congresso Nacional, Auro Moura Andrade, já tinha selado o destino de Jânio, isto é, o ostracismo político. Mas o que teria levado o presidente do Congresso a agir tão rapidamente a ponto de não dar tempo a nenhuma manobra de retrocesso?
Para se entender a atitude do presidente do Congresso é preciso que voltemos à campanha política de 1958. Rompendo com as forças partidárias de 1954, quando foi eleito governador de São Paulo numa campanha que deixou marcas profundas na história do Brasil, Jânio Quadros lançou Carvalho Pinto à sua sucessão. Mas nas cartas assinadas por Jânio à Moura Andrade, havia o compromisso de apoiar outra candidatura. Era a vez de Auro Moura Andrade pelo desejo sincero de um grupo que financiou toda a ascensão de Jânio. De um lado estava a família de Moura Andrade, o Rei do Gado, e Jeremias Lunardelli, o Rei do Café. De outro lado, forças dispersas de Ademar de Barros.
Magoado pela traição de Jânio, Auro Moura Andrade andava com a carta de Jânio, comprometendo-se a apóia-lo à sua sucessão, no bolso do paletó ou em sua carteira. Tão logo soube que Jânio Quadros havia assinado a carta na qual se comprometia a apoiar a candidatura de Auro, Carvalho Pinto reuniu-se com amigos e disse que iria até o governador para saber da verdade. Se existisse a carta, estava tentado a desistir de sua candidatura. Mas Jânio lhe disse que aquela carta foi feita no ardor da campanha, quando as necessidades financeiras eram muitas. Ela pertencia ao quadro político de 1954. E não valia mais para 1958. O professor Carvalho Pinto disse que estava deprimido. Auro Moura Andrade também era seu amigo e venerável pessoa do quadro político de São Paulo e do Brasil. Mas o professor não teve meios de voltar atrás.
Quando soube da renúncia de Jânio, o professor Carvalho Pinto logo desabafou com seus amigos: “Não há retrocesso. O Auro tem excelente oportunidade para se vingar do Jânio.” E realmente foi o que aconteceu.
O professor Carvalho Pinto fez excelente administração. Homem metódico, assim que tomou posse nomeou um grupo de economistas para elaborar o Plano de Ação que foi um marco na administração pública. Tudo ali estava detalhado, as obras e os recursos.
Depois de deixar o Governo de São Paulo, o professor Carvalho Pinto ainda foi ministro da fazenda. No dia de sua nomeação um jornal do Rio publicou em manchete “Vem aí o magnífico sovina das finanças”. Mas durou pouco tempo no Ministério da Fazenda. O mundo político estava mudando rapidamente e um levante armado iria poucos meses depois derrubar o presidente.
O economista Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto foi criticado pelos amigos de Jânio por não tê-lo apoiado nos momentos críticos após a renúncia. É que ele sabia que não teria a mínima condição de negociar, em poucas horas, com o ressentido presidente do Congresso Nacional.
Os personagens dessa história morreram já há algum tempo. Carvalho Pinto, em sua casa, rodeado pela família e amigos. Jânio, sozinho e abandonado pela família. E Auro Moura Andrade embaixo de um pontilhão em Pedreira, interior de São Paulo, onde se lia em letras garrafais esmaecidas pelo tempo a frase: PARA GOVERNADOR – AURO MOURA ANDRADE.
(Auro de Moura Andrade e o General Falconiére tentaram depor Jânio em 11 de janeiro de 1955).
O general Olímpio Falconiére da Cunha tentou depor Jânio no governo do Estado de São Paulo no dia 11 de novembro e outras vezes depois disso. Nessa ocasião, outra pessoa que queria a deposição de Jânio era o senador Auro de Moura Andrade, que chegou a telefonar duas vezes a Nereu Ramos pedindo a intervenção em São Paulo.
Falconiére foi contido por vários oficiais superiores, coronéis e generais. Entre eles, houve uma palavra decisiva, a do general Stênio Caio de Albuquerque Lima. Auro e outros políticos paulistas, especialmente os que seguiam Adhemar de Barros, foram contidos pelo próprio Nereu, que achou muito perigoso o passo que queriam dar.
Nereu e o general Henrique Teixeira Lott procuraram dar ao seu golpe de Estado toda a aparência de ação em defesa da legalidade – de “revolução preventiva”, como disse a revista americana Time. A deposição de Jânio caracterizaria ainda mais a ilegalidade do pronunciamento militar. Todos os governadores estaduais, especialmente o general Cordeiro de Farias, de Pernambuco, que controlava, realmente, forte guarnição do Exército, poriam suas barbas de molho. Poder-se-ia até formar uma frente de governadores contra o golpe de 11 de novembro.
Além disso, depor Jânio era reacender o espírito revolucionário de São Paulo, que vinha sendo estimulado, há muito tempo, pelas forças de oposição ao sistema político de Getúlio Vargas, que é aquele em que formavam Lott, João Goulart e Juscelino Kubitschek e Nereu Ramos.
Jânio tinha grande prestígio no seio da classe trabalhadora paulista. Sua administração não merecia críticas tudo isso foi pesado por Nereu e Lott, que ficaram satisfeitos quando souberam que o general Stênio e outros haviam segurado a mão de Falconiére.
O senador Auro ficou muito decepcionado, como também os ademaristas. Mais tarde reaproximou-se de Jânio, seguindo-o por toda parte.
Naquela época, todos os telefones estavam censurados no Rio e em São Paulo, ou seja, os telefones dos políticos mais importantes (Auro foi censurado por um deles). No Rio, foi Lott quem ordenou a censura telefônica. Em São Paulo, num ato de legítima defesa, em tempo de guerra foi Jânio.
Jânio não se esqueceu, quando Auro andava ao seu lado, das gravações que ouviu das conversas do senador que pediu a intervenção.
Falconiére foi um general que não teve compensação com o golpe de 11 de novembro. Juscelino lhe prometeu o posto de ministro da Guerra. Falconiére chegou, nas manobras da região, em Mato Grosso, a convidar oficiais para o seu gabinete de ministro.
O brigadeiro Eduardo Gomes, amigo desde a juventude do general Falconiére, dizia que este não cometeu uma traição no dia 11 de novembro. Falconiére, segundo Eduardo Gomes, tomou uma atitude, como general, de oposição ao grupo de coronéis. Os brios de Falconiére sentiram-se ofendidos com a destituição de Lott.
Quem conhecia o brigadeiro Eduardo Gomes sabia que ele era como a ave do poema de Jorge Lima, “antropomorfo como um anjo e solitário como qualquer poeta”, não via um propósito manhoso nessa avaliação que ele fazia dos motivos que levaram Falconiére a enganá-los. O brigadeiro acreditava nisso. Não foram motivos puramente táticos, de político esperto, que o levaram a reaproximar-se de Falconiére que, quando tenente, recebia de D. Geni Gomes os mesmos cuidados que o filho Eduardo.
Falconiére, porém, aproximou-se demasiadamente dos elementos ademaristas ou, pelo menos, antijanistas, de São Paulo. Perdeu as esperanças de chegar a ministro da guerra, a não ser que o governo de Kubitschek, miraculosamente, se tornasse forte a ponto de afastar Lott e impedir que as forças do 24 de agosto tentassem chegar ao poder, desmanchando, assim, as duas concentrações militares que o alarmassem.
Nesse sentido, teria trabalhado, mantendo os seus contatos com o general Nelson de Melo. Se Lott fosse derrubado por Kubitschek, ele seria o substituto indicado. Por isso, reaproximou-se de Eduardo Gomes, visando, em logo prazo, obter um apoio semelhante ao que gozava o brigadeiro Henrique Fleiuss, ministro da Aeronáutica e um dos sustentáculos de Kubitschek.
Falconiére, no entanto, achava que Lott levaria a melhor. Estava jogando com – Paulista/PE de dois (ou três) bicos. Um dos seus objetivos era ficar bem com Lott. Tanto que não fugiu nem mugiu quando soube que este continuaria ministro da Guerra, com a posse de Kubitschek. Dizia a vários amigos que estava desgostoso, mas não passou disso. Quando Nelson de Melo fez a manobra para retirar Lott do Ministério, andou pelo Rio, falou um pouco grosso, mas recuou assim que viu que o Grupo de Novembro continuava forte.
Em fins de abril e princípios de maio, houve muita inquietação no país. A esquadra, pela segunda vez naquele ano, havia deixado o Rio, indo até o Rio Grande do Sul. Dizia-se que ela se sublevaria no Sul do país. Talvez fosse o próprio general Lott quem mandasse espalhar essa versão porque, nessa ocasião, o ministro da Guerra entrou numa fase intensa de articulação para um novo golpe. Fez consultas aos generais que o haviam apoiado no dia 11 e os seus homens de confiança tiveram várias conferências com políticos e militares ligados ao Grupo de Novembro.
Em São Paulo, houve também agitação de bastidores. Foi nessa ocasião que Falconiére fez sentir aos elementos que se opunham a Jânio que não haveria resistência militar no caso de ser tentada a deposição do governo paulista. Falconiére estava disposto a obter a sua compensação – a interventoria em São Paulo.
Mas nem a esquerda se sublevou nem Lott deu o golpe. O ministro da Guerra, sentindo que haveria uma oposição armada séria ao seu novo pronunciamento militar, esperou e ganhou com isso. Em junho, a luta dos estudantes contra o aumento das passagens de bondes lhe permitiu intervir, passando por cima de Kubitschek, e ele reforçou a sua posição no seio do governo.
No mês de agosto, à medida que Kubitschek enfraquecia, a crise financeira chegara ao auge e Lott se preparava para intervir. Preparou o Jornal do Exército, distribuiu boletins acusando o general Juarez Távora e o brigadeiro Eduardo Gomes de tramar o seu assassinato, deu mão forte à chamada Frente de Novembro, movimento golpista formado por “pelegos” sindicais, comunistas e militares, reforçou a sua aliança com o Sr. João Goulart e, finalmente, mandou oferecer a Adhemar de Barros o governo de São Paulo, em troca de seu apoio.
Falconiére viu enfraquecer as suas esperanças de conseguir o governo de São Paulo ou o ministério da Guerra. Ficou à espera de melhorias para o seu lado. Não foi fácil deixar de tomar partido e ter amigos em três campos diferentes.
Falconiére precisava se definir.
Esperamos contribuir com este livro encerrar de maneira definitiva os motivos reais de sua renúncia ( renúncias) ao longo de sua carreira política, Através de suas entrevistas e de seus bilhetinhos. Trata-se de uma tese inédita, com informações primárias ( do próprio Jânio da Silva Quadros a este pesquisador), que serão desenvolvidas ao longo do livro . O livro irá revelar que os bilhetinhos era o estigma das renúncias de Jânio Quadros.
Jânio - na hora dos bilhetinhos
 
A revista Manchete, desde a madrugada, esperava pelo presidente Jânio Quadros em frente ao Palácio do Planalto. Às 6:45h chegou o General Pedro de Almeida, Chefe da Casa Militar, com seu ajudante-de-ordens. Dez minutos depois, surgiu o carro presidencial, que se dirigiu a uma entrada quase secreta na garagem dos fundos. Jáder Neves e Gil Pinheiro acompanharam o itinerário e colheram o Presidente à saída do carro.
— "Vocês madrugaram. Como estão?"
— "Estamos aqui para fotografá-lo.''
— "Vamos subir. Estou à sua disposição."
Pelo elevador presidencial, chegou-se ao novo Gabinete, localizado no quarto de dormir no Palácio do Planalto. O Presidente Jânio Quadros pediu licença e começou logo a despachar, assinando numerosos decretos. Recebeu o General Pedro Geraldo e os Srs. Quintanilha Ribeiro e José Aparecido.
— "Precisamos fazer mais algumas fotos, Presidente."
— "Voltem ao meio-dia. Tragam-me um exemplar."
Às 12 horas, os dois fotógrafos estavam à porta da garagem. O Presidente não se atrasou um só minuto:
— "Vamos almoçar no Alvorada. Entrem no meu carro."
— "Não, Presidente. Preferimos acompanhá-lo na nossa camioneta."
Durante o trajeto, Jânio Quadros lia avidamente a edição sobre sua posse. Passava e repassava as páginas, detendo-se particularmente na observação da capa. Quando chegou ao Alvorada, elogiou o furo jornalístico e a feitura da Revista.
— "Por esta capa aqui, vê-se que não sou tão feio quanto se diz."
O Presidente tem conseguido dormir uma média de cinco horas por noite. Acha que elas bastam, porque as noites em Brasília são repousantes. Dirigiu-se, em seguida, para uma pequena mesa de jantar, junto ao seu quarto de dormir. Só havia um prato. Pediu que o mordomo acrescentasse mais dois e convidou os repórteres a sentar-se. Mandou servir-lhes um cálice de vinho do porto. Pediu ao seu auxiliar João Hermínio que abolisse o uso de vinho francês no Palácio:
— "Doravante, só quero mesmo vinho nacional."
Quis saber qual o champanha servido. Ficou satisfeito com a resposta: ''Gaúcho''. Solicitou que o almoço fosse trazido o mais urgente possível. E olhando o relógio:
— "Tenho apenas dez minutos para almoçar. A Eloá está fazendo falta. Foi a São Paulo desmanchar nossa casa e tirar tudo de lá para alugá-la. Esta operação vai durar até segunda-feira."
— "Que está achando de Brasília, Presidente?"
— "É ótima. Estou gostando muito, sobretudo do clima. Falta-lhe alguma coisa para torná-la uma verdadeira Capital. Carece principalmente de moradias. O Ministério da Fazenda, por exemplo, ainda não está todo aqui. Este é um problema sério. Se vou fazer um governo de recuperação e estabilidade financeira, a primeira providência tem de ser a de trazer todo o Ministério da Fazenda para aqui."
— "O senhor recebeu mil apartamentos?"
— "Não sei disso. Acho que essa cifra não corresponde a que o Quintanilha me informou. Serão uns 350 ou 400, e para funcionário de categoria."
Levantou-se depois, foi ao banheiro, lavou as mãos. Pegou os cálices de vinho do porto e entregou-os aos repórteres.
— "Sentem-se aqui na mesa. Vamos fazer uma refeição rápida."
O garçom começou a servi-lo: duas colheres de feijão, um pouco de arroz, carne, ovos mexidos e uma salada. E como o garçom, depois trouxe um churrasco no espeto com farofa, ele disse ao
João:
— "Avise na cozinha que não precisa fazer tantos pratos. Basta um ou dois. É muita comida."
— "Acha que é mais fácil governar de Brasília?"
— "Sim. É mais fácil, mais sossegado e o tempo ajuda. Mas precisamos trabalhar muito, organizar esta Cidade e assim conseguir melhor aproveitamento."
— "O senhor, depois da posse, já concedeu alguma entrevista?"
— "Não. Vocês são os primeiros."
Subitamente, levantou-se, deixou a sobremesa de lado.
— "Fiquem à vontade. Demorem o tempo que desejarem. Vou descansar dez minutos para voltar ao trabalho."
O Presidente trajava um terno de linho azul-claro, impecável, e parecia bem disposto, solícito. Sorriu muito, bem-humorado. Ficava sério quando repetia:
— "Precisamos trabalhar muito."
 
O mundo de olho em Jânio
 
O Presidente foi sabatinado, durante 1 hora e 45 minutos,
pela imprensa mundial. Mas não dava sinais de cansaço. Durante toda a entrevista, tomou vários cafezinhos e copos d'água, rodando um lápis entre os dedos e apoiando-se nele para sua exuberante gesticulação. Estava elegantemente vestido, com um terno cinza-claro e meias brancas. Cuidadosamente penteado, ora tirava os óculos, ora os depositava na mesa, quando se entusiasmava um pouco mais com as respostas, balançava as duas pernas, fazendo um joelho confraternizar com o outro.
A sabatina de 115 jornalistas foi difícil, mas o Presidente da República passou com boa nota.
O rapaz queria entrar na sala. O guarda exigiu-lhe as credenciais para a entrevista coletiva que o Presidente da República ali concederia, dentro de minutos. Ele não tinha a credencial, mas tirou algo do bolso.
— "Esta aqui serve?"
Era uma foto em que aparecia sendo abraçado pelo próprio Presidente. O guarda foi inflexível:
— "Não serve."
E o rapaz voltou da porta. Entraram, todavia, 115 jornalistas, sendo 22 estrangeiros e, os demais repórteres do Rio, São Paulo, Belo Horizonte, mas sobretudo de Brasília mesmo. Entre os estrangeiros, figuravam "Time", "New York Times", "France Soir", "Visnews", UPI, "France Press", NBC, "Daily News".
Todos tiveram de credenciar-se com antecedência comparecendo perante o Secretário de Imprensa da Presidência da República, com uma carta do seu jornal, da sua rádio ou da sua revista, acompanhada de duas fotografias.
Cada revista, jornal ou rádio tinha direito a credenciar apenas um redator e um fotógrafo. Já as empresas de televisão e cinema podiam credenciar um máximo de três representantes: um repórter e dois técnicos para instalar a aparelhagem no próprio recinto da entrevista.
Previamente, também, os jornalistas puderam mandar suas perguntas para o Presidente, que, ao dar entrada na sala, jß as trazia consigo, catalogadas em número de 98. Sentou-se numa grande mesa, cercado, pela frente, de microfones, câmaras e máquinas fotográficas e, por trás e pelos lados, de assessores e secretários.
Começou congratulando-se com a imprensa e agradecendo sua presença. Desculpou-se pelos sucessivos adiamentos da entrevista, devidos a fatores independentes de sua vontade. Prometeu que teria todos os meses haveria, um encontro seu com os jornalistas.
Disse que escolheria ao acaso algumas das perguntas, pois o tempo para responder a todas era pouco. E escolheu, para iniciar, justamente a que lhe foi feita pela Revista Manchete:
 
— Poderia V. Exa. descrever como realmente transcorreu o seu encontro com o Embaixador Berle Júnior?
RESPOSTA: — Em clima de cordialidade e respeito recíproco. Expus ao Embaixador Berle problemas econômico-financeiros do meu país e alguns dos pontos de vista do Governo Federal no que respeita á política externa. Não houve nenhum desentendimento, não houve, de outra parte, nenhuma aspereza, nem poderia haver,dadas as altas responsabilidades de ambos.
 
A segunda pergunta foi do correspondente da Columbia Broadcasting System, que levava grande equipamento de câmaras para uma filmagem do presidente Jânio Quadros destinada a um programa de duas horas sobre o Brasil, em toda a cadeia CBS. Queria saber como encarava a nova política traçada por Washington para a América Latina.
RESPOSTA: — Eu a encaro na esperança de que seja realmente uma nova política. Uma política de ajuda fraternal e desinteressada aos povos da América Latina e aos povos subdesenvolvidos em geral, uma política antimperialista e anticolonialista que possibilite o progresso e o bem-estar dos povos deste hemisfério, abrindo-lhes novos horizontes. Uma política de respeito à autodeterminação desses mesmos povos, uma política democrática, que concorra para o fortalecimento nos vários planos, sobretudo no econômico e no social, das próprias instituições livres.
 
As duas perguntas seguintes, do "Correio Brasiliense" e de "La Nacion", referiam-se à posição do Governo brasileiro diante da revolução cubana.
RESPOSTA: — O Brasil tem compromissos internacionais que não foram contraídos pelo meu governo. Isto me dá autoridade maior, para observar que, sendo compromissos internacionais, o meu governo os honrará. Foram contraídos pela Nação e só transitoriamente eu represento a Nação. Os compromissos com a Organização dos Estados Americanos, por exemplo, os compromissos com a Carta das Nações Unidas. Mas entende o Governo da República que da essência desses compromissos é direito sagrado à autodeterminação.
Então, o Governo da República é a favor de todo e qualquer entendimento, de toda e qualquer discussão bilateral ou multilateral, no plano da Organização dos Estados Americanos ou no plano da Carta das Nações Unidas, destinada a dirimir as questões existentes entre Cuba e o Governo norte-americano. E reitera o Brasil com firmeza, a sua disposição de sustentar e defender o direito à autodeterminação do povo daquele país das Antilhas. Entendo que a revolução cubana foi o resultado inevitável de um torpe, um nojento processo de espoliação de um povo por maus governos. E que o Primeiro Ministro de Cuba, expoente dessa revolução é alguém impregnado de idealismo e firmemente disposto a emancipar econômica e politicamente a sua pátria, para assegurar, aos seus con-cidadãos a existência mais digna a que têm direito. Isto não significa que a revolução e o seu dirigente não cometam erros, não cometam ocasionais excessos. Isto significa, e só, que a revolução deve ser, para todos nós, democratas, uma advertência e uma lição, e deve reclamar de todos nós o máximo da nossa tolerância.
 
Ao "Time", respondeu que prosseguiria, com veemência sua anunciada política exterior. E "La Nación" perguntou se o Presidente pensava que o reatamento de relações diplomáticas com os países do bloco soviético teria grande influência na vida política no Brasil.
RESPOSTA: — Entendo que, debaixo de todos os aspectos,
do aspecto político-internacional, do aspecto econômico, não pode o Brasil ignorar uma parte ponderável do mundo, com um grande poder de intercâmbio e com um extraordinário acervo técnico científico e cultural. Este país se está fazendo adulto,depois de um longo processo de penúrias e de sacrifícios e está alcançando a maioridade sob os nossos olhos. O simples fato de ser um país agitado, com terríveis problemas de toda espécie, comprova o meu acerto. E uma nação assim, vigorosa, possuída de nobres ambições, deve estar presente em todos os continentes, no seu interesse e no interesse da humanidade, levando o seu quinhão à obra do progresso.
Com respeito a Angola, responde ao "Estado de São Paulo" ratificando a nota distribuída pelo Ministro do Exterior: depois de votar com Portugal, depois de abster-se de votar, em atendimento ao Tratado de Consulta e Amizade, o Brasil, "reiterando" sua posição anticolonialista e antimperialista, reserva-se o direito de votar contra Portugal, se necessário.
 
A pergunta seguinte é de "La Nación": esperava o Presidente deixar o Governo com a mesma popularidade com a qual iniciou o mandato?
RESPOSTA: — Quando Governador do Estado de São Paulo, tive dois anos terríveis, contrariando cotidianamente poderosas forças de todos os conteúdos. Procure "La Nacion" saber como deixei o Governo daquele Estado. Mas a popularidade não me está preocupando muito, nem pode preocupar. É óbvio que todo político - e o Presidente é um político - almeja a popularidade, procura-a.
Mas as circunstâncias que envolvem um Presidente são distintas. Chegou ao termo da vida pública, ao topo da escada e, então, mais do que qualquer outro político, está obrigado ao rígido cumprimento do dever, mesmo à custa da popularidade. O que importa é cumprir o dever, até porque, tarde ou cedo, o povo compreenderá. E mesmo aqueles que mais se destacam nos ataques e até nas injúrias acabarão por fazer justiça, porque este sentimento de justiça tem dentro de cada um de nós raízes profundas.
Ao "Correio Brasiliense", afirmou que o Governo estava empenhado em que o Congresso legislasse e decretasse uma lei antitruste, uma lei sobre lucros extraordinários e uma lei de reforma agrária, "que melhor se chamaria lei do Estatuto de Terra". Ao "Estado de São Paulo" e "A Noite", negou que as emissões tenham chegado a 17 bilhões de cruzeiros: disse que o governo não emitiu mais que 15 bilhões.
 
A pergunta seguinte é do "Time": de quanto tempo precisaria para a recuperação econômica e financeira do País?
 
 
 
RESPOSTA: Não é possível estabelecer prazos fatais. Creio que, em um ano, teremos experimentado sensível desafogo, sobretudo quando a colossal produção agrícola que estamos prevendo chegar aos mercados de consumo nacionais e estrangeiros. Neste terreno, estamos promovendo uma revolução através dos novos preços mínimos e de medidas complementares. Teremos o bastante para as nossas necessidades e o bastante para exportar: soja, arroz, feijão, algodão, milho, óleos vegetais, diversificando a nossa pauta e enriquecendo a nossa gente. Aquele, em boa-fé, que não acreditar nisso, tem licença de indagar no Banco do Brasil o que vem sucedendo às nossas exportações de alguns dias para cá, afim de verificar com os próprios olhos como voltamos aos mercados internacionais. todo o arroz empilhado no Rio Grande do Sul de longa data, milhões de sacas, está saindo.
Quando a indagação partia de um jornalista estrangeiro, entrava em ação o intérprete oficial, que vertia para o inglês as respostas de Jânio Quadros. Ao fim de 1 hora e 15 minutos, o Presidente anunciou que reservaria apenas mais 35 minutos para
responder as perguntas verbais.
Quando chegou a vez da Revista Manchete, seu representante dirigiu-se até o microfone instalado à esquerda do Presidente, para perguntar-lhe:
 
— V. Exa. está convencido de que o ex-Presidente Juscelino Kubitschek seja, direta ou indiretamente, por ação ou omissão, culpado ou responsável pelas irregularidades e pela situação que V. Exa. descreveu em sua última fala na TV?
RESPOSTA: — Em nenhum momento, até este instante, o jornalista que propõe a questão hoje ou os senhores jornalistas aqui reunidos me ouviram responsabilizar, pessoal e diretamente, o ex-Presidente da República. Não o fiz e tudo indica que não o farei, mesmo porque, acostumado a administrar como estou - e já fui Prefeito, já fui Governador - sei que nem sempre - e nas mais das vezes é o que acontece - as irregularidades são da responsabilidade do supremomandatário.
 
O representante de "O Globo" quis saber em que termos e em que profundidade esperava o Presidente intensificar a cooperação do Governo Federal com o Governo do Estado da Guanabara.
RESPOSTA: — A União já tem sobre os seus ombros onerosas responsabilidades naquele Estado, responsabilidades insuportáveis nesta conjuntura. As dificuldades financeiras registradas pelo Estado da Guanabara são, em linhas gerais, as dificuldades que se registrarão em todas as grandes cidades, em todos os Estados da Federação. É muito difícil sentar-se à minha frente um administrador, seja ele de transportes coletivos, seja ele de Município, seja ele de um estado, sem que traga às mãos uma solicitação de dinheiro. E eu gostaria muito de fornecer esse dinheiro, com as mãos largas, fraternalmente, abundantemente. Mas não o tenho. Na verdade, estou também atrás de quem o tenha. Ainda assim, determinadas necessidades da Guanabara, que são essenciais - energia elétrica, urbanização, combate às favelas com amparo aos favelados, porque esse deve ser o sentido do combate, e outras reivindicações do mesmo teor, que me foram ou me serão submetidas pelo Governador da Guanabara, terão aceitação irrestrita e receberão apoio incondicional.
 
O "Correio da Manhã" perguntou se o Presidente tinha consciência das conseqüências de uma diminuição do limite de crédito para o giro dos negócios.
RESPOSTA: — Sem dúvida. Mas negócios sem aspas, porque o que aconteceu muito no passado é ter sido o crédito mal distribuído. O crédito não chegava ao pequeno comerciante, não chegava ao pequeno industrial. O crédito era oferecido para finalidades especulativas. Examinando-se um decreto que baixamos há algum tempo, alcançando as Caixas Econômicas duramente, verifica-se que não vai faltar crédito para aqueles que dele necessitam, a fim de proporcionar riquezas. O que o Governo Federal deseja não é propriamente restringir o crédito; o que o Governo Federal deseja é selecionar o crédito.
A ordem foi perfeita. Os jornalistas norte-americanos reconheceram que o estilo usado pelo Palácio do Planalto era superior e dava melhor rendimento que o da Casa Branca. O Presidente parecia ter gostado tanto, também, desse novo estilo, que reiterou seu propósito de repeti-lo em maio de 1961.
 
As causas na renúncia
Jânio Quadros elegendo-se prefeito da capital paulista e, no cargo, há um momento em que ameaça renunciar. Quando governador de São Paulo, contrariado com as críticas e com a oposição que vinha sofrendo na Assembléia Legislativa, no cúmulo de sua irritação, chamou o seu secretário particular, Afrânio de Oliveira, e lhe entregou uma mensagem para ser divulgada à noite, pelos jornais, noticiando sua renúncia. De posse da mensagem, Afrânio de Oliveira reteve-a em seu poder, não dando ciência a ninguém. No dia seguinte, estranhando a falta de repercussão da notícia, indaga o governador do seu auxiliar onde se encontrava a mensagem:
“- Comigo, no bolso.”
“- Rasgue-a” – disse Jânio.
Estava superada a crise da “renúncia”.
 
A renúncia de Jânio Quadros foi premeditada, ligando um fato a outro, as circunstâncias permitem acreditar que tinha o objetivo de controlar todo o governo e livrar-se de Carlos Lacerda e da influência do Congresso.
A revista “Mundo Ilustrado” em seu número de 12 de agosto, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: “Renúncia, arma secreta de Jânio”.
Prova cabal de que a renúncia não foi um gesto individual de um presidente destemperado: a carta em que a decisão seria tornada pública estava desde 20 de agosto em poder de Horta. Ele mostrou a um grupo de conspiradores que se reuniu na casa de um industrial em Bertioga (SP). Entre os participantes do encontro estava o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (PSD-SP), e o ministro da Guerra, Odílio Denys.
A justificativa apresentada pelo presidente Jânio Quadros sobre a sua renúncia à Presidência da República, tem uma característica interessantíssima: a de colecionar renúncias como chantagem.
Para a primeira entrevista exclusiva após o episódio da renúncia, Jânio Quadros recebia os repórteres na sala de jantar do sobradinho em que residia em São Paulo, desde que deixou os Campos Elíseos. Num dos quartos em cima, D. Eloá, por ordem médica, Renúncia de candidato a candidato à presidência da República
permanecia deitada. O ex-Governador, vestindo um costume escuro razoavelmente alinhado, explicou o atraso de meia hora. Dizia que estivera na casa do Deputado Xaves Amarante, até alta madrugada:
“- Lá se encontravam mais de 50 Deputados, do situacionismo e da oposição da Assembléia.” Foi uma reunião informal de amigos, que serviu para aparar certas arestas...
na sala, modestamente mobiliada, dois quadros de Lincoln. O ex-Governador fez breve referência ao grande estadista americano, que na sua opinião era o maior vulto da política dos Estados Unidos. A entrevista começou naturalmente com o episódio que abalou a Nação por alguns dias.
“- Afinal, por que renunciou?”
Jânio Quadros refletiu uns instantes. Depois, informando que suas palavras se prestariam a uma interpretação “interessante” por parte dos observadores, explicou:
“- Sentia-me como um reservista que já prestou o seu serviço. Quando iniciei as primeiras gestões como candidato à Presidência da República, era um copo cheio; bastaria uma gota para que ele transbordasse.”
“- Afirmou o senhor que havia interesses em choque e que não poderia levar até o fim uma campanha que se iniciava com tantas desinteligências. Como condição do retorno houve modificação nos propósitos e reivindicações dos partidos?”
“- A essa pergunta, costumo responder que já declarei várias vezes, que não preciso necessariamente ser candidato à Presidência.Sinto-me aos 42 anos, satisfeito comigo mesmo e não nego que a atividade política hoje me irrita e cansa, porque ela é a arte da permanente transigência. Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar a vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério, à família. Contudo, partidos políticos que me apóiam, governadores de vários Estados, e sobretudo o povo, ratificaram a confiança que em mim haviam depositado. Sem embargo do que afirma determinada imprensa, que timbra em conduzir-me de forma desrespeitosa e, parece, desejosa de transferir a luta sucessório do plano elevado em que me situo, para o das sarjetas, os apelos de trabalhadores – gente humilde e angustiada – chegaram a mim em número incontável. Um verdadeiro oceano de cartas e telegramas alcançou esta casa e a de alguns companheiros. Convencido, afinal, de que se impunha minha presença e de que não se pode chegar ao país e à causa democrática ainda os serviços mais pesados, revi aquela decisão.”
“- Agora, a candidatura é definitiva?”
“- Não desapontarei as esperanças do povo. A qualquer custo irei até 3 de outubro para que os brasileiros possam escolher, dentre os nomes que se apresentem, aqueles que julguem seja o mais apto para este grave instante de nossa pátria.”
“- Corre em certos círculos políticos que o senhor teria perdido o embalo inicial: é certo?”
“- Um homem como eu, nunca faz qualquer coisa de que não esteja absolutamente convicto. Tenho agora a mesma convicção de antes.”
“- Diz-se, também, que seu temperamento estaria sendo alvo de sérios comentários nos meios políticos e militares.”
“- Nasci com este temperamento e morrerei com ele. A mim, agrada, e é o bastante. Não existo para agradar os outros. Vou empenhar-me nesta luta com todas as minhas forças, marcando meus atos com a máxima lealdade e a mais absoluta limpidez e coragem – dizendo apenas o que penso, e atendendo assim, à minha própria consciência.”
“- Quer dizer que na questão Vice, o Sr. Fernando Ferrari vai ficar mesmo falando sozinho nos comícios?”
“- Tenho um companheiro de chapa que é o Sr. Leandro Maciel. Entenderam os partidos que me apóiam que o Deputado Ferrari disputará o pleito sustentado somente pelo PDC. Em conseqüência não participarei de quaisquer combinações que contornem o compromisso que assumi. Se me permitem, afirmarei que a primeira condição que se reclama de um candidato à Presidência da República é o respeito à própria palavra.”
“- Aquela disposição do Governador Juracy Magalhães, manifestada ao Sr. Leandro Maciel, de emprestar todo o apoio à sua candidatura na Bahia e Estados do Nordeste, perdura?”
“- Nunca duvidei da presença do Governador baiano, cujas responsabilidades no Nordeste e perante a Nação, somente serão aumentadas no futuro Governo. Confio que me ajudará adivinhando o peso do fardo.”
“- Continua considerando-se o candidato marcadamente da oposição?”
“- Sou o candidato da contrariedade, da inconformidade, da angústia popular. Em um dos lados estará o candidato situacionista, e eu de outro. Contudo, reitero o que já declarei em outra oportunidade. Proponho-me a uma campanha em termos altos, mas aceito-a em quaisquer termos. Somente não darei o início. Não assumirei a responsabilidade dos métodos e processos que a afastem do plano em que pretendo situa-la.”
Durante a entrevista, por várias vezes, um dos secretários do ex-Governador aparecia para chamá-lo ao telefone. Ele sempre se negava, avisando que o procurassem no Comitê Estadual, instalado na Rua Consolação. Em seguida, era D. Eloá quem o chamava. Jânio Quadros demonstrava contrariedade e respondia:
“- Já lhe disse, meu bem, que você não ode levantar-se sob nenhuma hipótese. Ouviu bem o que o médico disse.”
“- Alguns jornais e mesmo boa parte dos políticos, afirmam que sua popularidade sofreu um arranhão com o episódio da renúncia. Quem esteve no Aeroporto Santos Dumont (Rio), na semana passada, e viu a relativa frieza com que foi recebido, comentou o fato dando-o como prova do que afirmam.”
“- Para que essas sondagens da opinião pública? Ontem fui almoçar no Cais do Porto do Rio e estivadores e doqueiros, operários de todas as categorias, me envolveram em carinhosa e vibrante manifestação. Domingo passado visitei sozinho o bairro da Vila Maria em São Paulo, e o bairro inteiro me testemunhou a sua calorosa amizade. Isso sucede por toda parte. Pareço massa de bolo, quanto mais batida mais cresce.”
“- Quais os Estados que considera mais ‘difíceis’ para sua campanha?”
“- Alguns Estados merecerão cuidados especiais que decorrem de várias circunstâncias. Exemplifico: quero conhecer bem as condições econômicas e sociais do Norte e Nordeste, examinando com vagar as suas questões mais sérias. Desejo familiarizar-me com os problemas de Minas, concorrendo ainda, com todos os meus recursos, para a eleição do Sr. Magalhães Pinto. Vou estender, o possível a minha permanência no Sul, particularmente no Rio Grande. Não sei de Estados ‘difíceis’ sob o ponto de vista eleitoral, mas de Estados que exigem do candidato mais tempo, e uma ação pessoal mais intensa.”
“- Por que vai iniciar a campanha pelo Acre?”
“- Minha ida ao Acre tem intenção de significar o interesse que me desperta aquele e outros territórios federais. Subirei depois ao Maranhão, Piauí, visitando a seguir Campina Grande, verdadeira capital do sertão nordestino. É possível que aproveite a viagem para chegar ao Recife e Salvador, sem o propósito, porém, de comícios nessas duas grandes cidades. Do Recife, tenho um programa radiofônico já transferido por motivos de força maior. Na Bahia quero visitar as instalações da Petrobrás, que não revejo desde os tempos em que fui Vereador.”
“- Como Deputado Federal pelo Paraná, como vê as manifestações de revolta do povo de Curitiba?”
“- Ainda ontem, enviei mensagem ao povo curitibano apelando para as tradições de acatamento e respeito à ordem. Os fatos que se desenrolaram, são ainda mais graves, dada a índole pacífica daquela gente. Como explica-lo, exceto através do desespero que eclode por toda parte? Não há quem não viva hoje sob tensão nervosa, que decorre das dificuldades de cada dia e da insegurança do futuro. Quando se sabe que apenas em um mês foram emitidos cerca de 5 bilhões de cruzeiros, quando se acompanha a terrível alta do custo da vida, que é filha dileta, em todo o mundo, do avilamento da moeda, quando os escândalos se multiplicam, na impunidade, então as explosões da cólera coletiva encontram sua interpretação legítima. Várias advertências de economistas, sociólogos, políticos e cidadãos de rara experiência e autoridade moral caíram no vazio. Agora as multidões erguem sua voz, e Curitiba é, afinal, apenas uma dessas vozes alarmantes. Não é causa, mas efeito. Que se acautelem os responsáveis.”
“- Que diz da rebelião de Aragarças?”
“- Já condenei esse movimento sedicioso, mas condeno com mais vigor aqueles que o determinaram, levando a sedição bravos militares. Não residem, porém, nas instituições os males do momento, mas em uns poucos que detêm o poder. O que cumpre a todos nós, é procurar o aperfeiçoamento do regime, o que se consegue, embora à custa de erros e sacrifícios, pelo exercício do voto livre. Na minha opinião vem sendo rápido o processo da politização brasileira. Todas as grandes democracias passaram por esta fase, quase decepcionante, e delas saíram melhores pela continuidade das próprias instituições. Reitero minha confiança no futuro.”
“- Circulou a notícia de que o ‘comando revolucionário’ teria entrado em contato com o senhor, e feito a entrega do manifesto, 24 horas antes da revoada para Aragarças.”
“- Repto quem quer que seja a estabelecer qualquer relação direta ou indireta entre os jovens sediciosos de Aragarças e a minha pessoa ou a do Sr. Quintanilha Ribeiro. Vou além: não li a notícia e se encontra-la, processarei o responsável.”
“- É verdade que o senhor já teria escolhido, para seu Ministro de Relações Exteriores, o Sr. Afonso Arinos?”
“- Grande nome. Está anotada a sugestão.”
“- Soube do acordo comercial firmado com a URSS?”
“- Sim. Pareceu-me pequeno, mas é um bom começo de conversa. O Brasil tem na Rússia, na África, na Ásia, um futuro seguro como grande nação exportadora. Entretanto, os mercados clássicos devem ser mantidos, mas naquela direção e na das próprias Américas, está o caminho do rápido desenvolvimento.”
Estavam sobre a mesa da sala de jantar, dois livros: Roboré, um torpedo contra a Petrobrás, o Retrato sincero do Brasil. O ex-Governador folheava-os e compulsava, também, um estado sobre o café brasileiro no Japão.
Perguntado se tinha algo a dizer a respeito desses documentos, principalmente sobre o acordo de Roboré:
“- Comprometo-me a conceder uma outra entrevista, onde somente tratarei de questões extra-políticas. Tenho muita coisa a falar, coisas que compõem o meu programa de governo, caso seja eleito. Fiz estudos meticulosos a respeito do café, da previdência, do comércio exterior, do financiamento, da oportunidade de novos ministérios, dos transportes terrestres e marítimos, do petróleo etc. Nesta entrevista política não ficaria bem tratar desses assuntos.”
“- Falando em comércio exterior, continua no propósito de fechar os escritórios comerciais?”
“- Na verdade eles carecem de urgente e profunda modificação no que tange aos seus serviços. Praticamente de nada servem hoje, a não ser para exercer uma atividade social. Precisamos dar um sentido de unidade e entrosamento às nossas missões no estrangeiro. Há casos em que a Embaixada está inteiramente divorciada do que se passa no Consulado e nos escritórios comerciais. E vice-versa.”
“- Se assumisse hoje o Governo, concordaria com a continuação das obras de reforma do porta-aviões?”
“- Em princípio sou contra o porta-aviões. Acho que o dinheiro nele despendido seria mais bem aplicado no aperfeiçoamento da nossa frota de superfície. Ou então, na melhora geral da Marinha Mercante, que praticamente inexiste, na instalação de estaleiros e na melhora dos portos, bem como desenvolvimento do ensino naval. Contudo, falo em princípio, pois não sei das razões que levaram o Governo a tal atitude. Caso as autoridades do Ministério da Marinha me expliquem e convençam da conveniência ou necessidade da manutenção de um porta-aviões, então minha opinião poderá ser modificada. Diga-se de passagem, que esse navio, além de todos os argumentos que tem contra si teve ainda a malfadada sina de piorar as já estremecidas relações entre as Forças Armadas.”
 
RENÚNCIA & PROVÍNCIA
 
Esta foi a segunda renúncia de Jânio Quadros. A primeira esteve para consumar-se numa tarde de 1960. Em seu quarto de hotel, recebe a visita do senador Afonso Arinos, logo após ter dado violenta resposta à proclamação pacifista do Marechal Lott. O senador fora justamente para aconselhar-lhe mais prudência nesses pronunciamentos, a fim de não tornar irremediável a sua situação político-militar. O candidato levanta-se de supetão, apanha uma folha de papel, assina seu nome embaixo e entrega-a a Afonso Arinos, para que redija ali, como bem quisesse, os termos de sua retirada. Depois, vira-se para Francisco Quintanilha Ribeiro e diz:
- Chico, vamos arrumar as malas e ir embora. Somos da província e não sabemos fazer política federal.
A intervenção de pessoas e argumentos conciliadores evita que se efetivasse aquela tentativa de renúncia. Da segunda vez em São Paulo, não houve jeito de evitá-la. O efeito foi a explosão, na sede da UDN, com atraso de poucos dias, de uma bomba tão arrasadora quanto aquela outra que havia estourado, no mesmo edifício da Rua México (Rio de Janeiro), poucos andares acima.
 
