Era uma vez
A Carochinha,
Achou cinco réis
Ao varrer da cosinha.
A Carochinha
Poz-se á janella
A vêr quem queria
Casar com ella:

«Quem quer casar
Com a Carochinha,
Que ella é fermosa
E bonitinha?

Passou um porco:
— Quero-vos eu!
«Que comes tu?
— Do que Deus deu.
«Fó, fó, ó porco,
Eu não te quero;
Melhor marido
Que tu espero.

«Quem quer casar
Com a Carochinha,
Que ella é fermosa
E bonitinha?

Passou um cão:
— Quero-vos eu!
«Que comes tu?
— Do que Deus Deu.
«Fó, fó, ó cão,
Eu não te quero;
Melhor marido
Que tu espero.

Vão passando o boi, o gato e outros animaes, e ella sempre:

Quem quer casar
Com a Carochinha,
Que ella é fermosa
E perfeitinha?

Passou um rato:
— Quero-vos eu!
«E tu que comes?
— O bom é meu.
«A ti, ó rato,
A ti eu quero:
Melhor marido
Não no espero.

Casaram-se, e elle chamava-se o João Ratão.

Domingo á missa
Ambinhos vão;
Feijões ao lume
No caldeirão.
Viu-se a Carochinha
Sem leque na mão:
«Carochinha sem leque!
Que não dirão?
Vae-me por elle,
Meu João Ratão.

Chega elle a casa
Vae ao caldeirão,
Metteu um pé,
Metteu a mão,
Cahiu lá dentro
O João Ratão.
Acabou a missa;
Carochinha então
Veiu sem leque
Nem João Ratão,
Procura na casa,
Vae ao caldeirão…

«Ai meu marido,
Meu João Ratão
Cosido e assado
No caldeirão!

Pergunta a tripeça
Do pé do lar:
— Que tens, Carochinha,
Que estás a chorar?
«Morreu João Ratão
E eu estou a bradar.
— E eu que sou tripeça
Ponho-me a dansar.

Diz d’alli a porta:
— Que tens, tripeça,
Que estás a dansar?
— Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar
E eu que sou tripeça
Puz-me a dansar.
— Eu eu que sou porta
Ponho-me abrir e a fechar.

Diz d’alli a trave:
— Que tens tu, ó porta,
A abrir-te e a fechar?
— Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar,
Eu eu que sou porta
Puz-me a abrir e a fechar.
— «E eu que sou trave
Vou-me quebrar.

Diz d’alli o pinheiro:
«— Que tens tu ó trave,
Que te estás a quebrar?
— «Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar
A porta a abrir e a fechar,
E eu trave a quebrar.
«— E eu que sou pinheiro
Vou-me arrancar.

Vem os passarinhos:
«Que tens tu, pinheiro,
Para te arrancar?
«— Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave a quebrar,
E eu a m’arrancar.
«Nós os passarinhos
Tirámos os olhinhos.

Elles foram beber agua e perguntou a fonte:

«Porque foi, passarinhos,
Que tirastes os olhinhos?
«Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar,
A porta a abrir e a fechar;
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
E nós os passarinhos
Tirámos os olhinhos.
«E eu que sou fonte
Vou-me seccar.

Vieram os filhos do rei com os cantarinhos e acharam a fonte secca:

—«Que tens tu, fonte,
Para te seccar?
«Morreu O João Ratão,
A Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar,
A porta a abrir e a fechar;
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se;
Os passarinhos,
Tiraram os olhinhos,
E eu que sou fonte
Não havia de seccar?
—«E nós, infantinhos,
Quebrámos os cantarinhos.

Foram os principes para palacio e perguntou a rainha:

«—Que tendes, meninos,
Que quebraes os cantarinhos?
—«Morreu o João Ratão,
A Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar,
A porta a abrir e a fechar;
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se;
Os passarinhos
Tiraram os olhinhos,
E nós quebrámos
Os cantarinhos.
«—E eu que sou a rainha
Ponho-me em fraldinha,
E o rei com pezar
Poz o seu cú a assar.

(Porto, e ilha de S. Jorge.)