 
JÂNIO PENSOU BEM ANTES DE RENUNCIAR:
RASCUNHOU E BATEU À MÁQUINA SUA DECISÃO
 
Quando puseram o pé no avião com destino a São Paulo, Magalhães Pinto e Leandro Maciel já tinham sido avisados de que algo importante poderia surgir a qualquer momento para modificar os planos da campanha eleitoral que esperavam começar no dia posterior. Estavam confiantes de que ela se iniciaria mesmo poucas horas depois, embora tivessem recebido, poucos minutos antes, um aviso e uma advertência.
Foi o deputado Afrânio de Oliveira, do Partido Socialista de São Paulo, quem se encarregou de avisá-los e adverti-los. Conhecendo a fundo Jânio Quadros, e privando da intimidade dos líderes janistas, considerou-se com autoridade suficiente para comparecer ao aeroporto e dizer ao deputado Seixas Dória:
- Não adianta ir a São Paulo. Jânio ficará com Ferrari e abrirá mão do apoio da UDN. Se vocês apertarem muito, ele renuncia e vai embora para os Estados Unidos. Muita gente sabe disto.
Vários repórteres que estavam designados para acompanhar a comitiva até o Acre foram aconselhados a não seguir logo para São Paulo, pois a decisão final sobre o início da campanha ainda estava dependendo de uma importante conversa a ser mantida com o candidato naquela noite.
Era quarta-feira, dia 25 de novembro. Uma noite reservada para alterar por completo todo o rumo da sucessão presidencial.
Quando puseram o pé em Congonhas, Magalhães Pinto e Leandro Maciel estão ainda esperançosos, embora já avisados e advertidos. Um dirige-se imediatamente à residência de Quintanilha Ribeiro, pois deseja ter uma conversa reservada com o candidato. O outro vai aos Campos Elíseos fazer uma visita de cortesia à Carvalho Pinto.
Uma pesada chuva cai sobre a cidade de São Paulo, quando Jânio Quadros chega à casa onde Magalhães Pinto o esperava. Os ponteiros marcam exatamente 17 horas. Dez minutos e três esquinas antes, o carro do candidato era abalroado por outro automóvel que lhe amassou o lado direito e partiu o óculos famoso do seu principal ocupante. Aquilo já era mau agouro!
Uma hora depois, chegam Leandro Maciel e Abreu Sodré. Do lado de fora, dezenas de fotógrafos e repórteres aguardam o final da conferência. Esperam muito. Ela só termina às 20 horas e 30 minutos. Foi exatamente nesse instante que Jânio Quadros se retira da sala onde se encontram os demais líderes e recolhe-se ao gabinete do dono da casa. Ouvem-se as batidas do teclado de uma máquina de escrever. O candidato datilografa a carta dirigida à Leandro Maciel, que ele mesmo rascunhou na presença de todos. Nela ficam estabelecidos os critérios sobre a presença dos dois candidatos a vice no comício do Acre.
A conversa até aquele momento transcorria cordial e animada. Jânio Quadros mostra-se sempre bem humorado. Pede a Magalhães Pinto para fazer umas sondagens militares sobre o significado da possível volta do general Hasckett-Hall ao comando do II Exército, além de umas consultas parlamentares sobre o que havia de concreto a respeito das articulações do governo em torno do projeto da coligação de legendas.
Diz a Leandro Maciel que só com ele em sua comitiva poderia ir ao Acre. Como resposta, o ex-governador de Sergipe declara que fica desvanecido com aquela reiteração dos compromissos assumidos, sobretudo porque pensa até em renunciar ao cargo de vice, a fim de não criar dificuldades ao candidato presidencial, cuja vitória considera mais importante do que qualquer outra coisa. Leandro Maciel prossegue:
-Não queria começar minha campanha, Dr. Jânio, sem demonstrar que posso ajudar-lhe um pouco. Fui a Salvador há poucos dias e de lá trouxe a promessa do governador Juraci Magalhães de que vai integrar-se na sua campanha. Ele é, antes de mais nada, um udenista, e não faltaria ao partido nessa hora.
 
Jânio Quadros sensibiliza-se:
-Além do mais, Dr. Leandro, o senhor ainda está prestando grandes serviços.
 
Acontece aí um fato que é narrado de duas maneiras: os líderes udenistas afirmam unanimemente que foi Jânio Quadros quem, num oferecimento espontâneo, se prontifica a escrever a carta sobre o problema da dualidade de candidaturas a vice. O documento chega a ser rascunhado pelo próprio candidato, que pede inclusive a colaboração e as sugestões de José Aparecido. Mas os próceres janistas sustentam que foi Leandro Maciel quem solicita a Jânio Quadros, por escrito, as declarações que estava fazendo oralmente na reiteração do seu apoio ao candidato da UDN para vice-presidente. Irritado com o que considera uma demonstração de desconfiança na sua palavra, o candidato retira-se para uma sala contígua, a fim de consumar outra retirada.
E esta ele a consuma numa carta enviada a Magalhães Pinto, renunciando à candidatura. Quando José Aparecido percebe que ele não estava passando a limpo o documento rascunhado poucos minutos antes, e sim redigindo um outro, pergunta-lhe se havia resolvido mudar a direção da carta:
 
- A direção e o conteúdo. Resolvi renunciar.
 
Entregou-a à Quintanilha Ribeiro, dando-lhe um prazo para divulgá-la. Pega o telefone, liga para D. Eloá e comunica-lhe que está liberto.
Instantes depois, o candidato passa pelos líderes udenistas, cumprimenta dois deles, agradece-lhes o prazer de tê-los conhecido, desce as escadas e entra, sozinho, no seu automóvel amassado. Eram 20 horas e 50 minutos.
Um dos jornalistas, que está na calçada fronteira, garante que Jânio Quadros dois quarteirões adiante libera seu automóvel e manda-o à Rua Rio Grande buscar D. Eloá e Tutu, ao mesmo tempo em que toma um carro oficial e ruma em direção aos Campos Elíseos. À elas vai reunir-se, em seguida, na residência de Humberto Cassiano.
Quintanilha Ribeiro protela enquanto pode a entrega da carta, até mesmo porque Magalhães Pinto havia lhe dito que só a receberia na qualidade de presidente da UDN, querendo com esta ressalva significar as conseqüências político-partidárias do recebimento. Mas as protelações tiveram fim quando Jânio Quadros, em local ignorado, telefona para seu fiel secretário, instando-o a divulgar logo o documento através das rádios, sob pena de ele fazê-lo pessoalmente.
O presidente udenista fica menos surpreso com a carta propriamente dita do que com a conduta do seu autor, ao retirar-se sem uma despedida. Ainda atônito, lembra-se de que, afinal de contas, está apenas sendo confirmada a advertência feita pelo deputado Afrânio Oliveira, no Aeroporto Santos Dumont, poucas horas antes quando embarcava para São Paulo.
Com os seus companheiros, ruma dali para o Palácio dos Campos Elíseos, à procura do único homem capaz de servir como mediador e articulador dos novos rumos: o governador Carvalho Pinto. Do Palácio, onde o acesso aos jornalistas é também proibido, os dirigentes udenistas voltam ao hotel, resolvendo retornar logo no dia seguinte ao Rio, pois nada mais têm a fazer.
Vinte e quatro horas mais tarde, eles estão novamente saltando no Santos Dumont. A UDN lá se encontra para recebê-los, coesa, à exceção de Carlos Lacerda. Perplexos, os líderes do partido não sabem o que dizer nem fazer. Há pouco mais de duas semanas eles haviam chorado "lágrimas de sangue", passando por cima de um antigo companheiro para ficar com Jânio. Mas sua reação é imediata e vigorosa, pois a UDN é agravada na pessoa de dois dos seus líderes mais autênticos e queridos.
Eles ficam esperando mais alguns dias para ver o desdobramento natural da crise. E terminam convencidos de que o gesto do candidato é mesmo para valer. A irritação do partido é tamanha que não se pode prever o tom da resposta a ser dada a Jânio Quadros caso haja mesmo a reunião do diretório nacional no dia seguinte. A prudência de alguns dos seus dirigentes consegue adiar o encontro para uma oportunidade posterior, quando as cabeças estariam um pouco mais frias e pudessem deliberar com mais serenidade.
Resta ao udenismo a alternativa de sair com um candidato de luta e oposição, na pessoa de Juraci Magalhães, ou derivar para um candidato de união nacional, que no caso poderia ser Carvalho Pinto, a quem o renunciante chega mesmo a prometer seu decidido apoio, se ele quisesse mesmo candidatar-se.
Que motivos levaram Jânio àquela atitude? Ninguém consegue explicá-la. As mais desencontradas razões são oferecidas em meio à incredulidade geral.
Receio de ser eleito e não empossado? Impaciência com a UDN e o PDC, que não chegam a um acordo sobre a vice-presidência? Reação em face de alguma palavra, gesto, frase ou exigência dos líderes udenistas? Planos para uma composição posterior com o PTB e João Goulart? Certeza de que se confirmaria mesmo a previsão, segundo a qual chegaria ao poder mas seria nele assassinado? Recuo, agora, para um retorno próximo na crista de uma onda de agitações populares, aclamado como um De Gaulle ou um Fidel Castro? Horror a compromissos com partidos e políticos? Motivos de saúde? Convicção de que estava em preparo um golpe que só o seu afastamento poderia abortar? Desejo incontido de libertação com o que já considerava um cativeiro? Interesse em não se apresentar como um candidato marcadamente udenista? Temor de receber, no governo, um legado caótico, preferindo poupar-se para daqui a seis anos?
Cada um dos leitores, a seu modo encontrará em uma, duas ou três dessas interrogações os argumentos para uma tentativa de compreensão da renúncia. De qualquer forma, é indiscutível que o candidato se afasta muito do poder que começava a aproximar-se dele em marcha galopante. Pode ser que recupere esse terreno e volte numa cadência acelerada. É possível que do ponto de vista popular e eleitoral ele tenha mesmo capitalizado novas simpatias. O povo e os eleitores, de modo geral, gostam de gestos como aquele, em que o homem Jânio parece não estar disposto a uma submissão aos políticos e aos partidos.
Muitos observadores, entretanto, perguntam se ele ainda necessita de algum fortalecimento no terreno eleitoral e popular. Indagam se essa consolidação não lhe é absolutamente indispensável e necessária no campo político, partidário e militar, onde se enfraquece bastante com a renúncia. Pois a movimentação em alguns setores militares não deixa a menor dúvida sobre a convicção unânime de que Jânio não merece mais nenhuma confiança para chefiar o governo da República. Nesses setores, perde por completo a cobertura que até então lhe era dada pelos militares ligados à UDN.
Também nos bastidores parlamentares, começam imediatamente muitas articulações destinadas a revitalizar os partidos e colocá-los em condições de sobreviver a impactos dessa natureza. Líderes do PSD e do governo tentam atrair deputados da UDN a um esquema único de autodefesa. Com essas manobras, pretendem aproveitar ao máximo os descontentamentos e as decepções dos udenistas em face do seu candidato.
Os mais abordados são justamente os amigos e partidários de Juraci Magalhães, que não escondem, de certa forma, seu contentamento por verificar que se confirmam todas as previsões feitas pelo governador da Bahia, quando a convenção udenista rejeita sua candidatura à Presidência da República, preferindo Jânio Quadros. Tanto os juracisistas como os janistas do partido entendem que nenhum acontecimento posterior será suficiente para restaurar a confiança perdida em Jânio. Acreditam que nenhuma atitude será capaz de refazer o clima de recíproco entusiasmo que reinava entre o partido e o seu candidato. Em muitos deles resta, porém, a expectativa de que algum motivo muito sério, até agora não explicado nem revelado, conduziu Jânio Quadros àquela decisão.
À medida em que os dias passam, dissipam-se as últimas esperanças quanto a uma mudança, pois o candidato afirma, em pronunciamentos, que sua decisão é inabalável e pede inclusive que a respeitem.
A conseqüência imediata da crise é o fortalecimento da candidatura do Marechal Teixeira Lott que, justamente naquela noite, se consolida em Belo Horizonte, com a homologação da escolha de Tancredo Neves como candidato a governador de Minas.
Doravante, tudo pode acontecer: a ressurreição da candidatura Juraci, o engrossamento de Adhemar, um mandato-tampão, a prorrogação do mandato presidencial ou o adiamento das eleições, embora muitos achem que o mais certo é o recuo de Jânio e a sua renúncia à renúncia.
 
 
 
 
 
 
A renúncia de Jânio Quadros foi premeditada, ligando um fato a outro, as circunstâncias permitem acreditar que tinha o objetivo de controlar todo o governo e livrar-se de Carlos Lacerda e da influência do Congresso.
A revista “Mundo Ilustrado” em seu número de 12 de agosto, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: “Renúncia, arma secreta de Jânio”.
Prova cabal de que a renúncia não foi um gesto individual de um presidente destemperado: a carta em que a decisão seria tornada pública estava desde 20 de agosto em poder de Horta. Ele mostrou a um grupo de conspiradores que se reuniu na casa de um industrial em Bertioga (SP). Entre os participantes do encontro estava o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (PSD-SP), e o ministro da Guerra, Odílio Denys.
A justificativa apresentada pelo presidente Jânio Quadros sobre a sua renúncia à Presidência da República, tem uma característica interessantíssima: a de colecionar renúncias como chantagem.
Em 1960, em entrevista exclusiva, após o episódio da renúncia, quando era candidato a candidato à presidência da República pela UDN, Jânio disse:
“- Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar à vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério e à família” (renunciou por duas vezes em 1960).
 
Em 1960, em entrevista exclusiva, após o episódio da renúncia, quando era candidato a candidato à presidência da República pela UDN, Jânio disse:
“- Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar à vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério e à família” (renunciou por duas vezes em 1960).
Em 25 de agosto de 1961, o estilo da carta renúncia. Diz o texto:
“- Retorno agora ao meu trabalho de advogado e de professor.”
O que planejava Jânio Quadros?
Ele planejava, com a renúncia divulgada em Brasília, aterrissar no aeroporto de Congonhas, onde o Viscount presidencial seria cercado pelas “massas” – o que seria um pretexto para voltar ao poder “nos braços do povo”.
Jânio Quadros não queria sob nenhuma hipótese fechar o Congresso Nacional, pois poderia fazê-lo com um cabo e três soldados. Ele pretendia o respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; Jânio Quadros, nunca perdeu a chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto fazê-lo, acreditava piamente no que dizia.
Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira trocou de legenda sucessivamente. Renunciando a todas e no mesmo estilo de carta que imprimiu sua marca pessoal.
Jânio Quadros, provavelmente se sentiu portador de um mandato extraordinário. Na França, a quinta República começava com De Gaulle a repor o país nos trilhos. Em Brasília, Jânio caminhava para sete meses de governo, com medidas que variavam desde corajosas eliminações de subsídios até pequenas intromissões no cotidiano para demonstrar preocupação com a moralidade pública.
O estilo agressivo e independente de Jânio reverberava como algo bem mais poderoso que uma vassoura: era a alavanca, o bisturi gigantesco e destemido de que o País precisava.
A renúncia foi mais um gesto teatral, a que ele se habituara. Contava, certamente, repetir a cena que fizera quando da sua renúncia à sua candidatura à Presidência da República, aliás, por duas vezes e no mesmo estilo. “- Jânio era o golpe” - afirma o marechal Teixeira Lott.
Após a renúncia de Jânio Quadros, com a responsabilidade de ser um dos três detentores do Poder Civil durante umas poucas horas, o marechal Odílio Denys, ministro da guerra, recebeu a visita do Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, para lhe dar ciência do ato da renúncia voluntária do Presidente da República, foi inquirido sobre a causa ou causas do estranho ato de Jânio Quadros
A resposta do marechal Denys ao deputado Ranieri Mazzilli foi a seguinte:
“- Temperamento.”
Jânio Quadros tinha a obsessão da renúncia e foi um ato teatral. Oscar Pedroso Horta traiu Jânio Quadros, quando não rasgou ou pelo menos não retardou a entrega do documento da renúncia. Horta deveria ouvir os ministros, os governadores amigos e os líderes da campanha janista. Que “razões próprias” deve ter tido o ministro da Justiça, Pedroso Horta para o açodamento da entrega do documento da renúncia?
A bagagem de Jânio Quadros já estava pronta desde a véspera da renúncia, antes de saber da denúncia de Carlos Lacerda. Jânio Quadros, ao participar dos festejos do 25 de agosto, Dia do Soldado, em Brasília, estava com uma fisionomia alegre, na manhã do dia da renúncia. É semblante de quem antegozava uma grande travessura.
Este depoimento é concludente, quando confessa Jânio Quadros ao seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, que Jânio Quadros esteve diante de um Congresso que não atendia, que não obedecia. Horta tentou várias vezes uma aproximação entre o Presidente indócil e o indócil Congresso Nacional. Afinal de contas, Jânio quando governador “renunciou” pelos mesmos motivos.
A renúncia de Jânio Quadros foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.
Jânio não acreditava que poderia deixar realmente o poder (Oscar Pedroso Horta não se comportou como o seu ex-secretário Afrânio de Oliveira, retendo a carta renúncia). Ele tinha esperança de que uma manifestação popular o levasse novamente ao cargo e que deste modo seria ainda mais fortalecido. No entanto, a população foi tomada de surpresa com o episódio e houve um clima de frustração muito grande, que se julgava traída.
Em 1960, o Brasil vislumbrou e perdeu, como num passe de mágica, a chance de um grande salto à frente.
 
Jânio, PREFEITO DE SÃO PAULO
 
A posse de Jânio na Prefeitura da Capital paulista se deu a 8 de abril de 1953 e inaugurou um novo estilo de governo. Trabalhava das 7 horas da manhã até às 10 horas da noite. Às quartas-feiras e aos domingos dava audiências ao povo nos diversos bairros, prestando contas da sua administração à população. Dava audiências particulares às pessoas que o procuravam.
Jânio procedeu a uma varredura na Prefeitura de São Paulo, chegando até a ser impiedoso, tal o rigor que empregava na sua administração, mas necessitava cumprir a promessa de campanha: ”recuperação moral da administração da cidade”.
Jânio, ao assumir, encontrou o setor econômico-financeiro em déficit tremendo, mas, através da mais rigorosa economia de gastos e corte de despesas dispensáveis ou adiáveis, já em dezembro de 1953, o orçamento d Prefeitura acusava saldo.
Jânio procurou melhorar os bairros da periferia, os bairros proletários, de gente humilde, os mais populosos. Ele angariou a simpatia e confiança das massas trabalhadoras esquecidas.
Um dos problemas mais graves da época era a situação da companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), e Jânio comprou 600 ônibus novos, recuperou a maior parte da frota paralisada, valorizou e aumentou o salário dos empregados da CMTC e, assim, consegui contornar e resolver os problemas.
Outra preocupação de Jânio foi o embelezamento dos parques, praças e jardins públicos, o que dava novo aspecto à fisionomia da metrópole bandeirante.
Jânio foi áspero com as empresas estrangeiras, como a Light e a Companhia Telefônica, que não cumpriam os contratos, aplicando multas, chamando-as ao cumprimento dos compromissos.
Recolheu carros oficiais desnecessários e os vendeu em concorrência pública.
Outra novidade é que Jânio cortou qualquer espécie de lançamento de pedra fundamental de obras, inaugurações, corte de fitas, o que era comum entre administradores passados, para efeito de propaganda das “realizações da administração”.
Jânio termina com os “atravessadores” no setor de abastecimento de gêneros e verduras, o que foi objeto de grande sensação e polêmica na opinião pública e nos jornais.
Algumas atitudes abalaram profundamente a opinião pública, como a punição que Jânio deu a Adhemar Ferreira da Silva (atleta, campeão olímpico de salto triplo), pois este se afastou do cargo que exercia na Prefeitura Municipal sem autorização. O Prefeito assim explica:
“- Infelizmente era um funcionários relapso. Compreendo que seja um grande atleta, que muito bem representou o Brasil nas provas olímpicas, mas a Prefeitura ainda não é clube de atletismo, de sorte que, para o bom cumprimento de meu programa, fui obrigado a afastá-lo”.
Um fato marcante na época foi quando Jânio mandou interditar a Casa de Apostas do Jockey Club de São Paulo, pois esta não oferecia a segurança necessária, em virtude da precariedade do prédio em relação ao número de pessoas que ali entravam.
Assim foi o prefeito Jânio Quadros.
 
Jânio PRIORIZOU OBRAS VIÁRIAS NA PREFEITURA
GRANDES PROJETOS CARACTERIZARAM SEGUNDO MANDATO
 
Com 1.572.260 votos (38% do total), Jânio da Silva Quadros, candidato do PTB, foi eleito prefeito de São Paulo em novembro de 85, vencendo os candidatos do PMDB, Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Matarazzo Suplicy do PT.
Pela segunda vez ocuparia a Prefeitura de São Paulo. Em sua primeira eleição, em 1953, obteve 272.649 votos pela coligação PDC-PSB. Questionado pelos jornalistas após sua segunda vitória sobre seu programa de governo, Jânio disse laconicamente: “- O programa sou eu”.
Sem um programa de governo definido, escolheu atitudes e frases de efeito para ocupar o noticiário. No dia de sua posse, em 1o. de janeiro de 1986, munido de uma lata de inseticida, “desinfetou” a cadeira de seu gabinete, onde Fernando Henrique Cardoso sentara antes da eleição.
Jânio desenvolveu uma estratégia de marketing que o manteve nas manchetes dos jornais. Ao assumir a Prefeitura, voltou de uma viagem à Inglaterra com a barba crescida, semelhante à usada pelo presidente norte-americano Abraham Lincoln, a quem sempre admirou. Esteve no exterior durante 170 dias (20%) de seu mandato.
Proibiu bicicletas, skates, sungas e biquínis no Parque Ibirapuera. Voltou a redigir “bilhetinhos” para transmitir ordens a subordinados.
Mandou pintar os ônibus municipais de vermelho e construiu, como em Londres, ônibus de dois andares, logo batizados pelos paulistanos de Dose Dupla. Multou pessoas e pendurou chuteiras na porta de seu gabinete – símbolo de que não iria mais disputar eleições. Projetos de porte, como o Plano de Urbanização do Tietê, do arquiteto Oscar Niemeyer, não saíram do papel.
Como prefeito, Jânio interferiu na paisagem urbana de São Paulo ao mandar derrubar os casarões da Rua da Assembléia, na Bela Vista (região central de São Paulo). Ao descobrir atrás deles um muro de arrimo em forma de arcos, cantou vitória. Mandou iluminá-los e os transformou em atração turística.
Sua grande proposta administrativa aconteceu em 87, quando quis implantar um ambicioso programa viário, orçado inicialmente em US$ 350 milhões (que incluía a reurbanização do Anhangabaú e túneis sob o Rio Pinheiros e o Parque Ibirapuera). As obras ajudaram a endividar a Prefeitura.
 
CABELOS DESALINHADOS E CASPA NOS OMBROS
FORAM ALGUNS SÍMBOLOS CULTIVADOS POR JÂNIO EM SUA VIDA PÚBLICA
 
Jânio costumava aparecer em público com os sapatos trocados. Nos palanques das campanhas eleitorais levava uma vassoura, com a qual iria “varrer” a corrupção do País. Esse símbolo o acompanhou durante toda a sua carreira política.
Entre os discursos de campanha, comia sanduíches de mortadela e pão com banana, numa tentativa de identificar sua imagem com o eleitorado mais pobre.
Jânio procurou sempre se diferenciar dos outros políticos. Vestia roupas surradas, usava cabelos compridos, deixava a barba por fazer, os ombros cheios de caspa e exibia caretas aos fotógrafos.
Sua sintaxe era um caso à parte. Em seus discursos procurou sempre utilizar um vocabulário apurado, recheado por frases de efeito. É um enigma saber como conseguia se comunicar de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução escolar.
Chefe do Executivo fosse municipal, estadual ou federal, o autoritarismo e o carisma foram seus traços característicos. Seus bilhetinhos, com ordens a subordinados, se tornaram célebres.
Segundo seus adversários, Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira, trocou de legenda sucessivamente.
Essas demonstrações de força aumentaram sua popularidade junto a diversos segmentos do eleitorado. Jânio parecia diferente dos outros políticos.
Eleito pela Segunda vez prefeito de São Paulo, em 1985, seu primeiro ato ao tomar posse, em 1º de janeiro de 86, foi desinfetar a cadeira de seu gabinete. Alguns dias antes da eleição, seu adversário de campanha, Fernando Henrique Cardoso, candidato do PMDB, ocupou a cadeira para ser fotografado pela imprensa.
 
 
 
Bilhetinhos
Nos sete meses de governo, Jânio Quadros despachou cerca de quinhentos “bilhetinhos”, como são chamados popularmente. Os bilhetinhos foram combatidos, mas temidos e respeitados. Neles se observa o humano e o sentido de humor de Jânio Quadros. Os célebres “bilhetinhos” só o eram para o público, pois para JQ, eram despachos, papeletas ou memorandos altamente enérgicos e exigentes. Essas ordens escritas foram cognominadas “bilhetinhos” por um jornal de São Paulo, com o intuito de depreciá-los, mas o efeito foi contrário, e eles ganharam a notoriedade e a importância que realmente importava.
Dizia-se que Jânio inspirara-se em Churchill quando deliberou utilizar-se do sistema dos bilhetinhos. Outros declararam que ele se inspirou em personalidade mais próxima, Getúlio Vargas, que os enviou ao seu antigo chefe da Casa Civil, Sr. Lourival Fontes.
Há quem diga que JQ inspirou-se em Abrahão Lincoln, que se utilizara dos bilhetinhos para vencer em seu país as barreiras burocráticas.
No entanto, os bilhetinhos foram lançados na pessoa do capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha que, em 1877, quando era governador da Capitania de São Paulo, lançava mão de ordens escritas, sucintas e enérgicas para conseguir providências de caráter imediato.
Os famosos bilhetes de Jânio, personalissimamente endereçados, tinham acolhida, irônica ou pitoresca nas colunas dos jornais e eram recebidos pelo povo com misto de admiração, reverência, credulidade e de pilhéria. O funcionalismo público desde logo foi alvo da moralização, através de decretos que dispunham quanto ao cumprimento de horário de funcionamento das repartições públicas, quanto à exoneração ou à dispensa. Em suma, a máquina burocrática deveria ser qualificada e produtiva, sem alteração de sua estrutura e métodos, através de medidas de moralização e bons costumes.
 
É de se reconhecer, contudo, que os bilhetes de JQ foram a marca de sua personalidade vigorosa. Os relapsos os temiam. Os responsáveis os respeitavam. Os políticos profissionais os combatiam. O povo os aplaudia.
 
Na prefeitura de São Paulo
Em 1º de janeiro de 1986, logo após a cerimônia de posse, Jânio dirigiu-se ao seu gabinete, onde, na presença de jornalistas, desinfetou com inseticida a cadeira do prefeito, na qual o seu adversário, Fernando Henrique Cardoso, havia posado perante fotógrafos que documentaram a cena durante a campanha eleitoral.
Sua administração foi marcada por medidas de impacto e por manifestações de protesto. Já nos primeiros meses de sua gestão, Jânio anunciou a decisão de demitir 12 mil servidores municipais. Em reação, foi realizada uma manifestação de protesto que reuniu cerca de mil funcionários públicos em frente ao gabinete do prefeito, no parque Ibirapuera. O objetivo era conseguir uma audiência com Jânio, visando a revogação dos decretos que definiam a dispensa dos servidores. No dia seguinte, Jânio expediu memorando ao chefe da assessoria militar proibindo qualquer manifestação no parque Ibirapuera.
Outra medida polêmica foi a apreensão e a destruição dos exemplares de um fascículo da revista Retrato do Brasil e das edições dos Programas de primeiro grau, distribuídos gratuitamente às escolas da rede municipal e elaborados na administração do prefeito anterior, Mário Covas. A revista, que tratava do tema "Constituição e Assembléia Nacional Constituinte", dando ênfase à ampla participação popular, foi considerada por Jânio obra de "comunistas, comunistóides e inocentes úteis".
A partir de abril de 1986 até o final de seu mandato, Jânio iniciou um processo de afastamentos temporários da prefeitura para tratar de problemas de saúde de sua esposa, Eloá Quadros. Durante o primeiro período de afastamento, de 10 de abril a 12 de julho de 1986, Jânio foi substituído pelo vice-prefeito Artur Alves Pinto.
O ano de 1987 foi marcado por manifestações populares contra certas medidas tomadas pelo prefeito. Em fevereiro, cerca de mil pessoas lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Zona Leste de São Paulo concentraram-se em frente da prefeitura para reivindicar terras e financiamento para material de construção. Jânio mandou a polícia controlar a área e não recebeu os manifestantes. Outra manifestação, em abril, reuniu dois mil servidores municipais no portão principal do Ibirapuera para reivindicar aumento salarial. Jânio informou aos manifestantes que não atenderia ninguém enquanto houvesse greve - realizada principalmente pelos setores de educação e saúde - e, no dia seguinte, assinou a demissão de quatrocentos trabalhadores que não haviam retornado ao trabalho.
Em maio, sucedendo outras licenças, o pedido de afastamento de Jânio criou um problema jurídico, pois o vice-prefeito também pedira licença para ir ao exterior, desobrigando-se de assumir a prefeitura, o que o faria perder o mandato de deputado estadual. Nesse período, o presidente da Câmara, Antônio Sampaio, o segundo na linha de substituição, estava hospitalizado. Assim, seguindo a Lei Orgânica dos Municípios, o cargo foi ocupado pelo secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo.
Em outubro, Jânio expediu memorando dirigido ao secretário municipal de Cultura, Renato Ferrari, proibindo o ingresso de homossexuais na Escola Municipal de Bailado, instituição que formava bailarinos desde 1940 e, à época, contava com cerca de mil alunos. Para fazer cumprir a ordem, a Guarda Civil metropolitana cercou a escola, provocando protestos dos próprios alunos. Diante dessa reação e do pronunciamento de organizações como o Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA) e o grupo Lambda (Movimento pela Reorientação Sexual), Jânio ameaçou fechar a escola, caso suas ordens não fossem cumpridas, e expulsar qualquer aluno que criticasse suas determinações. A diretora da escola, Mariana Natal, que também era professora de balé da Penitenciária Feminina, não só acatou as ordens do prefeito, como divulgou uma lista eliminando 25 alunos classificados como "anormais".
Em 1988, último ano de seu mandato, um balanço de sua administração informava que Jânio realizara, entre outras obras, a pavimentação de cerca de 700km de vias, a instalação de luz em 91% da área habitada da cidade e a canalização de 11 córregos (das quais apenas duas foram concluídas). Seu programa incluiu ainda a restauração do Teatro Municipal, de outros três teatros e de 12 bibliotecas públicas, reurbanização do centro da cidade através de obras no vale do Anhangabaú, com a construção de calçadões, praças e áreas verdes. No setor da saúde, Jânio Quadros inaugurou dois novos hospitais e recuperou outros seis, além de 58 unidades médicas. Na área habitacional, desenvolveu um vasto programa de construção de habitações populares. Para evitar que a maior parte da arrecadação do município fosse gasta com o pagamento do funcionalismo, Jânio fez uma lei determinando que esse comprometimento não poderia superar os 57%, congelando os salários dos servidores por quase um ano e meio.
Jânio concluiu seu mandato na prefeitura em dezembro de 1988, sendo sucedido por Luísa Erundina, do PT. Cumprindo a intenção declarada anteriormente de tornar irreversível as obras iniciadas em sua gestão, Jânio deixou uma dívida de 150 milhões de dólares em pagamentos não efetuados às empreiteiras que executaram as obras de seu projeto viário, em especial a reurbanização do vale do Anhangabaú e os túneis sob o rio Pinheiros e o parque Ibirapuera. Frente a esta situação, a administração petista anunciou a disposição de concluir as obras principais, em razão dos recursos econômicos já investidos e de seu adiantado estado de execução, apesar de não considerá-las prioritárias, bem como de dar continuidade aos projetos de canalização dos córregos que se incluíam na chamada área social ao lado de obras ligadas à construção de creches, escolas e hospitais.
Em abril de 1989, Jânio realizou viagem de turismo pela Europa e Oriente Médio, recebendo na ocasião convites de partidos políticos como o Partido Social Democrático (PSD) e o PFL que disputavam sua adesão para formar chapa na disputa à presidência da República. Após seu retorno ao Brasil, em maio, filiou-se ao PSD. Em seguida, o presidente do partido, Luís Pacce Filho, e o fundador e secretário-geral, o ex-ministro de Minas e Energia César Cals, anunciavam que tinham em Jânio o candidato preferencial para concorrer à presidência da República. Poucos dias depois, Jânio anunciou publicamente a impossibilidade de disputar qualquer cargo público devido aos graves problemas de saúde que prejudicavam seu desempenho, reafirmando, contudo, que não abria mão da condição de cidadão brasileiro. E assim o fez em dezembro de 1989, quando divulgou manifesto de apoio à candidatura Fernando Collor de Melo, candidato do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), em que convocava os janistas a fazerem o mesmo.
Em novembro de 1990, já sofrendo problemas de saúde, Jânio foi abalado pela morte de dona Eloá. Nos dois anos posteriores, seu estado de saúde agravou-se, vindo a falecer em 16 de fevereiro de 1992, em São Paulo. Após sua morte, uma comissão coordenada pelo jornalista Nelson Valente e o vereador Miguel Colassuono, líder do Partido Progressista Reformador (PPR) na Câmara Municipal de São Paulo, iniciou, em agosto de 1993, estudos para construir um museu que reunisse o espólio material deixado por Jânio. Em março de 1996, ficou decidida a construção de um memorial projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar livros, fotografias e outros documentos públicos pertencentes a Jânio.
Jânio teve uma filha, Dirce Tutu Quadros, eleita deputada federal constituinte pelo PTB, exercendo mandato no período 1987-1991.
Três livros publicados em 1996 abordaram um tema que foi insistentemente relembrado pelos jornais ao longo da vida pública de Jânio: a sua renúncia à presidência da República. Lançada postumamente, A renúncia de Jânio: um depoimento foi escrita com base nas informações reunidas pelo autor, o colunista político Carlos Castelo Branco, secretário de imprensa de Jânio no período da presidência. Já o livro organizado por seu neto, Jânio John Quadros Neto, e por Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, intitulado Jânio Quadros: memorial à história do Brasil, trouxe, como novidade, a confissão de Jânio sobre os motivos de sua renúncia à presidência, feita ao neto no quarto do hospital onde passou seus últimos dias. A renúncia fora uma estratégia política que não dera resultados. Jânio esperava que o povo, seguido pelos militares, não aceitasse a sua renúncia e o reconduzisse ao poder, o que de fato não aconteceu. E o terceiro livro do jornalista Nelson Valente: Jânio de fio a pavio . O livro retrata o estigma da renúncia do ex-presidente Jânio da Silva Quadros.
 
 
 
Os famosos “bilhetinhos e os memorandos”
 
Memº JQ 461/86 de 31.3.86
 
Dr. Jair Carvalho Monteiro
Presidente da Companhia Municipal de Transportes Coletivos
 
Ouço possibilidade de greve na Companhia; se ocorrer, processe e dispense por causa justa, todos que dela participem.
As medidas econômico-financeiras adotadas pelo Governo Federal não são nossas e já fizemos gestões em Brasília;
Se a greve ocorrer nas empresas particulares, procure ocupá- las, ficando desde logo cassadas as concessões.
Prazo: imediato
 
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 463/86, de 31.386
Dr. João Mellão Netto
Assessoria Especial do Prefeito
 
Leia V.Exa., diariamente as notícias de queixas publicadas pelo “Diário Popular” e “Popular da Tarde”;
Distribua-se a seguir, para as várias Secretarias, em duas vias, remetendo uma delas para o meu Gabinete;
Assine prazo, sempre que possível.
Prazo: Imediato
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
 
Memº JQ 469/86 de 31.3.86
Dr. Fiore Vita – SSO
Continuo insatisfeito com a limpeza pública. Sugiro a V.Exa. dar um giro pela Cidade, pelas Praças, pelos Jardins e Parques.
Não gostaria de insistir nesse particular. Tome V.Exa. providências. Quero “lutocars” e cestos de lixo por toda parte;
Faça cumprir com rigor.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 470/86
Dr. João Carlos Camargo – SGM
 
Previna, outra vez, todo o Secretariado, e órgãos subordinados, de que o prazo para as licitações das novas obras públicas esgota-se logo;
Não tolerarei qualquer atraso. É preciso tapar a boca de alguns imbecis.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
DOC SPJQ 1223/86 – Ref, irregularidades no Hospital TIDE SETUBAL. Despacho: Publique-se no DOM.2.4.86 . JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito.
Senhor Prefeito:
 
O “Serviço Reservado” deste Gabinete cumprindo determinação nossa, esteve no HOSPITAL TIDE SETUBAL, tendo constato que:
 
- cerca de 60 pacientes esperava na Sala de Pediatria, por atendimento médico.
– apenas a médica DRA.THÁCIA LEIMIG estava trabalhando ( uma hora da manhã-plantão noturno).
- o Dr. Diógenes Nunes de Melo encontra-se em gozo de férias regulamentares: o médico Antonio Targino Moreira encontra-se em licença médica.
- o médico PAULO ROBERTO DA CUNHA estava dormindo, com aviso pregado na porta para que só o chamassem às 6,30 horas (aviso em anexo). É médico contratado.
- os médicos efetivos, a seguir citados, estavam também descansando: DR. ALDO FRANCISCO BÁRCIA ALVES, DRA. CELIA REGINA SEKURCINSKI MARQUES, DRA. MARIA SILVIA FURQUIM LEITE DE ALMEIDA.
- o médico FRANCISCO MINAN DE MEDEIROS NETO, anestesista, que nada tinha com a estória, chamou a atenção dos nossos companheiros do Serviço Reservado, dizendo ser aquela investigação uma “palhaçada”.
Todas as informações aqui relatadas tiveram a presença de testemunhas, que aplaudiram o nome de Vossa Excelência.
Quanto à firma que faz a limpeza do Hospital,BRASANITA,será objeto de outro relatório, uma vez que estamos colhendo dados necessários.
Atenciosamente,
ROBERTO ABRAHÃO, Secretário Particular do Prefeito
 
 
 
Memº JQ 506/86 de 2.4.86
Dr. Ricardo Veronesi:
Secretaria de Higiene e Saúde
 
Elogie a Servidora Dra. Thácia Leimig, pela sua conduta funcional, fazendo constar o elogio em sua folha de serviços:
Suspenda os Médicos, Drs. Aldo Francisco Bárcia Alves; Cecília Regina S.Marques; Maria Silvia Furquim Leite de Almeida, por 3 (três) dias;
Suspenda o Médico, Dr. Francisco M. de Medeiros Neto, por 10 (dez) dias;
Demita o Médico, Dr. Paulo Ribeiro da Cunha. Demissão imediata. Agora, poderá dormir.
Advirta o Diretor do Hospital de que, na próxima fiscalização, farei submeter os faltosos, todos do Hospital “Tide Setúbal”, à inquérito administrativo.
Advirta a firma que faz limpeza do Hospital, enquanto considero penalidade mais grave.
Cumpra-se imediatamente.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ 500/86, de 2/4/86
Dr.Welson Gonçalves Brabosa
Secretário das Administrações Regionais
 
Ouvi que, algumas Administrações Regionais, há refeitórios para trabalhadores.
Ouvi, também, que alguns são imundos
Sugiro a V.Exa. visitá -los, antes que eu o faça.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 499/86, de 2.4.86
Dr. Fiore W.G.Vita
Secretário de Serviços e Obras
 
Fui almoçar, hoje, no refeitório dos trabalhadores da Limpeza Pública.
Anote bem:
 
Porta da cozinha imunda;
Trabalhadores vestindo andrajos;
Instalações sanitárias com azulejos e teto imundos;
Páteo interno sujo;
Máquinas e motores desativados, que devem ser, pelo menos, vendidos como ferro velho;
Lixo por toda a parte, fétido, insuportável;
Maquinaria precisando de uma demão de pintura;
Bancos nos sanitários sujos e sujas as paredes;
Mas é sobretudo na alimentação, que tenho algo a dizer:
1. O arroz deve ter sido feito sem gordura e não se serviu como sobremesa nem uma banana;
Não gostei da comida e aposto que V.Exa. não gostaria também;
Sugiro que uma vez por mês, V.Exa. almoce em um desses refeitórios;
Dou 30 dias, prazo improrrogável, para que todas essas falhas greves, sejam corrigidas.
Voltarei a visitar esse e outros refeitórios.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ 507/8 de 2.4.86
Dr. Roberto Salvador Scaringella
Secretário Municipal de Transportes
 
1 – Solicito de V.Exa. enviar-me, todos os meses, até o dia 5, relação dos carros multados por:
 
estacionarem sobre passeios;
desrespeitarem a faixa de pedestres;
2 – Cumpra com rigor.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
Memº JQ. 182/86
SJ
Desafio a quem quer que seja a intervir no Município de São Paulo.
O “IPTU” seria, se tanto, um problema para a Justiça.
Nesta Prefeitura não haverá mais nepotismo, nem caos, filho da incompetência.
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ. 183/86
Dr. Welson Barbosa
Secretário das Administrações Regionais
 
Determine que os Administradores Regionais, durante o Expediente, atendam ao telefone ou designem alguém categorizado para atendê - lo.
Toda e qualquer reunião dos Administradores, independente de sua natureza, só poderá ocorrer depois do Expediente.
Exijo que sejam atentos ao povo
PRAZO: imediato
São Paulo 06 de fevereiro de 1986
JÃNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 186/86
Dr. Fiore Vita
Secretário de Serviços e Obras
 
A Cidade continua imunda. Percorra V.Exa. os chamados “corredores de tráfego”, o Centro e as Praças de periferia. Não vou tolerar isso;
Envie-me a relação das empresas contratantes de limpeza pública com a descrição das respectivas áreas;
Quero, também, a relação da área ou áreas nas quais a limpeza é feita pela própria Prefeitura;
Advirta às contratantes de que na renovarei os respectivos contratos, exceto se promoverem limpeza satisfatória no decorrer dos próximos 60 (sessenta) dias, a contar desta data;
Advirta aos responsáveis na Prefeitura pela limpeza direta. Os servidores dessa limpeza estão mal uniformizados e os veículos sujos. Uniformize-os com decência e mande repintar esses veículos.
PRAZO IMPRORROGÁVEL: 20 (vinte) dias.
6.2.86. JÃNIO DSILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
DESPACHOS DO PREFEITO
 
Telegrama recebido da Chancelaria da Arquidiocese de São Paulo.
ENCONTRANDO SE EMINETISSIMO SENHOR CARDEAL DOM PAULO PAULO EVARISTO ARNS EM VISITA AD LIMINA EM ROMA VG ACUSO RECEBIMENTO TELEGRAMA VOSSENCIA SOBRE PROVAVEL EXIBIÇÃO FILME JE VOUS SALUE MARIE NO BRASIL VG POSSO AFIRMAR A VOSSENCIA QUE CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS BRASIL VVG ORGÃO REPRESENTATIVO TODO EPISCOPADO NACIONAL JÁ SE PRONUNCIOU CONTRARIAMENTE AA LIBERAÇÃO MENCIONADO FILME VGAGRADECENDO INFORMAMOS TELEGRAMA VOSSENCIA CHEGARA MAOS SENHOR CARDEAL VG ASSIM QUE RETORNE-CONEGO ANTONIO TRIVINHO CHANCELER.
Telegrama enviado à sua Eminência, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro.
ESSE FILME DE GOGARD “ JE VOUS SALUE MARIE”, EH UMA OFENSA DESPUDORADA A FEH CRISTA QUE SE ENCONTRA SOB A PROTEÇAO DA VIRGEM APARECIDA.
CRIAREI AS MAIORES DIFICULDADES, SE LIBERADO, PARA A SUA EXIBIÇAO EM SÃO PAULO.
O CINEMA QUE O PROJETAR SERAH OBJETO DE VISTORIAS SEVERAS POR PARTE DPREFEITURA, PODENDO TER SEU ALVARAH SUSPENSO OU CANCELADO, CONSOANTE A GRAVIDADE DAS EVENTUAIS FALHAS COM REFERENCIA AA HIGIENE E A SEGURANÇA.
APELO A VOSSA EMINENCIA PARA QUE INTERFIRA JUNTO AA CENSURA, DE SORTE A NÃO PERMITIR ESSE ULTRAJE AOS SENTIMENTOS RELIGIOSODA ESMAGADORA MAIORIA DOS PAULISTAS E BRASILEIROS, PARTICULARMENTE DESTA CIDADE, QUE TEM COMO PATRONO O APOSTOLO PAULO.
IDENTIFICO TELEGRAMA ESTOU ENVIANDO A SUA EXCELENCIA O PRESIDENTE DA REPUBLICA.
J.Quadros, Prefeito do Município de São Paulo.
 
 
 
Memº JQ 271/86 de 25.02.86
Dr. Fiore Vita
Secr. Dos Serviços e Obras
 
Encontrei, ontem, a Cidade suja. Especialmente na Av. dos Bandeirantes, as sacolas de lixo nem sequer tinham sido recolhidas;
Determino que a limpeza ocorra inclusive aos domingos e feriados, e desejo os carrinhos para a coleta de lixo pela manhã, à tarde e à noite;
Envie-me o Contrato da firma encarregada daquela Avenida. Vou puni-la.
Advirta as empresas contratantes de que não terão seus contratos renovados e a situação financeira melhorada se essa limpeza não for considerada excelente;
quero esses carrinhos, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, nas ruas e praças da Capital.
Qual é o problema?
Vamos pagar o relaxamento presente?
JÂNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 275/86 de 25.02.86
Dr. Jair de Carvalho Monteiro
C.M.T.C.
 
1. Ouvi dizer que os desordeiros, no Sapopemba, furaram 100 (cem) pneus de ônibus da “CMTC”.
Esses criminosos mal sabem que a Empresa acaba de ocupar linha mal servida por outra, particular.
Se isso se repetir, sem que o Povo honrado no bairro reaja, V.Exa. não substituirá os ônibus. Se for preciso retire de circulação todos os que forma danificados, mesmo que o bairro fique sem transporte.
Exerça sua autoridade e responsabilidade, de forma impiedosa, os culpados.
JÂNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
DESPACHOS DO PREFEITO
 
TRANSCRIÇÃO DO OF.SPP. 16/86 encaminhado pelo Senhor Prefeito ao Dr. ROBERTO MARINHO, Presidente de “O GLOBO” – Empresa Jornalística Brasileira Ltda.
Senhor Presidente,
 
A Cidade achou o seu Teatro Municipal arrasado, isto é, com obras fundamentais onerosas e demoradas, até porque a Prefeitura encontra dificuldades para o seu custeio.
O orçamento deste exercício prevê “déficit” que oscila entre 4 e 5 trilhões de cruzeiros.
Conhecendo, e tendo louvado , antes, a obra excepcional da “Fundação Roberto Marinho”, consultaria V.Exa. sobre a possibilidade de pagar esses custos, - cerca de um bilhão de cruzeiros - , ou, pelo menos, parte substancial deles, estabelecidos com o rigor que caracteriza esta Administração.
Receba o Ilustre Brasileiro as expressões de minha admiração e estima pessoal.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
TRANSCRIÇÃO DA CARTA enviada ao Prefeito Jânio da Silva Quadros, pelo Dr. ROBERTO MARINHO, Presidente da Rede Globo.
 
São Paulo, 28 de janeiro de 1986
Senhor Prefeito,
 
Tomo conhecimento do lamentável estado em que se encontra o Teatro Municipal, assim como do natural empenho de V.Exa. por sua restauração.
Pode V.Exa. contar com a Fundação Roberto Marinho para essa obra, dentro das bases estabelecidas na sua carta.
Peço que o ilustre Prefeito aceite expressões da minha velha estima e apreço pessoal.
ROBERTO MARINHO
 
 
 
Memº JQ 543/86, de 7/4/86
Ver. João Aparecido de Paula
Secretário da Habitação e Desenvolvimento Urbano
 
Ouvi que determinada Empresa, interditada por V.Exa. atreveu-se a funcionar, posteriormente, alegando gozar de “liminar” expedida pela Justiça;
Verifique-o, ainda hoje, com o Secretário do Negócios Jurídicos ( Prof. Lembo).
Se “Liminar” inexiste, lacre a Empresa em apreço, em todas as suas portas;
Cumpra a Lei, com rigor.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ. 549/86 de 7.4.86
Diretor Técnico do Autódromo Municipal “ José Carlos Pacce”
Determino a adoção, por Vossa Senhoria, de imediatas providências tendentes a atualizar a taxa de treinamento cobrada por esse Autódromo, que é, no momento, irrisória.
Deverá Vossa Senhoria, ainda, verificar a situação desse Autódromo à noite, que, segundo denúncias por mim recebidas, tem o seu uso desvirtuado, transformando-se em verdadeiro “drive in”.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 556/86, de 8/4/86
Dr. Wilson Pereira
Secretaria Municipal de Administração
 
Peço a V.Exa. entender-se com a Imprensa Oficial do Estado, no sentido de reduzir os preços das publicações no Diário Oficial do Município (DOM);
Se essa redução for impossível, tentaremos publicar o nosso próprio Diário Oficial, sem embargo das gentilezas que temos recebidos do Diretor.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
Memº JQ 559/86, de 8/4/86
Dr. Cláudio Lembo
Secretaria dos Negócios Jurídicos
 
Mande examinar a chamada “ Fazenda da Juta”, perto do Conjunto “Mascarenhas de Moraes”, para fins de desapropriação;
O proprietário da vasta gleba não tem permitido instalar nela Serviços Públicos e, mais: incorpora as construções ao seu patrimônio particular;
Prazo : 45 dias para o Decreto de Desapropriação.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ 561/86, de 8/4/86
Dr. Jorge Yunes
Secretário Municipal de Cultura
 
Indefiro a petição da Secretaria Municipal de Defesa Social. O Corpo de Vigilantes que desejo, como o de Cemitérios por exemplo, tem atribuição inteiramente distinta. A Guarda Civil Metropolitana irá policiar os logradouros e as vias públicas, o que é atribuição da Prefeitura, e servirá como Corpo Auxiliar da Polícia Estadual, subordinando-se indiretamente a Sua Excelência, a qualquer momento;
Determino a V.Exa. – o que já fiz anteriormente – constituir a Guarda Municipal de Teatros e Bibliotecas, composta por 260 elementos;
A Secretaria \municipal de Defesa Social apenas fornecerá os homens e mulheres, considerados aptos após a realização dos exames, em obediência à ordem numérica dos examinados, excluídos evidentemente os elementos que constituirão a Guarda Metropolitana;
No mais, uniformizados em cáqui e armados, esses guardas servirão subordinados a V.Exa.,ou a setor dessa Secretaria indicado pelo Titular;
Determino que a seleção e o sumário treinamento desses guardas com o aproveitamento feminino, se faça no prazo impreterível de 45 (quarenta e cinco) dias;
Dado o incêndio criminoso de que foi vítima uma Biblioteca, os furtos e os danos que tenham ocorrido, que nessas, que nos Teatros Municipais, a guarda em apreço aliviará a presença do Estado, com manifestas vantagens para a Sociedade.
JANIO DA SILVA QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 2106/87, de 5.1.87
Dr. Welson Barbosa –SEGESP
Dr. Fiore Vita – SSO
 
Multar as contratadas de limpeza pública de Vila Clementino e Campo Limpo;
Advirta,por escrito, os Administradores Regionais. À próxima vez, demito-os.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 2107/87, de 5.1.87
Dr. Roberto Salvador Scaringella
Secretaria Municipal de Transportes
Verifico que a área de embarque e desembarque de alunos , na Rua Gumercindo Saraiva, não tem sido atendidas. Por que ? – Manifestamente por deficiência dessa Secretaria;
V.Exa. é o Secretário dos Transportes; ponha um guarda e um guincho no local. Não me obrigue a manifestar meu desagrado, de forma radical.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 2114/87, de 5.1.87
Dr. Altamiro Dias da Motta
Superintendente do Serviço Funerário
 
Os muros dos nossos cemitérios são constantemente pichados, assim como os de muitos locais particulares.
Naturalmente, esse ato de vandalismo é difícil coibição;
Estude uma maneira de plantar, ao redor dos muros de nossos cemitérios, plantas do tipo “trepadeiras”, como por exemplo hibisco.
Isso tirará a possibilidade de ação desse tipo de malfeitores contra o bem público, nessa área.
J.Quadros, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 2116/87, de 5.1.87
Jornalista Roberto Abrahão
Assessoria de Imprensa
 
É simplesmente escandaloso o número de servidores postos à disposição dessa Assessoria. Faria inveja a Reagan ou à rainha Elizabeth. Em conseqüência , determino, no prazo de 48 (quarenta e oito horas):
reduzir esse número de 68 (sessenta e oito), para 20 (vinte), a serem selecionados por V.Exa.;
por à disposição da SEHAB 10 servidores, solicitados ainda hoje, para o Centro Esportivo de Vila Brasilândia, a ser inaugurado;
redistribuir os demais pelas várias Secretarias, sobretudos servidores SEGESP,CMTC,Educação,SMC,SHS, IPREM e CET (Transportes), que deverão retornar às suas origens;
Apenas 2 (dois) funcionários farão o serviço de Rádio Escuta, 2( dois) para o de repórter-redator e ainda 2 dois) apenas, para o serviço de fotógrafo e o de teletipista;
Cumpra-se, no prazo acima estipulado.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
 
Memº JQ 2119/87, de 5.1.87
Dr. Walter Bodini
Secretaria de Vias Públicas
 
Desejo a relação das grandes obras viárias a serem postas em concorrência neste mês ou no próximo fevereiro;
Essas obras incluirão túneis, viadutos ou anéis para o trânsito;
Urgência.
J.QUADROS,Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ 2500/87 de 5.3.87
Dr. Fiore Vita – SSO
 
determino o alargamento e a melhoria da pista de “Cooper”, no Ibirapuera. O início dos trabalhos deve ser imediato;
Sua Exa. O Governador Orestes Quércia gosta de fazer exercício nesse Parque.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ 2317/87, de 03.02.87
D.Kalime Gadia
Chefe de Gabinete do Prefeito
 
Queira marcar em minha agenda as segundas-feiras, das 8,00 às 10,00 horas da manhã, para receber Suas Excelências os Vereadores.
Essa audiência se sobrepõe a Partidos políticos, até porque se constitui em direito, senão dever de Suas Excelências.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
Memº JQ. 2300/87, de 02.02.87.
Dr. Welson Barbosa –SEGESP
Dr. Renato Tuma –SEMDES
Dr. Carlos Alberto M.Barreto – SF
Dr. Cláudio Lembo –SJ
 
Detrmino a V.Exas. cassar a licença de todas as casas comerciais, que mantêm ativo o jogo de azar chamado “vídeo pôquer”.
Se a justiça conceder liminar a esses delinqüentes, lutaremos em Juízo, porque, ainda, “há Juízes em Berlim”.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 2140/87, de 08.1.87
Dr. Altamiro Dias da Motta
Superintendente do Serviço Funerário
 
 
Ao invés de dar entrevistas, sugiro a V.Exa. trabalho mais intenso;
Vou visitar o Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha;
Veja como o encontrarei;
Quero saber como vão as obras dos velórios.
Se necessário, programe outras;
Atenção para o Memorando que determina revestir sos muros das necrópoles com hera, de sorte a evitar-se inscrições
Atenção
J.QUADROS, Prefeito
 
Memº JQ 2139/87, de 08/01/87
Dr. Jair Carvalho Monteiro
Secretário do Governo Municipal
 
Envie circular a todas as Secretarias e Órgãos Subordinados para que as respostas aos meus Memorandos não venham com capa;
Isso é dinheiro jogado fora.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 4160/88, de 7.3.88
Dr. Renato Ferrari
Secretário Municipal de Cultura
 
Os corpos estáveis de música ou canto, dessa Secretaria, não poderão ultrapassar os limites do Município, sob pena de responsabilidade;
Rigor absoluto.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
Memº JQ. 4165/88, de 7.3.88
Dr. Paulo Roberto Vieira da Silva
SMT
 
Já determinei multar todos os motociclistas, que não usem capacete, equipamento indispensável;
Multar também os que esgueiram entre automóveis, fazendo o que se chama “costura”;
Aprender as cartas dos que trafegam sobre a calçada. Serão encaminhados, por mim, ao digno Diretor do DETRAN.
Recomendações estritas a todo o policiamento.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
 
 
 
Ao ensejo da passagem do “ Dia Universal da Mulher”, associo-me, prazerosamente, às comemorações da grata efeméride.
Como salientei em outra oportunidade, todos nós estamos conscientes de quanto devemos à Mulher , esposa e, particularmente, mãe, responsáveis pela nossa existência e pelo nosso caráter.
Há que se ressaltar, também, a importância do papel por ela desempenhado na sociedade onde, de maneira suave mas, ao mesmo tempo, firme e equilibrada, tem sabido procurar soluções justas, impeditivas da violência na comunidade, na política ou na religião.
A atual administração tem dado especial atenção à Mulher , bastando lembrar, como exemplos, a criação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e a institucionalização do Dia Internacional da Mulher na rede municipal de Ensino, sem falar nas creches, escolas e novos hospitais, onde também pontifica o trabalho da Mulher.
Sinto-me, pois, perfeitamente à vontade para festejar a data de 8 de março e estou certo de que o próximo Congresso da Confederação de Mulheres do Brasil, na qual o Conselho Municipal vem desempenhando importante papel, contará com o apoio e a participação de todas que, como nós, sonham com um Brasil, mais responsável, mais justo e mais humano.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 3910/88, de 15/1/88
Dr. Cláudio Lembo –SJ
 
Determinado Vereador, leviano e irresponsável, que me acusa de manter conta sigilosa na Suíça, e não o comprova, e que cedeu veículo do patrimônio municipal sem autorização para ir ao Paraná , ocasionando u’a morte, afirma na “ Folha de São Paulo”, edição de 24 de dezembro passado, que me procurou, sem encontrar-me, em Boston.
“Sequer Jânio e sua esposa passaram por Boston”, afirma o caluniador, isso, segundo ele, depois de percorrer “Hospitais e Hotéis”.
Safado! Aí vai a conta do “ Black Bay Hilton”, o melhor Hotel de Boston, e os “tickets” e passagens aéreas. Estivemos no Hospital “Dana-Fabewr Câncer Institute”, cujo Diretor, Prof. Canellos, famoso especialista da Universidade de Harvard, recebeu Eloá. Basta! Parece que determinado jornal tem o “rabo preso” na mentira.
Bastava telefonar ao Consul brasileiro em Nova York, que nos aguardou no Aeroporto para o traslado a Boston.
Entrementes, minha esposa aguarda desaparecer a ameaça de pneumonia para submeter-se a nova cirurgia nesta Cidade como deseja, com a concordância daquele médico americano.
Após a publicação deste Memorando, V.Exa tomará as providências judiciais cabíveis.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ.4228/88, de 15.3.88
Dr. João Mellão Netto
Secr. Municipal de Administração
 
Desejo que V.Exa. relacione os Vereadores que votaram contra o aumento do funcionalismo;
O máximo cuidado na relação, que deve ser remetida a meu Gabinete.
J.Q UADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 5248/88, de 30/11/88
Dr. Victor David
Secr. Administrações Regionais
 
Excelência:
Há uma feira de artesanato à qual se juntam vendedores de várias bebidas, doces e salgados de origem desconhecida em péssima condições de higiene. Parece ter sido autorizado por mim ou SEMAB. Fica cassada a autorização. Imediatamente.
Se necessário, convoque SEMDES e a Polícia Militar para impedí –la.
À Praça da Sé , autorizei a instalação de outra, a pedido do padre da Catedral.Dou 48 horas para que as barracas montadas nesse logradouro desapareçam.
Fica revogada, pois, a minha autorização anterior.
Tornou-se um valhacouto de marreteiros e marginais, oferecendo, ainda,a pior impressão que a Cidade possa oferecer.
A partir de sábado, não quero ver traços dela;
Cumpra-se com o máximo rigor, pedindo auxílio que julgar conviniente ou necessário.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Nota dirigida à Secretaria Municipal de Transportes
 
Um Vereador diligente e honrado – já condenado pela Justiça Pública por duas vezes – apresentou projeto propondo a “extinção dos veículos oficiais de representação e de Gabinete”.
Magnífico! Não poderá emprestar o seu carro da Câmara Municipal para matar um inocente no Estado do Paraná, quando não podia nem deixá - lo fora dos limites do Município.
Os paranaenses estão de parabéns, se aprovada a Lei: é seguro de vida.
São Paulo, 30 de novembro de 1988
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
 
Memº JQ. 4198/88 de 10.3.88
Prof. Cláudio S.Lembo
Secretário dos Negócios Jurídicos
 
 
Um vereador irresponsável, nojento, que responde a vários processos criminais, vem tentando, com insistência, auxiliado por determinada Imprensa, alcançar-me na honra. Não poupa nem mesmo a minha esposa, que o povo conhece como uma santa, inteiramente entregue, ao longo da vida, a obras de benemerência.
Tudo obedece ao plano dos radicais: desmoralizar-me e a todos os homens públicos. O propósito é mergulhar o Município, o Estado e o País na desmoralização, que precede o caos.
Ajudado por inimigos, ostensivos ou ocultos, prossegue em sua faina criminosa: responderá em juízo.
Não tenho a vida privada irregular, nem já matei alguém no uso indevido de propriedade pública. Anda rondando os serviços municipais, procurando invadí-los , sem autoridade para isso, pequeno, físico e moralmente.
Inventou uma suposta conta na Suíça e se preocupa com a pensão em dólares, quantias ínfimas que remeti, através dos Órgãos Federais, para minha filha, então nos Estados Unidos. Tratava-se de pensão que eu continuava mandando, quando no Exterior, regularmente e do meu próprio bolso.
Forjou - e não diz onde – alguns rabiscos que um notável perito afirma não serem de D.Eloá, enquanto o laudo da Polícia Técnica afirma o oposto. Ninguém falsifica, a não ser com o propósito dessa semelhança ou afinidade.
Em vão declarado que a suposta conta inexiste e, a menos que me engane, cabe ao acusador a prova, exceto neste País, no qual as normas do Direito Penal parecem subvertidas pelos delinqüentes.
Determinada Imprensa agasalha as declarações desse Vereador e lhes dá ênfase de escândalo. É vereador que, até hoje, nada construiu. Possivelmente o mais desacreditado e comprometido da Câmara Municipal. Em homenagem a minha esposa é que nego a existência da conta em apreço e o desafio de prová-la . Claro que remeti, no passado, de Londres, Genebra ou Nova York pequenas quantias para a manutenção dessa filha única, então adoentada no Exterior.
Aí recorri ao Governo Federal. E, ao longo dos anos, sempre obtive essa licença em nosso País. Dinheiro de subsistência no valor de l.000, 1.500, 2.000 dólares mensais, para que a mesma filha pudesse viver, com o mínimo de dignidade, no Estrangeiro, quase sempre na casa de parentes, cujas despesas lhe cumpria ajudar.
Desejo, em conseqüência, que SJ
- Leia o noticiário da “Folha de São Paulo”, edição de hoje, e processe criminalmente o pulha que acode , na sua vida tortuosa, privada ou pública, pelo nome de Walter Feldmann.
Sobre isso, telefonei a Sua Excelência o Presidente da República, para o rápido desfecho de qualquer processo, quer nessa Polícia, quer junto das autoridades do Imposto de Renda.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
Memº JQ. 5222/88, de 21.11.88
Dr, Victor David – SAR
 
Examine esta conta. É de munícipe cujo carro caiu em uma boca de lobo sem tampa;
Cumpre pagar a conta dos reparos. Pague-a . A Prefeitura pagará a metade e a outra metade o Administrador regional pagará, inclusive com o ordenado deste mês;
Isso vale para todos os Administradores. Tenho recomendado vigilância acerca desse equipamento, mas não sou ouvido. Verifique quantas bocas de lobo há nessas condições. Vai encontrar dezenas;
Quero uma solução em 48 horas.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
Memº JQ.4208/88, de 11.3.88
Jorge Ferreira
Assessor Chefe de Imprensa
Assunto: IPTU – 31 x 6
 
Peço informar aos comunicadores:
O Egrégio 1º Tribunal de Alçada Cível julgou mais quinze casos de IPTU.
A Prefeitura venceu: trinta e um votos contra seis. Os contribuintes necessitam conhecer esse julgamento.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
Memº JQ. 4204/88, de 10.0.88
Dr. Victor David
Secr. Administrações Regionais
 
Doravante, os 05 (cinco) Coordenadores das Administrações Regionais serão invariavelmente, indicados por V.Exa.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ. 4202/88, de 10.3.88
Dra. Suely P.Fagundes
Ass. Chefe da ATL
 
1) O novo projeto, que admitirá cadeiras nas calçadas à frente de bares e restaurantes, delimita área para os pedestres, com a colocação floreiras, impeditivas do abuso;
2)A Lei revogada era de autoria do Vereador Marcos Mendonça. Promulguei-a com agrado, até que essas mesas e cadeiras passaram a ocupar toda a calçada, com graves danos para a locomoção dos pedestres;
Corrigida, agora, mencione, V.Exa. o fato na Exposição de Motivos, de que a idéia se deve àquele Vereador.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
Memº JQ.4226/88, de 15.3.88
Cel. Geraldo Arruda Penteado – SMT
1 - Determinei, à semana passada, policiamento de trânsito à frente dos estádios, dos grandes clubes, restaurantes e boates, onde se reúnem, aos domingos, dezenas, centenas ou milhares de pessoas;
2 - Contudo, visitei as adjacências do “Paineiras”, no Morumbi. Não encontrei policial nenhum e precisei, em pessoa, multar vários carros sobre a calçada;
3 – Monte V.Exa. um esquema permanente para todos os domingos e feriados. Puna os infratores de forma impiedosa. Não podem escarnecer da fiscalização nesses dias, entendendo-a ineficaz, ausente;
4 – Rigor, sem complacência;
5 – Antes da posse de V.Exa., multei o meu próprio carro,porque estacionou sobre a faixa de segurança para pedestres. A multa foi paga.
6 – Aguardo providências ora determinadas.
J.QUADROS, Prefeito
 
 
 
 
JÂNIO É UM LOUCO QUE SE JULGA JÂNIO
 
Lecionava Português e Geografia no Colégio Dante Alighieri. Bom professor, mas exigente: os cadernos dos alunos tinham de estar sempre em dia e bem cuidados. Certa vez, um estudante apresentou um caderno rabiscado e rasurado. O professor perdeu a paciência: - Retire-se. O aluno embaraçado fez menção de sair pela porta. O professor atalhou-o, ríspido: - Pela janela. O senhor não é digno de cruzar essa porta.
 
Uma questão de espera
Foi no meio de programas tão rígidos que o presidente Jânio da Silva Quadros, recebeu o representante da revista Manchete, jornalista Murilo Mello Filho.
Espero-o às 7 horas da manhã.
Na data e hora marcada, o Presidente mandou que o jornalista e o fotógrafo entrassem na sala.
Bom dia, como estão?
Chegamos na hora marcada
Jáder (fotógrafo) preparou a máquina para a primeira foto. E a máquina não disparou: o fio pifara. O presidente indagou:
Que houve?
O senhor pode esperar três minutos. Preciso ir buscar outro fio?
Aqueles três minutos forma três séculos de uma espera ansiosa e angustiante. Quando Jáder voltou já havia o fotógrafo de outra revista esperando para entra com ele. O Presidente, ao tomar conhecimento do fato, ordenou, visivelmente irritado, ao seu oficial de gabinete, o jornalista Raimundo de Souza Dantas:
Só entra este fotógrafo da Manchete. Mais ninguém.
Depois, virando-se para Jáder, perguntou:
O senhor disse que eu esperasse três minutos e demorou sete. Foi buscar um fio ou um filme?
O senhor sabe, Presidente, as distâncias em Brasília são enormes.
A esta altura, pela primeira vez na sua vida profissional, Jáder tremia de emoção e nervosismo, receava que o novo fio pifasse também. Estava tão nervoso que teve de apoiar a máquina sobre a mesa presidencial a fim de evitar que a foto saísse tremida. O que levou o Presidente fazer o seguinte comentário com o Murilo:
Espero que ele não quebre a minha mesa. E nós vamos arrumar em três minutos.
Jader solicita mais uma pose especial em pé. O Presidente levanta-se e apóia-se nos bordos da mesa. Ao fundo, a bandeira nacional.
De óculos mesmo, Presidente?
Sim. Mas devo dizer que você é um tirano. Com seu jeitinho, tudo consegue. Você sabe levar-me a fazer o que quer.
O garçom serviu um cafezinho. Jânio e Murilo sorveram-no em goles amplos e a entrevista foi encerrada, depois de 9 horas de espera pelo Presidente. Jânio irritava-se com temas, jamais com as pessoas.
 
 
 
 
 
 
 
 
Na cadeira. Não !
Jânio Quadros, durante sua campanha eleitoral, resolveu aproveitar o tempo e fazer logo uma visita ao Tribunal Superior Eleitoral.
Nesta cadeira será diplomado um dos três candidato à presidência, disse-lhe o ministro Nelson Hungria.
- E o senhor ainda tem dúvida sobre qual será ele?, respondeu-lhe Jânio Quadros.
Convidado por um dos fotógrafos a sentar-se na cadeira, o candidato recusou-se a fazê-lo
, porque o lugar lhe merecia respeito, e além do mais, ele não desejava antecipar-se às urnas.
 
 
Insistência
Quase não conseguia chegar ao palanque que, já no final, ameaçou ruir. Precedido por uma centena de automóveis, teve de ser içado por cima da enorme multidão, que o aclamou durante dez minutos consecutivos. Os caçadores de autógrafos não satisfeitos em pedir-lhe a assinatura, começaram a assediar também D. Eloá. Jânio disse que ela não dava autógrafos, pois estava cansada. E quando alguns mais insistentes voltaram à carga, ele perguntou:
- Afinal quem é o candidato? Eloá ou eu?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NOVA FUNÇÃO
 
Presidente, Jânio Quadros vai ao Rio abrir uma exposição de pintores argentinos no Museu de Arte Moderna. Compromissos em Brasília, porém, fizeram com que Jânio atrasasse sua chegada. Duas horas depois do previsto, o Presidente chega ao museu.
Cerimônia concluída, na saída do Museu um funcionário consegue driblar a segurança e se aproxima de Jânio. Humildemente, cumprimenta o Presidente, pede um autógrafo e emenda a explicação para o gesto:
Presidente, preciso do autógrafo para me justificar em casa. O senhor atrasou muito e passei da hora do almoço em casa. A patroa não vai acreditar que eu estava trabalhando. Ela anda muito desconfiada. Só o senhor pode me ajudar.
Jânio deu uma gargalhada, autografou uma folha de caderno e, novamente, com o semblante sério, fez a brincadeira:
Tudo bem, compreendo seu desespero. Concordo que é preciso tratar bem as mulheres. Mas é a primeira vez na vida que sirvo de relógio de ponto.
 
 
 
 
JÂNIO E AS UVAS
 
 
A Festa da Uva, tradição da cidade gaúcha de Caxias do Sul, começou na capital do Estado, quando o Viscount presidencial ali aterrissou, conduzindo Jânio Quadros, D. Eloá e sua comitiva. O percurso para Caxias foi feito por estrada de rodagem. Trabalhadores e camponeses, enfileirados nos dois lados da rodovia, saudaram o Presidente da República com tão entusiásticos vivas e palmas que quase lhe arrancaram lágrimas de emoção. O encontro entre Jânio Quadros e Leonel Brizola resultou mais proveitoso e cordial do que imaginavam os políticos de todos os partidos. D. Eloá, descendente de gaúchos, percorreu demoradamente a exposição e recebeu as homenagens das moças que enfeitavam os stands.
A presença de Vossa Excelência nesta solenidade restabelece a tradição do comparecimento do Presidente da República à celebração da Festa da Uva de Caxias do Sul.
Com estas palavras, o governador Leonel Brizola saudou o presidente Jânio Quadros no momento em que era inaugurada a Exposição Agro-Industrial daquela cidade. As importantes conversações políticas, horas depois mantidas entre o presidente e o governador, desenrolaram-se à margem de uma das festas populares mais bonitas do Brasil. Na semana da Festa da Uva, as grandes colinas cobertas de vinhedos que rodeavam a cidade pareciam ser transplantadas para o Centro de caxias. Toneladas de uvas faziam o cenário de fundo para louras moças que, no recinto da exposição, enfeitavam os stands dos vinicultores. Estes eram os industriais mais orgulhosos do brasil. Seus produtos adquiriram um importante papel na economia do País e estavam sendo exportados. Um capítulo à parte das alegres comemorações era a eleição da Rainha da festa. Helena Luiza Robinson, no momento em que era coroada, ouviu a piada de Jânio: - É uma uva!
 
 
 
 
Gentileza
 
Pouco antes do início de uma das reuniões ministeriais foi servido o clássico cafezinho. Jânio Quadros estava sentado à cabeceira da grande mesa, enquanto alguns ministros, ainda de pé, trocavam idéias.
O ministro do Exterior, senador Afonso Arinos, deixou, sem o querer, cair do pires a colherinha do cafezinho.
Jânio Quadros não se dando por achado, levantou-se e, numa atitude elegante, apanhou do chão a colher, devolvendo-a ao ministro.
O ministro Afonso Arinos, perturbado com a gentileza do Presidente, agradeceu, dizendo:
Vossa Excelência embaraçou-me. Fez-me lembrar aquela história do poderoso imperador, que estava sentado retratado pelo pintor. Este, inadvertidamente, deixou escapar das mãos o pincel. O imperador, imediatamente, levantou-se de onde estava e ergueu, pressurosamente, o pincel do artista.
Jânio Quadros então, redargüiu :
Foi uma honra para o imperador...
 
 
 
O Presidente e a Professora
 
A velhinha octogenária olhou de relance a multidão à sua volta, baixou os olhos marejados de lágrimas e, emocionada, mal pode falar:
— "Obrigada... Presidente Jânio!"
Naquela manhã fria do domingo curitibano, a professora Maria Estrela Carvalho) recebia do chefe da Nação a Comenda da Ordem Nacional do Mérito.
Em 1925, na mesma escola onde agora se realizava a cerimônia - o Grupo Escolar Conselheiro Zacarias, na capital paranaense - ela ensinava o bê-a-bá à Jânio Quadros . Depois de trinta e seis anos ( a mestra aposentada e o ex-aluno feito Presidente da República), os dois voltaram a se encontrar.
Foi a parte sentimental do roteiro de Jânio em sua visita ao Paraná onde inaugurou a Universidade Volante do Estado. Como fazia quando menino, Jânio foi até o grupo a pé. A professora mineira, na época com 79 anos de idade, evocava:
— "Se não me engano, ele sempre vinha à escola acompanhado pela irmã."
Nascida em Volta Grande, no Estado de Minas Gerais e diplomada em Juiz de Fora, o casamento transferiu D. Maria Estrela para o Paraná, no ano de 1917.
— "Jânio foi meu aluno em 1925 - conta ela, acariciando a medalha. Lembro-me de que naquele tempo a família Quadros morava na Rua 13 de Maio, no Centro de Curitiba."
A velhinha ajeitou cuidadosamente o chapéu e prosseguiu:
— "O que o caracterizava era uma atitude reservada e ponderada. Talvez por isto, entre tantos alunos que ensinei, me ficasse gravada a sua figura".
Depois de um ano, o Dr. Gabriel Quadros transferiu-se com a família para São Paulo e a professora Maria Estrela não teve mais notícias do antigo aluno. Um dia deteve-se examinando num jornal a fotografia do governador paulista e o reconheceu. Só em 1961, porém, tornaram a encontrar-se. Nem por isso, D. Maria Estrela alterou seus sentimentos:
— "Considerei sempre meus alunos como verdadeiros filhos. Jânio ainda é um deles."
No final da cerimônia, a professora voltou ao presente e dando conta de que ao seu lado não está mais o menino de 1925, indagou:
— "E a Tutu, como vai?"
O Presidente, sorrindo, informou:
— "Vai bem! Já tem uma Tutuzinha!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cego
Além de presentear Jânio com uma carabina automática de alta precisão, a delegação russa também lhe deu um litro de vodka genuinamente russa, o que levou o presidente a fazer o seguinte comentário:
A vodka foi inventada pelos comunistas, mas por outro lado não deixa bafo, mas deixa cego...
 
 
GALOS COMBATENTES
 
A Sociedade Criadora de Galos Combatentes de Governador Valadares, no Estado de Minas Gerais, enviou representação ao presidente Jânio Quadros, através da qual pleiteava a revogação ao decreto que proibiu, em todo o território nacional, as rinhas de galo.
Diante do ofício da entidade de "galos combatentes", que sublinha tratar-se as rinhas de "esporte dos reis", o chefe do governo exarou o seguinte despacho:
- Indeferido. Exatamente o que o Governo deseja é que não haja galo combatente. 24.07.61 (a) J.Quadros.
 
 
Apesar de tudo...
 
 
A apresentadora de televisão, Hebe Camargo, entusiasmada com a idéia de levar ao seu programa semanal de entrevista o ex-presidente Jânio da Silva Quadros. Ligou para Jânio:
 
Dr. Jânio, aqui é Hebe Camargo! Gostaria que o senhor viesse ao meu programa para falar da política brasileira.
Sim! – disse Jânio laconicamente
O senhor é uma belezinha de pessoa.
Belezinha? –retrucou o ex-presidente e ficou aguardando o que estaria por ouvir.
Dr. Jânio, o senhor vai falar tudo? (Hebe queria que Jânio falasse sobre a renúncia).
Tudo! – exclamou Jânio e desligou e telefone sem a menor cerimônia.
No dia seguinte, no mesmo horário do programa da Hebe (onde o aguardavam), Jânio foi no programa da Xênia e foi a maior audiência do horário na televisão brasileira.
No dia seguinte, perguntei ao ex-presidente, por que ele não foi ao programa da Hebe Camargo. Jânio olhou-me, observando-me atentamente e disparou:
Ela pediu para dizer tudo. Sou uma pessoa bastante educada para responder tudo.
Presidente, diga-me uma coisa...
Coisa. – disse Jânio aos gritos e acrescentou – penso ter respondido a sua primeira pergunta.
Poderia ter eu dormir sem essa!
 
 
 
 
Bateu o telefone
 
Um amigo jornalista telefona-me e pergunta sobre o ex-presidente Jânio Quadros. Respondo que o mesmo encontra-se de bom humor, com saúde e quer falar com a imprensa. Solicito que o jornalista ligue e faça a constatação.
No dia seguinte, lendo e relendo o jornal, leio a seguinte nota:
- Amigo de Jânio Quadros diz que o ex-presidente estava de bom humor, com a saúde boa e queria falar com a imprensa. Liguei para o ex-presidente e este respondeu que estava com saúde abalada e bateu o telefone. Que amigo!
 
 
Luzes
 
Como era habitual, faltou energia elétrica no Palácio do Planalto. O Gabinete de Jânio Quadros ficou às escuras.
Imediatamente, o primeiro subchefe do Gabinete Civil, deputado Araripe Serpa e o segundo subchefe, prof. Ademar Martins, apareceram munidos de lampiões e faroletes, o que fez Jânio Quadros comentar:
Eu sempre disse que este governo era um governo de muitas luzes...
Uma questão de visão
 
 
O presidente Jânio da Silva Quadros, estava despachando em seu gabinete, quando começou a gritar para seus auxiliares mais próximos. Jânio andava de um lado para o outro, olhava os documentos que estavam sobre a mesa, abria gavetas e as fechava bruscamente, arquivos, olhava debaixo das cadeiras e os auxiliares tentando adivinhar o que o chefe estava procurando. Dona Fortunata, secretária de Jânio, como conhecia as manias de Jânio, disse:
Presidente.
Sim !
Seus óculos estão em sua testa. Jânio desconcertado e não tendo o que falar, remediou:
Fortunata! Agradeço a sua gentileza, mas estou procurando o estojo de meus óculos.
Obs. A senhora Kalime Gadia era secretária do Chico Quintanilha ( foi secretária de Jânio da Prefeitura de São Paulo em 1986 a 1988) e Dona Fortunata, secretária de Jânio Quadros, na presidência da República.
 
 
 
É isso aí Totó!
 
 
O presidente Jânio Quadros, tinha dois cachorros de estimação: Guri e Totó. Jânio despachava no Palácio da Alvorada, quando recebeu o aviso que dona Eloá, estava preocupada com o Totó ( parecia estar doente). Jânio imediatamente, chama seu motorista e foi levar o Totó a um veterinário. Chovia torrencialmente em Brasília e as janelas do carro estavam fechadas e o Totó soltou um pum. O que levou Jânio fazer o seguinte comentário:
É isso aí Totó ! – aproveitando o momento, também soltou um pum. O que levou dona Eloá, fazer o seguinte comentário:
É isso aí Jânio ! Aproveita porque o Totó está doente.
E Jânio soltou vários outros puns.
O curioso é que dona Eloá abriu a Janela de seu lado e o Totó colocou a cabeça para fora, mesmo debaixo de chuva. O que levou o motorista a dar gargalhadas.
 
 
 
 
 
Ameaça
 
Quando se preparava para uma das suas visitas a São Paulo, Jânio Quadros recebeu uma série de telegramas denunciando o preparo de atentados contra sua pessoa. Depois de tomar conhecimento das denúncias, o Presidente chamou um oficial do seu gabinete e deu a seguinte instrução:
Procure o General, Chefe da casa Militar, e diga-lhe para que providencie o adiamento da execução.
 
 
Presente
 
Durante uma reunião, o padre Palhano, prefeito do município cearense de Sobral, ofereceu a Jânio Quadros dois presentes: uma rapadura e uma garrafa de cachaça. O secretário particular, José Aparecido de Oliveira, disse gostar de uma ou outra coisa ganha pelo presidente:
Tome a cachaça, Zé - disse Jânio Quadros. A rapadura, porém, eu não entrego...
 
 
Promovido
 
Um dos motores do Viscount presidencial enguiçou na hora da partida de Jânio Quadros em Congonhas, com destino ao Rio de Janeiro. O presidente não escondeu sua inquietação ao seu piloto, o tenente-coronel Agenor de Figueiredo. Meia hora depois, o avião levantou vôo em condições normais. Quando chegou no Rio de Janeiro, o presidente desceu as escadas e, dirigindo-se ao tenente-coronel, fez questão de cumprimentá-lo e dele despedir-se, mostrando que não esquecera o imprevisto de Congonhas:
Muito bem. Muito obrigado, brigadeiro.
 
Pesquisa é só um número
Durante a campanha à prefeitura de São Paulo (1985), alguns de seus auxiliares preocupados com o crescimento de FHC nas pesquisas eleitorais, procuraram o ex-presidente e lhe contaram sobre a referida estatística:
Dr. Jânio, nós estamos com sérios problemas. Pesquisas fundamentadas, revelam que FHC vai ganhar as eleições.
Jânio Quadros, com a calma aparente, pensa, analisa, tira o óculos e não deixa por menos:
Afinal de contas, estamos num concurso de números? –acrescentando – Estamos numa campanha eleitoral . E sintetizou numa frase a preocupação de seus auxiliares:
No Brasil, toda pesquisa é um número.
Jânio Quadros é eleito prefeito de São Paulo.
 
Uma questão de espera
Foi no meio de programas tão rígidos que o presidente Jânio da Silva Quadros, recebeu o representante da revista Manchete, jornalista Murilo Mello Filho.
Espero-o às 7 horas da manhã.
Na data e hora marcada, o Presidente mandou que o jornalista e o fotógrafo entrassem na sala.
Bom dia, como estão?
Chegamos na hora marcada
Jáder (fotógrafo) preparou a máquina para a primeira foto. E a máquina não disparou: o fio pifara. O presidente indagou:
Que houve?
O senhor pode esperar três minutos. Preciso ir buscar outro fio?
Aqueles três minutos forma três séculos de uma espera ansiosa e angustiante. Quando Jáder voltou já havia o fotógrafo de outra revista esperando para entra com ele. O Presidente, ao tomar conhecimento do fato, ordenou, visivelmente irritado, ao seu oficial de gabinete, o jornalista Raimundo de Souza Dantas:
Só entra este fotógrafo da Manchete. Mais ninguém.
Depois, virando-se para Jáder, perguntou:
O senhor disse que eu esperasse três minutos e demorou sete. Foi buscar um fio ou um filme?
O senhor sabe, Presidente, as distâncias em Brasília são enormes.
A esta altura, pela primeira vez na sua vida profissional, Jáder tremia de emoção e nervosismo, receava que o novo fio pifasse também. Estava tão nervoso que teve de apoiar a máquina sobre a mesa presidencial a fim de evitar que a foto saísse tremida. O que levou o Presidente fazer o seguinte comentário com o Murilo:
Espero que ele não quebre a minha mesa. E nós vamos arrumar em três minutos.
Jader solicita mais uma pose especial em pé. O Presidente levanta-se e apóia-se nos bordos da mesa. Ao fundo, a bandeira nacional.
De óculos mesmo, Presidente?
Sim. Mas devo dizer que você é um tirano. Com seu jeitinho, tudo consegue. Você sabe levar-me a fazer o que quer.
O garçom serviu um cafezinho. Jânio e Murilo sorveram-no em goles amplos e a entrevista foi encerrada, depois de 9 horas de espera pelo Presidente. Jânio irritava-se com temas, jamais com as pessoas.
 
Franco Montoro x Jânio Quadros:TV Bandeirantes,1982
No ar:
- A renúncia ficou para o Brasil mais cara do que a construção de Brasília. Eu gostaria que o senhor refutasse ou negasse essa afirmação - diz Montoro
 
- Eu não posso nem refutar nem negar. Onde se encontra essa informação? - pergunta Jânio.
 
- Está aqui o livro, página 304, depoimento de Carlos Lacerda.
- Ah, sei - responde Jânio. Está dispensado da citação. O senhor acaba de querer citar as Escrituras valendo-se de Asmodeu e Satanás.
 
Risos da platéia e do próprio Montoro, com aplausos.
 
 
 
Bigode
 
Tomando conhecimento pelos jornais do Brasil, das notícias de que havia raspado o bigode, o presidente Jânio Quadros enviou, do hospital em que se achava internado, operado que fora da vista, o seguinte telegrama ao Chico Quintanilha:
"Bigodes intactos. Possivelmente à custa cabelos arrancados
adversários. Não há Dalila que os possa aparar."
 
 
Numa das várias visitas que fez a Jânio Quadros, D. Helder Câmara, teve a ocasião de trocar idéias sobre as relações do Brasil com os países da cortina de ferro. O cordial debate prosseguiu até a análise das vantagens e desvantagens, por exemplo, do comércio do café com aquela parte do mundo. O que levou a Jânio Quadros, com humor, indagar ao cardeal:
- Mas, Eminência, o Vaticano compra café?
 
 
 
Funcionamento
 
Decepcionado com o não funcionamento do hospital IPASE, em São Luiz (Maranhão), quando de sua visita ali, Jânio Quadros enviou ao presidente da autarquia o seguinte bilhetinho:
" Determino o funcionamento imediato do Hospital São Luiz. Caso não esteja funcionando, em 48 horas, tenho notícias a dar ao presidente do Instituto."
 
 
Rumores
 
Sobre rumores de crise ministerial, face a demissão do ministro Clemente Mariani, da Fazenda, Jânio Quadros dirigiu um bilhete ao seu secretário particular José Aparecido de Oliveira:
"Aparecido:
Leio num jornal que o Ministério está em crise...
Veja se localiza para mim.
Leio, também, que recebi, da Fazenda, um bilhete enérgico.
Desminta. O Ministro é educado bastante, para não o escrever ao Presidente.
E o Presidente não é educado bastante, para recebê-lo...
Assinado – Jânio Quadros
09/08/1961"
Faca gaúcha
 
Acompanhada de carta, Jânio Quadros recebeu, do Sul, de Duílio Giacomazzi, uma faca bem gaúcha de presente. O presidente agradeceu com o seguinte bilhete:
Prezado Sr. Duílio:
Abraços
Obrigado pela faca, bem gaúcha, que me enviou.
Asseguro que irei usá-la, até o cabo, para não anular a minha vantagem
Em uma eventual briga...
Assinado – Jânio Quadros em 23/02/1961"
 
 
Cartas
 
A "eficiência" do Correio Nacional até mesmo em Brasília, provocou do Presidente o seguinte bilhete ao diretor daquele Departamento:
"Senhor Diretor Geral:
Tenho notícias de que carta ou cartas a mim dirigidas foram restituídas à
Origem por não conhecerem, os Agentes do Correio, o meu endereço. Fico sabendo agora, que o mesmo sucedeu com o Sr. Oscar Niemeyer. Admito que os servidores ignorem quem somos e onde moramos, mas sugiro a Vossa Excelência recomendar, nesses casos semelhantes, interesse maior dos serviços, na identificação e localização dos destinatários.
Jânio Quadros"
 
 
O relógio
 
O presidente Jânio Quadros era sempre o primeiro a chegar ao Palácio Itamaraty: às 6 da manhã já estava esperando pelos governadores junto ao lago do jardim. O presidente aprovava as reivindicações com um lápis vermelho e vetava com um lápis preto. Na sua frente, haviam 5 lápis vermelhos e apenas 2 pretos...
Na sessão de encerramento, o governador Celso Peçanha chegou 20 minutos atrasado. Sentou-se a mesa e, depois, reparando que não falara com ninguém, levantou-se e foi cumprimentar o Presidente. Jânio esticou a mão direita e com a esquerda puxou o relógio do bolso, não dizendo absolutamente nada.
 
 
Milagre
 
No discurso que pronunciou perante os delegados regionais do Imposto de Renda, reunidos no Palácio do Planalto, Jânio Quadros declarou que esperava "um verdadeiro milagre" desse setor fazendário. E quando terminou a cerimônia, disse ao professor Antônio Calderelli, diretor do Imposto de Renda de São Paulo:
Aí está, meu amigo. Referi-me a você, milagreiro.
 
 
 
Paz
 
Um grupo de silvícolas Xavantes, maltrapilhos, procurou o Presidente para dizer da incompreensão geral para com eles, nas cidades, especialmente pela Polícia. Pediram, em conseqüência, um salvo conduto para poder exercer o direito constitucional de ir e vir.
E o bilhete saiu "para quem interessar possa":
"Os índios Xavantes, de Mato Grosso, estiveram em meu Gabinete.
Agradeço as atenções que recebam, de quaisquer autoridades.
São assim civilizados que nada pedem, a não ser que os brancos os deixem em paz.
(a) J. Quadros"
 
 
Apostas
Não foram poucas as críticas sofridas por Jânio Quadros pelo fato de disciplinar as corridas de cavalos. Mas, também recebeu aplausos, inclusive de juizes dos nossos tribunais, através de telegrama.
O Brasil carece de mais escolas e menos cavalos... – comentou Jânio Quadros e, acrescentou – há onagros que apostam nos cavalos.
Obs.: onagros = sinônimo de burro.
 
 
Políticos astronautas
 
José Le Senechal, inventor, convidou Jânio Quadros a integrar a tripulação do primeiro disco voador concebido pelo seu engenho e arte. Num atencioso bilhetinho, o Presidente agradeceu a distinção que lhe fora conferida e disse ao inventor, entre outras coisas mais ou menos siderais, o seguinte:
Já me imagino voando para outros mundos e tenho a convicção de que eles não poderão ser piores do que este em que vivemos.
Acrescentou que uma tal viagem daria prazer não só a ele como a muitos políticos...
São José
 
Respondendo à sra. Albertina Krumel Maciel, de São José, Santa Catarina, que lhe pedira a contribuição de um tijolo para o Hospital de Santo Antônio, cuja construção patrocina, em pagamento de promessa que fizera ao Santo pela vitória de seu candidato, Jânio Quadros enviou-lhe a importância de Cr$ 500,00 com o seguinte bilhetinho:
"Sra. Albertina:
Saudações
Agradeço sua carta e os votos que fez pela minha eleição. O fardo é tão pesado que hesitei, não sabendo, por alguns minutos, se deveria agradecer ou zangar-me.
Junto quinhentos cruzeiros para o Hospital de Santo Antônio.
Não sou mais rico do que o grande padroeiro o foi.
Do,
J. Quadros"
 
 
 
 
 
 
Pinel e cadeia
O candidato, Adhemar de Barros, sempre marcava seus comícios numa cidade antes de Jânio Quadros. Certa feita, os dois grupos se encontraram em Moji-Guacú – SP. Meu pai era escrivão de polícia nesta cidade e ademarista roxo e como de costume também fazia discurso em favor do velho Adhemar e contra o candidato Jânio Quadros.
Os janistas da cidade foram ver o comício de Adhemar. O candidato com os punhos fechados, adjetivos enfáticos, gestos agressivos começou a discursar:
Entre as várias obras que fiz em São Paulo está o Pinel, hospital de loucos.Infelizmente, não foi possível internar todos. Um desses loucos havia escapado e fará comício nesta mesma praça amanhã.
Para delírio do povo (ademarista) a gargalhada era geral.
No dia seguinte, Jânio Quadros é recepcionado na cidade com banda e a famosa música “ Varre ,varre , vassourinha” e as normalistas da cidade empunhavam a vassoura que iria varrer a corrupção numa evolução jamais vista e impressionante. O Cel.Jayme dos Santos relatou tal acontecimento das táticas do candidato Adhemar , após ouvir seguiu para a Praça e dirigindo ao palanque que estava instalado no centro da Praça. Após alguns segundos de silêncio e com calma faz um relato do velho mundo, conta algumas histórias sobre o período republicano e dá o troco:
Quando fui governador de São Paulo, construí várias penitenciárias, mas não foi possível trancafiar todos os ladrões. Um escapou e fez um comício aqui mesmo nesta praça ontem.
A gargalhada ultrapassou as cidades circunvizinhas da nossa querida hinterlândia.
 
 
 
 
 
 
 
 
Intimidades
O Prefeito Jânio Quadros, em 1987, dava entrevistas para os jornalistas sobre a sua administração ( sobre a polêmica dos homossexuais do Teatro Municipal ), quando uma jovem jornalista de um determinado jornal de primeira linha o interrompeu:
- Você é contra os homossexuais? Você vai exonerá-los?
O ex-presidente não gostou de ser tratado de “você” e deu o troco:
- Intimidade gera aborrecimentos e filhos. Com a Senhora não quero ter aborrecimentos e, muito menos filhos. Portanto, exijo que me respeite.
 
Animais
 
A sra. Carmem, que dirigira apelo ao chefe do governo em favor das sociedades protetoras de animais, sugerindo a criação de um departamento de defesa dos irracionais, o presidente Jânio Quadros enviou o seguinte bilhete:
"Minha amiga:
Seu apelo, em favor dos irracionais, encontra-me às voltas com terríveis problemas de amparo e proteção a outra raça tão digna, entre nós, de cuidado, a dos racionais."
Um encontro ao acaso: Jânio e Maluf
 
 
 
O ex-presidente Jânio Quadros passeava pelos Jardins, rua Costa Rica, em companhia de sua esposa Eloá, quando pára um carro repentinamente e desce do automóvel, Paulo Maluf.
Oh! Meu querido presidente ! Diz Maluf indo ao encontro de Jânio e dona Eloá abraçando-os. Jânio observou-o atentamente e depois de maneira instintiva enfiou as mãos nos bolsos, e respondeu:
É o senhor!? Causou-me um susto. Pensei tratar-se de assalto.
Paulo Maluf, desconcertado busca na filosofia algo interessante para deixar Jânio mais tranqüilo, e filosofou:
-Dentro de um ladrão reside um homem honesto escondido. Jânio irritado e não tendo como esconder o seu descontentamento, disparou:
Sim senhor,...E por acaso dentro de um homem honesto reside um ladrão escondido? Se há, convoquemos Freud numa sessão espírita para que ele possa nos explicar!
Depois de alguns minutos de conversa, Maluf despede-se do casal e ruma-se para o carro e convida-os para tomar café em sua casa, próximo dali. Jânio e dona Eloá agradecem e continuam a caminhar, o que levou Jânio fazer o seguinte comentário à dona Eloá:
Não conheço nada que alcance o senhor Paulo Maluf na honra.
O que é isso Jânio?
Oras, um homem prevenido vale por dois. Quando ele(Maluf) aproximou-se de nós enfiei as mãos nos meus bolsos.
Ah. Jânio! Que idéia é essa?
 
Riram e continuaram a caminhada.
 
 
 
Adão
 
O agricultor Antenor Vieira Borges, residente em Santa Catarina e que mandou ao Presidente Jânio Quadros um maça de 850 gramas, colhida em sua plantação, recebeu o seguinte bilhete do Presidente da República:
"Prezado Antenor:
Abraços. Recebia maçã de 850 gramas, que você enviou, produto da técnica e das terras catarinenses. Um colosso! Não há Adão que resista a essa fruta."
 
 
Justiça
 
Luiz Mazzuchelli, de Matão, São Paulo, aos 14 de maio de 1961, enviou a Jânio Quadros uma sentida carta em que apelava para os bons ofícios do Presidente, dada as suas parcas posses, no sentido de obter a sua naturalização. Sendo italiano, com 62 anos de idade, viveu toda a sua vida no Brasil, pois veio para cá desde o primeiro ano de idade.
O bilhetinho urgente, saiu para o ministro Pedroso Horta:
"MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Excelência
Estudar este caso. É humano e de justiça.
Urgência no estudo. Trata-se de cidadão de idade avançada, que deseja morrer com a honra de ser brasileiro legalmente, porque, de fato, ele já o é.
J. Quadros"
 
 
Língua inglesa
De Saul J. Marcus, Jânio Quadros recebeu a seguinte carta:
"Permita-me tomar um minuto do seu precioso tempo, a fim de oferecer-lhe os meus serviços como professor de inglês. Sou norte-americano nato, resido há 7 meses em Brasília e tive a satisfação de ter o primeiro curso de inglês no Plano Piloto. Entre os meus alunos conta-se o Sr. Deputado André Franco Montoro, que me falou no seu possível interesse pela língua inglesa.
À inteira disposição de V. Exa., no endereço abaixo, firmo-me atenciosamente,
Saul J. Marcus"
O Presidente respondeu nos seguintes termos:
"Prezado Sr. Saul J. Marcus
Saudações
Agradeço os serviços que me oferece na condição de professor da língua inglesa. Não preciso, contudo, dessas aulas, até porque todos me entendem quando me expresso em inglês.
Minhas dificuldades são outras: nem todos me entendem na língua portuguesa, o que leva muita gente às interpretações mais extravagantes e desabusadas do que digo ou escrevo, e, aí, o Sr. não poderá ajudar..."
 
Bang
 
Depois de comunicar ao Presidente ser ele sócio honorário do Club Estern de Cinema, de Salvador – Bahia, os diretores da entidade - prof. Adroaldo Ribeiro Costa, Bel. Luiz Eugênio Tarquinho, Bel. Ary Guimarães, Dr. José Berbet de Castro e Bel. Rômulo de Almeida - informaram "que nesse negócio de cinema parece que há mais bandidos que artistas!" E explicam a odisséia do clube: começaram bem, exibindo os filmes de "mocinho", com os seus tradicionais "bang-bangs", mas de uns tempos para cá uma entidade denominada Associação Brasileira de Cinematografia, dirigida por Harry Stone, proibiu - ao que dizem - o aluguel das películas, apesar dos apelos que lhe foram dirigidos pelos interessados.
O presidente Jânio Quadros, ante o documento, exarou o seguinte despacho ao seu secretário particular:
Aparecido: veja quem é o bandido nesta história, e BANG!
 
 
Noticiário
Este bilhete provocou uma das mais sérias reações contra o Governo Federal. Foi através dele que a Rádio Jornal do Brasil se viu suspensa por três dias. Pela primeira vez se punha em prática antigo preceito legal que figurava como letra morta no papel:
"MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Excelência:
No noticiário das 7:55h no dia 3 do mês corrente, a Rádio Jornal do Brasil transmitiu notícia inverídica, com dois aspectos gravíssimos:
envolvendo as relações entre o nosso País e outro Estado Americano;
podendo provocar intranqüilidade nas Forças Armadas.
 
Em conseqüência, adote Vossa Excelência as providências necessárias para suspender aquela Emissora por três (03) dias.
J. Quadros - 05.06.1961"
 
 
Tito
 
Tinha o Presidente da República conferenciado com o Embaixador da Iugoslávia. Minutos depois, na sala ao lado, percebeu ele que, pelo telefone, alguém se anunciava a um seu oficial de gabinete como Tito.
Tito? Que Tito? - perguntou o Presidente.
Já está aí?
Tito era um fotógrafo que conversava com o auxiliar do Presidente.
 
 
 
 
Homenagem
 
O Maestro Archando Manzo, de São Paulo, enviou ao Presidente, uma música de sua autoria, como homenagem. Recebeu de Jânio Quadros o seguinte bilhete:
"Maestro:
Recebi o seu "Dobrado", com o meu nome. Muito obrigado. Constituiu para mim, creia, motivo de satisfação.
Não entendo de notas musicais. Meu conserto é outro. Com "S". E ainda que aprecie imensamente os com "C", o "S" dos meus consertos, na maior das vezes, depende de traços verticais em seu centro...
Vou enviar o dobrado "Jânio Quadros", de sua autoria, a uma das nossas gloriosas corporações musicais militares. Observo que o "Jânio Quadros", afinal, não é assim tão barulhento.
...
Felicidades, meu amigo. E muito obrigado uma vez mais.
J. Quadros"
 
Beleza
 
Ao passar pelo Maranhão, ouviu a crítica segundo a qual era muito feio para ser Presidente da República. Jânio Quadros explicou à eleitora:
Mas minha senhora, nós não estamos num concurso de beleza.
 
Imperador
Jânio Quadros caminhava pelos corredores do Palácio do Planalto quando foi abordado por um auxiliar, dos mais bajuladores.
O funcionário começou a fazer comentários sobre Napoleão Bonaparte, tentando criar uma semelhança entre o imperador francês e o Presidente.
Incomodado, Jânio deu logo o corte: - Por falar em Napoleão, onde será que deixei meu cavalo branco?
 
 
Em posição de sentido
 
O telex do gabinete do Presidente transmitiu:
"Uma mensagem para o Exmo. Sr. Presidente. Posso passar?"
Resposta de JQ: "Pode"
Mensagem:
"Sensibilizado, agradeço a V.Exa, as felicitações pela passagem do meu aniversário. Respeitosas saudações. General Nilo Guerreiro, Comandante da Segunda Região Militar."
E perguntou o operador do telex:
"Quem recebeu? Foi transmitido pelo sargento Gonçalves."
JQ, então respondeu pelo telex:
"Obrigado, sargento. É o próprio Presidente. Jânio Quadros."
E o telex, mais que depressa:
"Muito grato, Excelência. Estou em posição de sentido!" ...
 
 
 
 
 
Colega
 
O próprio presidente Jânio Quadros, às vezes transmitia seus bilhetinhos para os ministros por meio do aparelho de Telex que mandou instalar em seu gabinete, ligado diretamente com os Ministérios em Brasília e no Rio de Janeiro. Ele mesmo datilografava os "memorandos".
Transmitiu ele um bilhete para um ministro e na mesma hora recebeu a seguinte resposta, pelo telex:
"Prezado colega. Não há mais ninguém aqui."
Ao que o presidente respondeu:
"Obrigado, colega. Jânio Quadros."
Do outro lado do fio, porém, o outro não se perturbou:
"De nada. Às ordens, John Kennedy..."
 
 
 
 
 
 
 
RENÚNCIA, SEMPRE A RENÚNCIA
 
Na intimidade, Jânio suportava conversar sobre a renúncia, assunto explosivo se provocado em público ou em ambiente com muitas pessoas. Um dia, aos próprios amigos, que insistiam em fazê-lo confessar algo mais do que a explicação que dava, respondeu com surpreendente calma:
A verdade sobre a renúncia vocês já sabem. Se quiserem ingressar na ficção, conversem com o Vladimir Toledo Piza, que tem mais de dezoito versões. Escolham uma delas.
 
 
 
 
 
FRASES
"De que importam as legendas neste país? O que significam elas? Têm conteúdo programático, ideológico ou filosófico?"
Jânio, sobre os partidos, em 01/11/1981
 
 
"O trabalhador que me elegeu, humilde e sofredor, não me sujeita a qualquer partido, a qualquer indivíduo. Sujeita-me tão só e exclusivamente ao bem comum."
Sobre sua relação com os partidos, em 1954
 
 
"Senhor presidente. Se a providência na sua misericórdia houver por bem dar alento, saúde, aqui estarei no final do mandato para transmitir, ao sucessor que o povo m der, os símbolos da autoridade."
Ao receber a faixa presidencial das mãos de Juscelino Kubitschek, em 31/01/1961
 
 
"A conspiração está em marcha, mas eu não vergo."
Sobre a elaboração de um manifesto contra sua política externa, em 25/08/1961
 
 
"Falei em forças terríveis, porque ocultas não foram."
Em entrevista ao Pasquim, em 1979
 
"Disse aos que me cercavam: não nasci presidente, nasci livre e com consciência. E fui para casa."
Sobre a renúncia, em 25/08/1976
 
"Eu fui presidente do Brasil e falhei."
Em entrevista ao "O Globo" em 09/08/1968
Se eu tivesse repartido o governo, teria ficado não cinco, mas dez anos na Presidência da República."
Sobre a Renúncia, em 08/08/1980
 
 
"Minhas memórias não virão tão cedo pelo menos enquanto alguns cavalheiros estiverem vivos."
Em 29/03/1983
"Vivo um desquite permanente com o poder."
Em 02/09/1987
"Quero me livrar disso logo."
Sobre a política, em 02/09/1987
 
 
"Estou pronto a colaborar se a nação reencontrar-se a si mesma."
Após desistir de concorrer à Presidência, em 05/06/1989
 
 
"Não mudo minhas decisões jamais. Nem se Deus me pedisse pessoalmente."
Em 16/11/1988
 
 
"Já prestei todas as declarações possíveis sobre isso. Quem afirmar que eu tenho depósitos fora pode ficar com eles. Faço uma declaração de doação."
Sobre a denúncia de que teria contas no exterior, em 18/08/1989
 
 
"Não tenho nada a ver com esse rapaz."
Sobre o candidato Fernando Collor de Mello, em 05/06/1989
 
 
"Sobre mim inventaram de tudo, até que atravessei o Mar Egeu nadando."
Em 06/04/1989
 
 
"Não tenho nada a ver com a opinião pública. Não tenho nenhuma satisfação a dar."
Em Nova York, sobre sua ausência da Prefeitura, em 25/11/1988
 
 
"Se a democracia correr perigo, saio candidato."
Sobre a possibilidade de disputar a Presidência, em 22/11/1989
 
 
"Dos meus concorrentes, o único que tem programa é o Silvio Santos."
Em 11/03/1989
 
 
"Eu não posso impedir que velhinho nenhum, apoiado em bengala, seja candidato."
Sobre a candidatura de Ulysses Guimarães à Presidência, em 25/01/1988
 
 
"Apoio Ulysses Guimarães para presidente mesmo que tenha que sair das sepulturas."
Em 14/11/1988
 
 
JÂNIO E A RENÚNCIA - VÁRIAS EXPLICAÇÕES
 
"No documento (da renúncia), acusei as "forças terríveis" que me pressionaram. Lembro-o porque as "forças ocultas", que me foi atribuída, corre por conta dos interesses dos grupos que castiguei, procurando rasgar outros rumos, locais e cristãos, para a nossa pátria. Essas forças, às vezes, poderiam aparecer mascaradas, mas ocultas não o eram. Não quis, no meu benefício, rasgar a Constituição – embora anacrônica – dissolver o Congresso – embora deformado pela lei eleitoral e quase inoperante – lançando nosso povo à inevitável guerra civil. Sacrifiquei-me sem hesitações."
Carta ao General Castelo Branco, em 1964
 
 
"Há quem diga que eu estava embriagado (quando renunciou). Eu passei sete meses em Brasília tomando ocasionalmente cerveja e vinho nacional no almoço."
Agosto de 1976
 
 
"Porque, ó Deus do Céu, todos os lobos saíram do covil para me morder na planície (sic) e eu já não estava lá em cima."
Sobre as infâmias que sofreu depois da renúncia
 
 
"Governar, então, no regime que me elegeu, dando-me, na vice-presidência, ao mesmo tempo, um adversário que era inimigo, era jogar nos dados a honra da República e de seus filhos."
Novembro de 1978
 
 
"Se houve golpe, eu não o comuniquei a nenhum militar. A Presidência da República não me deu nada. Pelo contrário: andou me tirando. Lá furtaram-me um terno, uma camisa e um par de sapatos."
Fevereiro de 1978
 
 
"Deixei o governo porque não podia ser presidente. Como podia governar com o embaixador americano ameaçando-me em meu gabinete, pedindo uma brigada para invadir Cuba."
Universidade Mackenzie, em agosto de 1982
"Renunciei porque não gostava da comida do Palácio."
Disse J. Quadros aos berros, em setembro de 1982
 
 
"Por alguns segundos pensei em fechar o Congresso. E ter-me-iam bastado um cabo e dois soldados."
Agosto de 1985
 
"Eu só tomei conhecimento disso (que a Câmara ia transformar-se em Tribunal Regional de Inquérito) quando cheguei ao Palácio, cerca das sete horas da manhã. Então tinha duas hipóteses: 1) fechava o Congresso, o que seria fácil, mas teria conseqüências imprevisíveis. 2) renunciava ao poder, já que tinha tido a minha autoridade alcançada. Cair à frente do Congresso Nacional de joelhos eu nunca faria, porque significava abrir o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal à voracidade da politicalha que (ele, Jânio da Silva Quadros) vencerá nas eleições."
Agosto de 1985
 
"Renunciei porque entendi que não podia cumprir meu dever. De maneira que foi o mais nobre e altruísta gesto da minha vida, que irá me consagrar como um êmulo de Deodoro da Fonseca e de Rui Barbosa."
Agosto de 1986
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Epidemia
 
Prefeito de São Paulo, 1986, Jânio Quadros notou que o Departamento Médico estava concedendo licença a granel. Irritado, Jânio publicou o seguinte bilhete no Diário Oficial do Município:
"Sr. Secretário:
Verifique se há alguma epidemia que acomete o
funcionalismo público municipal.
J. Quadros"
Opinião importante
 
Jânio Quadros em uma de suas viagens a Londres, para um turismo de observação (projetos especiais para a cidade de São Paulo, ex.: ônibus, obras e garagens). Retorna ao Brasil com a barba crescida semelhante a usada pelo presidente norte-americano Abraham Lincoln, a quem sempre admirou.
O jornalista da Folha de São Paulo, Paulo Cerciari, elogiou Jânio Quadros:
Presidente, o senhor fica bem de barba!
Jânio deu alguns passos, parou, pensou e disse:
- O senhor acha? Eloá também gostou. E continuou a caminhar. Não satisfeito, para e complementa:
Só que a opinião de Eloá é mais importante do que a do senhor.
Boas gargalhadas foram dadas pelos jornalistas que ali estavam a espera do ex-presidente Jânio Quadros.
 
 
Banana
 
Na eleição para a Prefeitura de São Paulo em 1985, contra o hoje presidente Fernando Henrique Cardoso, Jânio Quadros usou quase todos os truques que aprendeu em sua vida política.
Janista histórico, o ex-vereador Aurelino de Andrade convidou Jânio para ir ao populoso bairro de são Miguel Paulista, na zona leste da cidade.
A visita começou com uma feijoada acompanhada de caipirinha na casa da irmã de Andrade. No final, Jânio não resistiu e pediu uma cama para cochilar. Jânio acordou, já atrasado, às 18 horas. Levantou, vestiu o terno amarrotado e, para surpresa de todos, pediu uma banana, que colocou no bolso.
No início do comício, Jânio Quadros falou:
Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu não. Desde as 7 horas da manhã estou caminhando por este bairro e até agora não comi nada. Então, com licença.
Jânio tirou a banana do bolso e a devorou, sob ovação da massa.
 
 
SEM EXCEÇÕES
 
Uma das entrevistas de Jânio Quadros à Rádio Bandeirantes de São Paulo, comentando sobre sua vida política pós-renúncia.
O jornalista José Paulo de Andrade teceu comentários a respeito de seu desafeto, Sr. Carlos Lacerda, no episódio em que Jânio teria colocado a bagagem do então governador da Guanabara na rua, Jânio confirma, descreve e argumenta:
Vejamos, abrir uma exceção ao governador em questão, abriria também para outros governadores, prefeitos de cada capital e seus vereadores, deputados estaduais e deputados federais, prefeitos de todos os municípios brasileiros como também os vereadores. Tenho a nítida impressão que o Palácio seria uma grande estalagem ou um grande hotel, por isso coloquei seus objetos pessoais na porta do palácio, pois abriria uma perigosa exceção como se lá fosse a Meca brasileira.
 
 
Uma síntese política da história do Brasil
Período colonial
Os portugueses chegaram às costas marítima brasileiras em abril de 1500, por meio de uma expedição com treze embarcações, comandada por Pedro Álvares Cabral. Aqui encontraram tribos indígenas as quais procuraram atrair ou liquidar pela força das armas.
Até meados do século XVI, o Brasil não ocupou lugar prioritário nos planos de expansão da Coroa portuguesa, à época voltada para o comércio com as Índias. Uma primeira tentativa de colonização foi realizada pelo rei Dom João III, através da criação das chamadas capitanias hereditárias. Ao longo da costa atlântica, estabeleceu-se uma série de unidades territoriais distribuídas a donatários provenientes, em sua maioria, da pequena nobreza metropolitana.
De um modo geral, a experiência fracassou por causa das dificuldades econômicas e dos ataques das populações indígenas. Por considerações geopolíticas, a Coroa portuguesa decidiu então implantar um sistema centralizado de governo - conhecido como Governo Geral - com sede em Salvador, atual capital do estado da Bahia (1549). Apesar dessa iniciativa, o raio de ação dos governadores gerais era muito limitado, na medida em que tinham que lidar com uma população dispersa em uma vasta extensão de terra.
O interesse de Portugal na exploração da colônia cresceu quando se esgotaram as possibilidades de expansão das plantações de cana-de-açúcar nas ilhas atlânticas da costa da África. Esse fato coincidiu com o crescimento gradual do consumo de açúcar na Europa ocidental. A produção açucareira foi implantada em grandes unidades territoriais do nordeste brasileiro (Pernambuco e Bahia), constituindo-se o pólo principal de uma economia agro-exportadora.
A economia do açúcar gerou a primeira diferenciação social relevante da colônia, que se estabeleceu entre produtores e comerciantes exportadores, cuja rivalidade marcaria o período colonial. No comércio internacional, os portugueses foram superados pelos holandeses, que controlavam os mercados de distribuição do produto na Europa.
O êxito da produção açucareira dependia da solução do problema da mão-de-obra. No início, os colonizadores optaram por escravizar os índios, com resultados precários. As populações indígenas, em seus primeiros contatos com os europeus, foram atacadas por enfermidades que ocasionaram uma catástrofe demográfica. Além disso, resistiram à submissão dentro de um território que conheciam como próprio. Por outro lado, a Igreja estava contra a escravidão, pois tinha como objetivo a conversão dos índios à fé católica. Por volta de 1570, os portugueses começaram a importar escravos africanos, que se converteram na base de exploração da força de trabalho. Esse mesmo tráfico de escravos transformou-se em um dos negócios mais lucrativos da colônia.
O território brasileiro expandiu-se enormemente em direção ao oeste do continente sul-americano graças à ação dos bandeirantes, durante o decorrer do século XVII. Partindo da região de São Paulo, esses desbravadores realizavam extensas expedições, formadas por índios sob seu controle, em busca de pedras e metais preciosos, capturando outros índios com o propósito de submetê-los à escravidão. Na prática, essa expansão invalidou o Tratado de Tordesilhas, firmado por Portugal e Espanha (1494). Os Tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1777) fixaram novos limites para as possessões de ambos os países na América do Sul.
Os bandeirantes descobriram ouro na região de Minas Gerais e deu início a um grande movimento de busca de minerais preciosos nessa região da colônia. A exploração de ouro e diamantes, a partir do final do século XVII, determinou mudanças em muitos aspectos da empresa colonial. A economia açucareira passou a segundo plano; o ouro extraído por Portugal entrou em um circuito pelo qual foi parar nas mãos da Inglaterra, devido à situação de dependência dos portugueses em suas relações comerciais com esse país.
Por outro lado, a economia do ouro gerou essa grande leva migratória de portugueses e atraiu habitantes de outras regiões da colônia, dando origem a uma significativa concentração urbana. O legado desse movimento configura-se nas cidades históricas de Minas Gerais, entre as quais Ouro Preto é a mais conhecida. O eixo da vida sócio-econômica deslocou-se para o centro-sul, como indica a mudança da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro.
A luta contra os holandeses que ocuparam a Bahia e Pernambuco durante a primeira metade do século XVII e a diferenciação social acompanhada pela progressiva crise econômica da região mineira foram fatores importantes na formação de um sentimento nacional entre a elite "crioula" e a população em geral. Movimentos contra a dominação colonial, gerados principalmente por problemas regionais, surgiram em áreas como Minas Gerais e Pernambuco. De um modo geral, tais movimentos propagaram uma ideologia liberal, inspirada nas revoluções norte-americana e francesa.
A transferência da família real de Portugal para o Brasil foi um acontecimento decisivo na vida da colônia, tendo influenciado diretamente a forma de transição até a independência. Diante da invasão napoleônica ao território português, o príncipe regente (o futuro Dom João VI) transferiu-se, em 1808, com toda a corte, para o Rio de Janeiro, de onde anunciou, ao chegar, a "abertura dos portos brasileiros ao comércio com todas as nações amigas". Durante a longa permanência da corte (1808-1821), a colônia, de certa forma, transformou-se em metrópole. A Coroa portuguesa adotou uma política de intervenção na Bacia do Prata, opondo-se à luta de independência do Uruguai, comandada por Artigas.
Por outro lado, a presença do rei, associada à urbanização do Rio de Janeiro, reforçou o prestígio da monarquia. Quando as rivalidades entre Brasil e Portugal exacerbaram-se, logo após o regresso de Dom João VI à Europa, a elite concentrada no Rio de Janeiro e o príncipe regente, Dom Pedro, conseguiram proclamar a independência com um mínimo de lutas, preservando a forma monárquica. Por essas características, o processo de independência do Brasil diferenciou-se daqueles verificados nas colônias espanholas da América.
Período monárquico
O regime monárquico perdurou entre 1822 e 1889, dividindo-se, do ponto de vista político, em três etapas: a da ascensão ao trono, de Dom Pedro I, até sua abdicação, em 1831; a da regência, na qual o país foi governado por "regentes", durante a espera da maioridade do filho de Dom Pedro I; e do reinado desse último, Dom Pedro II, entre 1840 e 1889.
Durante o século XIX, a monarquia brasileira voltou-se para o contexto sul-americano, intervindo nas lutas contra Rosas, na região do Prata, e surgiu como protagonista na Guerra do Paraguai, também chamada de Guerra da Tríplice Aliança, o conflito armado mais sério entre países da América do Sul em toda a sua história.
No plano interno, a grande questão foi a da escravidão. Durante muito tempo, o Brasil resistiu às pressões antiescravagistas por parte da Inglaterra, até que foi induzido a terminar com o tráfico internacional, em 1840. A partir daí, foram promulgadas algumas leis para a libertação dos escravos, até a abolição final da escravatura, em 1888, quando o problema da mão-de-obra, no pólo principal da economia agroexportadora, já se encontrava praticamente resolvido.
De fato, a partir de meados do século XIX, a produção de café, concentrada nas províncias do Rio de Janeiro e, sobretudo, de São Paulo, havia iniciado uma sensível ascensão, incentivada pelo incremento do consumo desse produto nos Estados Unidos e Europa. O cultivo estabeleceu-se em grandes fazendas que tinham como base à mão-de-obra escrava. Na medida em que se evidenciaram que as relações escravagistas estavam com os dias contados, os fazendeiros de São Paulo impuseram uma política que favoreceu a imigração, sobretudo de italianos e espanhóis. Desse modo, o fim da escravatura, com algumas exceções, não acarretou a ruína da agricultura baseada no cultivo do café.
A eliminação das relações escravagistas de trabalho quase coincidiu com a queda do Império, ocorrida em 1889. A crise do regime monárquico foi resultado das insatisfações do exército e da burguesia vinculada ao café. O exército, que sempre havia sido tratado como uma instituição de importância secundária pela monarquia, ganhou força com o papel desempenhado na guerra com o Paraguai, ao mesmo tempo em que militares influenciados pelas idéias positivistas começaram a criticar o regime de trabalho escravo e o atraso do país. A burguesia cafeeira, por sua vez, buscava um regime político descentralizado, que garantisse às províncias um extenso campo de ação, tanto na esfera econômica como na política.
A queda do regime monárquico deu-se sem maiores convulsões, através de um levante militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. A elite política civil triunfa em seus objetivos de implementar-se uma República Federativa, conforme ficou estabelecido na Constituição de 1891. As antigas províncias constitucionais - denominadas estados - alcançaram grande autonomia. Podiam, por exemplo, obter empréstimos no exterior - uma prerrogativa vital para os negócios cafeeiros - e constituir força militar própria.
Período republicano: a república velha
O período da primeira república (1889-1930) caracterizou-se pela importância da economia agroexportadora, com o café como principal produto, e pelo controle oligárquico do poder. A elite política constituía um "clube de notáveis" que elegia, a cada quatro anos, o presidente da República. Nesse processo, destacavam-se as elites de São Paulo, Minas Gerais e, gradualmente, as do Rio Grande do Sul. As eleições, caracterizadas pela fraude, pois o voto não era secreto, contavam com uma baixa freqüência de eleitores, que oscilava entre um e 5% da população.
A crise do sistema oligárquico foi resultado da falta de entendimento entre as elites e do descontentamento dos quadros militares, sobretudo dos estratos intermediários, denominados "tenentes", defensores da centralização do poder. Em outubro de 1930, uma revolução levou ao poder um político proveniente do Rio Grande do Sul: Getúlio Vargas. O nome de Vargas passa a associar-se à modernização do país e a uma mudança de estilo na política, pela qual o "clube dos notáveis" cede lugar a uma "presidência carismática".
A República Populista
José Linhares (29/10/1945-31/1/1946)
As eleições de 2 de dezembro – Com a queda de Getúlio Vargas, a presidência passou a ser ocupada por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. No período em que ficou no poder foram realizadas as eleições presidenciais. Concorreram Eurico Gaspar Dutra, apoiado pela coligação PSD-PTB, Eduardo Gomes (UDN), Yedo Fiúza (PCB) e ainda Rolim Teles (Partido Agrário). Saiu vitoriosa a candidatura do general Dutra, por ampla maioria.
Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)
A Constituição de 1946 – Durante a sua presidência foi eleita a Assembléia Constituinte que, em 18 de setembro de 1946, deu origem à quarta Constituição republicana, a quinta do Brasil. Embora tenha mantido a federação e o presidencialismo, a nova. Constituição, como a de 1934, fugiu bastante às linhas doutrinárias de 1891.
Para controlar o Executivo, determinou o comparecimento compulsório dos ministros ao Congresso, quando convocados, para informações e interpelações, tornando-os responsáveis pelos atos que referendassem; previu, ainda, a formação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s), segundo o modelo norte-americano.
Além disso, a nomeação dos ministros não acarretaria a perda dos mandatos legislativos que exercessem, e o período presidencial duraria cinco anos.
Cumpre acrescentar que os direitos trabalhistas do período getulista foram incorporados ao texto constitucional.
Reflexos da guerra fria – No plano internacional a presidência de Dutra inseriu-se nos quadros da guerra fria, caracterizada a partir de 1947 com a Doutrina Truman. Integrado como estava na área de influência norte-americana, o Brasil definiu-se no plano da política externa como aliado da grande potência do Norte. O ingresso oficial do Brasil no cenário da guerra fria aconteceu com o tratado de assistência mútua, em setembro de 1947, entre Brasil e Estados Unidos. Além disso, na IX Conferência Interamericana, realizada em Bogotá, o Brasil associou-se ao sistema de segurança do hemisfério ocidental atlântico.
Segundo a nova norma das relações internacionais que o Brasil assumiu, Dutra coerentemente rompeu relações diplomáticas com a União Soviética, ao mesmo tempo em que o Partido Comunista do Brasil, chefiado por Luís Carlos Prestes, foi declarado ilegal.
A sucessão presidencial – Na disputa pela sucessão de Dutra concorreram quatro candidatos: novamente Eduardo Gomes (UDN), João Mangabeira pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Cristiano Machado (PSD) e Getúlio Vargas, apoiado pelo PTB, pelo PSP (Partido Social Progressista) e pela facção dissidente do próprio PSD. Venceu Getúlio Vargas.
Getúlio Vargas (1951-1954)
O nacionalismo – O novo governo de Vargas realizou-se no momento em que os países capitalistas se reorganizavam, tendo como centro os Estados Unidos. Desse modo, o processo de industrialização, que havia sido facilitado pela Segunda Guerra, foi anulado, pois o imperialismo retomou seu vigor e a reconquista do mercado brasileiro foi empreendida. Todavia, a política econômica de Vargas era marcadamente nacionalista, chocando-se por isso com os interesses imperialistas, sobretudo os norte-americanos. A mais significativa decisão de Vargas no período foi a nacionalização do petróleo, com a criação da Petrobrás, através da lei 2 004 de 3 de outubro de 1953, que estabeleceu o monopólio estatal do petróleo. Naturalmente, o nacionalismo de Vargas não agradava aos capitalistas norte-americanos, e o presidente dos Estados Unidos, Eisenhower, cancelou unilateralmente o acordo de desenvolvimento entre o Brasil e os Estados Unidos, entregando apenas 180 milhões de dólares dos quase 400 milhões prometidos anteriormente.
O reforço do sindicalismo – Paralelamente à política econômica nacionalista, Getúlio concedeu especial atenção ao movimento trabalhista, procurando apoiar-se na grande massa popular para sustentar o seu programa econômico. As oposições cresceram com a nomeação de João Goulart como ministro do Trabalho, em princípios de 1953. O novo ministro reorganizou os sindicatos de modo a dar ao governo maiores condições de manipular a massa operária.
As oposições. Como era de esperar, Vargas teve de enfrentar a oposição dos conservadores, cada vez mais violenta com a participação de Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa. Na campanha antigetulista, Lacerda não hesitou em explorar mesquinhamente a vida privada do presidente e dos seus assessores. Além disso, procurou identificar o novo governo de Getúlio com o retorno ao Estado Novo. De outro lado, as pressões norte-americanas, sobretudo das empresas petrolíferas, criavam dificuldades cada vez maiores para Vargas. A luta chegou ao auge em meados de 1954, quando o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado. Embora Lacerda tenha escapado, o atentado resultou na morte de um oficial da Aeronáutica, major Rubens Vaz. O envolvimento de pessoas que compunham a segurança pessoal de Vargas fez com que o Exército se colocasse contra o presidente, exigindo a sua renúncia. Na manhã de 24 de agosto de 1954, depois de escrever uma carta-testamento, Getúlio se suicidou.
De Getúlio a Juscelino – Nos dezesseis meses que se seguiram ao suicídio de Vargas três presidentes se sucederam: o vice-presidente Café Filho, que assumiu o poder mas, por motivos de saúde, imediatamente deixou o cargo; o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que pouco depois foi interditado pelo Congresso Nacional (11 de novembro de 1955); e finalmente Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, que se manteve na presidência até 31 de janeiro de 1956.
Nas eleições presidenciais de 1956 foi eleito, novamente pelas forças getulistas, Juscelino Kubitschek de Oliveira, apoiado pelo PSD e pelo PTB. Derrotadas, as forças antigetulistas - notadamente a UDN - reagiram à ascensão de Juscelino e tentaram impedir a sua posse, que foi garantida pelo "golpe preventivo" do general Henrique Teixeira Lott, então ministro da Guerra.
Juscelino Kubitschek (1956-1961)
Plano de Metas: o desenvolvimentismo – O governo Juscelino Kubitschek foi marcado por transformações de grande alcance, sobretudo na área econômica. Enfatizando o "desenvolvimento econômico industrial", estabeleceu, através do Plano de Metas, 31 metas, entre as quais energia, transporte, alimentação, indústria de base, educação e construção da nova capital, considerada “a 44 síntese de todas as metas”.
Essa "política desenvolvimentista" do governo Kubitschek baseava-se na utilização do Estado como instrumento coordenador do desenvolvimento, estimulando o empresariado nacional, e também criando um clima favorável à entrada do capital estrangeiro, quer na forma de empréstimos, quer na forma de investimento direto. Assim, em 1959, o governo criou a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), para auxiliar o nordeste e integrá-lo economicamente ao mercado nacional. Talvez a mais significativa das medidas tenha sido a criação do Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (GEIA), constituindo aquilo que seria, no futuro, o carro-chefe da industrialização brasileira, apesar de todas as distorções econômicas verificadas posteriormente.
Esse ambicioso programa de desenvolvimento econômico levou Juscelino a repensar o sistema americano, resultando na criação da Operação Pan Americana (OPA), que redefiniu as relações da América Latina com os Estados Unidos. Através dessa iniciativa, Juscelino procurou transformar a solidariedade pan-americana numa aliança entre os países, visando a superação do subdesenvolvimento.
As transformações. Sem dúvida, o esforço juscelinista acarretou a alteração da fisionomia econômica do país. A euforia desenvolvimentista não era, de fato, carente de fundamento. As indústrias se desenvolveram sensivelmente e a economia se diversificou. Todavia, com o modelo de desenvolvimento econômico concebido e executado, outros problemas apareceram. A abertura para o capital estrangeiro, que se tornou a principal alavanca do desenvolvimento industrial, começou a pressionar a economia, provocando a inflação. Apesar da criação da Sudene, o esforço para anular as disparidades econômico-regionais não teve saldo positivo. Ao contrário, o centro-sul desenvolveu-se aceleradamente, agravando ainda mais aquelas disparidades. Com isso, a transferência da mão-de-obra das áreas tradicionais para o centro-sul, isto é, do campo para a cidade, modificou a composição social dos grandes centros urbanos, aumentando a pobreza. Novos desequilíbrios se anunciavam, desdobrando-se nos anos seguintes em graves crises que culminariam com o movimento militar de 1964.
O imperialismo – Uma das dimensões, talvez a mais importante, do estilo desenvolvimentista do período de Juscelino foi o pleno enquadramento do Brasil nas novas exigências do capitalismo internacional, que tinha os Estados Unidos como centro hegemônico. De fato, o Brasil ajustou-se nesse período à linha mestra do capitalismo de organização - o capitalismo das multinacionais -, que modificou o caráter da dominação imperialista. Em vez da exportação de capitais - fórmula típica do capitalismo monopolista que surgiu nos anos 70 do século passado -, a ação do capitalismo avançado se deu pela implantação direta de indústrias, de unidades produtivas. Com isso, iniciava-se a internacionalização do mercado brasileiro, aprofundando a dependência econômica do país.
As eleições presidenciais de 1960 – Nas eleições de 1960 concorreram Jânio da Silva Quadros, apoiado pela UDN, e Henrique Lott, através da coligação PTB, PSD e PSB. A emergência de Jânio Quadros e o amplo apoio popular com que contou ofereceram aos setores da oposição, agrupados na UDN, a mais excelente perspectiva para quebrar a hegemonia PSD-PTB, herdeira do getulismo. A vitória janista foi verdadeiramente impressionante, com uma diferença de mais de 1 milhão de votos (5 636 623 contra 3 846 825).
Jânio da Silva Quadros (31/1/1961-25/8/1961)
Jânio, o "antipolítico" – Segundo o historiador norte-americano Thomas Skidmore, um conhecido “brazlianist”, Jânio era um "corpo estanho por excelência" no cenário político da época. Ainda segundo o mesmo autor, Jânio "apresentava-se como um candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a confiar nele. Oferecia, assim, ao cidadão comum do eleitorado urbano a presença de uma transformação radical através da força redentora de uma única personalidade líder". Juntamente com Getúlio, Jânio foi um dos maiores lideres carismáticos do Brasil. Embora de início não estivesse totalmente identificado com o getulismo, posteriormente, após sua renúncia, repetiria, com freqüência, que de Getúlio tiraram a vida, mas não os ideais, ao passo que dele haviam tirado o ideal, e não a vida, estabelecendo assim uma significativa analogia.
O "estilo" de Jânio – Todavia, apesar da "excentricidade" aparente, Jânio era um político bastante conservador e autoritário. Desde o início, procurou controlar os sindicatos, não hesitou em reprimir os protestos camponeses do nordeste, mandou prender estudantes rebeldes, adotou uma política de austeridade e acreditou poder corrigir os vícios da administração pública reprimindo a corrupção.
Apesar de sua estreita concepção política no plano interno, Jânio curiosamente declarou-se favorável a uma política externa independente, colocando-a em prática. Reatou as relações diplomáticas e comerciais com o bloco comunista, o que desagradou profundamente ao governo norte-americano.
Entretanto, os problemas que Jânio tinha a resolver eram muitos e difíceis. Em primeiro lugar, a pesada herança das contas legadas por Juscelino, referentes à construção de Brasília. De outro lado, não se mostrava capaz de superar a crise financeira, pois a sua política de austeridade era constituída de medidas impopulares, como congelamento dos salários, restrição ao crédito, corte de subsídios federais, desvalorização do cruzeiro. Com isso, as inquietações empresariais e operárias não tardaram a aparecer.
À falta de solução para os problemas internos acrescentaram-se os externos: "em agosto de 1961", narra um jornalista norte-americano, "Quadros manda ao Congresso seu projeto sobre lucros, que determina um novo imposto sobre todos os lucros, nacionais ou estrangeiros, de 30% - com uma condição importante: os lucros reinvestidos nas indústrias que beneficiavam o serviço público, ou a criação de novas indústrias, especialmente no Nordeste, seriam taxados em apenas 10%. Como já existe uma taxa de 20% sobre todos os lucros exportados, nossas companhias que mandam seus lucros para os Estados Unidos, ou as companhias locais que investem seus lucros no exterior, sofrem, portanto, uma taxa de 50%, ainda inferior às taxas nos Estados Unidos". Em suma, Jânio queria, através de medidas tributárias, bloquear, em parte, a acumulação de capitais e a remessa de lucros, ferindo os interesses do imperialismo e da classe dominante no Brasil.
A renúncia – Isso foi suficiente para que uma tempestade desabasse sobre o governo de Jânio, na forma de sistemática campanha da oposição por intermédio da imprensa. O pretexto para intensificar essa campanha foi dado pelo próprio presidente, ao agraciar Ernesto "Che" Guevara, que retornando da primeira conferência de Punta del Este (Uruguai) passara pelo Brasil. Ora, Guevara, ao lado de Fidel Castro, era a figura mais conhecida da revolução cubana de 1959, e nesse período Cuba já havia tomado, decididamente, o caminho do socialismo. Bastou esse novo gesto de Quadros - insignificante em si, pois a condecoração era mero protocolo - para que a oposição buscasse identificar o governo de Jânio com o comunismo. O ponto culminante da campanha antijanista foi a denúncia de Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara, através de uma rede nacional de televisão, acusando-o de estar tramando para o Brasil um regime análogo ao de Cuba. No dia seguinte (2 5 de agosto de 1961), segundo algumas versões, o general Cordeiro de Farias, comandante-chefe do Exército, teria exigido que Jânio mudasse sua política externa, ao que ele teria replicado:
- O senhor está preso!
- E o senhor está deposto! - teria respondido Cordeiro de Farias.
Segundo a versão que se popularizou, diante das oposições acirradas, Jânio, irritado, teria simplesmente renunciado, com esperanças de ser recolocado no poder pelo povo, a fim de estabelecer, talvez, um governo forte, centrado na sua autoridade pessoal. Na carta renúncia (25 de agosto de 1961), Jânio acusou as "forças terríveis que se levantaram contra mim", levando ao fracasso seu plano de governo. Essas "forças terríveis", ele jamais chegou a nomear com total clareza. Seguramente, referia-se aos representantes do imperialismo norte-americano: John Moors Cabot (ex-embaixador), Adolf Berle e o secretário do Tesouro americano, Douglas Dillon, além de Herbert Dittman, embaixador da Alemanha Ocidental. Internamente, tratava se das forças antipopulistas aglutinadas na UDN, notadamente Carlos Lacerda.
João Goulart (1961-1964)
Continuação da crise – Com a renúncia de Jânio, a presidência deveria ser assumida por João Goulart. Durante toda a sua vida política, Jango - como era popularmente conhecido - estivera ligado às forças getulistas e parecia ser o principal herdeiro de Vargas. Fora ministro do Trabalho no governo de Getúlio, vice-presidente de Juscelino e novamente reeleito vice de Jânio. Todavia, sua atuação política era identificada pelas forças conservadoras como notoriamente comunista; na União Soviética seu nome era citado com simpatia pelos jornais. Para fortalecer ainda mais essas opiniões, quando Jânio renunciou, Jango encontrava-se em visita à China comunista, onde declarara, dirigindo-se ao líder do PC chinês, Mao Tsetung: "Congratulo-me com Vossa Excelência pelos triunfos obtidos pelo povo e pelo governo da República chinesa em sua luta heróica pelo progresso e pela elevação do padrão de vida do povo”. Evidentemente, tratava-se de uma deferência e de simples formalidade, pois declarações elogiosas ele fizera em outras ocasiões e em países absolutamente anticomunistas. No entanto, a saudação protocolar de Jango foi utilizada pelos conservadores como "prova" de que ele era comunista.
O agravamento da crise – Devido à ausência de Jango, a presidência foi assumida por Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. Porém, efetivamente, o poder estava nas mãos dos três ministros militares - general Odílio Denys (ministro da Guerra), brigadeiro Moss (ministro da Aeronáutica) e almirante Sílvio Heck (ministro da Marinha) -, que imediatamente declararam estado de sítio para evitar qualquer manifestação pública. Ao mesmo tempo, passaram a controlar a imprensa e o rádio, intervieram nos sindicatos e prenderam seus opositores, incluindo deputados e até o general Lott - este último acusado de "subversivo" pelo ministra da Guerra.
Toda essa movimentação tinha uma finalidade: impedir a posse de Jango.
Entretanto, uma clara cisão militar surgiu no Rio Grande do Sul, onde o comandante do III Exército, general Machado Lopes, se declarou favorável ao cumprimento da Constituição, isto é, dar posse a Jango. Naturalmente, a atitude do general foi hostilizada de imediato pelo general Denys e por Lacerda, que lideravam a UDN no movimento antijanguista.
A prisão do general Machado Lopes foi cogitada. Mas como fazê-lo, se o Rio Grande do Sul era governado por Leonel Brizola, que entre outras coisas era cunhado de João Goulart? Brizola, aliás, deu ordens de defender a Constituição e preparar o Rio Grande do Sul contra tentativas de invasão.
O encaminhamento da solução – Enquanto as divergências se radicalizavam de parte a parte, na iminência de uma guerra civil, os Estados Unidos, temendo que o exemplo cubano se repetisse no Brasil, alteraram sua tática antijanguista e passaram a pressionar o general Denys e seus aliados para uma solução de compromisso. Aliás, ao que parece, mesmo João Goulart não estava interessado em liderar a revolta armada que os gaúchos julgavam próxima. A razão era bem simples: Jango era um fazendeiro m' milionário, em cujas terras criava-se um dos melhores gados do Brasil; por isso, não lhe interessava uma revolução que alterasse o regime de propriedade ou simplesmente desorganizasse a economia nacional. Tanto assim que, conciliatoriamente, aceitou as condições que lhe impuseram para assumir o poder.
A solução de compromisso foi iniciativa do deputado federal Plínio Salgado - ex-chefe integralista -, que apresentou ao Congresso uma emenda constitucional estabelecendo o regime parlamentarista no Brasil. Desse modo, João Goulart seria chefe de Estado, mas com poderes limitados. A emenda foi aprovada pelo Congresso "sob pressão m' militar", declarou Kubitschek, ex-presidente e naquele momento senador da República. Assim, a 7 de setembro de 1961, João Goulart prestou juramento como o novo presidente da República.
A intensa hostilidade de que se cercou a posse de Jango já denunciava o grande desgaste do "populismo”. Durante o governo de João Goulart, esse desgaste atingiu o seu auge: em 1964, através de um movimento militar, o presidente foi deposto, encerrando-se a era do populismo.
Características do Populismo à brasileira
Origens – O período da história republicana do Brasil que vai da queda do Estado Novo (1945) ao movimento militar de 1964 é caracterizado como populismo. O populismo, entretanto, não foi um fenômeno político exclusivamente brasileiro, mas latino-americano, que floresceu no período pós-guerra. O termo populismo foi tomado de empréstimo à história política da Europa e serviu para designar, no século XIX, um movimento revolucionário russo conhecido como narodniki.
No Brasil, todavia, aquilo que se convencionou chamar de populismo não data propriamente do novo período que se abriu em 1945 e se encerrou em 1964. Ele mergulha suas raízes na revolução de 1930, configurando-se como produto do cruzamento entre o processo da crise política e o desenvolvimento econômico que então principiava.
Ambigüidade. Como produto de forças transformadoras e contraditórias, o populismo trazia a marca de suas origens: é essencialmente uma configuração política ambígua. Segundo o sociólogo Francisco Weffort, o populismo e, como "estilo de governo", sempre sensível às pressões populares; simultaneamente, como "política de massa", procura conduzir e manipular suas aspirações.
Ao mesmo tempo em que foi expressão da crise da forma oligárquica de governo, típica da República Velha, representou também a democratização do Estado, embora apoiado no autoritarismo.
Conclusões. O populismo foi, enfim, a expressão política do deslocamento do pólo dinâmico da economia - do setor agrário para o urbano -, através do processo de desenvolvimento industrial, em grande parte impulsionado pela revolução de 1930.
No plano social, tais transformações econômicas implicaram a emergência das classes populares urbanas, cujos anseios foram sistematicamente ignorados e reprimidos na República Oligárquica.
Chama-se de populismo, nesse contexto, à forma de manifestação das insatisfações da massa popular urbana e, ao mesmo tempo, o seu reconhecimento e sua manipulação pelo Estado. Do ponto de vista da camada dirigente, o populismo é, por sua vez, a forma assumida pelo Estado para dar conta dos anseios populares e, simultaneamente, elaborar mecanismos para o seu controle.
 
Um populista de muito sucesso. É assim que eu defino o ex-presidente Jânio da Silva Quadros . no entanto, observo que o populismo janista sempre se diferenciou dos demais populismos: “Jânio sempre demonstrou o mais absoluto desprezo pelo partido. A fraqueza da organização partidária, em contraste com o carisma da personalidade do líder, é uma das características definidoras do populismo. Mas Jânio, neste aspecto, foi muito mais longe que outros grandes políticos do estilo populista. Getúlio, assim como Brizola, tem o seu nome ligado ao PTB; Adhemar, ao PSP; Prestes, ao PCB. O nome de Jânio não se liga a nenhum partido. Tomou-os como simples legenda eleitoral, abandonando-os sem nenhuma cerimônia tão logo chegava ao poder.”
Além disso, outro fator diferenciador do ex-presidente é que Jânio, em lugar da retórica redistributivista, clientelista ou nacionalista, explorou a retórica “moralista”, centrada na denúncia da corrupção e da “vagabundagem” dos funcionários públicos. Outro aspecto abordado é que, entre os líderes populistas, foi o mais inconsistente ideologicamente, aproximando-se dos comunistas e dos nacionalistas em algumas ocasiões e dos liberais da UDN em outras. “Em seu curto período presidencial, confundiu os adversários e os aliados com sua política e esquema de alianças, que ora parecia ser de direita, ora de esquerda. Nisto tudo, certamente, foi um mestre.”
Na minha opinião, Jânio pode ser classificado como um “populista autoritário”. “Ele praticou uma forma perversa de democracia. Essa modalidade, desde a Grécia antiga, leva o nome de demagogia.”
A renúncia de Jânio foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque. “Jânio não acreditava que poderia deixar realmente o poder. Ele tinha esperança de que uma manifestação popular o levasse novamente ao cargo e que, deste modo, seria ainda mais fortalecido.”
No entanto, a população foi tomada de surpresa com o episódio e houve um clima de frustração muito grande, “já que a esperança em seu governo era muito grande também. Já os setores da sociedade organizada não o apoiaram porque estavam perplexos diante de uma série de atos ambíguos tomados por Jânio, que ora tendiam para a direita, ora para a esquerda. Assim, Jânio perdeu as eleições de governador para Adhemar de Barros anos depois, porque perdera toda a credibilidade, e seu ato foi considerado uma irresponsabilidade pela maioria da população, que se julgava traída”.
Muito do sucesso de Jânio Quadros se deve a seu estilo pessoal. “sempre teve grande capacidade teatral, um senso muito aguçado para reconhecer a dimensão da expectativa do povo brasileiro e imensa habilidade na manipulação de sentimentos e emoções. Já na década de 50, Jânio emprega o marketing político muito bem.”
Nas próximas semanas e meses, a carreira de Jânio Quadros será com certeza dissecada nos mínimos detalhes pela imprensa. Sua argúcia, seus dons oratórios, seu temperamento, sua apaixonada e persistente disposição a encarnar a autoridade impessoal da ordem pública – tudo isso será relembrado. As até hoje obscuras razões da renúncia à Presidência da República em 1961 serão reexaminadas. Parece-me, entretanto, que uma questão central estará presente em todos esses relatos, por ser altamente definidora da figura histórica de Jânio Quadros: a sensação ainda hoje generalizada de que, em 1960, o Brasil vislumbrou e perdeu, como num passe de mágica, a chance de um grande salto à frente. Para os seis milhões que o elegeram, o estilo agressivo e independente de Jânio reverberava como algo bem mais poderoso que uma vassoura: era a alavanca, o bisturi gigantesco e destemido de que o País precisava. Nos meandros do discurso e da simbologia janista ressoava a suposição de que o reformismo janista forçaria finalmente o casamento do crescimento econômico com a justiça social – melhor dizendo, com uma determinada concepção de justiça social, como veremos adiante.
Mas quais seriam, de fato, as dimensões daquela chance, se Jânio não tivesse renunciado? Decorridas três décadas, com a visão que hoje temos daquela época, do País, do sistema político e do próprio Jânio, penso que a chance não existia, era uma ilusão. Com a renúncia ou sem ela, o mais provável é que caminharíamos para uma crise, ou pelo menos que o fenômeno Jânio Quadros sucumbisse aos obstáculos que o circundavam e às suas próprias limitações. O que os seis milhões perderam era em grande parte uma miragem, pois o líder em que depositaram suas esperanças também tinha apenas uma intuição, um vislumbre de reformas necessárias, mas não um diagnóstico consistente, um rumo assentado, e menos ainda vocação para o tipo de articulação política que se fazia necessário.
Para muitos, Jânio era apenas um demagogo, um talentoso manipulador de massas. Eu não diria isso. Minha avaliação é que era um homem apenas parcialmente vocacionado para a política, ou talvez supervocacionado, mas apenas para alguns aspectos dessa atividade. Por isso praticou-a de maneira viesada e unilateral, desenvolvendo em excesso a arte da comunicação com a massa anônima, da presença cênica e dos lances de efeito – terrenos onde sua inegável argúcia se manifestava plenamente -, sem um desenvolvimento correspondente da perseverança, da paulatina exploração das possibilidades e da construção de liames de confiança inter pares. Revolucionário, no sentido que a palavra tem para a esquerda, com certeza não foi; mas também não foi um político conservador no sentido definido por Michael Oakeshot, para quem a política é sempre uma “pursuit of intimations”, ou seja, a tentativa de concretizar possibilidades que já se delinearam na prática social. Sua inclinação reformista e sua indignação com as distorções do nosso desenvolvimento fora provavelmente sinceras, mas não chegara, a meu ver, a adquirir contornos intelectuais precisos, e menos ainda se traduziram em meios políticos adequados à sua eventual implementação. Em resumo, a visão política de Jânio Quadros, assim como a do movimento de massas que o apoiou, padecia de inconsistências e parcialidades que limitavam seriamente o seu teto de realização.
É certo que as passagens de Jânio pelo governo de São Paulo e pela prefeitura da capital demonstraram diligência, capacidade administrativa e senso de inovação. Com a renúncia em 1961, tanto esse desempenho anterior no governo como o posterior na Prefeitura se apequenaram, submetidos que foram ao diapasão daquele fracasso maior. Mas não parece razoável, em virtude dessa discrepância, “ler” a renúncia como um fato isolado, um acidente de percurso que teria matado uma carreira fadada a um sucesso superlativo. Recapitulando-se passo a passo as quatro décadas de Jânio no cenário político brasileiro, a impressão predominante é que o insucesso espreitava-o a cada passo, como que geneticamente inscrito em seu temperamento, em seu modo de agir, em sua visão bastante parcial a respeito dos problemas do País e, sobretudo em seu exacerbado individualismo político.
Ainda em meados da década de 60, num ensaio famoso, Francisco Weffort dizia que o janista expressava as aspirações de certa parcela “moderna’, propriamente proletária, dos estratos de baixa renda, especialmente seu conceito de justiça, mais abstrato e impessoal, ao contrário do ademarismo, que corresponderia ao paternalismo bonachão a que estava m acostumados os setores “arcaicos” da pequena classe média e do próprio operariado. Sem entrar no mérito factual do trabalho, essa hipótese significa que Jânio personificava um emergente conceito de cidadania. No acesso ao emprego público, no contato com as repartições governamentais, e mesmo no âmbito das relações de trabalho da empresa privada e na representação política e sindical, esse seria o embrião de um novo conceito de ordem e justiça, segundo o qual todos os indivíduos devem ser tratados com bases em regras gerais e estáveis.
Com a vantagem de mais de duas décadas, a caracterização de Weffort pode ser enriquecida. Na verdade, havia no janismo uma intuição de que o modelo getulista-juscelinista de crescimento na melhor das hipóteses não desmontava, e possivelmente reforçava o cartorialismo e o rentismo empresariais herdados do passado, bem como o corporativismo e o peleguismo sindicais, criações da ditadura estado-novista. No momento em que uma parte do País se regozijava com a modernização juscelinista – industrialização, implantação da indústria automobilística e construção de Brasília – a parte identificada com Jânio despejava sua ira sobre as forças que a promoviam, acusando-as de pretender acelerar o veículo sem baixar o freio de mão.
Todo grande escritor cria seus próprios precursores. Fernando Collor não foi eleito para ser escritor, mas seu discurso modernizante e até mesmo seu isolamento político compõem um retrato de Jânio como precursor. As diferenças devem ser também notadas. Pelo menos na esfera do discurso, a Perestroika liberalizante de Collor é abrangente, explícita, diria mesmo doutrinária, ao passo que a de Jânio era um esboço, um bico-de-pena, uma inclinação até certo ponto intuitiva. Com o isolamento político dá-se o oposto: o de Jânio era voluntário, doutrinário, diria mesmo obsessivo e visceral. O de Collor decorre das circunstâncias particulares de sua eleição, do equívoco de pensar que precisava “autonomizar-se” em relação aos políticos e ao empresariado para tomar suas medidas iniciais e do típico efeito centrífugo que os revezes costumam produzir no sistema presidencialista. Se tivesse condições para isso, o Collor de hoje seguramente buscaria um respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; Jânio, ao contrário, nunca perdeu uma chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto faze-lo parece ter passado a acreditar piamente no que dizia. Dificilmente teria ele revertido o modelo então vigente da industrialização em favor de um mais aberto ou de uma maior ênfase na agricultura. Esse embate dos anos 40 já esmaecia no final dos 50. mesmo assim, é difícil imaginar que Jânio no Olimpo, expedindo decretos, pudesse ter tido êxito para reformar o Estado e corrigir as distorções da estrutura econômica. Para isso ele carecia de uma base política orgânica, um “partido da modernização”. Conhecendo-se sua personalidade, a indagação soa estranha, mas quem poderia ter construído esse partido senão ele, do alto de seus seis milhões de votos?
Demasiado parcial emsua concepção dos problemas do desenvolvimento, Jânio também o era em sua concepção da política. Arrisco-me a dizer que nenhum outro homem público brasileiro levou tão longe a fé na liderança carismática, ou seja, no relacionamento plebiscitário, direto, efetivamente intenso, entre o líder e seus adeptos. Quanto mais se manifestava o seu talento para esse tipo de liderança, desde a eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 1953, mas ele parecia evitar a contaminação de sua imagem por vínculos partidários ou associações estáveis com outros líderes políticos. Ameaçar renúncias, manifestar explícito desapreço por partidos, tratá-los como simples instrumentos tornaram-se traços permanentes de sua atuação política. Polarizar agudamente as disputas, o que de resto fazia com grande brilhantismo verbal e não-verbal, também servia a esse objetivo. Combinavam-se, desse modo, uma concepção política e uma estratégia eleitoral: de um lado, o estilo plebiscitário sedimentava a fidelidade do eleitorado janista, sobretudo naqueles bairros, como a Vila Maria, conhecidos como “redutos”; de outro, essa fidelidade servia-lhe como um patamar eleitoral seguro, a partir do qual ele podia desenvolver seu estilo, com grande flexibilidade tática, rejeitando ou fingindo rejeitar alianças, e sempre mantendo a iniciativa das estocadas.
O problema é que a liderança carismática tem suas limitações. Em algumas circunstâncias, ela pode de fato ser acionada para romper emaranhados políticos, às vezes até para acelerar a construção de novas instituições. Às vezes a sensação generalizada de ilegitimidade requer um choque plebiscitário – assim como os choques heterodoxos na economia -, para revalorizar a moeda da confiança. Gandhi na Índia, De Gaulle na França e de certo modo até Boris Yeltsin, plantando-se no Parlamento russo e convocando os cidadãos à resistência contra o golpe militar, são exemplos. Mas, para cada exemplo positivo, encontramos pelo menos dez de aspirantes a condutores de massas que terminaram como demagogos ridículos, ou que acentuaram ainda mais o quadro de desencanto e de instabilidade do qual emergiram. Eleito para a presidência em 1960, com robustos 48% dos votos, em confronto direto com a coalizaão getulista-pessedista, Jânio provavelmente se sentiu portador de um mandato extraordinário. Na França, a Quinta República começava a repor o país nos trilhos. Em Brasília, Jânio caminhava para sete meses de governo, com medidas que variavam desde corajosas eliminações de subsídios até pequenas intromissões no cotidiano para demonstrar preocupação com a moralidade pública.
A interpretação mais aceita da renúncia é que Jânio queria reativar o sentimento plebiscitário e voltar ao poder nos braços do povo, dobrando o Congresso e os grandes partidos. Percebeu, como disse acima, que a relação plebiscitária às vezes tem valor. Mas não percebeu que o sistema político montado nos anos 30, e cujas linhas estruturais ainda são as mesmas, baseia-se num precário equilíbrio de fragilidades. De um lado a presidência plebiscitária, sempre sujeita a vertiginoso desgaste; de outro, o Legislativo, debilitado não pelas divisões sociais objetivas, que lá desaguam, mas principalmente por uma legislação eleitoral e partidária voltada para impedir, e não para facilitar a formação de maiorias estáveis.
A ilusão plebiscitária, com sua típica superestimação do apoio difuso das massas, pode ser conseqüência de traços individuais ou de uma trajetória política específica, mas parece estar também ligada a um determinado estágio no desenvolvimento das comunicações de massa. Em estágios muito primitivos, por mais que se configure esse tipo de relação entre líder e liderados, sem âmbito é restrito. Nas obras históricas e literárias que a descrevem em tempos pré-industriais, o líder dirige-se a uma pequena multidão, numa distância que sua voz alcança. No outro extremo, que são os dias de hoje, o carisma é diluído pela televisão. Transforma-se em “popularidade”, no fato trivial de ser reconhecido por milhões de espectadores dispersos, sem que daí decorra a lealdade duradoura e incondicional implícita na teoria do presidencialismo plebiscitário.
 
 
 
 
 
 
 
 
DEPOIMENTOS:
 
-”Jânio foi importante para a história do Brasil, pela carreira política sempre fortalecido no voto popular. Dos presidentes que conheci, foi de longe o mais inteligente e o mais estadista, embora em cultura geral e em amor pela coisa pública.”
Saulo Ramos (ex-ministro da Justiça e amigo pessoal de Jânio Quadros).
 
 
 
-”Jânio foi o protagonista de um dos mais importantes episódios da história política do País; a chamada revolução pelo voto. Ele havia sido um bom governador de São Paulo. Quando foi eleito, o sentimento de mudança era profundo. Sua renúncia frustrou todo esse sentimento.”
Mário Covas (ex-governador do Estado de São Paulo)
 
-”Foi uma personagem que preencheu, num dado momento, um vácuo a partir da política de São Paulo. Não mais que isto. Preencheu um vazio na vida brasileira que se gerou com a morte de Vargas. Mas teve uma experiência fugaz. Aqueles sete meses foram muito passageiros.”
Leonel Brizola (ex-governador do Rio de Janeiro)
 
-”Jânio Quadros foi o precursor da modernidade no Brasil. Ele foi o primeiro a falar em equilíbrio orçamentário, austeridade, rigor nas contratações do serviço público, nos gastos públicos, bandeiras até hoje usadas. Os discursos de hoje são repetições do que Jânio falava há 30 anos: reforma administrativa, redução do déficit público e defesa da desestatização.”
Gastone Righi (deputado federal/PTB-SP)
 
-”Jânio refez a linguagem política. Ao invés da palavra e do argumento, agora manejava símbolos e emoções... (sic) Pena que essa capacidade tenha sido pouco utilizada em benefício do povo, que ele soube manipular como ninguém.”
Fernando Henrique Cardoso (presidente da República/PSDB-SP)
 
 
-”Presidente dinâmico e honesto, que sabia trabalhar de igual para igual. Um dos donos do mundo, recusando ostensivamente, se necessário, suas pretensões políticas e econômicas.”
Oscar Niemeyer (arquiteto)
 
 
-”É aquele que poderia ter sido e não foi.”
Darcy Ribeiro (antropólogo e senador)
 
 
 
 
-”Ele inaugurou um novo tempo. Na política, na linguagem e na comunicação. Ele lutou para colocar o Brasil no primeiro plano mundial. Jânio se elegeu derrotando não só os partidos dominantes, mas a maioria dos deputados e senadores. É o único na história contemporânea que só foi mandatário do povo”.
José Aparecido de Oliveira (ex-governador do Distrito Federal e ex-secretário particular de Jânio)
 
 
-”O presidente Jânio Quadros teve duas marcas: a força de uma liderança carismática sem paralelo no País com o poder mágico de comunicação com a massa e a pobreza de estadista que o levou à renúncia.”
Cláudio Lembo (vice-governador de São Paulo) é o único político que conhece com profundidade a história das ”cartas-renúncia” da capital da República; desde Jânio Quadros, Auro de Moura Andrade e João Belchior Marques Goulart.
 
- ”Analisar Jânio é tentar verificar o que estava verdadeiramente por trás de palavras, gestos e entonações. Sempre soube dominar de maneira inteligente os recursos comunicacionais de que dispunha. Um verdadeiro artista.”
Geraldo Alckmin ( Governador do Estado de São Paulo)
 
 
 
 
 
CAFÉ NÃO SE TROCA!
Saulo Ramos era jornalista em Santos, mas jornalista verdadeiramente militante em "A Tribuna", o jornal de maior circulação na cidade. Fazia de tudo, reportagens, noticiário geral, polícia, cais do porto, crônicas sociais, política, comentários econômicos, era uma espécie de coringa que a secretaria do jornal usava para qualquer assunto.
Jânio era prefeito de São Paulo e freqüentava o Guarujá, onde o velho Gabriel, seu pai, tinha uma casa de praia.
Jânio e Saulo se conheceram porque, no Guarujá e nas manhãs de Sábado, ambos costumavam tomar caipirinha no bar do posto de gasolina do Viola, não tanto pela qualidade da bebida, mas pelos irresistíveis quibes caseiros feitos pela mãe do Viola, dono do posto e bom de papo na hora do aperitivo de praia.
Firmou-se a amizade pelos anos que se seguira, mas a fama de Jânio afastou-o do bar do Viola. Os encontros entre Jânio e Saulo passaram para as respectivas residências, já que a intimidade o permitida.
Eleito governador de São Paulo, Jânio lembrou-se de uma das facetas de Saulo, um estudioso da economia cafeeira, na época a maior fonte de divisas e de riquezas do País. Basta lembrar que o Brasil exportava anualmente 4 bilhões de dólares, dos quais 2 bilhões e 800 milhões eram gerados pelo café.
Saulo conhecia os problemas do setor; desde a produção – pois nascera no interior e vivera intensamente as questões ligadas à lavoura de café (seu pai era cafeicultor) – até a comercialização no Porto de Santos, o maior exportador do produto, pois o jornalista de "A Tribuna" teve que aprender tudo sobre a atividade econômica em torno do produto para escreve com segurança seus comentários no maior jornal de Santos.
São Paulo, na época o maior estado produtos de café, tinha grande influência sobre o governo federal e impunha as diretrizes econômicas da política cafeeira. Difícil era conciliar os interesses conflitantes entre lavoura, comércio e exportação.
Saulo tinha noção segura sobre a forma de harmonizar os conflitos dos setores. Jânio sabia disto. Convidou Saulo, que não aceitou, a participar do governo estadual como assessor para assuntos do café. O jornalista estava se formando em Direito, não pretendia envolver-se em política. Mas ficou à disposição do amigo para debater, sempre que necessário, as questões ligadas à economia cafeeira.
Carvalho Pinto era secretário da Fazenda e promoveu uma reunião com as lideranças da lavoura, comércio e exportação, na presença do governador, a fim de colher elementos para definir as reivindicações do governo de São Paulo perante o governo federal.
Jânio ouviu atentamente todos os setores. Recolheu atentamente as exposições de cada setor, todas escritas, enfiou-as numa pasta e disse ao professor Carvalho Pinto, diante do olhar admirado das lideranças cafeeiras: - Eu mesmo estudo isto.
Duas horas mais tarde a pasta estava sobre a mesa de Saulo Ramos, em Santos. E alguns dias depois Jânio reconvocou os líderes e fez longa exposição sobre qual seria a posição de São Paulo, criticando os exageros das reivindicações dos cafeicultores, a falta de objetividade das sugestões dos exportadores e frisando que todos os problemas do café somente poderiam ser resolvidos através de uma reforma cambial com a eliminação gradativa do confisco.
Sucesso total, que deixou o professor Carvalho Pinto emudecido diante dos conhecimentos de Jânio à respeito daqueles problemas, que os políticos em geral achavam complicadíssimos.
Eleito Presidente da República, Jânio chamou Saulo ao apartamento de Abreu Sodré, em São Vicente e disse:
Agora você vai comigo para Brasília, assessorar-me na política do café. Não desejo mais ser boneco de ventríloquo.
Saulo aceitou, sob condições: liberdade para escolher o Presidente do IBC, total liberdade para o planejamento da economia cafeeira, sem interferências dos ministros da Fazenda e da Indústria e Comércio, e reforma cambial para a eliminação do confisco.
O Presidente eleito concordou, pois ainda não havia convidado os ministros mencionados e, quando o fez, Clemente Mariani para a Fazenda, Arthur Bernardes para Indústria e Comércio, declarou que a política do café seria conduzida pessoalmente pelo Presidente da República. Os ministros aceitaram, até com certo alívio. Mariani, banqueiro baiano, não desejava participar daquela verdadeira guerra de paulistas, paranaenses e mineiros. Bernardes, como bom mineiro, desejava ser ministro da Indústria e Comércio, sem as complicações intrincadas do café.
Saulo escolheu o ministro (do Itamaraty) Sérgio Armando Frazão para Presidente do IBC, rompendo a velha tradição de entregar autarquia ora a um fazendeiro de café, ora a um representante dos comerciantes ou exportadores. Inaugurou a experiência bem sucedida de considerar o café como assunto de política externa, conduzida com a participação de diplomata.
Com a reforma cambial pela resolução 204 da Sumoc, Jânio cumpriu a promessa: autorizou a edição da resolução 205, também da Sumoc, redigida por Saulo, Frazão e Octávio Bulhões, então presidente da Superintendência d Moeda e do Crédito.
Foi assim, extinto o confisco cambial sobre as exportações do café e criada a quota de contribuição, destinada a ser gradualmente eliminada, embora seus rendimentos fossem exclusivamente investidos na economia cafeeira. Com a renúncia de Jânio, a eliminação gradual da quota de contribuição foi abandonada pelos governos que se seguiram e transformou-se, ela própria, em novo confisco cambial.
Embora o Brasil, em 1961, estivesse com perigosa superprodução de café (40 milhões de sacas), a dupla Saulo-Frazão conduziu uma política que deu excelentes resultados, mas exigiu um trabalho indescritível.
Com a execução desta política, de defesa do preço, pressionado para baixo pelo excesso do produto, o governo de Jânio conseguiu exportar cerca de 18 milhões de sacas e aumentar sensivelmente a receita de divisas com a exportação de café. Nos sete meses de governo Jânio o PIB cresceu 9,2%, graças aos recursos irrigados internamente pelo café exportado.
Um belo dia surgiu, no Planalto, um deputado paulista da então UDN propondo a Jânio um negócio fabuloso para o País... A Espanha pretendia trocar alguns milhões de sacos de café por navios, de fabricação espanhola, destinados à navegação de cabotagem nas costas marítimas brasileiras, oferta que fascinou os governadores do Nordeste.
Pressionado e também fascinado pela mirabolagem da operação, Jânio pediu a Saulo parecer sobre a proposta. O parecer foi contrário.
Jânio chamou Saulo ao seu gabinete e o bate-boca foi histórico:
Desencalhamos milhões de sacos de café de nossos custosos estoques, recebemos navios de que necessitamos demais e você diz que não pode! Por acaso você pegou o vírus dos burocratas? - disse Jânio aos gritos.
A Espanha consome duzentas mil sacas de café por ano. Não vamos esperar que ela seja boazinha de estocar, por nós, alguns milhões de sacas para consumir ao longo dos próximos anos, mesmo porque a estocagem é cara e o café perecível, envelhece, perde qualidade com o tempo. Logo a Espanha vai revender o café que receber e com o abatimento do preço, o abatimento que faria se comprássemos os navios a dinheiro. O resultado será catastrófico, porque o abatimento no preço do café provocará uma queda no mercado internacional e atingirá, por óbvio, toda a nossa exportação. Café não se troca; vende-se.
 
Jânio não se conformou. Disse que faria a operação, que obrigaria os espanhóis a assumirem o compromisso de não revenderem e, se acaso o fizessem, os preços teriam de obedecer às cotações internacionais. Desfilou uma série de ingenuidades que os intermediários do negócio haviam enfiado em sua cabeça. E disse que autorizaria a operação, a despeito do parecer contrário.
Se Vossa Excelência autorizar a operação, terá que deferir o meu pedido de exoneração no mesmo dia - disse Saulo.
Pois defiro-o antes. Apresente o pedido a Chico Quintanilha e peça-lhe para despachar comigo tão logo eu voltar da reunião de governadores do Nordeste, para onde vou hoje. Passe bem.
 
Saulo saiu do gabinete presidencial e redigiu o pedido de demissão. Jânio foi para o Nordeste para uma de suas célebres reuniões com governadores, às quais levava o ministério, deslocava a sede do governo, fazia espetaculares movimentações. E na pauta desta reunião estava a reivindicação dos governadores nordestinos interessados na operação espanhola que lhes daria os cobiçados navios de cabotagem.
Saulo entregou o pedido de demissão ao chefe da Casa Civil, Francisco Quintanilha, que sorriu e comentou:
Até parece que você não conhece o Jânio. Pode levar de volta este pedido, antes que algum jornalista tome conhecimento. Espere o homem voltar do Nordeste.
 
No dia seguinte, Saulo encontrou sobre sua mesa um bilhete de Quintanilha (era o governo dos bilhetinhos) com o exemplar de um jornal do Nordeste, que estampava na manchete: "JÂNIO: CAFÉ NÃO SE TROCA!"
No texto da notícia vinha toda a observação do parecer de Saulo, com enérgicas advertências do presidente contra o perigo de operações desastrosas para a economia geral do País.
Ao voltar do Nordeste, dia seguinte cedo, Jânio saiu do elevador, no Planalto, e, contrariando o costumeiro rumo, tomou a direção da esquerda. Dirigiu-se para a sala de Saulo. Abriu a porta e o amigo, que estava estudando alguns processos, levantou-se:
Saulo, meu bem, leu os jornais do Nordeste?
Li.
Gostou?
Claro.
Que gente maluca! O deputado, aquele 1, voltou no meu avião inconformado, metendo o pau em você. Creio que ele deixou de ganhar uma gorda corretagem. Se era pelo café, amargou; se era pelos navios, naufragou. Essa gente não tem o menor espírito público. Venha ao meu gabinete. Vamos trabalhar.
 
Obs.:*1- O deputado era Herbert Levy, da UDN de São Paulo, e que, a partir de então, passou a odiar Jânio e Saulo.
 
 
TROCADILHOS DE GOSTO DUVIDOSO
 
Governador de São Paulo, Jânio foi a Santos, cidade em que tivera péssima votação para aquele cargo. Desejando prestigiar um dos seus líderes locais, fez uma visita à residência do deputado Athiê Jorge Coury. Mostrando-se admirado pelo bom gosto das pelas da casa, Jânio dirigiu-se a Athiê, que havia sido goleiro do Santos Futebol Clube.
Athiê, meu bem. Que casa linda! Diga-me, sinceramente, você a ganhou pelas bolas que defendeu ou pelas que deixou entrar?
Algumas risadas, que não conseguiram quebrar o mal estar. Quando saiu, convidou seu amigo Saulo Ramos para ir com ele no carro oficial.
- Que brincadeira infeliz - disse Saulo, que nunca transigiu com o mal gosto e cultivava uma dura sinceridade. Jânio, por isto, costumava chamá-lo de "o irreverente", e admitiu:
- É verdade, meu caro irreverente. Você tem razão. Pobre do Athiê, um bom homem e honesto. Foi bola fora. Ainda bem que ele não deu bola.
 
 
Algemas
 
Jânio, Presidente da República, telefonou, ele próprio, para o Coronel Salema, na época Comandante da Base Aérea de Santos e aos berros ordenou:
O Saulo Ramos está aí, em Santos. Emendou o fim de semana. Deve estar em alguma praia. E aqui, Em Brasília, todos nós precisando dele, o Governo e o País. Temos problemas a serem debatidos e precisamos da cabeça desse irreverente. Prenda-o, Coronel, e traga-o imediatamente para a capital da República. Se preciso, algeme-o. Ponha seu avião na pista e traga-o. É uma ordem!
O Coronel Salema, hoje Brigadeiro reformado, amigo de Saulo há muitos anos, entrou em pânico. Foi à casa de Saulo e o encontrou, comunicando a ordem do Presidente.
Calma, Coronel - disse Saulo – amanhã irei para Brasília, hoje não. Volte para a base e diga que me deu o recado. Aproveite para informar ao Presidente que a Aeronáutica não tem verba nem para algemas.
No dia seguinte, Saulo entrou no gabinete de Jânio e ouviu:
Não se respeita o Presidente da República neste país? Queria você aqui, ontem!
Mas a reunião é hoje!
Não importa. Tínhamos que conversar antes, com calma. E que história é esta sobre as verbas da Aeronáutica, que nem algemas pode comprar?
Veja, Jânio, se a Aeronáutica não tem verbas sequer para algemas, o que pensar sobre a manutenção de seus aviõezinhos. Você voaria em um deles?
Fez bem de vir hoje.
 
 
Competência
 
Em 1961, o Presidente da República tinha uma certa competência legislativa exercida através de Decretos, graças à Constituição de 1946. Saulo Ramos incentivou muito Jânio a usar de tal competência, inclusive cometendo algumas inconstitucionalidades, até hoje não contestadas. Não era difícil provocar o entusiasmo de Jânio que, excessivamente inteligente, captava rapidamente idéias novas, sobretudo se fosse de interesse público.
Assim, Jânio e Saulo, numa conversa a sós, sem palpiteiros, discutiram longamente um decreto em defesa da ecologia e do meio ambiente, assunto desconhecido e misterioso, inclusive no exterior. Os dois, porém e atrevidamente, soltaram a imaginação e o pensamento criativo, concluindo que era preciso regulamentar a defesa do meio ambiente.
Redija hoje, que eu assino amanhã! Hoje, sem falta, mas inclua tudo o que discutimos
Mas hoje é sábado e amanhã é domingo. É preciso colher a assinatura do Ministro da Agricultura para referendar o decreto. E talvez de outros Ministros.
Não interessa. Quero o decreto amanhã. Talvez seja o domingo o dia em que os brasileiros menos estragam a natureza. Um bom dia para assiná-lo.
Claro que somente recebeu a minuta na segunda-feira e ele próprio, com estremo entusiasmo, redigiu muitos dispositivos. Editou-se o Decreto n° 50.877, em 29 de julho de 1961, um dos primeiros atos normativos, em favor do meio ambiente, editados no mundo! Para se ter a idéia do pioneirismo, a lei de proteção às águas, na Itália, foi editada muito depois, é de 1976. No Canadá, a norma equivalente é de 1970 e na Suécia, é de 1969.
Na Bélgica e Holanda, o direito positivo passa a editar normas ambientais, sobretudo relativas à defesa das águas, na década de 1980, embora a Holanda tenha tratado, em lei, da poluição das águas em 1969 e a Bélgica em 1971.
A França, que costuma se antecipar às legislações européias, surgiu com o regramento ambiental somente em 1971 – Lei 76-633, de 19 de julho.
Na Alemanha, a lei federal, que apenas sugere precauções para evitar efeitos prejudiciais ao ambiente, é datada de 15 de março de 1974, aperfeiçoada pela lei de proteção às águas em 1976. No Japão, a disciplina legal para a punição dos crimes "relativos à poluição ambiental com efeitos adversos sobre a saúde das pessoas" é de 1970.
Nos Estados Unidos, as normas de proteção às águas datam de 1972 e, na Suiça, de 1971.
Na Argélia, a legislação ambiental é de 1983, quando a lei 83-03, cuida da poluição das águas, proibindo o "lançamento de substâncias sólidas, líquidas ou gasosas, agentes patogênicos, em quantidade e em concentração de toxidade suscetível de causar agressão à saúde pública, à fauna e à flora ou prejudicar o desenvolvimento econômico" (art. 99). Como se vê, o texto reproduz, vinte e dois anos depois, a norma brasileira, editada por Jânio quadros em 1961.
Na Inglaterra, centro de tantos movimentos ecologistas, a lei de Controle da Poluição surgiu somente em 1974 e cuida, sobretudo, de descarga e efluentes industriais nos esgotos públicos (art. 43), embora passe pela poluição atmosférica (art. 75) e pela poluição acústica (art. 57 a 74).
Impõe-se registrar, pela importância e pela larga previsão, o Decreto n° 50.877, de 29 de julho de 1961, do Presidente Jânio Quadros, dispondo sobre o lançamento de resíduos tóxicos ou oleosos nas águas interiores ou litorâneas.
O ato normativo de Jânio Quadros proibiu terminantemente a limpeza de motores de navios no mar territorial brasileiro e foi mais longe: regulou o lançamento "às águas de resíduos líquidos, sólidos ou gasosos, domiciliares ou industriais, in natura ou depois de tratados", permitindo-os somente quando "essa operação não implique na POLUIÇÃO das águas receptoras".
Neste decreto, a palavra "poluição" ingressou no direito positivo brasileiro com o sentido que tem hoje, diverso ou mais ampliado daquele adotado pelo verbo "poluir" do nosso Código Penal. Está definida pela própria norma em seu artigo 3°, verbis:
"Para os efeitos deste Decreto, considera-se poluição qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas das águas, que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações e ainda comprometer a sua utilização para fins agrícolas, industriais, comerciais, recreativos e, principalmente, a existência normal da fauna aquática."
 
Ironia do destino: quase trinta anos depois, Jânio Quadros era prefeito de São Paulo e Saulo Ramos Ministro da Justiça. Um dia Saulo visitou o ex-presidente. Entre muitos assuntos, lembraram do decreto ecológico. E lamentaram: se aquele decreto houvesse sido respeitado e aplicado, São Paulo não teria perdido os rios Pinheiros e Tietê.
 
 
 
1917
Às 11 horas da quinta-feira, 25 de janeiro, nasce Jânio da Silva Quadros, à Rua 14 de Julho, em Campo Grande (Mato Grosso do Sul). São seus pais o médico e engenheiro agrônomo Gabriel Nogueira Quadros e Leonor da Silva quadros.
 
1924
A família quadros muda-se de Mato Grosso para o Paraná, passando antes por várias cidades do interior paulista. Em Lorena, a última delas, o menino Jânio é matriculado no curso primário do Colégio dos Salesianos. Ele conclui o primeiro ano de estudos – e depois todo o primário – no Grupo Escolar Conselheiro Zacarias, de Curitiba.
 
1928
Jânio inicia o curso ginasial no Instituto Santa Maria, também em Curitiba.
 
1930
Gabriel Quadros luta contra a Aliança Liberal na Revolução. Em represália, perde os empregos públicos no Paraná e muda-se novamente, com toda a família, para São Paulo. Jânio, em conseqüência, perde o ano escolar.
 
1931
Jânio Quadros matricula-se no Colégio Arquidiocesano para concluir o ginásio.
 
1933
Em novembro, ele termina o curso ginasial. A família Quadros propicia uma vida modesta para os filhos Jânio, então com 16 anos, e Dirce, de 14. (Dirce faleceu aos 15 anos).
 
1934
Ao final do ano, Jânio conclui o curso preparatório à Faculdade de Direito de São Paulo, que irá cursar a partir de 1935.
 
1936
Aumentam os problemas financeiros da família Quadros. O estudante Jânio não pode pagar a segunda prestação da anuidade escolar e pede moratória ao diretor da faculdade, Francisco Morato.
1938
Professor de Geografia e Português nos ginásios Dante Alighieri e Vera Cruz, em São Paulo, Jânio disputa sua primeira eleição, pelo Partido Acadêmico Conservador. Candidata-se a primeiro-secretário do Centro Acadêmico XI de Agosto, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e elege-se após uma campanha em que pediu cada um dos votos pessoalmente. No mesmo ano, passou a integrar a Associação Acadêmica Álvares de Azevedo e a ocupar a cadeira Castro Alves da Academia de Letras da Faculdade de Direito. Escreve versos para as publicações de estudantes.
 
1940
Em 16 de janeiro, Jânio recebe o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil sob o n.º 3.805, em 14 de outubro, inicia uma carreira na área criminal que duraria sete anos.
 
1942
Casa-se com Eloá, filha de um farmacêutico do bairro paulistano do Bom Retiro.
 
1943
Nasce sua única filha, Dirce Maria, a Tutu, com quem manterá a vida toda uma relação de ódio e afeição.
 
1947
Filiado ao Partido Democrático Cristão (PDC), Jânio se elege vereador, com 1.707 votos, em 9 de novembro. Recordista de projetos e requerimentos na Câmara Municipal, marca sua atuação por polêmicas em plenário que, pelo menos uma vez, terminaram em agressão física contra ele.
 
1950
Em 3 de outubro, escolhido por 17.840 eleitores, torna-se o deputado mais votado na Assembléia Legislativa de São Paulo, pelo mesmo PDC.
 
1952
Apoiado pelos minúsculos PDC e Partido Socialista Brasileiro, enfrenta uma coligação de sete legendas (PSP, PTB, PSD, UDN, PRP, PR e PRP) e conquista a Prefeitura da capital com 284.922 votos – mais que o dobro de todos os outros candidatos juntos. Batiza sua empreitada de “revolução branca através do voto” e realiza uma administração saneadora das finanças municipais.
 
1954
Licencia-se por três meses do cargo de prefeito e parte para sua primeira viagem ao exterior, levando a mulher Eloá e a filha tutu. Conhece as cidades de Paris e Roma, a convite das prefeituras locais. Jânio fora lançado em janeiro para a disputa do governo do Estado e venceria a eleição de 3 de outubro com 660.264 votos.
 
1955
Deixa a Prefeitura em 31 de janeiro, para assumir o governo do Estado. Exerce novamente um governo moralista, com controle do dinheiro público e transformação do déficit estadual em superávit.
 
1956
Jânio empreende sua segunda viagem ao exterior. Leva a mãe, a esposa e a filha aos Estados Unidos, França e Inglaterra, num período de 60 dias. Alega um tratamento de saúde e faz declarações defendendo reatamento com os países comunistas.
 
1957
Em 18 de maio, morre assassinado seu pai, Gabriel Quadros, então deputado federal. Jânio declara encerrada sua carreira política. Desafia determinações de censura a rádio e televisão do Departamento Federal de Segurança Pública. Em dezembro, registra sua candidatura a deputado federal pela seção paranaense do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
 
1959
Deixa o governo paulista em 31 de janeiro para assumir a cadeira de deputado pelo Paraná, que conquistara em 3 de outubro do ano anterior, com o recorde estadual de 78.810 votos. Em abril, o Partido Trabalhista Nacional lança-o candidato à sucessão de Juscelino Kubitschek. Apoiado pelo PDC, começa a campanha, mas renuncia e 25 de novembro, numa manobra que leva Carlos Lacerda a promover uma bem-sucedida campanha para que reassuma a candidatura. Conquista também o apoio da UDN e do PL.
 
1960
Visita Havana, a convite de Fidel Castro. Anda mais de 500 horas de avião durante a campanha presidencial. Em 3 de outubro, derrota o marechal Henrique Teixeira Lott, com 1,8 milhão de votos de diferença. Obtém 5.636.623 votos para a Presidência da República, ou 48, 57% do total dos votos. Após a eleição, submete-se a uma cirurgia nos olhos, em Londres. Banha o prêmio de “revelação do ano” na diretoria do Clube dos Comentaristas de Discos, pelo rock-balada Convite de Amor, uma parceria com Rossini Pinto, gravada pela Copacabana. A letra diz que o mundo é “uma imensa esfera de harmonia e luz / e a vida é sempre eterna primavera / que encanta e seduz”.
 
1961
Assume a Presidência em janeiro. Condecora Che Guevara com Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul e, sem maioria no Congresso, enfrenta dura oposição a seu governo. Renuncia em 25 de agosto e dois dias depois viaja para Londres, a bordo do cargueiro Uruguai Star.
 
1962
Retorna ao Brasil em março, lança-se candidato a governador de São Paulo e sofre sua primeira derrota nas urnas, para Adhemar de Barros. Recebe 1.125.941 votos, contra 1.249.414 do adversário.
 
1964
Queixa-se do regime militar em carta ao marechal-presidente Castelo Branco e tem os direitos políticos cassados pelo prazo de dez anos.
 
1966
Lança seu Curso Prático de Língua Portuguesa e sua Literatura, em seis volumes.
 
1967
Lança , com a colaboração de Afonso Arinos, a História do Povo Brasileiro, também em seis volumes.
 
1968
É punido por pronunciamentos de caráter político, com um confinamento de quatro meses em Corumbá (MT).
1974
Recobra seu título eleitoral, mas se mantém afastado da disputa de cargos públicos.
 
1976
Nasce o pintor Jânio Quadros, que roda o país com uma exposição de uma série de óleos que chama de “Minhas bonecas”.
 
1979
Admite retornar à vida pública, como candidato à sucessão do governador paulista, Paulo Maluf.
 
1980
Filia-se ao PTB da deputada Ivete Vargas, mas deixa o partido no ano seguinte.
 
1981
Assina filiação ao PMDB em junho, mas acaba barrado por uma impugnação da Executiva Nacional do Partido em outubro. Apenas Orestes Quércia , Alencar Furtado e José Storópoli votam a seu favor nessa decisão. Volta para o PTB em novembro.
 
1982
Surge como candidato do PTB ao governo de São Paulo, na primeira eleição direta após o golpe de 1964. antes da eleição visita o presidente da Líbia, Muamar Kadafi, e sai do encontro elogiando “seus esforços pela paz mundial”. Termina em terceiro lugar, com 1.447.328 votos, contra 5.209.952 do eleito Franco Montoro, do PMDB.
 
1983
Lança quinze contos, livro recebido a pedradas pela crítica (prefaciados por José Sarney e Mário Palmério – ambos da Academia Brasileira de Letras).
 
1984
Às voltas com um câncer de mama, Eloá submete-se a uma cirurgia em São Paulo
Jânio lança-se candidato à Prefeitura de São Paulo em 30 de abril.
 
 
1985
Pelo mesmo PTB, elege-se prefeito da capital paulista com 1.572.454 votos.
A vitória na eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 1985, representou a volta política de Jânio Quadros, depois de 24 anos, 2 meses e 20 dias de sua renúncia da Presidência da República, em agosto de 1961.
Com a renúncia, João Goulart assumiu a Presidência, apesar da reação contrária de setores da cúpula das Forças Armadas. A crise institucional precipitada pela renúncia de Jânio e a posse de Jango culminaram com o movimento militar de 31 de março de 64.
Após deixar a Presidência, Jânio viajou para Londres e voltou ao Brasil a tempo de disputar as eleições para o governo de São Paulo, em outubro de 1962.
Jânio foi apoiado pela coligação dos extintos PTN – MTR (Partido Trabalhista Nacional – Movimento Trabalhista Renovador), mas perdeu para Adhemar de Barros (do extinto Partido Social Progressista – PSP) por uma pequena margem de votos. Foi a sua primeira derrota eleitoral.
Com o movimento militar de 64, Jânio teve seus direitos políticos cassados. Em 68, ao desrespeitar a proibição de fazer pronunciamentos políticos, o ex-presidente foi punido com um confinamento de 120 dias em Corumbá, no atual Estado do Mato Grosso do Sul.
Fora da política, Jânio Quadros dedicou-se à família, escreveu um dicionário de gramática e um de língua portuguesa. Ele pintou também quadros, chegando a fazer algumas exposições públicas.
Só a partir de 1974, com a distensão do regime, implantada pelo então presidente Ernesto Geisel, Jânio voltou a participar da vida política. Nesse ano, voltou a dar entrevistas. Elogiava o presidente Geisel e, ao mesmo tempo, defendia a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Jânio apoiava candidatos da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido de sustentação do regime militar, e criticava o bipartidarismo então vigente. Em 1979, começou a definir-se como mais conservador. Atacou a anistia irrestrita, denunciou a “infiltração comunista”, e fez elogios ao presidente João Batista Figueiredo, que sucedeu Ernesto Geisel.
Com a volta do pluripartidarismo, Jânio ingressou no PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em 79) de Ivete Vargas. A proibição de coligações fez com que deixasse o PTB em 1981. ele tentou ingressar no PMDB – originário do MDB do regime bipartidário -, mas teve sua filiação rejeitada por interferência do então senador Franco Montoro.
Jânio voltou ao PTB e foi lançado candidato ao governo paulista em 1982, nas primeiras eleições diretas para governadores de Estados após o início do regime militar. Foi derrotado de novo, ficando em terceiro lugar, atrás de Montoro e Reynaldo de Barros (PDS).
A vitória par a Prefeitura de São Paulo ocorreu três anos depois, após uma campanha de retórica conservadora e anticomunista, com discursos violentos pelo horário eleitoral gratuito de rádio e TV. Jânio venceu o senador Fernando Henrique Cardoso – que disputou a eleição pelo PMDB, hoje no PSDB – por uma diferença mínima.
Seu mandato durou três anos. Após a vitória do PT, em 88, e antes mesmo da posse de Luiza Erundina em janeiro de 89, Jânio deixou o país para uma viagem com a mulher Eloá. A nova prefeita foi empossada pelo então secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo.
 
1986
Assume o cargo de prefeito e pendura no seu gabinete um par de chuteiras, aposentando-se das disputas eleitorais.
 
1987
Descobre-se que Jânio mantém uma conta numerada em Genebra, na Suíça.
 
1989
Não comparece à entrega do cargo à prefeita petista Luiza Erundina. Embarca para os EUA e a Europa, de onde passa a alimentar a imprensa com especulações sobre sua candidatura à Presidência da República. Sofre um acidente vascular cerebral durante a viagem – o primeiro de uma série de derrames, que terminariam por entreva-lo numa cadeira de rodas.
 
1990
Em fevereiro, afirma-se disponível para disputar o governo estadual outra vez. Em julho, sofre novo derrame cerebral. É internado no Incor em outubro, em estado grave. Volta para casa entrevado, numa cadeira de rodas. Em novembro, perde a mulher Eloá e passa a receber uns poucos amigos, primeiro em sua mansão no Morumbi e depois num quarto de apart-hotel.
 
1992
Em 16 de fevereiro, falece o ex-presidente Jânio Quadros.
 
 
 
Um populista de muito sucesso. É assim que eu defino o ex-presidente Jânio da Silva Quadros . no entanto, observo que o populismo janista sempre se diferenciou dos demais populismos: “Jânio sempre demonstrou o mais absoluto desprezo pelo partido. A fraqueza da organização partidária, em contraste com o carisma da personalidade do líder, é uma das características definidoras do populismo. Mas Jânio, neste aspecto, foi muito mais longe que outros grandes políticos do estilo populista. Getúlio, assim como Brizola, tem o seu nome ligado ao PTB; Adhemar, ao PSP; Prestes, ao PCB. O nome de Jânio não se liga a nenhum partido. Tomou-os como simples legenda eleitoral, abandonando-os sem nenhuma cerimônia tão logo chegava ao poder.”
Além disso, outro fator diferenciador do ex-presidente é que Jânio, em lugar da retórica redistributivista, clientelista ou nacionalista, explorou a retórica “moralista”, centrada na denúncia da corrupção e da “vagabundagem” dos funcionários públicos. Outro aspecto abordado é que, entre os líderes populistas, foi o mais inconsistente ideologicamente, aproximando-se dos comunistas e dos nacionalistas em algumas ocasiões e dos liberais da UDN em outras. “Em seu curto período presidencial, confundiu os adversários e os aliados com sua política e esquema de alianças, que ora parecia ser de direita, ora de esquerda. Nisto tudo, certamente, foi um mestre.”
Na minha opinião, Jânio pode ser classificado como um “populista autoritário”. “Ele praticou uma forma perversa de democracia. Essa modalidade, desde a Grécia antiga, leva o nome de demagogia.”
A renúncia de Jânio foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque. “Jânio não acreditava que poderia deixar realmente o poder. Ele tinha esperança de que uma manifestação popular o levasse novamente ao cargo e que, deste modo, seria ainda mais fortalecido.”
No entanto, a população foi tomada de surpresa com o episódio e houve um clima de frustração muito grande, “já que a esperança em seu governo era muito grande também. Já os setores da sociedade organizada não o apoiaram porque estavam perplexos diante de uma série de atos ambíguos tomados por Jânio, que ora tendiam para a direita, ora para a esquerda. Assim, Jânio perdeu as eleições de governador para Adhemar de Barros anos depois, porque perdera toda a credibilidade, e seu ato foi considerado uma irresponsabilidade pela maioria da população, que se julgava traída”.
Muito do sucesso de Jânio Quadros se deve a seu estilo pessoal. “sempre teve grande capacidade teatral, um senso muito aguçado para reconhecer a dimensão da expectativa do povo brasileiro e imensa habilidade na manipulação de sentimentos e emoções. Já na década de 50, Jânio emprega o marketing político muito bem.”
Nas próximas semanas e meses, a carreira de Jânio Quadros será com certeza dissecada nos mínimos detalhes pela imprensa. Sua argúcia, seus dons oratórios, seu temperamento, sua apaixonada e persistente disposição a encarnar a autoridade impessoal da ordem pública – tudo isso será relembrado. As até hoje obscuras razões da renúncia à Presidência da República em 1961 serão reexaminadas. Parece-me, entretanto, que uma questão central estará presente em todos esses relatos, por ser altamente definidora da figura histórica de Jânio Quadros: a sensação ainda hoje generalizada de que, em 1960, o Brasil vislumbrou e perdeu, como num passe de mágica, a chance de um grande salto à frente. Para os seis milhões que o elegeram, o estilo agressivo e independente de Jânio reverberava como algo bem mais poderoso que uma vassoura: era a alavanca, o bisturi gigantesco e destemido de que o País precisava. Nos meandros do discurso e da simbologia janista ressoava a suposição de que o reformismo janista forçaria finalmente o casamento do crescimento econômico com a justiça social – melhor dizendo, com uma determinada concepção de justiça social, como veremos adiante.
Mas quais seriam, de fato, as dimensões daquela chance, se Jânio não tivesse renunciado? Decorridas três décadas, com a visão que hoje temos daquela época, do País, do sistema político e do próprio Jânio, penso que a chance não existia, era uma ilusão. Com a renúncia ou sem ela, o mais provável é que caminharíamos para uma crise, ou pelo menos que o fenômeno Jânio Quadros sucumbisse aos obstáculos que o circundavam e às suas próprias limitações. O que os seis milhões perderam era em grande parte uma miragem, pois o líder em que depositaram suas esperanças também tinha apenas uma intuição, um vislumbre de reformas necessárias, mas não um diagnóstico consistente, um rumo assentado, e menos ainda vocação para o tipo de articulação política que se fazia necessário.
Para muitos, Jânio era apenas um demagogo, um talentoso manipulador de massas. Eu não diria isso. Minha avaliação é que era um homem apenas parcialmente vocacionado para a política, ou talvez supervocacionado, mas apenas para alguns aspectos dessa atividade. Por isso praticou-a de maneira viesada e unilateral, desenvolvendo em excesso a arte da comunicação com a massa anônima, da presença cênica e dos lances de efeito – terrenos onde sua inegável argúcia se manifestava plenamente -, sem um desenvolvimento correspondente da perseverança, da paulatina exploração das possibilidades e da construção de liames de confiança inter pares. Revolucionário, no sentido que a palavra tem para a esquerda, com certeza não foi; mas também não foi um político conservador no sentido definido por Michael Oakeshot, para quem a política é sempre uma “pursuit of intimations”, ou seja, a tentativa de concretizar possibilidades que já se delinearam na prática social. Sua inclinação reformista e sua indignação com as distorções do nosso desenvolvimento fora provavelmente sinceras, mas não chegara, a meu ver, a adquirir contornos intelectuais precisos, e menos ainda se traduziram em meios políticos adequados à sua eventual implementação. Em resumo, a visão política de Jânio Quadros, assim como a do movimento de massas que o apoiou, padecia de inconsistências e parcialidades que limitavam seriamente o seu teto de realização.
É certo que as passagens de Jânio pelo governo de São Paulo e pela prefeitura da capital demonstraram diligência, capacidade administrativa e senso de inovação. Com a renúncia em 1961, tanto esse desempenho anterior no governo como o posterior na Prefeitura se apequenaram, submetidos que foram ao diapasão daquele fracasso maior. Mas não parece razoável, em virtude dessa discrepância, “ler” a renúncia como um fato isolado, um acidente de percurso que teria matado uma carreira fadada a um sucesso superlativo. Recapitulando-se passo a passo as quatro décadas de Jânio no cenário político brasileiro, a impressão predominante é que o insucesso espreitava-o a cada passo, como que geneticamente inscrito em seu temperamento, em seu modo de agir, em sua visão bastante parcial a respeito dos problemas do País e, sobretudo em seu exacerbado individualismo político.
Ainda em meados da década de 60, num ensaio famoso, Francisco Weffort dizia que o janista expressava as aspirações de certa parcela “moderna’, propriamente proletária, dos estratos de baixa renda, especialmente seu conceito de justiça, mais abstrato e impessoal, ao contrário do ademarismo, que corresponderia ao paternalismo bonachão a que estava m acostumados os setores “arcaicos” da pequena classe média e do próprio operariado. Sem entrar no mérito factual do trabalho, essa hipótese significa que Jânio personificava um emergente conceito de cidadania. No acesso ao emprego público, no contato com as repartições governamentais, e mesmo no âmbito das relações de trabalho da empresa privada e na representação política e sindical, esse seria o embrião de um novo conceito de ordem e justiça, segundo o qual todos os indivíduos devem ser tratados com bases em regras gerais e estáveis.
Com a vantagem de mais de duas décadas, a caracterização de Weffort pode ser enriquecida. Na verdade, havia no janismo uma intuição de que o modelo getulista-juscelinista de crescimento na melhor das hipóteses não desmontava, e possivelmente reforçava o cartorialismo e o rentismo empresariais herdados do passado, bem como o corporativismo e o peleguismo sindicais, criações da ditadura estado-novista. No momento em que uma parte do País se regozijava com a modernização juscelinista – industrialização, implantação da indústria automobilística e construção de Brasília – a parte identificada com Jânio despejava sua ira sobre as forças que a promoviam, acusando-as de pretender acelerar o veículo sem baixar o freio de mão.
Todo grande escritor cria seus próprios precursores. Fernando Collor não foi eleito para ser escritor, mas seu discurso modernizante e até mesmo seu isolamento político compõem um retrato de Jânio como precursor. As diferenças devem ser também notadas. Pelo menos na esfera do discurso, a Perestroika liberalizante de Collor é abrangente, explícita, diria mesmo doutrinária, ao passo que a de Jânio era um esboço, um bico-de-pena, uma inclinação até certo ponto intuitiva. Com o isolamento político dá-se o oposto: o de Jânio era voluntário, doutrinário, diria mesmo obsessivo e visceral. O de Collor decorre das circunstâncias particulares de sua eleição, do equívoco de pensar que precisava “autonomizar-se” em relação aos políticos e ao empresariado para tomar suas medidas iniciais e do típico efeito centrífugo que os revezes costumam produzir no sistema presidencialista. Se tivesse condições para isso, o Collor de hoje seguramente buscaria um respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; Jânio, ao contrário, nunca perdeu uma chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto faze-lo parece ter passado a acreditar piamente no que dizia. Dificilmente teria ele revertido o modelo então vigente da industrialização em favor de um mais aberto ou de uma maior ênfase na agricultura. Esse embate dos anos 40 já esmaecia no final dos 50. mesmo assim, é difícil imaginar que Jânio no Olimpo, expedindo decretos, pudesse ter tido êxito para reformar o Estado e corrigir as distorções da estrutura econômica. Para isso ele carecia de uma base política orgânica, um “partido da modernização”. Conhecendo-se sua personalidade, a indagação soa estranha, mas quem poderia ter construído esse partido senão ele, do alto de seus seis milhões de votos?
Demasiado parcial em sua concepção dos problemas do desenvolvimento, Jânio também o era em sua concepção da política. Arrisco-me a dizer que nenhum outro homem público brasileiro levou tão longe a fé na liderança carismática, ou seja, no relacionamento plebiscitário, direto, efetivamente intenso, entre o líder e seus adeptos. Quanto mais se manifestava o seu talento para esse tipo de liderança, desde a eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 1953, mas ele parecia evitar a contaminação de sua imagem por vínculos partidários ou associações estáveis com outros líderes políticos. Ameaçar renúncias, manifestar explícito desapreço por partidos, tratá-los como simples instrumentos tornaram-se traços permanentes de sua atuação política. Polarizar agudamente as disputas, o que de resto fazia com grande brilhantismo verbal e não-verbal, também servia a esse objetivo. Combinavam-se, desse modo, uma concepção política e uma estratégia eleitoral: de um lado, o estilo plebiscitário sedimentava a fidelidade do eleitorado janista, sobretudo naqueles bairros, como a Vila Maria, conhecidos como “redutos”; de outro, essa fidelidade servia-lhe como um patamar eleitoral seguro, a partir do qual ele podia desenvolver seu estilo, com grande flexibilidade tática, rejeitando ou fingindo rejeitar alianças, e sempre mantendo a iniciativa das estocadas.
O problema é que a liderança carismática tem suas limitações. Em algumas circunstâncias, ela pode de fato ser acionada para romper emaranhados políticos, às vezes até para acelerar a construção de novas instituições. Às vezes a sensação generalizada de ilegitimidade requer um choque plebiscitário – assim como os choques heterodoxos na economia -, para revalorizar a moeda da confiança. Gandhi na Índia, De Gaulle na França e de certo modo até Boris Yeltsin, plantando-se no Parlamento russo e convocando os cidadãos à resistência contra o golpe militar, são exemplos. Mas, para cada exemplo positivo, encontramos pelo menos dez de aspirantes a condutores de massas que terminaram como demagogos ridículos, ou que acentuaram ainda mais o quadro de desencanto e de instabilidade do qual emergiram. Eleito para a presidência em 1960, com robustos 48% dos votos, em confronto direto com a coalizão getulista-pessedista, Jânio provavelmente se sentiu portador de um mandato extraordinário. Na França, a Quinta República começava a repor o país nos trilhos. Em Brasília, Jânio caminhava para sete meses de governo, com medidas que variavam desde corajosas eliminações de subsídios até pequenas intromissões no cotidiano para demonstrar preocupação com a moralidade pública.
A interpretação mais aceita da renúncia é que Jânio queria reativar o sentimento plebiscitário e voltar ao poder nos braços do povo, dobrando o Congresso e os grandes partidos. Percebeu, como disse acima, que a relação plebiscitária às vezes tem valor. Mas não percebeu que o sistema político montado nos anos 30, e cujas linhas estruturais ainda são as mesmas, baseia-se num precário equilíbrio de fragilidades. De um lado a presidência plebiscitária, sempre sujeita a vertiginoso desgaste; de outro, o Legislativo, debilitado não pelas divisões sociais objetivas, que lá desaguam, mas principalmente por uma legislação eleitoral e partidária voltada para impedir, e não para facilitar a formação de maiorias estáveis.
A ilusão plebiscitária, com sua típica superestimação do apoio difuso das massas, pode ser conseqüência de traços individuais ou de uma trajetória política específica, mas parece estar também ligada a um determinado estágio no desenvolvimento das comunicações de massa. Em estágios muito primitivos, por mais que se configure esse tipo de relação entre líder e liderados, sem âmbito é restrito. Nas obras históricas e literárias que a descrevem em tempos pré-industriais, o líder dirige-se a uma pequena multidão, numa distância que sua voz alcança. No outro extremo, que são os dias de hoje, o carisma é diluído pela televisão. Transforma-se em “popularidade”, no fato trivial de ser reconhecido por milhões de espectadores dispersos, sem que daí decorra a lealdade duradoura e incondicional implícita na teoria do presidencialismo plebiscitário.
 
RENÚNCIA: JÂNIO TINHA RAZÃO?
 
Segundo o ministro da Justiça de Jânio, Oscar Pedroso Horta, Jânio fez bem em renunciar.
Diz ele:
"A 31/1/1961, Jânio Quadros assumiu a Presidência da República. Para o povo brasileiro, a solenidade constituiu um instante de aleluia. Os sinos da esperança repicaram no coração das multidões. Uma sinfonia de fé, de confiança nos destinos da Pátria embalou o sono e vivificou o despertar das almas coletivas, como as suas raças, as suas classes, as suas comunidades profissionais. Nesta festa de todos, um só homem animoso, porém solitário e triste, Jânio Quadros. Por quê? Porque só ele sentia, na sua grave plenitude, a irretratabilidade do compromisso perante o Congresso da Nação. Porque ele não se deslembrava, também, do prometido ao povo nas muitas ruas do Brasil, do Acre ao Rio Grande do Sul. Tanto o vinculava o juramento empenhado no Parlamento, quanto obrigavam os juramentos amarrados, nas praças públicas, com o homem comum. Jânio tinha ciência de que um abismo separava o Brasil legal do Brasil real. Amainada a febre da disputa do Poder silenciados os empuxos de um amor próprio tantas vezes malignamente ferido, um moço sério causticado, mas não corrompido pela vida, defrontava-se com o seu estranho destino. Subordinara-se a realizar o impossível, a causar o antagônico, a harmonizar um pobre Brasil real, lastreado pelos reclamos do subdesenvolvimento, pela glórias entrevistas da sua destinação histórica, às imposições, às contingências do Brasil legal, reverso do primeiro. O que era o Brasil legal? O Brasil legal, juridicamente obsoleto, tinha a sua máquina administrativa emperrada e protegida por leis que o eleitoralismo vigorante cedera, uma a uma, aos interesses de classes e grupos. Tinha a sua estrutura política pulverizada entre os 13 partidos que lhe formavam o Parlamento e que se subdividiam – como se tantos não bastassem – em alas e tendências, internamente divorciadas, mas sempre conformadas nos ultimatos ao Executivo."
 
A essa altura, Jânio deveria meditar a lição de Nietzche, no "Alegre Saber": "Tu visas a glória? Fixa-te então no seguinte: renuncia a tempo, espontaneamente, à honra!". Jânio, porém, jamais foi nietzcheano. Buscou conciliar o inconciliável: o real e o legal. Seu espírito, sensível às influências da filosofia política que fez a grandeza, a decadência e a agonia da Inglaterra, subordinou-se ao princípio que Aldous Huxley enuncia em "Os fins e os meios":
"Os métodos desejáveis para realizar a reforma são os métodos de não-violência".
Assim, a meu ver, desdobraram-se os termos de equações insolutas e insolúveis as do Brasil e as de Jânio Quadros. Jânio, o humanista, o liberal socializante, cioso da soberana independência do Brasil, mas contido pelas peias do País legal, quedou-se perplexo quando a violência dos baixos interesses pessoais contrariados pôs em xeque a autoridade conferida por seis milhões de eleitores brasileiros. Voltar as costas ao juramento constitucional de 31 de janeiro? Trair o povo que tanto nele confiava? O problema de Jânio era um problema de consciência e, nestes, a ninguém é lícito tocar. Cada criatura, no puder do que há de mais digno, de mais nobre, no seu espírito e na sua alma, é juiz soberano para proferir a decisão irrecorrível. A essência da personalidade humana empenha-se no que ela resolve. Respeitemo-la! O desquite entre a realidade brasileira e a legalidade brasileira manifestou-se, retumbante, após a renúncia. Tivemos o caos de um governo constitucional, mas desorientado, senão anárquico. A seguir tivemos um Brasil espartilhado de chumbo: os atos institucionais, os atos complementares, a Constituição de 1967. Revivendo eras priscas, fomos surpreendidos por "éditos". Feitas as contas com o passado, o presente e futuro, acho que Jânio fez bem em renunciar.
 
Ao mesmo questionamento, respondeu: - "Não sei", o ministro da Marinha de Jânio, Almirante Silvio Heck.
"Minha condição de ex-ministro me impede de responder, como é de meu hábito. Além disso, até hoje, continuo desconhecendo todas as razões que conduziram o ex-Presidente a tomar aquela atitude. Minha consciência indica que servi sempre com lealdade, tendo recebido, na ocasião, sua renúncia com surpresa e estarrecimento. Muitos aceitam como válida a tese de que na raiz da renúncia se fixou o desdobramento de um processo revolucionário que ainda hoje se desenvolve em suas diferentes etapas. Ninguém desconhece que forças terríveis, aqui e em outros países, têm levado chefes de Estado a gestos de desespero e à morte. Só o tempo me possibilitará fazer um juízo definitivo. O País sentiu o gesto do ex-Presidente por reconhecer suas aptidões de administrador e suas inclinações de estadista."
 
 
Já, o Ministro da Saúde, senador Catete Pinheiro, acha que Jânio não tinha razão.
Diz ele:
"Tenho procurado fugir a comentários sobre a renúncia do presidente Jânio Quadros, por considerá-la prejudicial ao Brasil. Sou testemunha da segurança com que ele enfrentava os problemas brasileiros. O povo o estimava porque via nele o estadista invulgar. O presidente Jânio Quadros tinha tudo para vencer as forças adversas, fossem elas ocultas ou visíveis. A sua renúncia mostra um instante terrível de dúvida - uma dúvida que não era e não é de Jânio - e não podia nem devia ter assumido as proporções catastróficas de renúncia. Mesmo porque, o Presidente não se pertencia. Não podia assumir atitude tão negativa e prejudicial, sem que o povo brasileiro fosse ouvido. Tenho certeza de que faltou ao grande Presidente uma palavra de chamamento a ponderação. Em vez de um condutor da carta-renúncia, devia ter aparecido quem lhe dissesse vigorosamente que a nação choraria a sua perda. Ainda mais se era possível prever que ele seria alvo dos abutres e dos negocistas, dos corruptos e de todos aqueles falsos líderes derrotados que, forçosamente se banqueteariam com a renúncia. Esta fez o Brasil regredir, e levou o povo a esperar por um novo Jânio."
 
 
Oscar Pedroso Horta, ministro da Justiça do governo Jânio Quadros, respondeu a capítulos e trechos das memórias de Carlos Lacerda e ofereceu a versão janista sobre a renúncia do Presidente. Disse ele:
"O ex-Governador da Guanabara, ainda tem muito mal a fazer ao Brasil; ainda há, suponho-o, brasileiros que não foram por ele injuriados, difamados, caluniados; todavia, restam idéias que não perjurou; princípios com os quais não transigiu; amigos que não traiu; negócios que não fez; promessas que não quebrou; crueldades que não cometeu. Há, até palavras que não fementiu!
A sua autobiografia parece incompleta! Faz 30 anos que Carlos Lacerda aturde o Brasil com a inigualada megalomania que é a essência do seu ser, essência da qual não se libertará enquanto lhe sobrar um sopro de vida. E como esta se lhe faz, dia a dia, mais amarga, mais penosa, dada a inexeqüibilidade das suas ambições, é indispensável que os deuses, para puni-lo, a prolonguem, largamente!
Que sofra a vida, por muitos anos, este homem, inumano e brilhante, que envenenou a existência dos melhores homens, seus contemporâneos. Que o fez, quase sempre à toa, por falsa empostação dos próprios problemas, por desvios de perspectiva, na fixação dos próprios objetivos, porque sonhou, em seus torvos pesadelos, que aqueles homens eram as "pedras do seu caminho".
 
Maltratou-os, pois, tanto se lhe dando que os alcançasse na dignidade, no brio, na honra.
Isto sempre lhe pareceu legítimo e natural. Sequer aceita o reparo de que é contraditório.
Muitos dão-se ao trabalho de colecionar elogios e recomendações de personalidades que, antes, fulminara com críticas acerbas e malignas.
Carlos Lacerda se desapercebe de que tal estranheza é natural, é inevitável, é inerente à natureza de todas as criaturas que se deixam conduzir pela lógica e pela ética, ou que buscam segui-las.
Todas, menos Carlos Lacerda.
Para ele, no particular, quaisquer licenças se evidenciam automaticamente válidas, ainda que custem suor, sangue e lágrimas a terceiros. Ele se absolve de tudo, no próprio ato de pecar.
São as "rosas do seu caminho".
Muito nos falta ler, ouvir e ver no espetáculo singular e imprevisível que é o comportamento do intermerato ex-Governador.
Os acarinhados de hoje serão as vítimas de amanhã. Os que hoje estraçalham, amanhã receberão encômios. Tranqüilamente, o rol não se acha concluído.
As contradições de Carlos Lacerda e os fatos da vida, por ele, deformados, quem os há de qualificar é o povo. Não me sinto tranqüilo, nem bastante isento, para julgar a um desafeiçoado meu
Na verdade, as primeiras dificuldades do governo federal de então com o governo da Guanabara surgiram diante do escândalo do jogo do bicho, praticado no estado, em benefício, total ou parcial, da Fundação Otávio Mangabeira, mas com a intermediação de Carlos Lacerda.
O rumor preocupou ao Presidente Jânio Quadros e a mim, ministro da Justiça. Fui ao Rio, almocei com o Governador no apartamento do amigo deputado Rafael de Almeida Magalhães. Interpelei o Governador acerca da atoarda que ecoava nos jornais e sobre os reflexos nocivos da mesma, para governos, política e afetivamente identificados, o da União e o da Guanabara. Tranqüilizou-me o Governador:
"Tudo isto não tem importância. Sou um homem julgado pelo Rio de Janeiro. Metade da população aplaude o que faço e a metade restante condena."
 
A desculpa pareceu-me insatisfatória, mas foi a que consegui. Se não gostei dela, quedou-me a impressão de que Carlos Lacerda também não estimara a minha curiosidade funcional. Continuamos, porém, em bons termos. Atendi-o, no plano administrativo. Atendi-o, no terreno político. Isto significa que nomeei, consoante me pedia, a companheiros seus para postos federais, no estado. Eles não eram poucos. Conservo-lhes a lista.
Quanto as ocorrências relativas aos dez últimos dias do governo Jânio Quadros – 15 de agosto a 25 de agosto de 1961, Pedroso Horta narra o seguinte:
"A 15/8/1961, o governador Carlos Lacerda bateu à minha porta, em Brasília, cerca das 17 horas. Trazia anotadas, as questões que ocupavam. Cuidamos delas, a começar pelas de ordem administrativa: convênio entre a União e a Guanabara, envolvendo o Serviço de Assistência a Menores; Polícia Aérea, Marítima e de Fronteiras; Serviço de Censura; Polícia Civil e Militar do estado. As reivindicações do Governador pareceram procedentes. Comprometi-me a atendê-las, exceto no que tocava à seleção do funcionalismo a ser devolvido à União. O governo almejava guardar o trigo, entregando-me o joio. Propus-lhe divisão eqüitativa e nos ajustamos ainda quanto à minúcia. A fase inicial da conversa tomou-nos quase três horas. Os assuntos eram intrincados e o interlocutor loquaz."
A seguir, Carlos Lacerda ajuntou que, por indicação do Presidente, carecia falar-me de política confiou-me que sempre esbarrara em singulares dificuldades para se entender com Jânio. O Presidente não saberia ouvi-lo, sempre meio desatento, meio apressado, envolvido por colaboradores e amigos que impossibilitavam confidências.
Contudo, aduziu, na tarde em que nascera a neta de Jânio, desfrutara da companhia deste, no Palácio das Laranjeiras. Falara longamente com o Presidente e este fora caloroso, sincero, útil.
Adiantou-me que Jânio deduzira múltiplas críticas à organização legal, administrativa e política da nação. Recordada as reformas de base, anunciadas na campanha, impossíveis de obter de um Congresso no qual dispunha de respaldo incerto, instável, minoritário. Ao cabo da permuta de impressões, Carlos Lacerda sentira-se afinado com o Presidente da República. E Jânio, de partida para São Paulo, lhe sugerira que me procurasse, para prosseguir nas especulações.
O Presidente não me dissera do encontro no Palácio das Laranjeiras. Fê-lo depois. O Governador indagou a seguir sobre os três ministros militares. Respondi-lhe que o Marechal Denys se me afigurava um tranqüilo e sólido homem de centro, propenso ao fortalecimento do Executivo. Quando ao almirante Silvio Heck as tendências também me pareciam claras. Relativamente ao brigadeiro Grum Moss, nada sabia. Constava-me que era cidadão das relações do Governador.
Tive ciência, depois, que o Governador batera atrás de Heck e de Moss, à cata de indiscrições sobre conspiratas, mas com total insucesso!
A conversa durou até 22 horas com Lacerda, o mais intransigente, o mais ousado inimigo da política externa do governo federal.
Encontrei-me com o Governador a 18 de agosto, analisamos problemas íntimos de Lacerda e debatemos o propósito, por ele professado, de renunciar ao governo da Guanabara. Nada mais.
No dia 19 de agosto, jantava em Brasília com meus amigos Santiago Dantas e José Aparecido de Oliveira, quando recebi um telefonema do Palácio da Alvorada. Era o Presidente. Estava no cinema, com alguns amigos, mais Carlos Lacerda (este, pela manhã, no Palácio das Laranjeiras, em estado de extrema agitação, rogava à D. Eloá que lhe obtivesse uma audiência com o Presidente, pois o assunto era gravíssimo. D. Eloá não se envolvia em problemas políticos e administrativos do marido, porém, juntou o seu pedido ao dele para a audiência com o Presidente). Lá estava de malas e bagagens, encetando uma "conversa muito esquisita", segundo o Presidente.
Jânio, determinava-me que extraísse o Governador do palácio, com as suas armas e as suas bagagens. Que o ouvisse, o interpelasse, entendesse. Não havia razão para Lacerda pernoitar com o Presidente. Chamei-o ao fone e ele não gostou de trocar um Presidente por um ministro para depositário de confidências. Veio ao meu apartamento e esbarrou na decepção de se encontrar com Santiago Dantas e José Aparecido de Oliveira, aos quais não apreciava. Conduzi o Governador a um quarto, ofereci-lhe um uísque e ouvi, na seqüência, um dos mais surpreendentes relatos, tecida por revelações surpreendentes.
Lacerda ia renunciar ao governo da Guanabara! Seu jornal, confiado à administração de um filho achava-se à beira da falência. O déficit acumulado ficara insolúvel. Os déficits mensais eram irredutíveis. Ele precisava assumir as responsabilidades do negócio, liberando o filho. Segundo motivo para renunciar: divergia da política externa de Jânio... embora Guevara só fosse condecorado no dia seguinte. Terceiro motivo da renúncia: lutava com terríveis dificuldades na Assembléia Legislativa do Estado e não podia governar. Quarta razão: professava respeito reverencial pelo Presidente, prezava-o como pai. Tratava-se do único homem no qual confiava, mas não lhe conseguia falar, de coração na mão, olhos postos nos olhos. Não lhe fora dado confessar-se no palácio, e no dia seguinte, o Presidente rumava para o Espírito Santo, sem o convidar.
Carlos Lacerda emocionou-me. Raras vezes vi desespero feito de frustrações tão fundas, tão sentidas, tão lancinantes.
Ponderei ao Lacerda que o Presidente não poderia desembarcar em Vitória, que era governado por um pessedista, com um udenista a tiracolo. Além disso, do Espírito Santo, Jânio dirigir-se-ia ao Rio e no Palácio das Laranjeiras, Lacerda dialogaria com ele o tempo que quisesse. As suas dificuldades com a Assembléia Legislativa da Guanabara não eram superiores às nossas com o Congresso Nacional. Estávamos prontos a condividir as questões políticas estaduais. Quanto às suas divergências com a nossa política externa, elas não nos preocupavam. Ela era polêmica. no que tangia às finanças do jornal, estava se afogando num copo d'água; se levantasse o nariz respiraria livremente, salvar-se-ia sem tropeços. Acalmou-se Carlos Lacerda. Sugeri que voltasse ao Rio e esperasse o Presidente na tarde subsequente. Seria acolhido em Laranjeiras.
Lacerda se despede, volta ao Palácio para pegar suas malas. Eu telefonei ao Palácio recomendando que levassem a bagagem do Governador ao portão poupando-lhe caminhada no parque, noite escura.
Todavia, meia hora transcorrida, Lacerda me telefonou furioso:
"Agora é que renuncio mesmo. Fui enxotado do palácio. Puseram minhas malas no portão do jardim e isto é um desacato a mim e ao Governador da Guanabara. Vou renunciar!"
 
Fui ver Lacerda imediatamente no Hotel Nacional e tentei dissuadir o Governador de renunciar. O dia surgia rubro e belo quando desisti de instar com o Governador.
Eram 7 horas da manhã e voltei ao meu apartamento. Às 7:30h apareceu-me um coronel da Casa Militar do Presidente. Reclamavam-me no palácio. Guevara vinha de ser condecorado e o Presidente solicitara relatórios. Estava a redigi-los na sala de Quintanilha Ribeiro quando chegaram ao Palácio: Menezes Côrtes, Rondon Pacheco e Adauto Cardoso.
Disseram-me que Lacerda, antes de retornar à Guanabara, comunicara a intenção de renunciar e que as razões da renúncia estavam comigo. Queriam conhecê-las. Respondi que havia um equívoco. Falei-lhes das dificuldades do Governador na Assembléia Legislativa, da sua incompatibilidade com a política exterior. Não lhes mencionei: as malas e as dificuldades financeiras do jornal do Governador e o seu desejo de ir ao Espírito Santo com o Presidente.
Saíram retornando hora e meia mais tarde. Adauto Cardoso censurou-me do informe anterior. Lacerda lhe narrara, pelo telefone, tudo que ocorrera.
Ainda no dia 19 de agosto, fui jantar no apartamento do senador Benedito Valadares com o professor Canuto Mendes de Almeida, deputado José Aparecido de Oliveira e nos deu conhecimento prévio do seu livro "E a Lua caiu". Um telefonema nos interrompeu, era o deputado Rafael de Almeida Magalhães, que contou os sucessos ulteriores da "renúncia" do governador Lacerda. Estória dos apelos de "deixa-disso" e da sua intenção de não ir às Laranjeiras, a menos que o Presidente o convocasse., pus-me a cismar. O telefone tocou novamente e era o Chefe da Nação. Convenci-o de convidar o Governador e ele me atendeu. O ministro Afonso Arinos levou Carlos Lacerda ao Palácio das Laranjeiras. o encontro foi cordialíssimo. Narrou-mo o Presidente num segundo telefonema, haver combinado com o Governador a vinda de ambos à Brasília, com as respectivas esposas, para desfazimento das dúvidas derradeiras.
No dia 20 de agosto, o Presidente e D. Eloá chegaram sozinhos à capital. Lacerda e a esposa não puderam vir. Precisavam aguardar, no Rio, um filho que tornava de uma primeira viagem ao exterior. Não tardaria que voassem a Brasília para o diálogo aprazado.
Na segunda-feira, dia 21, Lacerda estampava editorial, comedido para o seu estilo, mas bastante hostil, ao presidente Quadros. Na terça-feira, dia 22, desancava o governo pelas colunas do vespertino que deveríamos salvar juntos e o fazia ainda pela televisão. Na quarta-feira, 23, a dose era dobrada, já agora pela televisão de São Paulo. Para a quinta-feira, 24, os nossos amigos e o nosso escasso serviço de telecomunicações, este então a cargo do hoje general Henrique Assunção Cardoso, anunciavam bombas atômicas
Lacerda iria complementar a denúncia da conspiração tramada pelo governo.
E o fez, com a ferocidade usual.
Na madrugada de 25 com a colaboração do José Aparecido de Oliveira, expedi comunicado do Ministério da Justiça, tranqüilizando a nação e prometendo, sem tardança, as medidas indispensáveis a por cobro e termo a tais explorações.
Na manhã subsequente, o Presidente renunciou!
Entre um Governador que queria renunciar, mas não se animou a faze-lo, e um Presidente que renunciou sem pedir que o segurassem, para não o fazer, a nação a julgará.
Sei que o presidente Jânio Quadros há de falar um dia. Adianto que terá o meu depoimento, que terá outros depoimentos, de homens menos suspeitos do eu.
Muitos indagam quando dirigi a palavra ao Lacerda pela última vez. Foi dia 25, antes de comunicar a renúncia ao Presidente do Senado, Auro Soares de Moura Andrade, por ordem do Presidente e tendo ao meu lado Pedro Aleixo e Caio Mário da Silva Pereira. Completada a ligação, Lacerda indagou:
"É o Horta?"
"Não, Sr. Governador, é o Ministro da Justiça. O Presidente incumbiu-me de comunicar à V.Exa. que acaba de renunciar, a fim de que V. Exa. tome as providências que julgar necessárias e acautele o sossego público."
 
Carlos Lacerda tartamudeou:
"É lamentável, sinto muito."
 
Foi tudo.
Comuniquei-me a seguir com os Governadores de São Paulo e de Minas, ambos no Palácio dos Campos Elíseos e telegraficamente com os Governadores dos demais estados e territórios brasileiros.
Retomando o assunto: jogo do bicho na Guanabara, surgiu um delegado de polícia, em franco antagonismo com o Governador, formulando-lhe acusações assaz ásperas. O Governador puniu-o administrativamente. Ambas as autoridades, Governador e delegado, adotaram a via criminal. O delegado defendeu-se, comprometendo-se a fazer a prova das suas alegações. Na semana que se seguiu à renúncia do presidente Quadros, Lacerda achou vagar e tempo para cancelar a punição administrativa, aposentar o delegado e, de comum acordo com este, requerer o arquivamento do processo criminal.
Aí está um modelo de vigilância legado aos administradores coevos e pósteros, uma demonstração da eficiência administrativa guanabarina!
As notas autobiográficas de Lacerda contém insultos ao presidente Jânio Quadros, ao presidente Castelo Branco, louvores ao presidente Juscelino Kubitschek e reverenciam o presidente Getúlio Vargas e o presidente João Goulart.
É a química do movimento tendente a popularizar Lacerda, a valorizá-lo politicamente, na expectativa de que o presidente Costa e Silva, tolere a ressurreição política do ex-Governador da Guanabara.
O segredo é de Polichinelo. Lacerda quer chegar à ONU como representante do Brasil. Do palco internacional ditará regras à vida nacional e o governo as engole ou sofre o desgaste de um escândalo extrafronteiras. Aos eventuais parceiros ele acena com as vantagens de uma cunha poderosa, e aos cassados, desvalidos, os proscritos que se satisfaçam com o punhado de lentilhas.
O presidente Jânio Quadros vem-se recusando a receber como penitente, Lacerda.
Não o faz por guardar rancores pessoais. Não o faz, a despeito dos reiterados empenhos de amigos comuns, inibido por duas razões singelas. A primeira é a de que o diálogo pressupõe um mínimo de confiança entre os interlocutores - e Lacerda não alcança esse grau mínimo. A segunda está em que Lacerda é um demagogo, sedento e faminto de poder, aspirando à Presidência da República com a mesma ânsia nos pulmões reclamando oxigênio. E o presidente Jânio Quadros é um patriota, capaz de renunciar a essa Presidência da República.
Por que Lacerda exclui, do seu índex, os Presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart?
Porque o generoso, o santo, o inesquecível Getúlio, conspurcado pelo Lacerda na sua vida pública e privada, por ele ferido como cidadão, como homem, como pai é uma das pedras grandes no caminho de Lacerda.
O sangue inocente e limpo de Getúlio converteu-se na cortina de ferro que separa Lacerda do povo brasileiro. É preciso que esta cortina desapareça, corroída pela ferrugem do esquecimento, para que Lacerda sonhe trajar a faixa presidencial. Enquanto a cortina perdurar, as falangetas de Lacerda poderão arranhar aquele adorno, mas as falanginhas e as falanges não o agarrarão.
As mesmas observações aplicam-se a João Goulart.
E, por que poupar Juscelino?
Porque há pedras no caminho de Lacerda e Juscelino pode ajudar a removê-las.
As pedras são os amigos do presidente Juscelino que ele busca deslocar, mas sem admitir que mentiu, no pretérito, e que se quer redimir no presente, para alcançar no futuro, o prêmio sonhado pela sua ambição. Com o poder, Lacerda os degolará, os enforcará, os gilhotinará, um a um, até a terceira geração e declarará, as suas cinzas e os seus descendentes irremissivelmente infames."
 
 
 
 
 
 
RENÚNCIA: "A" EXPLICAÇÃO
 
Carlos Castelo Branco, através de uma narrativa, apresenta "a" explicação, a versão autêntica sobre a renúncia, com a inteira concordância de Jânio Quadros.
Segundo ele, diz Jânio, que pensou em mudar as instituições na sua própria estrutura: "o vívio, politicamente era estrutural", logo, para saná-lo, "seria mister uma grande modificação no próprio sistema do poder". Que, para administrar, lhe faltava apoio no Parlamento: governar era quase impossível. Discrepavam as exigências do País e a "débil estrutura legal". Cabia "fortalecer a autoridade governamental", "sem o sacrifício dos aspectos fundamentais da mecânica democrática" (veja-se bem: da mecânica, não das instituições). Que vai daí e havia tempos ele próprio e com ele "os ministros mais diretamente ligados às instituições" (isto é, "o ministro Pedroso Horta, e os ministros militares, particularmente o da Guerra, marechal Odílio Denys") "examinavam fórmulas ou soluções". Que o ideal, "a seu ver", no Ocidente moderno, era representado pela Constituição Francesa, arrancada aos franceses pelo Presidente De Gaulle". Já havia para isso um "plano concertado". Foi quando Carlos Lacerda denunciou, pela TV, em duas noites sucessivas, que fora "entretido" por Pedroso Horta para um processo igual àquele pelo qual De Gaulle arrancara aos franceses a Constituição que era o ideal de Jânio Quadros: o Congresso, com apoio das forças armadas, seria posto em recesso, enquanto o Presidente promoveria as reformas, que depois sujeitaria a referendo plebiscitário, com o que se fortaleceria a autoridade governamental sem sacrifício dos aspectos fundamentais da mecânica democrática... A oposição entre o Executivo e a representação popular, isto é, o Congresso, ou mais exatamente, a Câmara dos Deputados, órgão político, aparece como pedra de toque. Além de convocar Pedroso Horta, a Câmara cogitaria (e essa é, talvez, a mais surpreendente das revelações de Jânio) de convocar a própria mulher do Presidente, senhora por todos os títulos, digna de respeito. Jânio Quadros decidiu-se à renúncia. Recusou a ditadura, ou, no seu estilo requintado, "recusou-se à ditadura". Renunciou para não malograr nos objetivos. Seu raciocínio foi este: 1. renunciava; 2. Jango estava longe, na China comunista; 3. as Forças Armadas não permitiam a posse de Jango; 4. proclamava-se o novo regime, o De Gaulle brasileiro subia ao poder supremo, fosse ele o próprio Jânio, fosse com sacrifício dele, outro cidadão, "escolhido por qualquer via".
Quem falhou, segundo Jânio? Não ele. Mas os chefes militares, que vacilaram, quando Jango, aceitando o parlamentarismo, desfez "todo o plano concertado, de que talvez soubesse.
Isto não está dito assim, simplesmente. Mas está dito e ajustaram-se para dize-lo dois estilos: o do caso Antônio Houaiss, muito esperto nas formas confusas do pensamento moderno (não foi à toa que traduziu magistralmente o "Ulisses" de Joyce), e do próprio Jânio Quadros.
Aqui se diz que a crise era "inevitável"; ali que o Presidente, Horta e os ministros militares examinavam "fórmulas ou soluções"; depois que o plano interno "era o arcaico", pois até o Fundo Monetário Internacional, lá fora, compreendia. Cumpria evitar que a saída fosse catastrófica: "Presidente da República, que aspirasse ser efetivamente vinculado a seu povo, tinha que necessariamente dirigir-se, em verdadeiro plebiscito, a esse mesmo povo, acima dos partidos"... A Câmara não era, não queria, não podia ser, o instrumento da reforma estrutural, "até porque interessada em manter a estrutura e os privilégios vigentes". Sua alma, sua palma, adeus! Rolariam Jango e a Câmara, se o esquema não tivesse falhado "exatamente na vacilação dos chefes militares". E – justiça seja feita – na aceitação do parlamentarismo por Jango, que assim desfez, "talvez sem sabê-lo, todo o plano concertado".
Cabe acentuar que no Ministério, apenas Pedroso Horta e os ministros militares procuravam "fórmulas ou soluções" e concertavam plano com o Presidente. Os outros nada sabiam. Aliás, o próprio Silvio Heck, a quem ouvimos sem revelar, por escrúpulo profissional, afirma categórico continuar desconhecendo as razões da renúncia.
Cabe dizer que Jânio não conta: 1. detalhes do plano concertado; 2. quais as fórmulas ou soluções examinadas; 3. se a Constituição, no modelo da arrancada aos franceses pelo presidente De Gaulle, chegou a ser elaborada (de certo por Francisco Campos...); 4. nem como e em que termos lhe ofereceram os chefes militares a ditadura: só eles poderiam faze-lo, e "à ditadura recusou-se o Presidente".
Politicamente – Jânio é mais político do que historiador –, um precursor do movimento de 1964. Sonhava um novo regime, um regime forte, com ele ou outro Presidente. "escolhido por qualquer via": não lhe acudiu, entre essas vias, o próprio Congresso. Mas o que resulta da revelação feita é a compatibilidade por parte de Jânio Quadros com o sistema de poder nascido da inviabilidade da estrutura política anterior.
Com a renúncia o País mergulhou num choque.
O ex-secretário de Jânio, José Aparecido de Oliveira, insistia na versão das "forças poderosas" que teriam "deposto" o Presidente.
Jânio se exaspera quando lhe falam em "forças ocultas". Nunca falou em "forças ocultas". Mas falou em "forças poderosas" - e nunca disse quais eram...
Não seriam os chefes militares, pois proclamava, no documento da renúncia, a conduta exemplar, "em todos os instantes", das Forças Armadas.
Nem seria o Congresso, ai dele, poder desarmado...
Nem seria o Fundo Monetário Internacional, fantasma muito usado, porque esse elogiara sua política-financeira (a bem da verdade, mais financeira do que econômica).
Segundo Carlos Castello Branco, irritava a idéia da deposição consentida maliciosamente ou sem resistência viril. Numa ou noutra hipótese, seria a primeira vez que isso acontecera na história do Brasil. E não ficava mal apenas para Jânio Quadros mas para todos os seus patrícios.
Não, nunca houvera deposição sem a tropa em armas, nas ruas, praticamente unânime. Desde o dia em que Pedro I, brasileiro de adoção, chegara à janela, gritara: "Às armas", acudiram sete pobres diabos do Batalhão do Imperador: o resto, mais o Comandante, se bandeara para a revolução vitoriosa.
É por isso que aceito como autêntica e válida a versão da "História do Povo Brasileiro".
Ela coincide com os fatos sabidos e com detalhes mal conhecidos. Coincide com a psicologia de Jânio, pois, como disse certa vez Freud, "nem tudo que é estranho é insano".
A alguém que convidara para trabalhar a seu lado, Jânio teria dito, com ênfase: "Só lhe peço seis meses da sua vida". Já pensaria na renúncia, em agosto, no "plano concertado", em de Gaulle?
Sabe-se que o ser humano é comemorativo. Passado o 24 de agosto, que outra data buscar que associasse, para as massas, Jânio e Getúlio?
Sabe-se que na véspera da renúncia Jânio perguntou ao Itamarati onde estava Jango, quanto tempo gastava na volta. Sabe-se que esperou no telefone a resposta, tal pressa tinha da informação, de cuja falsa inocência nem os maliciosos diplomatas desconfiaram. O próprio Afonso Arinos, só veio saber de tudo quando Jânio lhe contou.
O drama de Jânio foi sua total inadaptação ao processo democrático. Ele era demófilo mas não democrata, isto é, amava o povo, tinha pena do povo, mas impacientava-o de conter-se nos pesos e contrapesos da legalidade democrática.
Não gostava dos partidos, nem do seu próprio. Tolerava-os com alguma irritação. Os auxiliares que escolheu não o representavam, embora fossem homens de partido; nem representavam unidades estaduais ou mesmo força regionais, embora a alguns deles não faltasse certo sabor federativo, quando não provinciano, no que coincidiam com o próprio Presidente que, se não gostou de Brasília, "cidade maldita", ignorou sempre o Rio de Janeiro.
Tudo nele era pessoal, despótico, até o acerto das escolhas. Foi o último dos Bragança no poder. Somava as qualidades e os defeitos de D. João VI, Pedro I, Pedro II. Até no estilo dos seus bilhetes, entre o imperial e o íntimo, como os de D. João VI e na malícia de certos comentários, desencantadamente ferinos, como os de D. Pedro II.
Com as massas ele se entendia. Prometia-lhes o Juízo Final e esperavam dele o Paraíso Terral.
Mas elas se sentiram traídas pelo condutor que se negava ao dever involuntário. E decompuseram-se, fugindo à ação coletiva de tipo heróico, para que não foram convocadas em solidões domésticas, onde o ímpeto revolucionário cedia lugar à perplexidade e à amargura e se dissolvia em conversas, vitupérios e lamentos, enquanto o Bem Amado partia para longe, e logo apontava no horizonte – que a política detesta o vácuo – o advento de João Goulart e da sua era.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
José Aparecido de Oliveira
 
Segundo José Aparecido de Oliveira, ex-secretário particular de Jânio Quadros:
"O que define bem o problema do Congresso é que, antes de conhecer o libelo do Sr. Carlos Lacerda contra o governo, reúne-se à madrugada para transformar-se em Comissão Geral de Inquérito, num Galeão às pressas e, em 24 horas vota a emenda parlamentarista e se compõe à roda do bolo administrativo, não chegando sequer a divergir na distribuição das fatias. A maioria parlamentar que se negou ao Presidente que o povo quis, se fez em benefício deles, num governo que o povo não elegeu."
Em 04/11/1961:
O ex-ministro do Trabalho, Castro Neves, jamais disse para o Deputado Herbert Levy que Jânio procurava manobrar simultaneamente com a direita e com a esquerda através de seus auxiliares de confiança. O ex-secretário particular, José Aparecido de Oliveira, endossa o desmentido feito pelo próprio Castro Neves e acentua:
"É claro que não pode ter dito, porque o próprio Herbert Levy revela, entre ingênuo e malicioso, um comportamento que seria divertido e inconseqüente. O governo não se poderia afirmar senão pela unidade na orientação do Presidente que, como todo o País reconhece, inclusive os adversários mais impiedosos, e só raros correligionários arrependidos nega, era o líder e o chefe da política do governo. Admito, é claro, que pudesse haver divergência de formação ideológica, intelectual entre os que participavam da obra comum. Ela, entretanto, não se condicionava às preferências ou opções pessoais de membros do governo, já que estavam definidas, em claros e inequívocos compromissos, nos documentos e na pregação da campanha, todos eles, aliás, reunidos na única mensagem encaminhada ao Congresso pelo ex-Presidente. Era um roteiro de trabalho, compromisso ideológico e a inflexível posição da política interna e externa frente ao desafio da nossa realidade."
 
Uma ligeira pausa e José Aparecido arremata enfático:
"Que tudo fez por cumpri-lo, até a renúncia, há de registrá-lo a História, que, de certo, não cuidará das pequenas intrigas políticas, das frustrações pessoais, dos interesses contrariados, dos que mal disfarçam os negócios que defendem."
 
Quanto às apontadas contradições internas do governo Jânio Quadros, apoiado num estrutura composta de forças reacionárias e progressistas, José Aparecido concorda:
"Realmente, houve contradição notória entre as forças políticas e militares que sustentaram o candidato e que resistiram ao programa de governo. Parece que esperavam de Jânio Quadros comportamento meramente de sedução eleitoral, quando pregava as reformas reclamadas pela Nação. Assim é que, apesar das reiteradas advertências de que não era um mero postulante de votos, no encalço do favor eleitoral, participaram da verdadeira conspiração comandada pelos interesses contrariados, tão logo o governo iniciou o processo das reformas na política externa e na estrutura de nossa vida econômica. Reformas como a lei que disciplina a remessa de lucros para o exterior, lei antitruste, reforma bancária, reforma agrária, reforma dos códigos e toda uma outra série de providências limitando privilégios e abusos que se incluem na realidade espoliativa externa e internamente do nosso esforço de emancipação e do desenvolvimento, encontraram o dispositivo de resistência articulado no Congresso e fora dele com a influente e decisiva participação da maioria das forças político-partidárias que formaram ao lado do Presidente na campanha eleitoral. É claro que há exceções, mas é claro também que o governo estava definitivamente inviável no quadro institucional. Não tinha instrumento válido de resistência contra a Câmara dos Deputados, como não tinha a solidariedade de setores facilmente identificáveis nas Forças Armadas. A conspiração já tinha alcançado os quartéis. Articulava-se – e essa informação foi confirmada ao Presidente pelo General Pedro Geraldo de Almeida, chefe da Casa Militar – simultaneamente à renúncia do Governador da Guanabara, a devolução de condecorações, sob o pretexto da distinção a "Che" Guevara. Eram altas patentes que, no gesto, afirmariam pela rebeldia e pela indisciplina a divergência que na crise já deteriorava a autoridade do Presidente."
 
"Foi nesse quadro que se processou a renúncia", diz José Aparecido. Jânio havia formulado solenemente perante o Congresso Nacional o seguinte juramento:
"Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República, observar as suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união, a integridade e independência". Percebe-se pelo painel descrito que já não havia condições para o cumprimento do compromisso. Ou o Presidente se tornava perjuro, ou apelava para as medidas de força entregando a bandeira da legalidade e da liberdade aos grupos que se contrapõem aos interesses populares que lhe eram, estes sim, compromissos do processo histórico que explicam a sua presença na vida pública do país."
 
Em entrevista a um repórter, Castro Neves, diz que a "renúncia purificou a presença de Jânio na vida política e marcou a sua esquerdização". Quando José Aparecido foi indagado sobre se essas são as perspectivas reais abertas para o ex-Presidente, ele diz:
"É uma realidade. Jânio Quadros é um líder popular. Nem ele pode contra a sua militante atuação nesse momento que vive o pais. O que há é que Jânio Quadros representa e isso não é apenas uma frase: as ansiedades, as esperanças e as reivindicações de multidões anônimas. Há um processo de definição na inquietadora conjuntura nacional. Todos percebem que a renúncia de Jânio representou a opção de um governante com 4 anos e meio de mandato a cumprir e aos 44 anos de idade para ficar fiel a um programa de conquistas. São as definidas pela nossa política exterior que inscreveu o Brasil no quadro das grandes potências mundiais. Restituiu-nos a dignidade há muito perdida. Trocamos a velha e pálida posição de satélite, a vexatória condição de acólito pela de nação cônscia de sua força e ciosa de sua soberania. Conquistas que se traduzem na luta contra as deformações, as contrafações, os vícios e os privilégios de um pequeno grupo que explorou o trabalho do povo e as riquezas da Nação. Programa que, como já o definiu Jânio, tem irrecusável cunho brasílico, isto é, só se condiciona aos nossos interesses nacionais."
 
O ex-secretário José Aparecido, ao ser indagado sobre o sentido da presença de Jânio Quadros no movimento para a renovação do Congresso, com sentido de esquerda, diz:
"Este é um movimento de união das forças populares, porque mais do que nunca a consciência brasileira foi despertada para a grave situação em que nos encontramos quando alguém, levado à Presidência da República por seis milhões de brasileiros, em campanha memorável, com força inédita na vida da República, viu-se forçado a renunciar, porque escravo de deveres conflitantes. O Presidente não podia contrapor-se à inércia e à má vontade da substancial maioria do congresso, sem violentar a lei. O povo, depois disso, só tem um instrumento de atuação e de defesa: a sua organização, a sua mobilização em torno de um programa que líderes em todo país elaboram. Essas idéia são exatamente as que construíram o conteúdo da memorável campanha e da experiência dos sete meses de governo. Daí a participação das forças janistas nesse esforço. Esse movimento, cuja meta será perseguida dentro da legalidade, será uma luta contra a força brutal dos apetites insofreáveis, das paixões insatisfeitas e de todos que representam interesses que se contrapõem aos da coletividade. A importância da encruzilhada presente está que ou resistiremos, mudamos e reformamos para subsistir como nação e povo livres poderemos ser surpreendidos pela insatisfação popular."
 
José Aparecido conclui:
"Jânio Quadros poderia ter continuado, se quisesse transigir, coonestar, pactuar com interesses ou então ensangüentar. Ou continuar apenas por continuar, sem fazer, sem cumprir, sem governar. Renunciou para que a nação soubesse, sentisse e avaliasse a enormidade do caos em que o país se encontrava. O encontro de Jânio com o povo brasileiro será muito mais breve do que supõem. As causas da crise e suas soluções, pela compreensão que revelarem os líderes políticos, indicarão o caminho. O que é certo é que o povo não concorda com o que aí está e está nas suas mãos modificar radicalmente a estrutura injusta, obsoleta que não permite servi-lo corretamente."
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Castilho Cabral ( meu conterrâneo da cidade de Novo-Horizonte/SP)
 
 
Os dirigentes do PSD tinham as assinaturas necessárias para a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para examinar as acusações do Governador da Guanabara – Carlos Lacerda – contra Jânio Quadros, convocando-o e chamando Oscar Pedroso Horta para prestar esclarecimentos. As linhas estavam traçadas entre Jânio e o PSD e Lacerda como um personagem poderoso. O Presidente da comissão seria José Maria Alkmim, que chefiou a comissão interna do PSD, criada por Paulo Pinheiro Chagas, para "examinar" o impeachment de Jânio Quadros na medida em que Executivo e Legislativo estavam insuportáveis. Jânio Quadros não tomou a iniciativa de renunciar e sim o Congresso com o impeachment.
Jânio Quadros percebendo a realidade dos fatos, antecipou ao Parlamento, surpreendendo a todos com sua renuncia a permitir que seu Ministro da Justiça fosse levado a sentar-se no banco de réu para ser humilhado ou atingido na sua autoridade.
Segundo Castilho Cabral, "Pedroso Horta não devia ser entregue o pedido de renúncia de Jânio" – acrescentando: "Faltou a Jânio um amigo naquela hora decisiva".
Havia conspiração em marcha contra Jânio.
Castilho Cabral procurou imediatamente entrar em contato com Jânio Quadros, ao tomar conhecimento da renúncia. Foi ao aeroporto de Congonhas e lá soube que o Viscount presidencial ali pousou para reabastecer e partiu "com rumo ignorado". Ao saber mais tarde que o avião descera em Cumbica, foi para lá, mas não conseguiu se avistar com o Presidente. À noite, em reunião da seção paulista do MPJQ, decidiram convocar comícios para o dia seguinte. O povo do Rio, São Paulo e Niterói seria convocado repetindo a campanha de novembro de 1959, todos pediriam para Jânio reconsiderar a sua decisão. Na manhã de sábado, dia 26, foi procurado Quintanilha Ribeiro para sabermos a verdade: se teria havido pressão militar para a renúncia de Jânio. O ex-chefe da casa Civil declarou firmemente que nenhuma pressão militar havia sofrido Jânio Quadros; pelo contrário, os ministros militares haviam feito apelos dramáticos ao Presidente para que não renunciasse. Em vista disso, mandamos desconvocar os comícios, pois que, no momento não tínhamos contra quem reagir. Fizemo-lo aqui em São Paulo e, em seguida, voamos para o Rio e lá retiramos das ruas os elementos do MPJQ, que já estavam tendo choques com a polícia de Carlos Lacerda na Cinelândia. Acredito não ter havido pressão militar "imediata" para a renúncia do Presidente Jânio Quadros. A expressão "imediata" é porque acredito que estava em curso uma vasta conspiração contra o Presidente.
Um questionamento sempre esteve presente: a renúncia poderia ter sido evitada? Segundo Castilho Cabral, o ex-ministro da Justiça deve ter tido razões próprias para fazer a entrega imediata do instrumento da renúncia ao Presidente do Congresso. Foi lamentável que ele não tivesse feito aquilo que qualquer um dos velhos amigos e companheiros de Jânio fariam: se não rasgar aquele papel, pelo menos retardar a sua entrega, dando tempo a que as forças janistas se pronunciassem. Considero muito suspeito o açodamento de Pedroso Horta em cumprir uma instrução sobre a qual tinha o dever de ouvir os demais ministros, os Governadores amigos e os líderes da campanha janista. O ex-ministro da Justiça, a cuja total incapacidade para a coordenação parlamentar e direção da política do governo, atribuo grande parte da catastrófica decisão daquele que encarnou as esperanças de milhões de brasileiros.
Castilho Cabral sempre acreditou firmemente na possibilidade do retorno de Jânio à vida pública e ao poder, dizia:
"Um dia há de dar as razões profundas de seu gesto dramático. Há de desvendar as "pressões externas e internas" que o levaram à renúncia. Tais sejam elas, poderão até provocar uma revolução. Confio no seu patriotismo e na sua reconhecida dedicação ao bem público. Gênio da capacitação eleitoral, não lhe será difícil, pelas vias democráticas, retornar com sucesso à vida pública e ao poder".
Sobre o Parlamentarismo dizia Castilho Cabral:
"Sou signatário do "Manifesto Parlamentarista" de 12 de março de 1946, encabeçado por José Augusto e Raul Pilla, embora com a ressalva que torne: expressa em discursos posteriores na Câmara. Sempre fui contrário à hipertrofia do Poder Executivo que o presidencialismo produz. Propus em 1951, ao Congresso Nacional, em subemenda à "Emenda Pilla", a adoção do "presidencialismo com válvula parlamentar" da Constituição cubana de 1940, como providência para conter os excessos do poder pessoal do Presidente da República. Evoluí definitivamente em 1955, para o "regime do governo colegial", vulgarmente conhecido por "colegiado". Nesse sentido propus ao Congresso Nacional em 9/11/55, a emenda constitucional n° 2/55, propugnando pela adoção do "Colegiado", o "colegiado brasileiro, pois que não copia nem o regime uruguaio, nem o suíço, nem o soviético, embora neles tenha colhido sugestões.
Essa Emenda Constitucional fica no Congresso e depende de parecer da Comissão Especial. Assinei a "Emenda Pilla", admitindo o parlamentarismo como etapa para o "colegiado", que acredito será o regime definitivo no Brasil, "antibiótico da corrupção e do golpe", como bem o definir o jornalista e Deputado Neiva Moreira.
O regime do Ato Adicional é o de um parlamentarismo capenga; mas como o processo evolutivo é o processo histórico do parlamentarismo, é de se manter a esperança de que o regime melhor se estruture. Por ora, é um "governo de assembléia", o pior de todos os regimes, de vez que, sem possibilidade de dissolução da Câmara, o Gabinete está a mercê dos caprichos de eventuais maiorias parlamentares. Assim mesmo, o regime do Ato Adicional é melhor do que o da hipertrofia do Executivo, do regime presidencialista."
 
Quanto ao custo de vida, Castilho Cabral, afirma que:
"A situação política e social atual tanto pode melhorar como agravar-se. Tudo depende da sabedoria dos dirigentes. Tanto João Goulart e Tancredo Neves, quanto o próprio Congresso, estão agindo com prudência e serenidade. O povo exige solução para os problemas nacionais. Há que agir com firmeza e rapidez, pois que a constante elevação do custo de vida poderá levar o país para situações perigosíssimas".
 
 
As “forças terríveis”
 
Jânio Quadros deixou um vácuo e muita gente quer e se diz capaz de ocupar esse vácuo. Mas os pretendentes à vaga estarão eles realmente em condições de substituir o Presidente renunciante – não apenas a pessoa física do Presidente, mas o que ele representava como reformulação e revolução política? É preciso lembrar àqueles pretendentes que os milhões de eleitores que elegeram Jânio Quadros, não o fizeram por amor ao seu bigode ou ao seu olho torto. Coincidiu apenas que o dono do olho enviesado era também o dono de um programa que prometia dar a este país a consciência adulta que os governantes até então lhe negaram. Maturidade e independência no diálogo internacional, com o abandono do falsete e da ventriloquia; e, no plano interno, a luta contra os privilégios descabidos e perversos, as injustiças cegas e teimosas. Depois de 38 anos, o discurso continua o mesmo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, discutindo as principais reformas pretendidas por Jânio em 1961, afinal, a história se repete.
O programa de Jânio Quadros, a sua decisão em levá-lo adiante de qualquer maneira, foi a sua sentença, portanto, sua perdição. Não podiam acreditar os caciques da vida pública nacional, fardados e à paisana, que era para ser cumprido mesmo o que prometia Jânio Quadros, quando era candidato à presidência. E quando viram que o Presidente não pretendia passar o candidato a limpo, armaram a odiosa conjuração e derrubaram o Presidente Jânio Quadros, quando ele começava a contrariar interesses e privilégios. Nessa vilania se resumiu o "patriotismo" comandado pelos Srs. Denys, Heck e Moss.
O presidente Fernando Henrique Cardoso está disposto a correr os mesmos riscos, a enfrentar, com a mesma bravura, as "forças" que Jânio Quadros enfrentou. Gostaria, ainda, de perguntar ao presidente FHC, se a retomada da revolução que Jânio iniciou? A luta de Jânio foi a de um franco-atirador. Não a de um franco-atirador "niilista", descrente das soluções, mas a de quem sabia não contar com o apoio "desinteressado", vindo de partidos ou grupos, para o que ele pregava ou propunha. Daí a sua solidão. Só o povo lhe havia dado carta branca. Jânio Quadros está vivo. Vivas as suas idéias – tão vivas, tão estranhadas na consciência do povo que o atual governo, híbrido e confuso, delas não se pode livrar sem o risco de perecer.
Entenda as "forças terríveis", segundo Jânio Quadros:
"Os Estados Unidos precisam compreender que hoje enfrentam um desafio do mundo socialista. O mundo ocidental precisa mostrar e provar que é somente o planejamento comunista que promove a prosperidade das economias nacionais. O planejamento democrático precisa também fazer o mesmo, com a assistência dos que são economicamente capazes".
 
"Que solidariedade pode existir entre uma ação próspera e um povo desgraçado? Que ideais comuns podem, no curso do tempo, suportar a comparação entre as áreas ricas, cultivadas, dos Estados Unidos e as zonas assoladas pela fome no Nordeste do Brasil?"
 
"Não estamos em posição de permitir a liberdade de ação de forças econômicas em nosso território, simplesmente porque essas forças, controladas ao exterior, fazem o seu próprio jogo e não o de nosso país. O governo brasileiro não tem preconceitos contra o capital estrangeiro – longe disso. Estamos em grande necessidade da sua ajuda. A única condição é que a nacionalização gradual dos lucros seja aceita, pois de outro modo eles não são mais um elemento de progresso, mas tornam-se apenas uma sanguessuga, alimentando-se do nosso esforço nacional. Saibam que o Estado, no Brasil, não entregará esses controles, que beneficiarão nossa economia ao canalizar e assegurar a eficiência do nosso progresso."
"A questão de Cuba, ainda dramaticamente presente, nos convenceu, de uma vez por todas, da natureza da crise continental. Ao defender com intransigência a soberania de Cuba contra interpretações de um fato histórico que não pode ser controlado "a posteriori", acreditamos ajudar a despertar o Continente para a verdadeira noção das suas responsabilidades. Defendemos nossa posição a respeito de Cuba, com todas as suas implicações."
 
"Meu país tem poucas obrigações internacionais: estamos presos apenas a pactos e tratados de assistência continental, que nos obrigam à solidariedade com qualquer membro do hemisfério que possa se tornar vítima da agressão extracontinental. Não assinamos tratados da natureza da OTAN e não estamos absolutamente forçados de maneira formal a intervir na guerra fria entre Oriente e Ocidente."
 
"O Brasil , por má interpretação ou distorção do seu bom senso político, levou vários anos sem contatos regulares com as nações do bloco comunista, a ponto mesmo, de ter apenas relações comerciais indiretas e insuficientes com elas. Como parte do programa do meu governo, decidi examinar a possibilidade de reatar relações com a Romênia, Hungria, Bulgária e Albânia; essas já foram agora estabelecidas. Negociações para o reatamento de relações com a União Soviética estão em progresso e uma missão oficial brasileira vai à China para estudar as possibilidades de trocas. Em consonância com essa revisão de nossa política externa, meu país, como é sabido, decidiu votar a favor da inclusão na agenda da Assembléia Geral das Nações Unidas da questão da representação da China."
 
Eis algumas idéias de Jânio Quadros que selaram a sorte de seu governo. Não é difícil adivinhar que as "forças terríveis" se conjuraram para a derrubada dessas idéias e do seu defensor. O defensor foi obrigado a renunciar. E às idéias.
As idéias de Jânio Quadros não acabaram, continuam mais vivas do que nunca com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As principais reformas propostas por Jânio em 1961 estão sendo analisadas com 38 anos de atraso. E as "forças" continuam no poder. Quem viver verá.
Jânio PRESIDENTE DA REPÚBLICA À RENÚNCIA
 
Foram exatos 6 meses e 25 dias de governo. Eleito com 5.636.623 votos, um recorde na história do País, o candidato da coligação UDN – PTN – PDC – PL – PR que havia assumido a presidência da República no dia 31 de janeiro de 1961, aos 44 anos de idade, não conseguiu fazer o Congresso, dominado pelo PSD e pelo PTB, aprovar as ambiciosas reformas que prometia. Jânio Quadros renunciou no dia 25 de agosto de 1961, denunciando a existência de “forças terríveis” que o impediram de fazer o governo revolucionário que prometera à Nação. Versões de políticos e historiadores, no entanto, atribuem seu gesto a uma tentativa fracassada de golpe de Estado, em que o Congresso – que lhe fazia oposição – seria fechado e ele voltaria para um governo ditatorial, com apoio dos militares.
Políticos que com ele conviveram classificam o episódio da renúncia apenas como um exemplo a mais, embora extremo, do próprio estilo do ex-presidente – excessivamente personalista, temperamental, marcado por gestos impulsivos, imprevisíveis e nem sempre coerentes, mas que sempre produziram efeitos perturbadores, até para seus aliados.
Quando assumiu a presidência, Jânio, mato-grossense de Campo Grande, a economia do país – ainda impulsionada pelo programa desenvolvimentista do governo anterior, Juscelino Kubitschek – apresentava uma taxa anual de crescimento de 7%, mas exigia algumas medidas severas que contivessem os gastos públicos, freassem a inflação (que na época nunca atingiu os dois dígitos) e diminuíssem o déficit na balança comercial.
Nos primeiros meses, adotando uma política interna conservadora, ele limitou-se a uma série de pequenas medidas de impacto atreladas à promessa de saneamento moral feita em campanha. Proibiu as brigas de galo, desfiles de misses com maiôs cavados e o uso de lança-perfume e instituiu comissões de sindicância para moralizar alguns órgãos públicos. Mas foi a sua política externa independente e aberta “para segurar as esquerdas”, como explicaria mais tarde, que teria desgostado profundamente os setores mais conservadores, inclusive aqueles que o tinham apoiado, dentro e fora do País.
Ele negou-se, por exemplo, a apoiar a invasão dos Estados Unidos em Cuba, dizendo-se contra qualquer ação intervencionista, restabeleceu relações diplomáticas com os países do bloco socialista e, para completar, recebeu no Planalto, no dia 19 de agosto, o ministro da Economia de Cuba, Ernesto Che Guevara, a quem condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul.
A REAÇÃO DE LACERDA
 
Em represália, o governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN), homenageou no dia seguinte o líder anticastrista Antônio Verona, com a “chave” do Rio. No dia 23 de agosto, Lacerda foi chamado para uma conversa amistosa em Brasília, mas a viagem só serviu para piorar tudo.
De volta ao Rio, na noite de 24 de agosto, o governador fez um pronunciamento na televisão, denunciando um golpe de Estado. O então ministro da Justiça, Pedroso Horta, teria transmitido a ele a intenção do presidente de promover uma reforma na Constituição, com o fechamento temporário do Congresso e o reforço do Poder Executivo. O Congresso reuniu-se às pressas e, ainda na madrugada, passou a convocar membros do governo, entre eles o ministro da Justiça.
No dia seguinte, Jânio entregou a carta de renúncia, depois de participar das festividades do Dia do Soldado. Horas depois, o Congresso empossou na presidência o então presidente da Câmara, Ranieri Mazzili, pois o vice-presidente João Goulart estava em viagem à China. De Brasília, Jânio desceu na Base Aérea de Cumbica e dali seguiu de carro para o Guarujá, onde ficou mais três dias, e depois embarcou de navio para uma viagem internacional.
Segundo o então secretário de Imprensa de Jânio, Carlos Castello Branco, Jânio teria dito no desembarque em Cumbica que dentro de três meses o povo o levaria de volta ao poder.
A denúncia deflagrou uma grave crise política no País, porque o vice João Goulart, que foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e havia sido eleito pelas esquerdas, encontrava forte resistência entre os militares. As primeiras tentativas de evitar a crise foram no sentido de dissuadir Jânio em sua renúncia. Líderes políticos e alguns governadores, como os de Minas (Magalhães Pinto), São Paulo (Carvalho Pinto), Paraná (Ney Braga) e Goiás (Mauro Borges) foram às pressas para Cumbica, mas não conseguiram convencer o presidente a mudar de idéia.
 
 
O MANIFESTO MILITAR
 
No dia 30, os militares lançaram um manifesto alertando para os riscos que a posse de Jango traria, aumentando o clima de tensão. Diante do impasse, que ameaçava se transformar numa guerra civil, a saída encontrada pelo Congresso foi reformar a Constituição, alterando o regime político para parlamentarista. Jango finalmente assumiu e, depois de alguns meses, restabeleceu o presidencialismo através de plebiscito. Mas não consegui levar o seu mandato até o fim. O golpe de estado, que segundo políticos e historiadores quase trouxe Jânio de volta, com poderes excepcionais, acabaria acontecendo três meses mais tarde, só que encabeçado pelos próprios militares, e duraria 21 anos.
 
 
O MISTÉRIO CONTINUA
 
Até hoje a renúncia de Jânio – que ainda se elegeria prefeito, em 1985, para depois encerrar a carreira política – não foi bem esclarecida. Numa de suas várias entrevistas, ele afirmou:
“- A minha renúncia é mais límpida que a do proclamador da República, Deodoro da Fonseca, que renunciou à presidência a favor de Floriano Peixoto. A minha renúncia tem a altura da de Rui Barbosa, quando deixou o Senado Federal e, possivelmente, da de Getúlio Vargas, quando deixou a vida.”
Maquiavélico ?
 
A renúncia tem sido objeto de interpretações as mais controversas segundo perspectivas as mais variadas: desde as de tipo psicologizante Jânio Quadros, um instável e emocional, exasperado ante as resistências, preferiu capitular; Jânio Quadros, provinciano e desaparelhado, tomava consciência de sua incapacidade; Jânio Quadros, pusilânime e timorato, abandonava o barco antes que o afundassem; passando pelas de tipo condicionante - Brasília, a isolada e isolante, era a fonte da ingovernabilidade do País ao mesmo tempo que causa da emocionalidade dos dirigentes -, até as do tipo maquiavélico – Jânio Quadros, em verdade, como de duas vezes anteriores, manobrava com o espectro da renúncia para poder retornar, na crista da onda da reação popular, com a soma de poderes sem os quais não via a possibilidade de gerir o país, poderes que o sagrariam como ditador.
A mente humana comporta, mesmo quando obsessivamente a povoa uma linha mestra de raciocínio, concomitâncias emocionais ou fantasias periféricas e paralelas. Tudo pode ter passado pela mente do homem em quem, num dado momento, seis milhões de eleitores haviam depositado sua confiança e um sistema de lei deferira, nominalmente, uma soma definida, mas enorme, de poderes.
Dentro dessas coordenadas, Jânio Quadros procurou corresponder a si mesmo, correspondendo ao que presumia ser a expressão da vontade popular e ao mandato que recebera.
No curto lapso de tempo em que presidiu o país, transitou, rapidamente, de medidas esparsas moralizantes, para os lineamentos de um conjunto de providências que se afeiçoariam num corpo conseqüente que deveria desembocar em sucessivas medidas de reforma estrutural.
Já se compenetrara ele de que não podia haver dicotomia entre o plano externo e o interno. E o arcaico era o interno. O Brasil se apresentava como uma Sociedade em plena expansão demográfica, cujo modelo subdesenvolvido cumpria superar: uma taxa de incremento do produto nacional bruto que, em momentos áureos, não superara a média de 5%; e, verossimilmente, uma taxa de incremento da riqueza dos ricos superior à dos pobres, de tal modo que, não obstante o potencial incremento global per capita, na prática os ricos tendiam a ser mais ricos e os pobres mais pobres. A saída ou seria catastrófica ou, para evitá-la, cumpria dirigir no interesse nacional algumas dessas tenências. Uma das formas de dinamização nacional deveria ser pela tomada de consciência da problemática. Através do debate do foro internacional far-se-ia, porque apaixonadamente conspícuo, a educação política coletiva, pois um dos maiores males dos brasileiros do comum como sobretudo das chamadas elites, era a ignorância geral do que se passava no grande mundo, o que lhes fazia supor sermos uma grande nação, quando éramos, em verdade, uma nação que tendia a quantificar-se, pauperizando-se e multiplicando-se em problemas sociais cada vez mais graves.
As resistências que encontrou – precisamente a mesmas para as quais não estava aparelhado, porque não chegara à Presidência como expressão de forças sociais coerentes corporificadas numa doutrina ou plano de ação global - lhe ofereceram sempre uma oportunidade: é que seu governo dicotômico, no plano interno oferecia as perspectivas de superar a inflação galopante que tendia a instituir-se no país: o próprio Fundo Monetário Internacional e os mais influentes órgãos das finanças capitalistas internacionais viam equilíbrio na sua gestão da vida financeira nacional. Sob tal aspecto, essas resistências não se manifestariam, porque poderiam compadecer-se com o seu governo. Faltar-lhe-ia, tão só, um ato de acomodamento: que se acomodasse nas suas veleidades com relação à política externa; que se comportasse nas suas intenções de olhar para as grandes massas populares; que planejasse, para o futuro, as chamadas reformas estruturais, quando o país, naturalmente, viesse a poder recebê-las. Ora, precisamente o futuro era o sombrio para Jânio Quadros. O presente era, se enfrentado com coragem, decisão e urgência, exatamente o componente que iria permitir à nação ter um futuro diferente daquele para o qual, "naturalmente", se estava encaminhando.
Já então, em verdade, se compenetrara Jânio Quadros de que lavrava uma fundamental contradição no sistema institucional: de um lado, havia o curso à Presidência da República, de outro lado, a organização do poder legislativo expressa pelos partidos políticos. Presidente da República, que aspirasse ser efetivamente vinculado a seu povo. Tinha que necessariamente dirigir-se, em verdadeiro plebiscito, a esse mesmo povo, acima dos partidos, fragmentados por sua impotência de galvanizar as grandes necessidades políticas e sociais, e por isso mesmo destituídos de programação. Em contato com o povo, o Presidente da República tendia a prometer-lhe aquilo que eram as mais profundas aspirações populares, promessa, entretanto, que se frustrava. É que, enquanto a eleição presidencial era plebiscitária, universal, direta e secreta, ainda que viciada pelo chamado poder econômico, paralelamente o Poder Legislativo se pulverizava na representação do voto proporcional partidário, carente de programação nacional. Nessas condições, quando impossado, se o Presidente quisesse propor legislação reformista profunda, encontraria, fatalmente, um Legislativo subdividido em partidos teoricamente nacionais, na prática multiplicados ou esfarinhados nas suas expressões regionais, estaduais ou municipais - em que timbrariam as reivindicações de tipo personalista.
O vício politicamente, era estrutural. Seria para vencê-lo, mister uma grande modificação no próprio sistema do poder. E o ideal, a seu ver, então, no Ocidente Moderno, era representado pela Constituição Francesa arrancada aos franceses pelo Presidente De Gaulle, modelo que iria permitir, no Brasil, que a mesma força popular que consagrasse um Presidente da República elegesse também a maioria parlamentar que o acompanhasse nas reformas estruturais.
A aspiração era, em princípio, legítima; mas a impotência de realizá-la era óbvia.
Nessa altura, Jânio Quadros não viu como malograr nos seus objetivos, ainda que com sacrifício próprio. Posto em movimento o esquema, compenetrados e ajustados os ministros militares quanto a esse objetivo essencial, a sua consecução não poderia falhar.
Seu raciocínio foi o seguinte: primeiro operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório - visto que a João Goulart, distante na China, não permitiram, as forças militares, a posse e, destarte, ficaria o País acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula em conseqüência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele, as Forças Armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em conseqüência, depois, a um outro cidadão – escolhido por qualquer via – presidir ao país sob novo esquema viável e operativo: como, em tudo, o que importava era a reforma institucional, não o indivíduo ou os indivíduos que a promovessem, sacrificando-se ele ou não se sacrificando, o essencial iria ser atingido.
O plano porém, falhou exatamente na vacilação dos chefes militares.
João Goulart, compadecendo-se com a reforma parlamentarista, desfez, talvez sem sabê-lo, todo o plano concertado.
De tudo, dois saldos negativos ficariam a pesar no futuro: primeiro, o País continuaria inviável como sistema de poder, incapaz de promover por via pacífica as reformas de que necessitava; segundo, já agora era certo de que o centro do poder se deslocara, por um longo período, para a alçada militar – que esperaria maior ou menor tempo mas viria à tona como a só alternativa para aquela inviabilidade.
A renúncia foi, assim, expressão de uma coerência de tipo heróico, no sentido carlyliano; Jânio Quadros acreditou que os destinos nacionais num dado momento dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal.
Faltou-lhe, porque disso não proviera, o sistema de forças políticas que o amparassem nessa direção.
Faltou-lhe, porque não quis trair a própria imagem, a vontade de querer continuar a ser Presidente, ao preço de acomodação.
Para ele, dirá sempre, a política não é a arte do possível, se o possível é condicionado pelo caduco; é, sim, a arte do possível dentro das necessidades globais – algumas das quais estavam chamando por urgentes decisões, que o sistema de forças vigentes rejeitava.
 
Em um regime presidencialista, o Presidente dispõe de uma soma enorme de poderes, mas lhe falta um,o essencial: não pode dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Ao tomar posse, Jânio Quadros encontrou um Congresso eleito em 1958, que não representava a nova realidade política, mas cujo mandato só se venceria dali a dois anos.
Nesse longo período, era mister recompor suas bases parlamentares, cozinhando os projetos a fogo brando até que novas eleições lhe dessem maioria efetiva, com a qual pudesse realizar seus propósitos. Seriam dois anos cuidando de problemas menores ou de consenso, sobrando os três últimos anos para atacar questões mais graves e polêmicas, já com a Câmara totalmente renovada e com o Senado parcialmente modificado. Não quis esperar, intrigou-se com a oposição e, pior ainda, conseguiu indispor-se até com alguns de seus próprios correligionários, acrescentando novos adversários ao governo, como se ainda estivesse precisando de mais inimigos.
Jânio esteve no poder por exatos 206 dias. Nunca se conseguiu precisar as causas de sua renúncia. É um quebra-cabeças no qual sempre ficam faltando peças. Qualquer explicação que se dê é insatisfatória. Mas a falta de base parlamentar – ele mesmo o reconheceu trinta anos depois – foi um motivo forte para obstar-lhe os passos, impedindo-o de governar.
Na formação de seu ministério, Jânio Quadros procurou contemplar os partidos que o apoiaram, mas não teve dúvidas em buscar nomes em outros setores de liderança. Alguns já haviam colaborado com ele no governo do Estado de São Paulo. Um outro, Clemente Mariani, tinha sua filha casada com o filho de Carlos Lacerda. Alguns tinham entre si divergências irreconciliáveis. O resultado final foi um verdadeiro balaio de gatos.
Um banho de marketing!
Após uma campanha eleitoral que trazia como tema principal a renovação de costumes, o Presidente recém empossado sentiu-se na necessidade de mostrar a que veio e, já no segundo dia de governo, instaurou cinco comissões para fazer sindicância no IBGE, na COFAP (órgão controlador de preços) e em três outras instituições. Nas semanas que se seguiram, foram criadas outras 28 comissões de sindicância, uma autêntica banda de música, que tocou bonito mas sem chegar a um resultado mais concreto.
Em atos seguintes, mandou recolher revistas para adultos, proibiu corridas de cavalos em dias úteis, o funcionamento de rinhas para "brigas de galos", o uso de maiôs cavados em concursos, os espetáculos de hipnotismo, o uso de lança-perfumes no Carnaval, a propaganda em salas de cinema, regulamentou a participação de menores em programas de rádio e televisão, extinguiu funções de adidos militares em representações diplomáticas, etc.
Jânio Quadros tinha uma aversão profunda pela classe política e, embora em desvantagem no Congresso, sobretudo na Câmara Federal, nada fez para melhorar sua base de apoio. Ao contrário, ao invés de negociar com parlamentares, trazendo-os para o seu redil, como fazia JK, preferiu tratar de assuntos administrativos diretamente com os governadores de Estado, criando um governo itinerante, à semelhança do que já tivera quando prefeito da capital paulista e, depois, como governador do Estado de São Paulo.
Independente dos interesses pessoais de deputados e senadores, por vezes compreensíveis, por outras censuráveis, renasce, cristalina, a afirmativa de que em uma democracia, não é possível governar sem contar com o apoio das forças políticas; o isolamento do Congresso, como contra-partida, o isolamento do presidente da República. São poderes harmônicos, que não conseguem sobreviver um sem o outro.
Em 19 de agosto, Che Guevara é recebido por Jânio Quadros em Brasília, o qual aproveita a ocasião para atender um pedido do núncio apostólico, monsenhor Lombardi, para interferir na libertação de 20 padres espanhóis, presos em Cuba.
No caso dos padres, Guevara concorda com a libertação, avisando, entretanto que, dentro das regras cubanas, eles serão em seguida expulsos para a Espanha. Jânio manifesta sua opinião de que a expulsão é um assunto interno de Cuba, que só a ela cabe resolver. O Brasil defende a libertação e com esse ato considera o pedido satisfeito.
Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira trocou de legenda sucessivamente. Renunciando a todos os cargos do Legislativo e Executivo, no mesmo estilo de carta de renúncia que imprimiu sua marca pessoal.
Jânio Quadros tinha o estigma da renúncia e foi um ato teatral. Oscar Pedroso Horta (Ministro da Justiça) traiu Jânio Quadros, quando não rasgou ou pelo menos não retardou a entrega do documento da renúncia. A renúncia de Jânio Quadros foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.
Antes de ser presidente, governador, deputado estadual, deputado federal, prefeito ou vereador, Jânio é professor de português e advogado. Sabe, então, e não esquece, que há em cada palavra ou gesto uma força oculta, capaz de ser desencadeada a um mágico toque. Talvez por isso, ele mesmo faça seus artigos e discursos mais importantes, dispensando zelosamente a colaboração de secretários.
É inegável que tanto Jânio quanto Horta pisaram em Brasília, território inteiramente desconhecido. O ex-presidente fez uma carreira política exclusivamente baseada em São Paulo – mesmo no curto período como deputado federal – eleito pelo Paraná, de 1958 a 1960, jamais freqüentou o Congresso Nacional. E também não conhecia a mecânica do poder na capital da República.
Nos primeiros dias de trabalho no Palácio do Planalto, Jânio espanta todo mundo, ordenando a um general que lhe traga cafezinho. Quanto a Horta, não tem experiência política, é um advogado bem sucedido em São Paulo.
Oscar Pedroso Horta, com tais antecedentes, não é de estranhar que se mostre tão ineficiente na articulação do golpe gaullista. Por orientação expressa do presidente, na madrugada do dia 19 de agosto, em Brasília, Horta expõe a idéia do ”golpe branco” a Carlos Lacerda, que tem a fama de "macaco em loja de louça" e é, para qualquer articulador mais hábil, a última pessoa a quem se pode confiar um segredo, regadas a uísque escocês. Resultado: Lacerda regressa ao Rio e espalha a notícia. Espalha, falando contra. Dá sua opinião a todo o País, em cadeia nacional de televisão, na noite de 24 de agosto de 1961.
O cálculo de Jânio parece simples e inevitável. Jânio toma o cuidado de pedir aos chefes militares e aos governadores que guardem total segredo sobre a ”renúncia” acalentada pelo presidente desde o dia 20 de agosto.
Está selado: Jânio é um ex-presidente, por inexperiência de seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta.
”Ah, Doutor Lembo! Nesse episódio, o que me faltou foi um ministro da Justiça. O meu não foi feliz.”
Jânio faz este comentário sobre a renúncia à Cláudio Lembo que crucifica Oscar Pedroso Horta. Está selado e a história do País acaba de virar mais uma página.
 
A história lhe fez justiça.
O ex-presidente foi sempre um incompreendido: não só da parte de políticos despidos de princípios, mas também de poetas, talvez contaminados pela calúnia, incapazes de entender o correto significado da sua renúncia.
O vigoroso exemplo de Jânio Quadros há de ficar como uma das mais expressivas páginas da história política do Brasil.
Sua renúncia em 25 de agosto de 1961 traz indagações até hoje. Teria renunciado num ímpeto emocional? Teria sido uma manobra frustrada, com a finalidade de fortalecer-se? Talvez um momento de desequilíbrio mental? Ou mera deserção? Ou pior: covardia?
O povo ouviu dos profissionais da política respostas afirmativas a todas essas indagações. Jânio deixou o poder não por covardia ou por não desejar lutar. Deixou a direção do País por não querer sacrificar o povo.
Políticos ao longo dos anos têm usado frases prontas: “O Brasil precisa de uma reforma de base!”. Foi justamente essa mesma reforma de base que provocou a renúncia de Jânio Quadros. Ela talvez começasse a ter sentido a partir do seu segundo ano de governo – governo que, diga-se de passagem, tinha um objetivo altamente democrático. Jânio Quadros, na verdade, fez a pregação da democracia durante a sua prodigiosa carreira política.
Provocar um golpe? Revolução? O povo brasileiro não estava preparado para suportar uma revolução, sacrificando-se, derramando seu sangue. Golpe era o caminho da violência e isso não era, efetivamente, o que o presidente desejava, pois, em 1961, perante o Congresso Nacional, havia formulado o juramento sagrado de promover o bem-estar geral do País e de fazer cumprir e respeitar a sua Constituição e as suas leis.
De acordo com as palavras do próprio Jânio: “- Antes que se lhe pudesse irrogar a afronta de supor que, para ficar, ficar para ficar, ficar para desfrutar, ficar traindo as promessas do candidato, ficar por vaidade, ficar por orgulho, ficar por amor próprio, não corresponder àquilo que lhes jurara”, ele preferiu renunciar.
Muita gente, até mesmo amigos e companheiros, indagam até hoje por que os seus auxiliares diretos, especialmente Quintanilha Ribeiro e Pedroso Horta não evitaram o encaminhamento do ofício formalizando a renúncia junto ao Congresso Nacional, poupando a divulgação da carta-renúncia.
No entanto, a firmeza do presidente, que era uma de suas características mais marcantes, exigia dos seus auxiliares mais do que aquele natural respeito. Não havia, pois, que contestar as suas ordens. Era cumpri-las e cumpri-las bem. Ainda que com o coração despedaçado.
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio chegou cedo ao palácio do Planalto, calmo, sorridente, elegante – iria participar da cerimônia do Dia do Soldado. Ingressou no seu gabinete de trabalho, chamou sua secretária particular e solicitou um exemplar da Constituição Federal. Convocou em seguida o chefe do Gabinete Civil, o ministro da Justiça, seu secretário particular e o chefe do Gabinete Militar. Após uma longa conferência, todos eles saíram demonstrando intensa preocupação.
Mais tarde, Jânio compareceu à cerimônia militar do Dia do Soldado, portando-se com garbo e altivez, revistando as tropas, cumprindo o seu dever. Retornando ao seu gabinete, chamou seus ministros militares, dizendo-lhes que renunciaria:
“- Não nasci presidente da República. Nasci, sim, com a minha consciência. É a esta que devo atender e respeitar. Ela me diz que a melhor forma que tenho agora, para servir o povo e a Pátria, é a minha renúncia.”
Os ministros militares apelaram para que o presidente não renunciasse, mas ele estendeu-lhes a mão:
“- Minha última instrução, senhores ministros, é que mantenham a ordem em todo o País. Tomem suas providências.”
A despedida entre Jânio Quadros e os seus auxiliares de gabinete imediatos foi comovente:
“- Até logo, meu amigo. Muito obrigado. Perdoe-me...”
enquanto providências eram tomadas para o encaminhamento da carta-renúncia, Jânio foi para o Aeroporto Militar de Brasília, seguindo para a Base Militar de Cumbica, em São Paulo. Oficialmente, só às três horas da tarde o chefe do Gabinete Civil reuniu todo o Gabinete para comunicar o fato.
Foi um momento emocionante.
Em suas horas a equipe de Jânio Quadros deixou o Palácio do Planalto pronto para receber o novo governo, mostrando mais uma vez a eficiência da sua administração.
Na manhã de 25 de agosto de 1961, o presidente exarou seis derradeiros despachos do próprio punho. Dois foram dirigidos ao Serviço de Imprensa, determinando a divulgação de dois telegramas de Aldebaro Klantan, comunicando o início das atividades de dois técnicos enviados pelo ministério da Agricultura ao Gabinete da Presidência.
O terceiro foi para o Gabinete Civil, determinando a expedição de um decreto estabelecendo normas de entrosamento do Conselho Nacional de Cultura e do Conselho de Telecomunicações.
O quarto despacho determinava o arquivamento de telegrama do Executivo Municipal de Ubaíra, aplaudindo o plano de transferência da sede da Petrobrás para a cidade de Salvador.
O quinto autorizava a Caixa Econômica Federal do Paraná a conceder um empréstimo à Prefeitura Municipal de Marialva para a construção de pontes destruídas por enchentes.
O sexto e último despacho do presidente Jânio Quadros referia-se à representação a sugestões que deveriam ser analisadas pela reunião a ser realizada naquele mesmo dia, à tarde, com representantes da Comissão de Assuntos para a Agricultura, do Grupo de Coordenação dos Transportes e da Superintendência de Armazéns e Silos.
Com a renúncia, perdeu o Brasil a grande oportunidade de vir a ser realmente uma Nação com o direito de falar de igual para igual com outros países desenvolvidos.
Jânio foi, em suma, um patriota corajoso, um homem que muito fez pela sua Pátria, que a amou e sonhou, um dia, torna-la feliz, respeitada, rica e forte, transformando-a em um lugar onde seus cidadãos pudessem trabalhar em paz e com os olhos voltados para o bem da humanidade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em Jânio da Silva Quadros, a comunicação leva a intensidade da situação a extremos: facilita a catarse se a intensidade for baixa, e precipita a crise se a intensidade for elevada.
A sua contradição que consiste em atribuir à comunicação, como se faz freqüentemente, os efeitos tanto de produzir quanto de reduzir a tensão, resolve-se especificando a situação na qual a comunicação funciona. Conforme a proposição precedente, a comunicação jamais é uma fonte auto-suficiente de ansiedade ou de segurança, mas pode contribuir para qualquer uma das duas em condições apropriadas. O “faça-se” do agitador não provoca a crise, mas uma pressão preexistente para a ação pode ser exacerbada, mesmo até o ponto da violência, pela manipulação de símbolos. Ao contrário, se a situação inicial envolve apenas tensões menores, a agitação e o descontentamento difusos podem encontrar expressão adequada nos símbolos apenas com uma reação exteriorizada mínima.
Será necessária mais comunicação quanto mais heterogêneo for o público cuja opinião deve ser controlada, e quanto mais a opinião desejada se desviar das perspectivas estabelecidas. Assim, as fases iniciais de um regime revolucionário sempre envolvem uma quantidade enorme de comunicação. Técnicas de comunicação são relevantes em termos de fatores tais como o tamanho do público e a facilidade com a qual a sua atenção pode ser chamada para a comunicação. Diversas características culturais que determinam os métodos de comunicação também têm conseqüências sobre a magnitude da comunicação. Atitudes com relação à linguagem verbal e não verbal podem ignorar uma exagerada freqüência e multiplicidade da manipulação de símbolos, ou, ao contrário, espera-la como uma medida da honestidade do propósito ou da fidedignidade do compromisso. Em geral, qualquer grande e rápida mudança social será acompanhada de uma comunicação considerável, daí a sua extensão na sociedade moderna.
A magnitude da comunicação, nesta hipótese, não é uma função da ditadura ou da democracia, isto é, do caráter dos relacionamentos e das práticas de poder – exceto na medida em que estes afetam fatores tais como os acima mencionados. A diferença significativa entre a comunicação destes padrões políticos não se refere à quantidade, mas à variedade e ao apelo a interesses válidos ou meramente supostos.
Jânio, um mito político, é o padrão dos símbolos políticos básicos eu têm na sociedade brasileira.
Os símbolos básicos são aqueles que têm conseqüências para a estrutura social, e não apenas para alguma relação ou prática de poder particular. Eles formulam as perspectivas mais gerais referentes a relações interpessoais na sociedade, e é nestas perspectivas que se reage a fatos de poder específicos. O mito político consiste nas perspectivas políticas mais firmemente aceitas, quer sejam de fato verdadeiras, quer falsas – são consideradas verdadeiras pela massa do mundo com tal confiança que praticamente não aparentam ter o caráter de suposições.
O mito político compreende essas “suposições fundamentais” sobre assuntos políticos. Consiste nos símbolos invocados não apenas para explicar práticas de poder específicas como também para justifica-las.
O termo “mito” não deve ser interpretado como atribuindo necessariamente um caráter fictício, falso ou irracional aos símbolos. Como antes, caracterizamos os símbolos em termos de seu funcionamento, e não diretamente pelas suas propriedades.
Os símbolos de sentimento e de identificação do mito político Jânio. São aqueles cuja função é provocar admiração e entusiasmo, estabelecendo e fortalecendo credos e lealdades. Eles não só provocam emoções satisfatórias para a estrutura social, como também aumentam a consciência de que estas emoções são compartilhadas por outros, promovendo desta forma, identificação mútua a propiciando uma base para a solidariedade.
O emblema (vassoura) ou slogan (Jânio vem aí) não só chama a atenção de um indivíduo que o vê ou o ouve para o objeto ou fato que simboliza, e desperta neles certos sentimentos; também fixa a sua atenção sobre os sentimentos que provoca e sobre a conduta que incita nos outros. As emoções e a conduta dos outros, das quais toma conhecimento, começam imediatamente a agir sobre ele próprio como uma influência que se perde como o efeito original do emblema ou slogan.
Certos símbolos tendem a ficar intimamente associados com a possessão e o exercício da autoridade, e freqüentemente a possessão do símbolo é em si suficiente para induzir respeito à autoridade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em Jânio da Silva Quadros: as linguagens verbal e não verbal são um campo minado por ideologias e pelo poder.
A função central da linguagem não é a expressão, mas a comunicação.
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas – é verdade que das mais importantes, da comunicação verbal. Mas pode-se compreender a linguagem “diálogo” num sentido lato, isto é, vão apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face-a-face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
Os “bilhetinhos” de Jânio da Silva Quadros, isto é, o ato da fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas, sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores etc.). Além disso, o ato de fala sob a forma de bilhete é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor, como as de outros autores: ele decorre, portanto, da situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é de certa maneira, parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.
Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política etc.). Mas essa comunicação verbal ininterrupta constitui por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado. Um importante problema decorre daí: o estudo das relações entre a interação concreta e a situação extralingüística – não só a situação imediata, mas também, através dela, o contexto social mais amplo. Essas relações tomam formas diversas, e os diversos elementos da situação recebem, em ligação co uma ou outra forma, uma significação diferente (assim, os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situação de comunicação artística diferem dos que uma comunicação científica). A comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação concreta. A comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode, evidentemente, isolar a comunicação verbal dessa comunicação global e perpétua evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias etc.), dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar.
Entretanto, a circulação da linguagem não verbal, na população, está praticamente restrita ao espaço da ilustração e, como tal, não recebe um tratamento adequado na sua formulação e, muito menos, na sua exploração. As imagens apenas acompanham a linguagem verbal, motivando-a para a imagético, como aproveitamento precário do jogo das linguagens, jogo este que possibilitaria ao pesquisador dar vazão à sua competência de leitor do mundo. A ausência da exploração do não verbal como um texto, reduz a um signo vazio de sentido, isto é, um mero objeto.
Para trocar idéias sobre as linguagens verbais e não verbais é imprescindível estar consciente da nossa percepção de mundo. Nossa sensibilidade nos dá condições de ir além do sentido que se possa querer atribuir a um texto, pois, formada pela incompletude para a condição da linguagem, ela está pronta para a leitura não como mero exercício de buscar resposta ou sentido, mas como experiência de produzir sentidos, de permitir a interação de sujeitos como uma prática plural da significação.
Inseridos numa época, impossível seria negar a nossa condição de sujeito. Refletindo sobre os “bilhetes”, não podemos deixar de reconhecer uma história de Jânio da Silva Quadros, que está além dos livros. Não quero, entretanto, negar a existência do que está ou poderia vir a ser dito, e sim constatar que há um olhar cuja percepção difere, em muito de outros olhares do passado. É o olhar de nossa experiência, de um passageiro de um mundo urbano, que cumpre a rotina do dia-a-dia, cercado por linguagens, portanto, as linguagens verbais e não verbais, é a identidade do indivíduo e, como tal, representa a ação do sujeito no percurso de sua experiência.
 
JÂNIO, O MAIS CONTROVERTIDO POLÍTICO BRASILEIRO
 
Dono de uma personalidade incomum e de um estilo político singular, Jânio imprimiu sua marca pessoal na vida do país.
Ele tinha um repertório cênico e retórico de vocação populista, marcado por gestualidade ostensiva, vocabulário rebuscado e tiradas imprevisíveis.
O sucesso de sua imagem pública foi, como tudo nele, um signo.
Ninguém na história deste país arrebatou multidões tão apaixonadas, mãos levantadas em aplausos e tão plenas de esperanças, quanto ele.
Não existia, no seu tempo de glória, a força da televisão, que apenas engatinhava. Ele foi o primeiro e grande comunicador político a utilizar técnicas não convencionais.
Tudo era ao vivo. Suas maneiras de convencimento eram devastadoras. O comício era o grande cenário; ele, o próprio espetáculo. Começava a falar como hábil domador de massas. Cortejava cada grupo, cada classe. Tinha uma palavra de lisonja e carinho que atingia em cheio cada segmento. A multidão parava para escutá-lo, subjugada.
Carregava nos tons da voz, que levantava no exato instante os temas da paixão. Despertava o ódio, açulava a revolta, levando as multidões ao delírio. Em seguida, suavemente dizia a todos, a mensagem salvadora.
Memória fotográfica, em cada ocasião escolhia uma citação inusitada, de modo a deixar boquiabertos os milhões que o ouviam num silêncio ensurdecedor.
O autoritarismo e o carisma foram seus traços característicos. Seus bilhetinhos tornaram-se célebres.
Jânio foi considerado um precursor do marketing político. Sabia criar eventos que seriam notícia. Ele sempre conseguiu criar fatos políticos. Usava a vassoura como símbolo da promessa de "varrer" a corrupção. Ele falava com a mídia e com o eleitorado por meio de imagens. Ao pendurar um par de chuteiras na porta do seu gabinete na Prefeitura em 86 indicando disposição de se aposentar conseguiu o efeito desejado: políticos e jornalistas passaram a especular sobre o gesto. Jânio não saía do noticiário.
A marca de Jânio sempre foi a surpresa. Irritado ou de bom humor, sempre oferecia um bom ângulo. Era capaz de reações intempestivas e de grande ironia.
 
JÂNIO IDOLATRADO E ODIADO
 
Ninguém em nossa história foi tão idolatrado e odiado. Homem exuberante conseguiu despertar paixões tão contraditórias. Ele era um gênio, pessoa inteligente e de personalidade complexa. Fazia-se passar por doido, caprichoso, messiânico, visionário. Jamais explicava a razão de seus atos. Preferia deixar que o povo boquiaberto percebesse que ele tinha razão. Não gastava um centavo com publicidade oficial mas era manchete diariamente.
Jânio foi inimitável, sem herdeiros políticos. Ele representou a maior bofetada que as elites brasileiras Já receberam.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
 
 
VALENTE,Nelson. Fi-lo porque quis.São Paulo O Artífice Editorial.São Paulo,2002.
 
BROSSO, Rubens.VALENTE, Nelson. Elementos da Semiótica. Comunicação Verbal e Alfabeto Visual.São Paulo.Panorama,2000.
 
VALENTE,Nelson. O processo de comunicação do político Jânio da Silva Quadros numa perspectiva da semiótica peirceana.São Paulo:Dissertação ( Mestrado em Comunicação e Mercado).Fundação Cásper Líbero,1995.
 
VALENTE, N.: Jânio e Saulo. Rio de Janeiro, Vozes, 1992.
________________: A vida de Jânio em Quadros. São Paulo, Nacional, 1993.
______ Jânio de fio a pavio. 2ªed., São Paulo: Edicon, 1996.
_______ Jânio Quadros face a face com a renúncia. São Paulo: Panorama, 1997.
_______ Luz... câmera... Jânio Quadros em ação: o avesso da comunicação. São Paulo, Panorama, 1998.
_______ Retalhos de uma República. São Paulo: Panorama, 1999.
DEPOIMENTOS do próprio ex-presidente Jânio Quadros e políticos ao Autor.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANEXOS
MINISTÉRIO DA AERONÁUTICAExcelência:Solicito seja dada cobertura de vôo e assistência técnica ao avião DC-3, prefixo PT-BIG, de propriedade do Banco de Crédito da Amazônia S.A., em todo o Território Nacional. Fica autorizado o reabastecimento do mesmo avião nas fontes da FAB, pagando o BCA exclusivamente as despesas feitas.J. Quadros24.08.61 MINISTÉRIO DA JUSTIÇAExcelência:1) Designar um advogado para, juntamente com dois funcionários da SUMOC, a serem designados pelo Ministério da Fazenda, a fim de que venham a proceder a um exame meticuloso e acurado dos atos e fatos administrativos ocorridos no Banco de Crédito da Amazônia S.A. a partir de 1954 até 31.3.61.2) Dar a esse importante trabalho o sentido de AUDITORIA, de sorte a delimitar responsabilidades por operações consideradas danosas ao patrimônio daquele Banco.J. Quadros24.8.61 MINISTÉRIO DA AGRICULTURAExcelênciaAutorizar os Agrônomos e Veterinários desse Ministério a prestar ao Banco de Crédito da Amazônia S.A. os serviços técnicos de que venha necessitar, inclusive avaliações de safras e de propriedades rurais.J. Quadros24.8.61 MINISTÉRIO DA JUSTIÇAExcelência:1) Autorizar, com urgência, o funcionamento de estações de rádio/telegrafia e, facultativamente, fonia, pertencentes ao BCA, localizadas em Brasília (DF), Cuiabá (MT), Manaus (AM), Porto Velho (RD) e Rio Branco (AC), com freqüência entre 13.000 e 16.000 Kc/s, medida esta última que deverá ser estendida à estação de Belém (PA) já autorizada a funcionar (Portaria nº 315, de 17.4.61, do Ministério da Viação e Obras Públicas), mas cuja freqüência é insuficiente (5.762,5 Kc/s).2) De igual forma, autorizar a utilização da freqüência de 8.160 Kc/s para todas aquelas estações darem cobertura de vôo ao avião DC-3, prefixo PT-BIG, pertencente ao BCA.J. QUADROS24.8.61 SUPERINTENDÊNCIA DO PLANO DE VALORIZAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIASenhor Superintendente:1) Determino que todas as verbas do Fundo de Fomento à Produção do exercício de 1961 sejam aplicadas exclusivamente pelo Banco de Crédito da Amazônia S.A., embora sob fiscalização da SPVSA, no financiamento a pequenos e médios produtores, nos setores agrícola e pecuário e na pequena indústria de artesanato.2) Os grandes empreendimentos industriais e as grandes operações não devem ocorrer à conta do Fundo de Fomento à Produção, pois o Governo deseja com prioridade, assistir ao pequeno e médio produtor.J. Quadros24.8.61 SUPERINTENDÊNCIA DA MOEDA E DO CRÉDITO1) Fornecer, com urgência, ao Banco de Crédito da Amazônia S.A. cartas patentes para funcionamento de Agências em Curitiba, Florianópolis, Belo Horizonte, Goiânia, Recife, Salvador, Corumbá e Campo Grande;2) Atender, em regime de prioridade, o fornecimento de cartas patentes ao BCA para a instalação de Agência em outras 13 (treze) praças, todas situadas na região Amazônica, cujos pedidos serão apresentados após os estudos que estão sendo realizados entre o BCA e o Banco do Brasil.J. Quadros24.8.61